Empresas familiares: Seis fontes de vantagem natural *



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Transcrição:

Empresas familiares: Seis fontes de vantagem natural * Março de 2014 Miguel Pina e Cunha (mpc@novasbe.pt) Nova School of Business and Economics 1 Texto preparado para apresentação no Dia da Empresa Familiar, Nova Family Business Initiative, 21 de outubro de 2013.

2 Empresas familiares: Seis fontes de vantagem natural * Março de 2014 RESUMO As empresas familiares são empresas iguais às outras exceto num pormaior : as dinâmicas da família projetam sobre elas uma enorme influência. Essa influência cria por sua vez um conjunto de características distintivas. Neste texto são apresentadas algumas dessas características distintivas: as famílias estimulam naturalmente uma lealdade intensa; a família introduz naturalmente uma lógica de continuidade e de respeito pelo passado; dar o nome por algo aumenta naturalmente a responsabilidade daquilo que se faz; a longo prazo não estaremos todos mortos; a força do clã está naturalmente contida na cultura da organização. São discutidas razões pelas quais estas potenciais vantagens podem no entanto transformar-se em desvantagens. Palavras-chave: empresas familiares, vantagens competitivas naturais, cultura, liderança sustentável.

Seis fontes de vantagem natural das empresas familiares 3 INTRODUÇÃO As empresas familiares são uma variante organizacional com especificidades que as distinguem de outras empresas. A natureza paradoxal das organizações em geral é amplificada nestas organizações (Schuman, Stutz & Ward, 2010). Por exemplo: devem os filhos ser independentes e ganhar bons hábitos de trabalho no mundo real, não protegido pela família, ou devem dedicar-se tão cedo quanto possível ao negócio da família? Deve a família privilegiar os seus membros ou profissionalizar a gestão? Deve um fundador sacrificar-se pelo negócio como forma de proteger a família ou deve sacrificar algum tempo de trabalho para não sacrificar a família? A resposta a estas e a outras tensões paradoxais deve suscitar respostas criativas e capazes de promover interações positivas e sinergias entre o negócio e a família. Quando tais sinergias são alcançadas sustentavelmente, as empresas familiares podem obter preciosas vantagens, tal como habitualmente afirmado pela literatura sobre este tipo de empresas (Poza & Daugherty, 2014). No entanto, a capacidade de equilibrar os planos não é fácil. Eis uma ilustração do tipo de dilemas em jogo, proporcionada neste caso por Adrian Bridge, managing director The Fladgate Partnership, detentora de várias marcas de vinho do Porto: Queremos que os nossos filhos explorem o mundo e que criem os seus próprios caminhos, de modo a que possam juntar-se ao negócio preparados para contribuir para o longo prazo. Neste texto define-se empresa familiar como aquela em que uma família detém poder decisório significativo em matérias como a direção estratégica da firma e o apontamento de nomes para posições-chave (em linha com Kets de Vries et al., 2007). O texto que se segue elenca um conjunto de vantagens naturais das empresas familiares: as famílias estimulam naturalmente uma lealdade intensa; a família introduz naturalmente uma lógica de continuidade e de respeito pelo passado; dar o nome por algo aumenta a responsabilidade daquilo que se faz; a longo prazo não estaremos todos mortos; a força do clã está naturalmente contida na cultura da organização. Vantagem 1: As famílias estimulam naturalmente uma lealdade intensa As organizações em geral têm grande preocupação pelo grau de dedicação e empenhamento expresso pelos seus colaboradores (Cunha, 2002) uma preocupação que nem sempre se traduz em resultados efectivos, a avaliar pelos resultados dos inquéritos sobre a matéria (e.g., Gallup, 2013). Um ponto parece claro: uma empresa com trabalhadores pouco empenhados é um coletivo potencialmente frágil. Isto acontece por várias razões. Por um lado, o empenhamento está ligado à motivação (Cunha et al., 2006). Pessoas pouco empenhadas são também, tipicamente, pessoas pouco motivadas. Sabendo-se que a motivação é um preditor do desempenho, a falta de empenhamento é prejudicial para o desempenho: sem empenho não há desempenho. Por outro lado, pessoas mais empenhadas são pessoas mais dispostas a atuar como cidadãos organizacionais e não como meros empregados, i.e. estão mais conscientes dos seus deveres para com a sua organização e respondem a esses deveres de forma proativa. A possibilidade de alguém atuar como membro empenhado da organização aumenta se a pessoa se identificar como parte da organização. A organização da qual se faz parte de uma forma mais intensa é, naturalmente, a família. Daí que as organizações frequentemente recorram à metáfora familiar para se auto-descreverem. Fazer parte de uma família organizacional é mais que trabalhar para um negócio: é construir algo. Sir Alex Ferguson, o histórico manager do Manchester United, teve sucesso porque foi capaz de criar um espírito de família numa organização cheia de jovens estrelas milionárias (Elberse & Ferguson, 2013, vide p.118). Usar a família para criar um sentimento de família organizacional constitui uma das alavancas mais poderosas para desenvolver o empenho dos trabalhadores. Certamente que nesta dimensão também as empresas familiares podem fazer mais do que têm feito: resultados do inquérito The state of the

