ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E A PARTICIPAÇÃO DO AMICUS CURIAE EM SEU PROCESSO



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ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E A PARTICIPAÇÃO DO AMICUS CURIAE EM SEU PROCESSO Dalton Santos Morais Procurador Federal. Procurador-Chefe Substituto da Procuradoria Federal no Estado do Espírito Santo. Coordenador da Representação da Escola da AGU no Estado do Espírito Santo. Especialista em Direito do Estado. Professor de Direito Constitucional e Tópicos Especiais de Processo Civil no Curso de Direito das Faculdades Espírito-Santenses FAESA. RESUMO: Após a redemocratização construída a partir de 1988, a sociedade brasileira vêse dotada de legitimidade constitucional para exigir, cada vez mais, do Poder Judiciário a imposição coercitiva da Constituição quando a mesma é descumprida pelo diversos atores estatais e sociais. Considerando, assim, a importância do controle de constitucionalidade para a efetivação de uma Constituição, a capacidade de adaptação do instituto aos mais diversos sistemas políticos e a volatilidade de nossa atual realidade político-social, torna-se imprescindível contribuir para o aprimoramento do controle de constitucionalidade brasileiro, objetivo este que o presente artigo pretende atingir expondo, analisando e criticando umas das mais importantes tendências de nosso controle de constitucionalidade: a abstrativização da via difusa de controle no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Constitucional. Controle. Difuso. Constitucionalidade. 1 INTRODUÇÃO Mesmo mantida a convivência entre os sistemas difuso e concentrado de controle de constitucionalidade, é pacífico o entendimento da doutrina nacional de que, após a edição da Constituição da República de 1988 (CR/88), o nosso sistema de controle de constitucionalidade passou por significativa mudança para permitir a efetiva aplicação da Constituição. Neste contexto, sob a égide do retorno a uma democracia, a sociedade brasileira adotou como ferramenta para a perenização daquela Constituição o incremento do sistema abstrato de controle de constitucionalidade sem olvidar do clássico sistema difuso -, através das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) não mais se confundem com a representação interventiva e o alargamento dos legitimados para a propositura de tais ações. Entretanto, ressalte-se que o controle de constitucionalidade brasileiro ainda sofreu, após a edição da Carta de 1988, inúmeros aperfeiçoamentos para a concretização daquela Constituição republicana. Neste contexto, apenas para citar alguns exemplos, veja-se que a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) foi criada pela EC 03/93, tendo sido, recentemente, aperfeiçoada pela EC 45/04. Veja-se que o procedimento e os efeitos das decisões proferidas em ADI e ADC apesar de regimentalmente disciplinados no âmbito do STF somente foram regulados mais de uma década depois através da Lei 9868/99. Veja-se que, através da Lei 98882/99, foi regulada a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), prevista no art. 102, 1º 1 da CR/88. 1 Originalmente, parágrafo primeiro, tendo sido renumerado pela EC 45/04. 1

Ademais, considerados os cerca de 20 (vinte) anos, passados entre a edição da CR/88 e o presente momento, fato é que tanto a doutrina constitucionalista brasileira, quanto a jurisprudência do STF têm-se deparado, frequentemente, com novas temáticas no controle de constitucionalidade, as quais, sem dúvida alguma, requerem, tanto quantitativa quanto qualitativamente, esforço interpretativo por parte dos intérpretes da Constituição para sua solução. Nesta linha encontra-se o escopo do presente trabalho: trazer à baila questões atuais de controle de constitucionalidade para, com base na doutrina especializada e na jurisprudência do STF, expor e comentar os posicionamentos que vêm sendo adotados pela Corte Constitucional brasileira, a fim de que tais exposições sejam úteis a todos os demais intérpretes da Constituição. 2 ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO. Diante das várias recentes modificações constitucionais e legislativas, em especial a EC 45/04, não mais há que se falar em clássico controle difuso, pois este vem passando por evidente modificação no sentido de torná-lo abstrato, conforme se pode verificar pelas próprias modificações realizadas no ordenamento, como também pela atual jurisprudência do STF, a qual vem enfrentando matérias tais como a natureza objetiva do recurso extraordinário (repercussão geral); as súmulas vinculantes; a utilização de mecanismos próprios de controle concentrado no controle difuso, tais como amicus curiae no recurso extraordinário (RE) em Juizados Especiais Federais e efeitos ex nunc em RE; e a caracterização da função da resolução do Senado Federal, com base no art. 52, X da CR/88, para mera função de publicidade. A afluência de tais temas à Corte Constitucional, evidentemente, tem sua razão de ser na atual realidade constitucional e sócio-histórico brasileira. Em relação ao primeiro aspecto, é sabido que o sistema difuso de controle de constitucionalidade foi exclusivo, no Brasil, até a edição da EC 16/65, a qual introduziu o controle abstrato de normas em nosso país, outorgando ao Procurador-Geral da República o monopólio da chamada representação de inconstitucionalidade de lei federal ou estadual em face da Constituição. Entretanto, tal como noticia Aristides Junqueira 2, o controle abstrato de normas, até a edição da CR/88, tinha enorme empecilho a sua utilização com independência, à medida que o PGR, além de Chefe do Ministério Público Federal, era Chefe da representação judicial da União 3, sendo o titular do cargo de indicação do Poder Executivo e passível de demissão ad nutum pelo Presidente da República. Portanto, diante do monopólio da ação ao PGR e da situação antes relatada 4, difícil imaginar que o PGR tivesse independência funcional para a propositura de representação de inconstitucionalidade contra atos normativos federais de interesse do próprio Poder Executivo, ao qual o mesmo era vinculado e podia lhe exonerar, sem qualquer justificativa, 2 Controle de Constitucionalidade. p. 186/187. In CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. (Org.) 1988-1998: Uma década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 185/190. 3 Situação que perdurou até a instituição da Advocacia-Geral da União, através da Lei Complementar nº 73, de 10/02/1993. 4 Reações várias têm-se levantado contra a singularidade e a privatividade da argüição pelo Procurador-Geral da República. Não resta dúvida de que, no sistema atual, sendo o Procurador-Geral da República nomeado pelo Presidente da República(art. 95), sem nem mesmo ratificação pelo Senado, que, anteriormente, se exigia (Constituição de 1967, art. 138), essa vinculação pode significar restrição ao exercício dessa atribuição essencial, quando se trata de texto legal emanado pelo Presidente da República (v.g., decreto-lei), ou de sua iniciativa. CORRÊA, Oscar Dias. A crise da Constituição, a constituinte e o Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 66. 2

