Questões sobre a Renovação das Concessões de Distribuição.



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Transcrição:

Texto de Discussão do Setor Elétrico nº. 54 Questões sobre a Renovação das Concessões de Distribuição. Nivalde J. de Castro Roberto Brandão Rio de Janeiro Agosto de 2013 1

Sumário Introdução 3 1- Contexto legal 5 2- Qualidade do serviço 7 3- Prevenção de desequilíbrios financeiros 9 4- Racionalidade operacional e econômica da concessão 10 5- Simplificação dos contratos de concessão 12 Conclusão 13 2

Questões sobre a Renovação das Concessões de Distribuição. Nivalde J. de Castro 1 Roberto Brandão 2 Introdução Os contratos das antigas concessões de geração, transmissão e distribuição do setor elétrico no Brasil, prorrogadas em 1995, eram uma questão que vinha sendo discutida desde 2008, em função da importância do volume de ativos sub judice e da proximidade ao ano de 2015, data para o fim destas concessões. Prevaleciam duas posições bem claras e definidas: uma apoiada na legislação em vigor, que determinava a devolução das concessões ao Poder Público e, caso oportuno, posterior processo licitatório para definir novas concessionárias, e outra propondo alteração legal que garantisse a renovação destas concessões. 3 De qualquer forma, para ambas as soluções, haveria uma nova forma de contratação com devida e esperada redução da tarifa de energia elétrica suportada pelos consumidores. O governo tomou a decisão de renovar as concessões dos ativos de geração e transmissão, em função de quatro principais fatores: i. Alto valor das tarifas praticadas no mercado regulado; 1 Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do GESEL Grupo de Estudos do Setor Elétrico. 2 Pesquisador Sênior do GESEL-UFRJ 3 Um resumo analítico sobre estas posições pode ser encontrado em CASTRO, N.J.; BRANDÃO, R; MARTELO JUNIOR, E. Pensando o fim das concessões do setor elétrico. Rio de Janeiro. GESEL-UFRJ, 2011 ( TDSE nº 40 Texto de Discussão do Setor Elétrico) 3

ii. iii. iv. Fim do contrato de usinas representando cerca de 40% da energia hídrica comercializada no país (34% vencendo em 2015 e mais 6% até 2017) e de linhas de transmissão equivalentes a 66% da Receita Anual Permitida RAP do total nacional; Insegurança quanto à eficácia de uma licitação em um setor oligopolizado; e Vencimento dos contratos de energia velha já em 31 de dezembro de 2012. A decisão pela prorrogação foi anunciada em 11 de setembro de 2012 através da MP 579, convertida na Lei 12.783, publicada em 11 de janeiro de 2013, a que representou, de fato, uma decisão que alterou alguns aspectos estruturais do Modelo do Setor Elétrico Brasileiro (SEB) de 2004, conforme assinalado por Castro, Brandão e Dantas (2013) 4. Desta forma, segundo cálculos preliminares, a renovação das concessões teve como maior consequência uma redução média das tarifas reguladas em torno dos 20%. No entanto, o governo não tomou medidas imediatas em relação às concessões do segmento de distribuição, as quais apresentavam contratos de vencimento para os próximos anos e, segundo a legislação em vigor, sem direito à prorrogação. Esta posição, diferenciada em relação às unidades geradoras e de transmissão, pode ser atribuída ao fato de que não haveria um efeito imediato em prol da modicidade tarifária, objetivo maior da política energética brasileira. Com base neste contexto, o objetivo deste exercício acadêmico de análise da política regulatória do SEB é examinar as possíveis ações e alterações no segmento de distribuição, partindo-se da hipótese de que o governo, seguindo o exemplo aplicado aos segmentos de geração e transmissão, irá propor a renovação destas concessões, todavia com alterações nos novos contratos. 4 CASTRO, N. J. ;BRANDÂO, R.; DANTAS, G.; ROSENTAL, R. O Processo de reestruturação do setor elétrico brasileiro e os impactos da MP 579. Rio de Janeiro. GESEL-UFRJ, 2013. (TDSE nº 51 Texto de Discussão do Setor Elétrico) 4