Seis fontes de vantagem natural das empresas familiares 4 global workplace levado a cabo pela Gallup (2013) mostram que os níveis de engagement são surpreendentemente baixos a nível global. Criar organizações com um sentido de família pode constituir um caminho para aumentar o engagement. Isso implicará possivelmente a necessidade de investir na dimensão comunitária da organização, i.e. criar organizações que se imaginem e que funcionem como comunidades humanas de trabalho (Cunha, Rego & Vaccaro, no prelo) e não apenas como espaços de competição interna, frequentados por estrita necessidade económica. As famílias, expectavelmente, expressam uma preocupação profunda pelo bem-estar dos seus membros, o que as coloca potencialmente em vantagem face a organizações carecentes deste espírito familiar e crentes na ideia de que não compete aos gestores tomar em consideração cuidados extra face aos empregados que não os estritamente necessários e constantes da lei e dos contratos (Henderson & Ramanna, 2013). Conforme estipula a norma da reciprocidade (Gouldner, 1960), se a organização não se interessa pelas pessoas, dificilmente pode esperar destas outra resposta que não o desinteresse que ela própria cultivou. Ou seja, quem semeia falta de cuidado colhe descuidados. Vantagem 2: A família introduz naturalmente uma lógica de continuidade e de respeito pelo passado É notoriamente fácil entrar nos negócios familiares mas muito dfícil sair deles Adrian Bridge, managing director The Fladgate Partnership, holding do Porto, in Kauffman (2013, p.14) Os modelos de gestão de mudança tendem a assumir a necessidade de mudar por revolução. Ou seja: as organizações mudam quando submetidas a pressões suficientes para quebrar a sua inércia natural. O modelo preconizado por John Kotter, um dos mais conhecidos, sugere que a mudança organizacional necessita do empurrão trazido por aquilo a que chama um sentido de urgência (Kotter, 1995). A gestão por sentidos de urgência comporta um risco evidente: o de criar estratégia em ziguezagues: a um sentido de urgência e ao correspondente desenho estratégico segue-se outro. Naturalmente, o novo far-se-á em boa medida por oposição ao antigo. E os novos gestores não terão grande pejo em deixar de justificar a necessidade de mudança com a ineficácia dos seus antecessores. Esta atribuição de responsabilidades degrada a confiança institucional intraorganizacional. A política partidária oferece uma abudância de exemplos de como as constantes acusações entre os dirigentes degradam a confiança na política e nos políticos em geral. O mesmo se pode passar nas empresas. As empresas familiares estão naturalmente protegidas desta síndrome debilitante. O facto de entre os anteriores e os próximos responsáveis se encontrarem membros da família deve, em princípio, neutralizar a facilidade de uso deste argumento. Nesse sentido, as empresas familiares têm condições mais favoráveis para entender a continuidade e a mudança como uma dualidade, duas faces de uma moeda, que existem de forma criativa e positiva, e não antagónica e negativa. As vantagens desta lógica de dualidade são aparentes: protegem a instituição organizacional e a familiar, fazem da mudança uma forma de continuidade, retiram-lhe o muitas vezes desnecessário elemento de dramatismo, fomentam uma aproximação mais incrementalista ao processo de mudança as vantagens desta abordagem estão documentadas (Maurer, 2012). Vantagem 3: Dar o nome por algo aumenta a responsabilidade daquilo que se faz Os negócios de família ostentam frequentemente o nome da própria família. Mas mesmo quando isso não acontece, não deixa de suceder que a família dá o nome pelo que acontece numa organização. Ou seja, os donos e seus agentes são muitas vezes os mesmos. Esta coincidência constitui um poderoso estímulo para a atuação marcada pela ética: proteger a empresa é o mesmo que proteger o bom nome da família. Pelo contrário, manchar o nome da empresa com atuações menos éticas conspurca o nome da família. Como tal, as empresas familiares têm potencialmente mais preocupações éticas