obriga-nos a concluir que se existente a ação própria ao controle abstrato de normas, inexistente a sistemática constitucional apta a permitir o seu exercício, pois o único legitimado a propositura da ação estava sob o controle político de um dos maiores violadores da Constituição. Neste sentido : Ressalte-se que a implementação da via da ação direta no Brasil, que é algo positivo para a garantia dos direitos dos indivíduos, tinha surgido exatamente no início do regime militar. Cabe compreender a peculiar forma pela qual esse instituto foi acolhido pelo ordenamento jurídico. [...] Atribuído com exclusividade ao Procurador-Geral da República, demissível ad nutum pelo Presidente, tornou-se um instrumento de pouco valor no controle dos atos inconstitucionais produzidos pelo Executivo ou de interesse deste. O Supremo Tribunal Federal só chegaria a apreciar uma questão de inconstitucionalidade, por via de ação direta, se esse alto funcionário, de confiança do Presidente, assim o quisesse. Surgiu dessa maneira um método de controle concentrado não apenas no sentido técnico-jurídico, mas principalmente político. 5 Tal situação modificou-se com a CR/88, a qual, além de atribuir ao PGR, exclusivamente, a Chefia do Ministério Público Federal outorgando-lhe prerrogativas suficientes ao exercício da função de defensor da sociedade brasileira e da ordem jurídico, realizou uma série de modificações em nosso sistema constitucional, de forma a dar preponderância ao controle abstrato de normas a ser realizado pelo STF, tais como, dentre outras, a distinção expressa entre a ADI e a representação interventiva de inconstitucionalidade, a quebra do monopólio da legitimação para a propositura de ADI e a criação da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADIo). Já em relação ao atual momento histórico vivido pela sociedade brasileira, podemos afirmar que, virtude da redemocratização sofrida pelo Brasil após a edição da CR/88, somos um país em construção 6, onde, cada vez mais, novos direitos são afirmados, tanto no Texto constitucional inclusive os direitos das minorias, agora protegidas pela Constituição - quanto no infraconstitucional, o que demanda não só o constante aperfeiçoamento da própria CR/88 e da legislação processual vigente, como também das próprias instituições jurisdicionais brasileiras, dentre as quais se pode fixar como marco de adequação aos novos tempos, o STF. 7 Isto porque, atualmente, o Poder Judiciário brasileiro vê-se de frente com o fenômeno das demandas em massa, estando obrigado a adequar-se a tal situação, típica de nossos tempos, sob pena de ver esvaziada a sua função precípua, qual seja a de prestar a efetiva tutela jurisdicional necessária à pacificação social. Não se pode mais, sob pena do sacrifício do valor da segurança jurídica previsto na Constituição, admitir que milhares de demandas idênticas, com objeto relacionado à própria Constituição, sejam decididas de forma diferente pelos juízes de primeiro grau, bem como 5 6 7 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 78/79. Pedindo vênia para pegar emprestado de José Antônio Dias Toffoli, atual Ministro Advogado-Geral da União, a presente expressão a qual tão bem se encaixa a nosso realidade brasileira. Ao redefinir as competências as competências do Supremo Tribunal Federal, ampliar a possibilidade de controle material da constitucionalidade de Emendas à Constituição, criar novas garantias constitucionais, alargar a lista de agentes legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade, o constituinte expandiu o espaço a ser ocupado pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto arena política de resolução de conflitos constitucionais. A constitucionalização de diversos temas, antes à margem de qualquer regulamentação jurídica, ou limitados à legislação ordinária, aumentou as atribuições do Supremo Tribunal federal, provocando o surgimento de uma nova esfera de conflitos constitucionais, na qual o Tribunal é chamado a intervir. (grifei) VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal:... Op. Cit. p. 17/18. 3

pelos Tribunais de 2ª instância, se a guarda da Constituição e, por conseqüência da constitucionalidade do ordenamento vigente, foi atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Apenas para se ter uma idéia da atual dimensão das demandas de massa, é da ordem de milhares o número de processos judiciais relacionados às diversas normas municipais, em contradição à Constituição vigente, vez que tais normas, v.g., ao estabelecerem a progressividade do Imposto Predial e Territorial Urbano IPTU 8 ; ao criarem a taxa de iluminação pública 9 e ao usarem a coleta e a limpeza pública urbana como fato gerador de taxa 10 nos milhares de Municípios brasileiros, atingiram milhões de contribuintes em todo o país. Imagine agora, considerando-se os efeitos clássicos das decisões proferidas em recurso extraordinário, a quantidade destes interpostos pelas edilidades, os quais precisaram ser julgados para que estes milhões de contribuintes tivessem acesso à decisão definitiva de acordo com a Constituição vigente. Apenas a título de ilustração do que representa o controle difuso no Brasil, veja-se que, no ano de 2007, com dados atualizados em 11/11/2007, deram entrada no Supremo Tribunal Federal 48.837 (quarenta e oito mil e oitocentos e trinta e sete) 11 recursos extraordinários para a apreciação da Corte. Considerando-se toda a demanda anterior, todas as demais competências exercidas pela Corte 12 e o fato de que a Corte conta com apenas 11 (onze) ministros, pode-se ter uma dimensão do tempo que se demora para que o jurisdicionado alcance uma decisão definitiva de acordo com a Constituição neste sistema de controle de constitucionalidade, sendo que a crença ou melhor o descrédito no Poder Judiciário seria ainda maior em caso de demandas com posicionamento já pacificado pelo Próprio STF em demandas anteriores. A situação acima descrita é bem elucidada por Gustavo Binenbojm, segundo o qual: Por outro lado, do ponto de vista prático, a introdução de um sistema difuso em países ligados à tradição romano-germânica que de resto se deu em diversos países, que não conhecem o princípio do precedente vinculativo (stare decisis), típico dos sistemas de common law, se revelaria problemática do ponto de vista das segurança jurídica. De fato, uma determinada lei poderia não ser aplicada por alguns juízes, sob o argumento da inconstitucionalidadede, enquanto outros juízes, de opinião contrária, poderiam entendê-la aplicável. Ademais, é possível que se formem verdadeiras tendências contrastantes entre órgãos judiciários de diversos graus, como ocorre, v.g., entre juízes de primeiro grau geralmente mais jovens e progressistas e juízes de instâncias superiores -, gerando uma situação de grave conflito entre órgãos e de incerteza do direito, situação perniciosa quer para os indivíduos como para a coletividade e o Estado. [...] A pletora de ações rigorosamente iguais (circunstância tão freqüente na realidade brasileira) sem uma solução célere e homogênea, além de emperrar 8 9 RE 228.844/SP. Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 16.6.1999 RE 364.160, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7.2.2003. 10 AI 423.252, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 15.4.2003 11 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Relatório de atividades 2007. p. 11 Disponível em < http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/principaldestaque/anexo/relativ2007.pdf>. Acesso em :02/04/2008. 12 Segundo o Ministro Joaquim Barbosa, citado por Carlos Mário da Silva Velloso, o STF constitui-se em Juiz Constitucional, Tribunal da Federação, Juiz que julga a Administração Pública, assim juiz administrativo, juiz penal, Alta Corte de Justiça (julga o Presidente da República e os membros do Congresso Nacional nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes das Forças Armadas), Tribunal de Conflitos, Juiz de Execução e Autoridade Judiciária não contenciosa. GOMES, Joaquim B. Barbosa. La Cour Suprême dans lê Système Politique Brésilien. In VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O Supremo Tribunal Federal após 1988: em direção a uma Corte Constitucional. p. 196 In SAMPAIO, José Adércio Leite. (Org.) 15 anos de Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 191/202. 4

o funcionamento da máquina judiciária, representa um foco recorrente de conflitos sociais e descrédito das instituições do Estado de Direito. 13 Neste contexto, é que se vem lançando, tanto legislativamente, quanto doutrinária e jurisprudencialmente, as bases para um controle difuso abstrato de constitucionalidade, onde as decisões emanadas pelo plenário do STF venham a ter eficácia geral e não restrita entre as partes, como forma de proteger efetivamente a Constituição, garantindo que a efetivação da decisão jurisdicional realize os valores da segurança jurídica e da razoável duração do processo declarados pela própria Constituição de 1988. E a principal característica desta construção está relacionada com a caracterização da natureza objetiva do recurso extraordinário, o qual não deveria ser utilizado como mero instrumento de perseguição de direitos subjetivos das partes no processo judicial, mas sim como meio constitucionalmente estipulado para a preservação da própria Constituição vigente, posicionamento que o STF vem adotando reiteradamente. No sentido da objetivação do recurso extraordinário, veja-se o posicionamento adotado pelo STF, seguindo voto do Min. Gilmar Ferreira Mendes, de que a natureza objetiva do recurso extraordinário permitiria que a Corte, durante o julgamento do HC 82959 14, ao considerar inconstitucional o art. 2º, 1º da Lei 8.072/90 - o qual vedava a progressão de regime em crimes hediondos, aplicasse o art. 27 da Lei nº 9.868/99 para aplicar efeitos ex nunc à mencionada decisão 15, em contradição ao efeito ex tunc, típico do controle difuso. Além disso, em decorrência da decisão antes mencionada, está sob debate no plenário do STF 16 a aplicabilidade do art. 52, X da CR/88, segundo o qual a decisão em controle difuso de constitucionalidade, para produzir efeito erga omnes, deve ser submetida ao Senado Federal. Segundo o voto do relator, Min. Gilmar Ferreira Mendes, há mutação constitucional no presente caso, à medida que o dispositivo constitucional em comento não teria mais razão de ser, vez que resta ultrapassada a interpretação absoluta que se dava ao princípio da separação dos poderes, bem como devido a ter-se consolidado no Brasil a função de controle de constitucionalidade como natureza eminentemente jurisdicional, exclusivamente a cargo do STF no controle abstrato, pelo que o efeito decorrente da resolução expedida pelo Senado federal seria de mera publicidade, opinião esta que merece ser estudada profundamente em outra trabalho específico. 13 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 40/41. 14 HC 82.959/SP Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio. J. 23/02/2006 DJ 01/09/2006 p. 18 15 A aplicação do art. 27 da Lei nº 9868/99, na hipótese em questão, para conferir eficácia ex nunc ao julgado em questão foi necessária para evitar que a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo pela Corte Constitucional, com os regulares efeitos pretéritos, invalidasse todas as vedações a progressões de regime em crimes hediondos, permitindo-se ao juiz de execução penal individualizar a questão da inconstitucionalidade na vedação da progressão pela natureza do crime. Ou seja, se o preso estivesse impedido de progredir de regime por outros óbices de natureza legal, a declaração de inconstitucionalidade da vedação pela natureza do crime, com efeitos ex nunc, não impediria ao juiz da execução penal em mantê-lo preso em regime mais grave por outras determinações legais que não o art. 2º, 1º da Lei 8.072/90. Veja-se que a teor de lição expendida pelo próprio Ministro Gilmar Mendes Ferreira, a aplicação do art. 27 da Lei nº 9868/99 na hipótese em questão nada mais representa do que a aplicação de uma técnica de decisão própria do sistema norte-americano. Vejamos: A Suprema Corte americana vem considerando o problema proposto pela eficácia retroativa de juízos de inconstitucionalidade a propósito de decisões em processos criminais. Se as leis ou atos inconstitucionais nunca existiram enquanto tais, eventuais condenações nelas baseadas quedam ilegítimas e, portanto, o juízo de inconstitucionalidade implicaria a possibilidade de impugnação imediata de todas as condenações efetuadas sob a vigência de norma inconstitucional. Por outro lado, se a declaração de inconstitucionalidade afeta tão-somente a demanda em que foi levada a efeito, não há que se cogitar de alteração de julgados anteriores. MENDES, Gilmar Ferreira. O controle de constitucionalidade das leis no Brasil: balanço e perspectivas. p. 216 In CARMARGO, Margarida Maria Lacombe. 1988-1998... Op. Cit. P. 191/244. 16 Reclamação: cabimento e Senado Federal no controle de constitucionalidade. Informativos STF nº 454 e 463. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 17/03/2008. 5