Nestes termos, o trabalho está estruturado em cinco seções além da presente introdução. Na primeira seção, serão expostos os novos condicionantes legais para o segmento da distribuição introduzidos pela Lei nº 12.783/2013. Nas seções seguintes, serão analisadas quatro possíveis questões que, na opinião dos autores, poderão ser incorporadas aos novos contratos. Por fim, será apresentada uma conclusão que, em linhas gerais, aponta para a configuração de novos parâmetros contratuais do marco regulatório com o múltiplo objetivo de aprimorar e dar maior transparência e simetria de informações neste segmento, o qual adquiriu grande complexidade regulatória. 1- Contexto Legal A Lei nº 12.783/2013 criou as bases legais para a prorrogação das concessões do segmento de distribuição, seguindo a mesma lógica aplicada à geração e transmissão, conforme indicado em seu artigo 7º: A partir de 12 de setembro de 2012, as concessões de distribuição de energia elétrica alcançadas pelo art. 22 da Lei nº 9.074, de 1995, poderão ser prorrogadas, a critério do poder concedente, uma única vez, pelo prazo de até 30 (trinta) anos, de forma a assegurar a continuidade, a eficiência da prestação do serviço, a modicidade tarifária e o atendimento a critérios de racionalidade operacional e econômica. Parágrafo único. A prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica dependerá da aceitação expressa das condições estabelecidas no contrato de concessão ou no termo aditivo. (Grifo nosso) A possibilidade de permitir a prorrogação das concessões do segmento de distribuição era, e ainda é, consenso quase unânime entre agentes do SEB. Este consenso está assentado na premissa de que não haveria praticamente nenhum ganho, no curto prazo, para os consumidores, com a relicitação destas concessões. Esta posição está baseada no argumento central de que o marco regulatório econômico aplicado às distribuidoras já induz à eficiência e à modicidade tarifária das concessionárias. Em síntese, a tarifa de uma 5

determinada distribuidora reconhece apenas os investimentos prudentes realizados na concessão e os custos operacionais eficientes. Segundo esta metodologia, não são considerados os custos efetivos da distribuidora, que é penalizada caso tenha custos excessivos e é beneficiada caso consiga ganhos de eficiência excepcionais. Por conseguinte, uma nova concessionária teria, em tese, a mesma tarifa que a concessionária antiga, de modo que não haveria ganho, em termos de redução das tarifas, com a licitação da concessão, como previa a lei em vigor antes da promulgação da Lei nº 12.783/2013. Adicionalmente, deve-se considerar a dificuldade operacional na substituição de uma concessionária de distribuição, de forma distinta a uma usina geradora, onde há poucos técnicos responsáveis por sua operação e manutenção. Na empresa de distribuição, por sua vez, convivem milhares de empregados e uma grande infraestrutura de móveis e imóveis utilizados na prestação do serviço. Deve-se destacar que não é uma de venda da concessionária, mas a transferência apenas dos ativos em serviço, ficando os antigos controladores com a responsabilidade em relação aos empregados e instalações não associadas à prestação do serviço público. Entendido que a prorrogação seria o caminho mais pragmático a ser adotado pela política energética, uma questão relevante a destacar é a condicionante da Lei nº 12.783/2013 ao determinar que a prorrogação das concessões de distribuição ocorrerá a critério do poder concedente. Ou seja, o governo irá determinar novas condições aos novos contratos de 30 anos de duração. E caberá aos atuais concessionários aceitarem ou não as novas condições, em procedimento legal análogo ao que ocorreu na renovação dos contratos de geração e transmissão. Nestes termos, a partir deste novo contexto legal, em que o poder concedente irá determinar e formatar um novo contrato para as concessões de distribuição, abre-se a possibilidade de examinar, sem pretensão de esgotar o tema, quais 6

novas condições poderão compor os novos contratos. Neste sentido, e procurando contribuir para esta importante discussão do SEB, destacam-se, entre outros, quatro pontos que podem ser objeto de atenção da agenda governamental, listados abaixo e analisados em seguida: i. Aperfeiçoar os mecanismos de controle da qualidade do serviço prestado e das perdas comerciais; ii. iii. iv. Prevenção de desequilíbrios financeiros; Racionalidade operacional e econômica da concessão; e Simplificação e clareza dos contratos. 2- Qualidade do serviço As séries históricas de qualidade dos serviços compiladas e publicadas pela Aneel, e reforçadas pela experiência recente do caso do Grupo Rede, demonstram que há um conjunto de empresas de distribuição que apresentam performance comparativamente ruim dos indicadores da qualidade de serviço. Neste conjunto há empresas que terão suas concessões vencendo nos próximos anos. A baixa qualidade no serviço de distribuição normalmente tem como origem basilar uma combinação entre gestão ineficiente de operação e manutenção e a falta de capacidade financeira para sustentar um programa de investimentos adequado. Desta forma, a combinação de má qualidade de serviço com baixos investimentos tende a resultar em um círculo vicioso. O baixo nível de investimentos, além de aumentar o número de interrupções, impacta negativamente a tarifa (menos ativos implicam em menor receita). Ao mesmo tempo, a baixa qualidade de serviço implica em penalização financeira à distribuidora, através da obrigação de ressarcir os consumidores. Como o resultado da distribuidora é duplamente impactado, ela pode se tornar 7