Seis fontes de vantagem natural das empresas familiares 5 2 O inverso é igualmente verdadeiro: Eichmann não se considerou responsável pelo seu trabalho de extermínio por ser apenas uma pequena peça na grande engrenagem nazi. Nem o facto de não se tratar de uma peça efetivamente pequena o impediu de recorrer ao argumento desculpabilizador. 2 A paixão pelo trabalho é um tema emergente nos estudos organizacionais (Perrewé et al., no prelo). As empresas familiares constituem um dos melhores domínios para o seu estudo. do que as empresas não-familiares (Pfeffer, 2013), um facto verificado empiricamente (e.g., Berrone, Cruz, Gomez-Mejia & Larraza- Quintana, 2010). Considere-se outra ilustração do mesmo processo, agora transferida para a base da organização: quatro takumi (artesãos) na fábrica de Yokohama da Nissan montam à mão as 374 peças com que é feito um motor do Nissan GT-R, produzido desde 2007. Cada motor pode demorar seis horas a montar. Realizado o trabalho, uma placa colocada no engenho identifica o takumi responsável por cada motor. Um takumi explicou que ter o nome no motor os ajudava a estarem mais focados naquilo que faziam (Alves, 2013, p.78). A lógica é simples: dar a cara por algo (um motor, um trabalho, uma companhia) torna-nos mais responsáveis 2. As empresas familiares sabem que é a família quem, em última análise, dá a cara pelo negócio e que cada membro representa toda a família. Esta representação pública da empresa é um estímulo poderoso para a atuação ética e responsável. E uma fonte de pressão pela família no sentido de prevenir e contrariar potenciais desvios. Vantagem 4: Os gestores são naturalmente como peixes na água As organizações precisam de identificar os seus dirigentes com cuidado e de os socializar e monitorizar sistematicamente, de modo a reduzir os riscos de más escolhas e os problemas de agência (Eisenhardt, 1989). Nestes processos todos os cuidados são poucos. Em compensação, numa empresa familiar os potenciais dirigentes vão conhecendo a empresa de uma forma natural ao longo dos anos. Sucessivas gerações podem absorver a paixão original dos fundadores 3. A empresa é parte da vivência e da socialização de sucessivas gerações, desenrolando-se de forma natural e indolor. Esta absorção natural é uma vantagem poderosa. Como explicou Eiji Toyoda: Vivi desde pequeno entre negócios e máquinas e sinto-me com ambos como peixe na água (in Cutileiro, 2013, p.38). Vantagem 5: A longo prazo não estaremos todos mortos Diz-se por vezes que é fácil descurar o longo prazo porque a longo prazo estaremos todos mortos. Uma vantagem das empresas familiares é que esta máxima se não lhes aplica. A longo prazo os indivíduos estarão mortos mas a família poderá persistir e preservar a memória dos antepassados de uma forma honrosa. Daí que, como disse um dia a baronesa de Rothschild, o mais difícil para uma empresa de vinhos sejam os primeiros 200 anos (in Carvalho, 2013, p. 27). Este cuidado com o legado familiar constitui um poderoso antídoto contra o pensamento curto-prazista. Olhar o curto prazo sem considerar o longo prazo nem o incorporar nas lógicas decisórias da empresa reduz potencialmente a sustentabilidade do negócio, bem como a possibilidade de o legar em condições apropriadas às gerações vindouras (Rego, Cunha & Ribeiro, 2013). A preocupação com o legado familiar, com o bom nome da empresa, com a sustentabilidade do negócio constituem por seu turno motivos favoráveis à atuação virtuosa da gestão. Uma liderança sem as necessárias virtudes ameaça a sustentabilidade do negócio. E para uma empresa familiar, cuidar da saúde da empresa é o mesmo que preservar oportunidades para os membros vindouros da família. Vantagem 6: A força do clã está naturalmente contida na cultura da organização Finalmente, as empresas familiares contêm potencialmente embora não obrigatoriamente um elemento de clã (Deshpandé, Farley, & Webster, 1993). Ou seja, a sua cultura emana das figuras tutelares da família que se assumem ou são vistas como os líderes naturais do clã organizacional. Esta liderança natural, não-hierárquica e incontestada, empresta à organização vantagens únicas: a organização adquire traços orgânicos que limitam a necessidade de incorporação de controlos burocráticos. Sendo conhecidos os custos decorrentes da adoção de uma lógica burocrática, a cultura comunitária do clã oferece inestimáveis