Também reconhecendo a importância do RE como mais do que um recurso com finalidade meramente subjetiva, acórdão, relatado pela Min. Ellen Gracie, onde para que se pudesse apreciar a demanda de relevante característica constitucional formulada no RE, que teve seguimento negado, e aplicar a jurisprudência dominante da Corte Constitucional, afastou-se vício meramente processual em agravo de instrumento dirigido ao STF. 17 Outro caso, onde se pode verificar o posicionamento no sentido da objetivação do recurso extraordinário, deu-se na atribuição de efeito erga omnes pelo Tribunal Superior Eleitoral à decisão proferida pelo STF no RE 197917, onde a Corte interpretou a cláusula de proporcionalidade prevista no art. 29, IV da CR/88, relativa ao número de vereadores em cada município. Sob o argumento de que o efeito inter partes, e não o erga omnes, seria típico do controle difuso realizado no recurso extraordinário, ajuizou-se ação direta de inconstitucionalidade 18 contra a Resolução TSE nº 21702/04, através da qual se normatizou o entendimento do STF realizado no mencionado RE. No julgamento da ADI 3365, entendeu-se que não haveria qualquer óbice ao TSE em editar norma no mesmo sentido da decisão plenária do STF a respeito do tema, vez que este, mesmo nos julgamentos proferidos em sede de recurso extraordinário, está atuando como guardião da Constituição, com o fim de tornar-lhe efetiva. Além dos posicionamentos jurisprudenciais do STF acima demonstrados, percebe-se que a legislação também vem atribuindo, de forma expressa, natureza objetiva ao recurso extraordinário. É o que se percebe, v.g., com a edição do art. 543-A do CPC, pela Lei nº 11.418/06, na qual, à luz do writ of certiorari norte-americano, criou-se a repercussão 17 AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDORES DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. REAJUSTE DE VENCIMENTOS CONCEDIDO PELA LEI MUNICIPAL 7.428/94, ART. 7º, CUJA INCONSTITUCIONALIDADE FOI DECLARADA PELO PLENO DO STF NO RE 251.238. APLICAÇÃO DESTE PRECEDENTE AOS CASOS ANÁLAGOS SUBMETIDOS À TURMA OU AO PLENÁRIO (ART. 101 DO RISTF). 1. Decisão agravada que apontou a ausência de prequestionamento da matéria constitucional suscitada no recurso extraordinário, porquanto a Corte a quo tão-somente aplicou a orientação firmada pelo seu Órgão Especial na ação direta de inconstitucionalidade em que se impugnava o art. 7º da Lei 7.428/94 do Município de Porto Alegre - cujo acórdão não consta do traslado do presente agravo de instrumento -, sem fazer referência aos fundamentos utilizados para chegar à declaração de constitucionalidade da referida norma municipal. 2. Tal circunstância não constitui óbice ao conhecimento e provimento do recurso extraordinário, pois, para tanto, basta a simples declaração de constitucionalidade pelo Tribunal a quo da norma municipal em discussão, mesmo que desacompanhada do aresto que julgou o leading case. 3. O RE 251.238 foi provido para se julgar procedente ação direta de inconstitucionalidade da competência originária do Tribunal de Justiça estadual, processo que, como se sabe, tem caráter objetivo, abstrato e efeitos erga omnes. Esta decisão, por força do art. 101 do RISTF, deve ser imediatamente aplicada aos casos análogos submetidos à Turma ou ao Plenário. Nesse sentido, o RE 323.526, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence. 4. Agravo regimental provido. (grifei) AI-AgR 375011 Rel. Min. Ellen Gracie 2ª Turma j. 05/10/2004 Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 27/03/2008. 18 Resolução do TSE e Fixação do Número de Vereadores - 2 Em relação ao mérito, concluiu-se pela inexistência das apontadas violações aos princípios da reserva de lei, da separação de poderes, da anterioridade da lei eleitoral e da autonomia municipal. Esclareceu-se que a Resolução 21.702/2004 foi editada com o propósito de dar efetividade e concreção ao julgamento do Pleno no RE 197917/SP (DJU de 27.4.2004), já que nele o STF dera interpretação definitiva à cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da CF, conferindo efeito transcendente aos fundamentos determinantes que deram suporte ao mencionado julgamento. Salientando que a norma do art. 16 da CF, consubstanciadora do princípio da anterioridade da lei eleitoral, foi prescrita no intuito de evitar que o Poder Legislativo pudesse inserir, casuisticamente, no processo eleitoral, modificações que viessem a deformá-lo, capazes de produzir desigualdade de participação dos partidos e respectivos candidatos que nele atuam, entendeu-se não haver afronta ao referido dispositivo, uma vez que a Resolução sob análise não ocasionou qualquer alteração que pudesse comprometer a finalidade visada pelo legislador constituinte. Da mesma forma, foram afastadas as demais alegações de infringência a postulados constitucionais. Afirmou-se que o TSE, dando expansão à interpretação constitucional definitiva assentada pelo Supremo - na sua condição de guardião maior da supremacia e da intangibilidade da Constituição Federal - em relação à citada cláusula de proporcionalidade, submeteu-se, na elaboração do ato impugnado, ao princípio da força normativa da Constituição, objetivando afastar as divergências interpretativas em torno dessa cláusula, de modo a conferir uniformidade de critérios de definição do número de Vereadores, bem como assegurar normalidade às eleições municipais. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava pela procedência dos pedidos, ao fundamento de que o TSE extrapolou sua competência para editar resoluções - a qual estaria limitada ao cumprimento do Código Eleitoral (Cód. Eleitoral, art. 23, IX) - ao fixar tabela quanto ao número de vereadores, cuja incumbência, nos termos do inciso IV do seu art. 29 da CF, e desde que observados os limites mínimo e máximo previstos neste último dispositivo, seria de cada Câmara de Vereadores, por meio de Lei Orgânica dos Municípios. ADI 3345/DF e ADI 3365/DF. Rel. Min. Celso de Melo. J. 25/08/2005 Informativo STF 398, de 22 a 26 de agosto de 2005. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 03/12/2007. 6

geral, segundo a qual o recorrente, ao manejar o recurso extraordinário, deverá demonstrar que a questão constitucional objeto do recurso extrapola os simples interesses subjetivos envolvidos na demanda, sendo dotada de repercussão que permita o julgamento do recurso pelo STF no exercício de sua finalidade precípua, a de guardião da Constituição. Tal limitação de ordem objetiva na admissão do recurso extraordinário já era há muito desejada não só pela doutrina, mas também pela própria Corte Constitucional, conforme se verifica pela exposição do ex - Ministro Carlos Mário da Silva Velloso: A crise do Supremo Tribunal Federal, que reflete a crise do Judiciário brasileiro, situa-se no controle difuso. A Constituição brasileira é por demais extensa, praticamente todos os ramos do direito estão nela disciplinados, e não existem óbices ao recurso extraordinário. Daí a necessidade de serem instituídos mecanismos capazes de impedir a subida à Corte de recursos sem relevância social e para acabar com a massa inútil de recursos que repetem a mesma tese de direito mais de mil vezes. 19 Ressalte-se que, apesar de importar na diminuição no número de recursos extraordinários submetidos ao julgamento do STF 20, o que inclusive é objeto de crítica de parte da doutrina constitucionalista brasileira 21, o objetivo fundamental da instituição da repercussão geral não é de ordem quantitativa, mas sim qualitativa com fim precípuo de alçar à Corte Constitucional brasileira apenas os recursos de relevante ordem constitucional que importem em alteração ou violação à realidade político-social desejada pela Constituição. 