financeiramente incapaz de realizar os projetos de investimento necessários para reverter a queda na qualidade de serviço, ou seja, arma-se um ciclo vicioso. Um exemplo ainda em curso deste processo é o caso Grupo Rede. A CELPA recorreu à recuperação judicial antes de ser vendida para a Equatorial Energia. As demais distribuidoras do Grupo sofreram intervenção por parte da Aneel, enquanto a holding pedia recuperação judicial criando um conjunto de problemas econômicos, financeiros e jurídicos que aumentam os riscos do SEB, em especial na questão da segurança jurídica, perda de qualidade do serviço e aumento das tarifas, já que a recuperação será paga, em última instância, pelos próprios consumidores. Como algumas das concessões que vencem em breve são de distribuidoras que prestam serviços de baixa qualidade, a questão que se coloca é a seguinte: há segurança jurídica e econômica em renovar estas concessões sem nenhuma condicionante ou imposição? Uma decisão natural seria a não prorrogação das concessões que apresentam deficiências em relação à qualidade do serviço prestado ou à efetiva capacidade financeira para realizar os programas de investimento adequados. A dificuldade desta decisão é o desconhecimento, até o momento, das condições para prorrogação, o que poderia ensejar em complexas ações judiciais das empresas que não tiverem suas concessões prorrogadas. Uma proposta mais pragmática poderá ser a de condicionar a prorrogação da concessão a um compromisso sério e temporalmente consistente de melhoria operacional por parte da atual concessionária. Nesta perspectiva, poder-se-ia incluir nos novos contratos de concessão cláusulas que permitam o poder concedente, ou mais especificamente a Aneel, declarar a caducidade da concessão, caso os compromissos firmados de melhoria operacional nos novos contratos de concessão não apresentem resultados nos prazos fixados, determinando-se as regras para licitação imediata, o que limitaria as ações judiciais e pressões políticas. Nesta direção, poderia se estabelecer o critério de 8

associar a exigência de resultados mais rápidos às concessões com piores índices de qualidade dos serviços. 3- Prevenção de Desequilíbrios Financeiros Conforme assinalado anteriormente, há uma convergência e retroalimentação de má qualidade dos serviços com a deterioração da situação financeira da distribuidora. A Aneel e os agentes financeiros que atuam no SEB vêm ampliando a capacidade de detectar problemas na gestão que resultam em desequilíbrios financeiros. O caso do Grupo Rede é um exemplo claro desta capacidade. Por um lado, o mercado de capitais vinha penalizando o Grupo ao cobrar juros cada vez maiores e a Aneel aumentava os valores das multas. Por outro lado, a Aneel e os analistas do mercado financeiro tinham condições de acompanhar a deterioração do Grupo através das informações econômicas e financeiras, que a concessionária enviava mensalmente para as superintendências da Aneel, e pela análise dos balancetes, respectivamente. No entanto, não há ainda um marco regulatório claro que permita à Aneel atuar e interferir diretamente no sentido de evitar o desequilíbrio financeiro que, como destacado, leva necessariamente à deterioração da qualidade dos serviços. Com base na experiência dos problemas financeiros que atingiram as empresas do Grupo Rede, um aperfeiçoamento indicado a ser adotado, por parte da Aneel, seria estabelecer nos novos contratos derivados da renovação das concessões um mecanismo formal e rotineiro de acompanhamento dos principais indicadores de saúde financeira das distribuidoras, permitindo o agente regulador agir preventivamente caso se constate a degradação da capacidade financeira de uma empresa concessionária. Como paradigma para estes instrumentos e procedimentos, pode-se adotar uma metodologia de supervisão financeira inspirada no modelo de regulação que já 9