Seis fontes de vantagem natural das empresas familiares 6 serviços. Estas organizações adquirem um traço orgânico facilitador da mudança; dispensam os aparatos burocráticos extrapesados; adquirem capacidades adaptativas. Em resumo, as empresas com traços de clã mudam de uma forma voluntária e determinada, resistindo potencialmente menos à mudança. O traço do clã esbate a perceção de que a mudança é imposta porque todos são, em potência, agentes de mudança e porque a mudança é um processo coletivo (vide também vantagem 1). Presumivelmente as organizações com um traço de clã detêm um capital social mais rico, que lhes permite ajustes mais suaves a mudanças na envolvente. Não surpreende por isso que muitas organizações procurem introduzir elementos de clã nas suas culturas, de modo a instituir mecanismos de controlo capazes de aliviar as pressões burocráticas e a introduzir um acrescento de solidariedade espontânea. O feitiço contra o feiticeiro? Como escreveu o grande autor russo Tolstoi, as famílias felizes são felizes da mesma maneira mas cada família infeliz é-o à sua própria maneira. Este artigo partiu desse pressuposto assumindo que as empresas familiares felizes estarão potencialmente próximas das vantagens naturais aqui discutidas, ao passo que as empresas familiares infelizes serão infelizes à sua própria maneira. As regras anteriores podem portanto não se aplicar à medida que a família adquire traços de infelicidade. Por exemplo: As famílias estimulam uma conflitualidade intensa: é discutida deste a antiguidade clássica a rivalidade entre irmãos inimigos. As famílias são ecologias humanas com um indiscutível potencial de conflito. As relações entre pessoas, nomeadamente as relações próximas como em equipas e em famílias, podem suscitar as maiores tensões e clivagens (Kets de Vries, 2011; Silva et al., no prelo). Grandes amizades podem dar lugar a fortes inimizades. Adicionalmente, a ideia de que não se pode tratar mal alguém da família (propriamente dita ou organizacional) pode ser uma fonte de complacência e um caminho para o cultivo da tolerância face aos maus desempenhos, a qual constitui um fator debilitante para as organizações e um persistente calcanhar de Aquiles da gestão em Portugal (Bloom et al., 2012; World Economic Forum, 2013) Pela razão anterior problemas de família podem suscitar desejos de descontinuidade face ao passado. Em grau extremo, as relações baseadas no amor podem transformar-se em ódio à pessoa e à empresa que ela representa. Com algum azar ou falta de boas regras de gestão da família, a guerra familiar torna-se uma telenovela tão interessante para as publicações de negócios como para as revistas cor-de-rosa (Guerreiro, 2013). O conflito da família Queiroz Pereira, nas páginas da imprensa na altura em que estas páginas eram escritas, constitui apenas um exemplo (Taborda & Alves, 2013). Num negócio normal, a separação dos planos é mais evidente. Ter o nome na empresa pode diminuir a responsabilidade, nomeadamente se os novos donos desenvolverem um excesso de inibição decorrente do poder que detêm (Keltner, Gruenfeld, & Anderson, 2003; Guinote, 2007) e se for criado um sentimento de entitlement face à organização e aos seus recursos. Nesse caso, a empresa deixa de ser uma responsabilidade para se tornar uma cornucópia de recursos. Os peixes podem ganhar aversão ao aquário, i.e., se o tempo dedicado à empresa compete excessivamente com o tempo dedicado à família, os filhos podem ganhar aversão e não gosto pelo negócio. A abordagem psicanalítica de Kets de Vries e seus associados (2007) ilustra magistralmente este ponto. Se alguns membros da família atuarem segundo a lógica de que a longo prazo todos estaremos mortos, poderão estimular os outros a fazerem o mesmo, promovendo sprints curto-prazistas. Nesse caso, esta vantagem esborar-se-á rapidamente, à medida que o desejo de ganhos de curto prazo se sobrepõe ao cuidado com o longo prazo. A força do clã também comporta potenciais fraquezas. O acrescento de flexibilidade poderá ocultar a ausência de processos