22 23 A súmula vinculante, sim, é que foi criada sob o aspecto meramentequantitativo, com o fim de propiciar a prestação jurisdicional de forma célere 24 e compatível com o princípio da segurança jurídica resguardado pela própria Constituição. 25 19 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O Supremo Tribunal Federal após 1988: em direção a uma Corte Constitucional. p. 197 In SAMPAIO, José Adércio Leite. (Org.) 15 anos Op. Cit. p. 191/202. 20 Com o estabelecimento do requisito de admissibilidade da argüição de repercussão geral para o julgamento dos recursos extraordinários, assim como a edição de súmulas vinculantes pela Corte, prevê-se a diminuição significativa do número de processos para os próximos anos.(grifei) SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Relatório Op. Cit. p. 9. 21 O ônus da parte de ter que demonstrar o significado, a relevância, importância geral seja o que for de uma questão constitucional é absolutamente incompatível com o processo objetivo, onde, não custa lembrar, não se discute interesses processuais ou privados em primeira linha, mas busca-se esclarecer a dúvida quanto à constitucionalidade em razão da possível inconstitucionalidade e em consonância com o interesse público implícito em tal esclarecimento. No sistema processual objetivo não se concebe, portanto, questão constitucional que não tenha repercussão geral. MARTINS, Leonardo. A retórica do processo constitucional objetivo no Brasil. p. 30. In CAMARGO, Marcelo Novelino. (Org.) Leituras complementares de constitucional:controle de constitucionalidade. Salvador: Podivm, 2007. p. 15/32. 22 CPC com a redação dada pela Lei 11.418/06 Art. 543-A O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. 1º - Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. (grifei) 23 Saulo Ramos indica-se como sendo o autor da idéia de súmula vinculante no Brasil: Podem atirar pedras, mas a idéia da súmula vinculante foi minha, e limitada à questão constitucional, por um motivo muito simples. O Supremo Tribunal declara inconstitucional uma determinada lei. O juiz de primeiro grau, ou um Tribunal qualquer, sob a presunçosa invocação do juiz natural, acha que o Supremo está errado e aplica a lei contra o direito do cidadão brasileiro. Se a vítima tem dinheiro para pagar advogado, pode recorrer e chegar até Brasília. A vitória está assegurada, porque o Supremo declarou inconstitucional a lei aplicada contra o recorrente. Aqui já se misturam dois tipos de recurso: o extraordinário e o mais extraordinário ainda, que é o recurso financeiro. Sem este, aquele não anda. Mas o pobre, que sofre lesão igual, não tem como se defender. Terá o seu direito negado por falta de recurso processual infraconstitucional. Nosso sistema permite, assim, que transite em julgado (proteção constitucional) a aplicação da lei declarada inconstitucional pela Suprema Corte. É coisa de maluco. RAMOS, Saulo. Código da vida. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. p. 70/71. 24 A Súmula Vinculante, introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 45/2004, é um instrumento de uniformização 7

Neste contexto, a EC 45/04, a chamada Reforma do Judiciário, estipulou a possibilidade de edição pelo STF de súmula vinculante 26 em matéria constitucional, após reiteradas decisões da Corte na via do controle incidental e/ou difuso, com o fim de evitar-se o ajuizamento de demandas ou, caso isso não seja possível, diminuir o tempo para a tramitação de causas que já foram pacificadas, definitivamente, pela própria Corte Constitucional anteriormente 27. Outras disposições legais, que caracterizam expressamente a natureza objetiva do recurso extraordinário, são os artigos 14 e 15 da Lei nº 10.259/01, onde se estruturou o recurso extraordinário nos juizados especiais federais (JEF s) à luz das disposições próprias do controle concentrado de constitucionalidade, conforme se pode verificar pelas normas próprias ao julgamento de ADI/ADC, contidas na Lei nº 9.868/99, e de ADPF, na Lei nº 9.882/99. De ver-se, portanto, que se adotou para o julgamento do RE, decorrente de processos dos JEF s, disposições próprias do processo objetivo relativo às ações diretas, tais como: a) a possibilidade de encaminhamento de alguns recursos ao STF para a obtenção do posicionamento da Corte sobre a matéria constitucional, enquanto restariam suspensos os demais recursos 28 (art. 14, 6º c/c art. 15 29 ); b) a possibilidade de conceder-se medida de jurisprudência mais eficiente que o sistema anterior, pois vincula todos os juízes e tribunais aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, sobre a interpretação consolidada de matéria constitucional. Este recurso tem um efeito unificador do direito brasileiro, o que confere coerência e credibilidade ao sistema judiciário do país. É um instrumento a dar celeridade aos processos, a desafogar as instâncias superiores quanto a questões já decididas, a tornar acessível a todos as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, enfim, a racionalizar o sistema jurídico. RISPOLI, Adriana Barzotto. A uniformização da jurisprudência pela súmula vinculante A realização dos valores constitucionais: Segurança, liberdade e igualdade. In Revista da AGU. Nº 58 Novembro/2006. Disponível em <https://redeagu.agu.gov.br/unidadesagu/ceagu/eagu.htm>. Acesso em: 02/04/2008. 25 As súmulas vinculantes são resultantes, principalmente, de julgamentos de questões de massa, que individualmente proliferam nos fóruns, em repetidas ações. A consolidação desses precedentes ou de entendimento uniforme adotado pelo Tribunal em certos casos evita o surgimento de ações semelhantes e a multiplicação de processos para apreciação em todos os níveis de jurisdição. 26 Com a aplicação desse instrumento, espera-se uma deflação da demanda que atualmente sobrecarrega a Justiça Federal e as Varas de Fazenda Pública, e com esse espírito, então, alcançar mais célere desempenho nas demais questões atribuídas ao Tribunal. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Relatório Op. Cit. p. 15. Instituto regulado pela Lei nº 11.417/06. 27 [...] não é razoável admitir-se que o Judiciário esteja com seus canais inteiramente congestionados, com milhares de processos em tramitação no Brasil inteiro, quando o Supremo Tribunal Federal, com uma única decisão, poderia resolver definitivamente a questão, tornando desnecessários milhares de processos. MACHADO, Hugo de Brito. Ação declaratória de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 111. 