é adotado no setor das seguradoras e dos bancos. O regulador (SUSEP Superintendência de Seguros Privados - no caso das empresas seguradoras e BACEN Banco Central - no caso dos bancos) acompanha e verifica a situação patrimonial das empresas de forma sistemática e rotineira segundo critérios claros, transparentes e objetivos. Dependendo do desempenho da empresa o regulador pode solicitar um aumento de capital caso verifique que os recursos próprios são incompatíveis com a dimensão do negócio e, no limite, pode declarar intervenção antes mesmo que a empresa regulada se torne insolvente. Tendo em vista que a atividade de distribuição de energia elétrica é um serviço essencial e que não pode ser interrompido, seria um importante avanço regulatório dotar a Aneel de instrumentos que permitam não só detectar problemas financeiros como, sobretudo, agir tempestivamente para corrigi-los antes que a situação financeira da distribuidora se torne precária, quando o maior prejudicado é o consumidor. No limite, deve ser permitido decretar a caducidade da concessão e a abertura de processo licitatório caso a concessionária não seja capaz de restabelecer sua solidez patrimonial. Este caminho é hoje mais factível com a promulgação da Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012, fruto da conversão da MP 577, editada no contexto do processo de recuperação judicial da CELPA. Merece ser destacado que esta Lei foi baseada na legislação congênere do setor financeiro. 4 Racionalidade Operacional e Econômica da Concessão Este aspecto previsto na Lei nº 12.783/2012, em seu artigo 7º citado anteriormente, é um tema muito controverso que não tem conseguido evoluir e permitido resultados concretos. A Lei nº 12.783/2012 não inova nesta questão, pois já havia sido postulada de forma mais clara no art. 22 da Lei nº 9.074/1995: 10

As concessões de distribuição [...] poderão ser prorrogadas, desde que reagrupadas segundo critérios de racionalidade operacional e econômica, por solicitação do concessionário ou iniciativa do poder concedente. Ainda em 1995, o legislador já entendia que a forma como foram criadas as diversas concessões de distribuição, fruto de evolução histórica de criação de pequenas empresas ou mesmo cooperativas de eletrificação no período de expansão do serviço de eletricidade no país, acabou levando à consolidação de pequenas empresas que, em um cenário de competição e busca de eficiência, têm reduzida competitividade e, consequentemente, pouca possibilidade de sobrevivência econômica. Mesmo as pequenas distribuidoras bem estruturadas, em função da forma de definição das tarifas no Brasil, podem ter bons resultados operacionais e econômicos, mas resultam elevadas tarifas para os consumidores. A causa central desta característica tarifária está associada a três fatores: i. Metodologia de cálculo dos custos operacionais das empresas; ii. Depreciação dos ativos colocados em serviço; e iii. Remuneração dos investimentos realizados em contraposição com a receita obtida pelo pagamento das faturas de energia pelos consumidores. Como existe uma série de custos fixos que independem do tamanho da área de concessão, a pequena escala das empresas acaba por onerar o valor das tarifas para cobrir estes custos. A título de exemplo, pode-se observar o estado de São Paulo onde a existência de 14 concessionárias de distribuição de energia elétrica, algumas delas com áreas muito pequenas e intercaladas com outras distribuidoras, determina uma ineficiência que é custeada pelos consumidores através de tarifas mais elevadas do que as praticadas nas distribuidoras vizinhas. O Grupo CPFL, que detém 7 concessionárias de distribuição no estado de São Paulo busca, junto à ANEEL, a 11

fusão de parte destas concessões. Este processo é benéfico para todos: consumidores, concessionária e agente regulador. Ganham os consumidores porque o aumento de escala permite uma melhor alocação de custos gerando uma redução das tarifas. Ganham as concessionárias com a otimização de suas estruturas de gestão, operação e manutenção possibilitando melhoria dos resultados econômico-financeiros a despeito da redução das novas tarifas. E, por fim, ganha o regulador com a simplificação dos seus processos de fiscalização e definição de tarifas. 5 Simplificação dos Contratos de Concessão Os contratos de concessão, celebrados no processo de privatização iniciado em 1995, quando nem mesmo a agência reguladora existia, introduziram um conjunto de cláusulas genéricas, de difícil gerenciamento. Ao longo do tempo, estes contratos receberam aditivos na busca de deixar mais claro algumas condições, em especial as relativas aos processos de reajuste anual e revisão tarifária periódica. Uma das consequências deste processo é a configuração de um elevado grau de complexidade contratual que dificulta a necessária evolução e amadurecimento regulatório. Um exemplo desta necessidade e possibilidade de simplificação contratual encontra-se na base dos contratos de concessão das distribuidoras, quando se define as Parcelas A e B. A Parcela B é relativa aos custos gerenciáveis das distribuidoras, sendo determinada pelo resultado da diferença entre a Receita e a Parcela A. Esta fórmula de cálculo foi adotada, em função da filosofia reinante na época da assinatura dos contratos, quando o conhecimento sobre os custos das empresas e forma de acompanhar sua evolução eram muito limitados. Por outro lado, na base do modelo de contrato de concessão estava a responsabilidade das distribuidoras pela aquisição da energia necessária ao 12