28 DECISÃO: [...] Esse novo modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário entre nós. Esse instrumento deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). Nesse sentido, destaca-se a observação de Häberle segundo a qual "a função da Constituição na proteção dos direitos individuais (subjectivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo", dotado de uma "dupla função", subjetiva e objetiva, "consistindo esta última em assegurar o Direito Constitucional objetivo" (Peter Häberle, O recurso de amparo no sistema germânico, Sub Judice 20/21, 2001, p. 33 (49). Essa orientação há muito mostra-se dominante também no direito americano. Já no primeiro quartel do século passado, afirmava Triepel que os processos de controle de normas deveriam ser concebidos como processos objetivos. Assim, sustentava ele, no conhecido Referat sobre "a natureza e desenvolvimento da jurisdição constitucional", que, quanto mais políticas fossem as questões submetidas à jurisdição constitucional, tanto mais adequada pareceria a adoção de um processo judicial totalmente diferenciado dos processos ordinários. "Quanto menos se cogitar, nesse processo, de ação (...), de condenação, de cassação de atos estatais -- dizia Triepel -- mais facilmente poderão ser resolvidas, sob a forma judicial, as questões políticas, que são, igualmente, questões jurídicas". (Triepel, Heinrich, Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit, VVDStRL, Vol. 5 (1929), p. 26). Triepel acrescentava, então, que "os americanos haviam desenvolvido o mais objetivo dos processos que se poderia imaginar (Die Amerikaner haben für Verfassungsstreitigkeiten das objektivste Verfahren eingeführt, das sich denken lässt) (Triepel, op. cit., p. 26). Portanto, há muito resta evidente que a Corte Suprema americana não se ocupa da correção de eventuais erros das Cortes ordinárias. Em verdade, com o Judiciary Act de 1925 a Corte passou a exercer um pleno domínio sobre as matérias que deve ou não apreciar (Cf., a propósito, Griffin. Stephen M., The Age of Marbury, Theories of Judicial Review vs. Theories of Constitutional Interpretation, 1962-2002, Paper apresentado na reunião anual da 'American Political Science Association', 2002, p. 34). Ou, nas palavras do Chief Justice Vinson, "para permanecer efetiva, a Suprema Corte deve continuar a decidir 8

liminar para suspensão, de ofício ou a requerimento, de tramitação de processos idênticos que versem sobre a mesma controvérsia constitucional (art. 14, 5º c/c art. 15); c) possibilidade de o relator solicitar informações adicionais ao relator da Turma Recursal ou do Coordenador da Turma de Uniformização, bem como autorização para a oitiva do Ministério Público no prazo de cinco dias (art. 14, 7º c/c art. 15); d) permissão para a intervenção de interessados, ainda que não sejam partes no processo, no prazo de 30 (trinta) dias (art. 14, 7º, in fine c/c art. 15). Ressalte-se que, acompanhando a abstrativização do recurso extraordinário em juizados especiais federais pela Lei 10.259/01, de ver-se que o STF editou a Emenda Regimental nº 12/2007 30, a qual incluiu no regimento da Corte Constitucional tais características objetivas do recurso extraordinário, importando, assim, em vinculação interna dos ministros a esta nova característica do recurso extraordinário decorrente de processos dos JEF s. 3 A PARTICIPAÇÃO DO AMICUS CURIAE NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Analisando estas novas características do RE decorrente de processos dos JEF s, podese observar que a norma constante do art. 14, 7º, in fine c/c art. 15 da Lei 10.259/01 trata-se da mesma intervenção permitida em sede de controle incidental de inconstitucionalidade pelos artigos 7º e 18 da Lei 9.868/99, qual seja a intervenção do amicus curiae 31. Trata-se o amicus curiae dos Amigos da Corte, ou do friends of Court para os norteamericanos. Revela-se a possibilidade de intervenção do amicus curiae como ferramenta essencial para pluralizar o debate da questão constitucional, permitindo, assim, que todos os setores envolvidos com o tema possam suscitar e trazer ao debate da questão constitucional, outros aspectos além do meramente jurídico já dominado pela Corte julgadora. 29 apenas os casos que contenham questões cuja resolução haverá de ter importância imediata para além das situações particulares e das partes envolvidas" ("To remain effective, the Supreme Court must continue to decide only those cases which present questions whose resolutions will have immediate importance far beyond the particular facts and parties involved") (Griffin, op. cit., p. 34). De certa forma, é essa visão que a Lei no 10.259, de 2001, busca imprimir aos recursos extraordinários, ainda que, inicialmente, apenas para aqueles interpostos contra as decisões dos juizados especiais federais (a recém-aprovada Lei no 11.418, sancionada hoje, dia 19 de dezembro de 2006, acaba de estender referido modelo para os recursos extraordinários convencionais em causas idênticas ou para os processos repetidos). (...) É inegável que a quantidade de recursos extraordinários nos quais se discute a pensão por morte está a exigir alguma medida de racionalização. Não se justifica a remessa de todos esses processos ao Supremo Tribunal Federal, uma vez que a este cabe a decisão do tema constitucionalmente relevante. Tal como ressaltado, não se pode exigir desta Corte, porém, a solução de cada controvérsia singularmente considerada. Nesse sentido afigurase de bom aviso, senão a suspensão dos feitos em tramitação, pelo menos o sobrestamento dos processos referidos nas instâncias recursais dos juizados especiais. [...]. RE 519394 MC/PB Decisão monocrática do relator Min. Gilmar Ferreira Mendes. J. 19/12/2006 DJ 01/02/2007 p. 192 Disposições da Lei nº 10.259/01. 30 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em <http://www1.stf.gov.br//institucional/regimento/ap2.asp#emenda.12.03>. Acesso em 27/03/2008. 31 Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira (Aspectos processuais da ADIN e da ADC. In Ações Constitucionais. DIDIER JR, Fredie. (Org.), p. 367) defendem que a intervenção do amicus curiae não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, já que a mesma se dava tanto na Lei nº 6.385/76, que em seu art. 31 impunha a intervenção da Comissão de Valores Mobiliários em questões pertinentes ao mercado que lhe cabia regular, como na Lei 8884/94, que no art. 89 impunha a intervenção do CADE em processos relativos ao direito de concorrência. Data máxima venia, tal posicionamento é inadequado, pois a intervenção do amicus curiae, por evidente, não se confunde com a intervenção obrigatória de eventual fiscal das decisões pertinentes a determinadas matérias. Se assim o fosse, incorrer-se-ia em dois erros crassos a respeito do tema, quais sejam a) acreditar-se que a intervenção do amicus curiae deva ser obrigatória, o que, por si só, já descaracterizaria a sua função de auxiliar na interpretação plural da questão constitucional para entendê-lo com um mero sujeito processual; b) em seguindo a mera lógica de tal raciocínio, permitir-se enquadrar o Ministério Público como amicus curiae, vez que o mesmo deve, obrigatoriamente, intervir em inúmeras demandas como fiscal da Lei. 9

Vejamos. Está o STF a julgar ADI 32 acerca de dispositivo da Lei de Biosegurança que permite a pesquisa com células-tronco embrionárias. Em se considerando os diversos argumentos metajurídicos que a Suprema Corte desconhece a respeito do tema - os aspectos científico, médico, social, religioso e filosófico e que envolvem a questão, não seria necessário que se permitisse a intervenção de terceiros para quer estes pudessem disponibilizar tais informações à Corte, já que, em se tratando de debate acerca de questão constitucional, o julgamento, necessariamente, não terá somente natureza jurídica? 33 Em nosso entender, sim, pois se a norma constitucional, em vista de sua natureza aberta e principiológica, apta a permitir a flexibilização de sua interpretação, é naturalmente dialética, como poderá a Suprema Corte decidir adequadamente a questão constitucional se não conhecer os diversos argumentos, que não os meramente jurídicos, que envolvem a questão constitucional sobre debate? Portanto, fácil perceber que o instituto do amicus curiae está eminentemente relacionado com a interpretação plural ou aberta que se deve fazer da Constituição, pois a sua intervenção, parafraseando o Gilmar Ferreira Mendes, permite que a Corte veja todo o colorido da questão constitucional sobre julgamento. Neste sentido o voto do referido autor, enquanto ministro do STF, na ADI 2548/PR 34, onde se permitiu a intervenção do 32 ADI 3510. Informativo STF nº 497, de 03 a 07 de março de 2008. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 27/03/2008. 33 Tal fato decorre não só do aspecto político que caracteriza as normas constitucionais e o próprio controle de constitucionalidade, mas também da natureza plural das normas constitucionais. 34 DECISÃO: No tocante à Petição no 66.661/2005, da Federação das Indústrias do Estado do Paraná - FIEP, requerendo seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae, compete ao Relator, por meio de despacho irrecorrível, acolher ou não pedido de interessados para que atuem na situação de amici curiae, hipótese diversa da figura processual da intervenção de terceiros. Esclareço que, em princípio, a eventual manifestação deveria ocorrer no prazo das informações (arts. 6º e 7º, 2o, da Lei no 9.868/1999). Em recente julgamento, porém, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, resolveu questão de ordem no julgamento das ADIn's nos 2.675-PE (Rel. Min. Carlos Velloso) e 2.777-SP (Rel. Min. Cezar Peluso), ambas julgadas em 27.11.2003, para reconhecer, excepcionalmente, a possibilidade de realização de sustentação oral por terceiros, admitidos no processo de fiscalização abstrata de normas, sob a condição de amicus curiae. Essa nova orientação, apesar de ter contrariado os precedentes existentes [ADIn (MC) no 2.321-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 31.10.2000; ADIn (MC) no 2.130-SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 02.02.2001; ADIn (QO) no 2.223-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.10.2001], garante a possibilidade de que o procedimento de instrução da ação direta de inconstitucionalidade seja subsidiado por novos argumentos e diferentes alternativas de interpretação da Constituição. Esse parece ser, pelo menos, o espírito da norma constante da parte final do art. 7o, 2o da Lei no 9.868/1999. É verdade que essa disposição remete ao parágrafo anterior - 1º -, que restou vetado pelo Presidente da República (O 1º do art. 7o da Lei no 9.868/1999 dispunha que: "Os demais titulares referidos no art. 2 poderão manifestar-se, por escrito, sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria, no prazo das informações, bem como apresentar memoriais."). No entanto, especialmente diante da relevância do caso ou, ainda, em face da notória contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa, é possível cogitar de hipóteses de admissão de amicus curiae, ainda que fora desse prazo. Necessário é ressaltar, contudo, que essa possibilidade não é unânime na jurisprudência do STF. A esse respeito, vale mencionar a ADIn no 2.238-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão. Nesse caso, o relator considerou ser impossível a admissão de amicus curiae quando o julgamento do feito já estiver em andamento, por considerar tal manifestação destinada, unicamente, a instruir a ADIn. Na ADIn no 2.690-RN (Rel. Min. Gilmar Mendes), o Relator, considerando a conversão da ação para o rito do art. 12 da Lei no 9.868/99, admitiu a participação do Distrito Federal, dos Estados de Goiás, de Pernambuco, do Rio de Janeiro, da Associação Brasileira de Loterias Estaduais (ABLE) e, ainda, determinou uma nova audiência da Procuradoria Geral da República. Essa construção jurisprudencial sugere a adoção de um modelo procedimental que ofereça alternativas e condições para permitir, de modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões. Essa nova realidade pressupõe, além de amplo acesso e participação de sujeitos interessados no sistema de controle de constitucionalidade de normas, a possibilidade efetiva de o Tribunal Constitucional lançar mão de quaisquer das perspectivas disponíveis para a apreciação da legitimidade de um determinado ato questionado. A constatação de que, no processo de controle de constitucionalidade, se faz, necessária e inevitavelmente, a verificação de fatos e prognoses legislativos, sugere a necessidade de adoção de um modelo procedimental que outorgue ao Tribunal as condições necessárias para proceder a essa aferição. Esse modelo pressupõe não só a possibilidade de o Tribunal se valer de todos os elementos técnicos disponíveis para a apreciação da legitimidade do ato questionado, mas também um amplo direito de participação por parte de terceiros (des)interessados.[...] Evidente, assim, que essa fórmula procedimental constitui um excelente instrumento de informação para a Corte Suprema. Não há dúvida, outrossim, de que a participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para toda a sociedade cumpre uma função de integração extremamente relevante no Estado de Direito. Em consonância com esse modelo ora proposto, Peter Häberle defende a necessidade de que os instrumentos de informação dos juízes constitucionais sejam ampliados, especialmente no que se refere às audiências públicas e às "intervenções de eventuais interessados", assegurando-se novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição (cf. Häberle, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a Interpretação Pluralista 10