atendimento de seu mercado, tendo como parâmetro a tarifa inicial acordada pelas partes contratantes e contratadas. Uma consequência conhecida desta fórmula foi a crise do engordamento da Parcela B que foi amplificada com a chamada CPI da Conta de Luz de 2009, que buscava entender os valores elevados de tarifas no país. Com o processo de renovação das concessões de distribuição, onde o poder concedente ditará as novas condições para a renovação dos contratos, é esperado que estas condições possam ser melhor definidas, em especial devido ao conhecimento que a Aneel tem hoje sobre as concessionárias e dificuldades de fazer a gestão de contratos com tantas lacunas e dubiedades. Conclusão A situação dos contratos das antigas concessões de distribuição de energia elétrica está sendo analisada pelo governo, na medida em que eles começam a vencer a partir de 2105. Por razões diversas, entretanto tendo em vista a renovação das concessões de geração e transmissão, pode-se assumir que o governo deverá renovar estas concessões. No entanto, como a renovação das concessões de distribuição irá determinar a assinatura de novos contratos, podem ser incorporadas cláusulas e instrumentos para melhorar a qualidade da regulação, dando mais transparência e simetria de informação, de acordo com o artigo 7º da Lei nº 12.783/2012, o que poderá contribuir com a melhoria da qualidade dos serviços e redução de custos. Entre estas cláusulas merecem destaque quatro questões analisadas no texto. A primeira é um comprometimento efetivo das concessionárias que terão o direito à renovação com a obrigação de melhoria da qualidade do serviço. Não há justificativa nem condições de renovar sem qualidade. Mecanismos legais que garantam esta melhoria devem ser adotados e seu descumprimento deve prever 13

cláusula automática de cancelamento e licitação sem constrangimentos legais ou políticos. A segunda questão é relativa à prevenção de desequilíbrios econômicos e financeiros. A Aneel deve ter condições de interferir na gestão da concessionária caso indicadores claros e objetivos estejam abaixo de valores prédeterminados, seguindo a mesma metodologia e política regulatória que o Banco Central utiliza com os agentes do setor financeiro. O exemplo do Grupo Rede atesta como é prejudicial para os consumidores e para a estabilidade do modelo do setor elétrico não atuar antes do problema adquirir dimensões graves. A terceira questão é aproveitar os novos contratos para adotar alguns procedimentos de racionalidade operacional e econômica como é o caso da fusão de concessionarias em áreas limítrofes a fim de reduzir custos. A quarta questão analisada foi a possibilidade de simplificações contratuais que permitam uma visibilidade maior para o regulador atuar de forma mais direta, como é o caso do cálculo da Parcela B que determina os custos gerenciáveis, hoje definidos pela por uma simples diferença matemática. Por fim, um aspecto que certamente estará presente no debate acerca da renovação das concessões é concernente ao grau de complexidade e de minúcias que devem ter os novos contratos. As distribuidoras, através de sua principal e importante associação ABRADEE, têm defendido que todas as condições relacionadas à forma de reajuste e revisão tarifária devem estar definidas e assignadas no contrato de concessão. A justificativa é o fato de que, uma vez especificado nos novos contratos de concessão, há a redução de incertezas quanto à aplicação dos procedimentos de reajuste e revisão tarifária. Entretanto, o excessivo detalhamento, como ocorre nos atuais contratos, acaba por inibir e dificultar a possibilidade da evolução regulatória que, muitas vezes, 14

senão na maioria, é feita por solicitação dos próprios agentes regulados, a partir de constatações de inviabilidade de continuidade de regras. No momento atual onde um processo de difusão tecnológica está em curso através da implantação de smart grid e da geração distribuída no país, quando boa parte da base da regulação atual deverá ser revisitada para permitir maiores ganhos para empresas e consumidores a partir desta revolução tecnológica, uma regulação engessada pelos contratos de concessão deveria ser evitada para o bem geral. 15