amicus curiae, mesmo fora do prazo estabelecido pelo art. 7º da Lei 9868/99, como medida necessária à interpretação plural que deve ser dada à questão constitucional, tal como ensina Peter Haberle. 35 Ou seja, do que se verifica pelo exame do art. 14, 7º, 2ª parte c/c art. 15 da Lei 10.259/01, de ver-se que a legislação própria do RE nos JEF s, reconhecendo expressamente a natureza objetiva do recurso extraordinário, dispõe como possível e necessário ao julgador que, tanto como acontece nas ações diretas de inconstitucionalidade, possa o mesmo ter acesso a informações que possam ser disponibilizadas por terceiros para permitir a adequada interpretação da questão constitucional, objeto do recurso, à luz da chamada interpretação aberta ou plural que se deve dar à Constituição. Inclusive, no sentido de maximizar a participação do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade e, por força da Lei 10259/01, agora no sistema difuso devido à natureza objetiva do RE a jurisprudência do STF evoluiu para permitir a sustentação oral por parte da entidade interessada, tal como verifica pelo julgado proferido na ADI 2130/SC. 36 E, como o art. 543-B do CPC, com a redação dada pela Lei nº 11.418/06, ao regulamentar a repercussão geral do RE, estabeleceu procedimento similar ao adotado no RE dos JEF s para todos os demais recursos extraordinários, percebe-se que a intervenção do amicus curiae poderá dar-se em todos os recursos extraordinários onde seja necessário ao STF ter acesso a informações e dados que lhe permitam dar a interpretação plural que deve ser dada às questões constitucionais sob sua apreciação no cumprimento de sua competência de guardião da Constituição. 4 CONCLUSÃO De ver-se, assim, que, apesar da crítica de alguns doutrinadores, o direito constitucional brasileiro caminha a passos largos, nas searas legislativa, doutrinária e jurisprudencial, para, sem afastar a evidente necessidade do exercício da jurisdição constitucional pela órgãos ordinários do Poder Judiciário, reconhecer a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, realizado pelo Supremo Tribunal Federal, como ferramenta necessária à resolução das demandas de massa - típicas de nossa atual realidade histórico-social - decorrentes da interpretação e aplicação da Constituição. e "Procedimental" da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, 1997, p. 47-48). Ao ter acesso a essa pluralidade de visões em permanente diálogo, este Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefícios decorrentes dos subsídios técnicos, implicações político-jurídicas e elementos de repercussão econômica que possam vir a ser apresentados pelos "amigos da Corte". Essa inovação institucional, além de contribuir para a qualidade da prestação jurisdicional, garante novas possibilidades de legitimação dos julgamentos do Tribunal no âmbito de sua tarefa precípua de guarda da Constituição. É certo, também, que, ao cumprir as funções de Corte Constitucional, o Tribunal não pode deixar de exercer a sua competência, especialmente no que se refere à defesa dos direitos fundamentais em face de uma decisão legislativa, sob a alegação de que não dispõe dos mecanismos probatórios adequados para examinar a matéria. Entendo, portanto, que a admissão de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático de Direito. Assim, em face do art. 7o, 2o, da Lei no 9.868/1999, defiro o pedido da Federação das Indústrias do Estado do Paraná - FIEP, para que possa intervir no feito, na condição de amicus curiae. [...]. (grifei) Decisão monocrática. Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes ADI 2548/PR Informativo STF nº 406, de 17 a 21 de outubro de 2005. Transcrições. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 03/12/2007. 35 [...]no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição. HABERLE, Peter. A sociedade aberta dos intérpretes as Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. p. 13 36 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. DJU 02/02/2001. 11

BIBLIOGRAFIA: BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2130/SC. Rel. Min. Celso de Mello. DJU 02/02/2001. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 27/03/2008.. ADI 3345/DF e ADI 3365/DF. Rel. Min. Celso de Melo. J. 25/08/2005Informativo STF 398, de 22 a 26 de agosto de 2005. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 03/12/2007.. ADI 3510. Informativo STF nº 497, de 03 a 07 de março de 2008. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 27/03/2008.. AI 423.252, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 15.4.2003. AI-AgR 375011 Rel. Min. Ellen Gracie 2ª Turma j. 05/10/2004. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 27/03/2008.. Decisão monocrática. Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes ADI 2548/PR Informativo STF nº 406, de 17 a 21 de outubro de 2005. Transcrições.. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 03/12/2007. Decisão monocrática. Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes. RE 519394 MC/PB j. 19/12/2006. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 03/12/2007.. HC 82.959/SP Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio. J. 23/02/2006 DJ 01/09/2006 p. 18. RE 228.844/SP. Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 16.6.1999. RE 364.160, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7.2.2003.. Reclamação: cabimento e Senado Federal no controle de constitucionalidade. Informativos STF nº <www.stf.gov.br>. Acesso em 17/03/2008.. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www1.stf.gov.br//institucional/regimento/ap2.asp#emenda.12.03>. Acesso em 27/03/2008. 454 e 463. Disponível em. Relatório de atividades 2007. p. 11 Disponível em < http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/principaldestaque/anexo/relativ2007.pdf>. Acesso em :02/04/2008. CORRÊA, Oscar Dias. A crise da Constituição, a constituinte e o Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. DIDIER Jr, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Aspectos processuais da ADIN e da ADC. In Ações Constitucionais. DIDIER JR, Fredie. (Org.). Salvador:Podivm, 2007. 319/398. HABERLE, Peter. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. JUNQUEIRA, Aristides. Controle de Constitucionalidade. p. 186/187. In CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. (Org.) 1988-1998: Uma década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. MACHADO, Hugo de Brito. Ação declaratória de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1995. MARTINS, Leonardo. A retórica do processo constitucional objetivo no Brasil. In CAMARGO, Marcelo Novelino. (Org.) Leituras complementares de constitucional:controle de constitucionalidade. Salvador: Podivm, 2007. p. 15/32. MENDES, Gilmar Ferreira. O controle de constitucionalidade das leis no Brasil: balanço e perspectivas. In CARMARGO, Margarida Maria Lacombe. 1988-1998: uma década de Constituição. p. 191/244. RAMOS, Saulo. Código da vida. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. p. 70/71. RISPOLI, Adriana Barzotto. A uniformização da jurisprudência pela súmula vinculante A realização dos valores constitucionais: Segurança, liberdade e igualdade. In Revista da AGU. Nº 58 Novembro/2006. Disponível em <https://redeagu.agu.gov.br/unidadesagu/ceagu/eagu.htm>. Acesso em: 02/04/2008. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O Supremo Tribunal Federal após 1988: em direção a uma Corte Constitucional. In SAMPAIO, José Adércio Leite. (Org.) 15 anos de Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 191/202. VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. 12