Seis fontes de vantagem natural das empresas familiares 7 eficientes, rotinizados, sistematizados. Poderá estimular improvisações desnecessárias e aumentar variações diminuidoras da fiabilidade. A dificuldade em atuar profissionalmente pode resultar numa proteção da família que desprotege o negócio (Dyer, 2010). Muitos destes elementos são comuns a outras organizações, pelo que os gestores de empresas poderão olhar para as empresas familiares como fontes de ensinamento sobre práticas de gestão com múltiplos stakeholders (Cunha, 2013). Conclusão Em conclusão: pese embora o facto de as empresas familiares terem algumas potenciais vantagens do ponto de vista cultural e identitário, essas vantagens em si mesmas são pouco relevantes. Como escreveu Edith Penrose (1959) tais vantagens apenas serão valiosas se os seus serviços potenciais forem efetivamente concretizados. Caso não o sejam, isto é, caso aos problemas das empresas se juntem os problemas da família, então uma empresa terá todos os problemas inerentes à gestão de coletivos complexos mais os problemas extra resultantes do facto de um dos seus componentes ser outro coletivo com alguma propensão para processos como o nepotismo, as lideranças autocráticas benevolentes, as emocionalidades exacerbadas. Este outro componente será portanto mais pequeno na dimensão mas seguramente não menos complexo na psicologia. O que significa que as organizações familiares precisam de incorporar organização na família e família na organização.

Seis fontes de vantagem natural das empresas familiares 8 REFERÊNCIAS Alves, P.S. (2013). Motor feito à mão por. Sábado, 29 de agosto, 78. Berrone, P., Cruz, C., Gomez-Mejia, L., & Larraza-Quintana, P. (2010). Socioemotional wealth and organizational response to institutional pressure: Do family controlled firms pollute less? Administrative Science Quarterly, 55, 82-113. Bloom, N., Genakos, C., Sadun, R., & Van Reenen, J. M. (2012). Management practices across firms and countries. Academy of Management Perspectives, February, 12-33. Carvalho, M. (2013). A herdade que ajudou o novo Alentejo está na ternura dos 40. Público/ Fugas, 5 de outubro, 27. Cunha, A.D. (2013). Empresas familiares: Mitos, realidades e desafios. Série Applied Knowledge, Nova SBE. Cunha, M.P. (2002). The best place to be : Managing control and employee loyalty in a knowledge intensive firm. Journal of Applied Behavioral Science, 38(4), 401-415. Cunha, M.P., Rego, A., Cunha, R.C. & Cabral- Cardoso, C. (2006). Manual de comportamento organizacional e gestão (5ª ed.). Lisboa: Editora RH. Cunha, M.P., Rego, A. & Vaccaro, A. (no prelo). Organizations as human communities and internal markets: Searching for duality. Journal of Business Ethics. Cutileiro, J. (2013). In memoriam: Eiji Toyoda. Expresso, 21 de setembro, 38. Deshpandé, R., Farley, J.U. & Webster, F.E. (1993). Corporate culture, customer orientation, and innovativeness in Japanese firms: A quadrad analysis. Journal of Marketing, 57(1), 23-37. Dyer, W.G. (2010). Are you the right type of family business? Organizational Dynamics, 39(3), 269-278. Eisenhardt, K.M. (1989). Agency theory: An assessment and review. Academy of Management Review, 14(1), 57-74. Elberse, A. & Ferguson, A. (2013). Some call him the greatest coach in history. Harvard Business Review, October, 116-125. Gallup (2013). State of the global workplace. New York: Gallup. Gouldner, A.W. (1960). The norm of reciprocity: A preliminary statement. American Sociological Review, 25, 161-178. Guerreiro, P.S. (2013). Os impérios familiares. Sábado, 12 de setembro, 69. Guinote, A. (2007). Power affects basic cognition: Increased attentional inhibition and flexibility. Journal of Experimental Social Psychology, 43, 685-697. Henderson, R. & Ramanna, K. (2013). Managers and market capitalism. Working paper 13-075, Harvard Business School. Kauffman, D. (2013). Man behind the cask. Financial Times/House & Home, September 28, 14. Keltner, D., Gruenfeld, D.H. & Anderson, C. (2003). Power, approach and inhibition. Psychological Review, 110, 265-284. Kets de Vries, M.F.R. (2011). The hedgehog effect: The secrets of building high performance teams. San Francisco: Jossey Bass. Kets de Vies, M.F.R., Carlock, R.S. & Florent- Treacy, E. (2007). Family business on the couch. Chichester: Wiley. Kotter, J. (1995). Leading change: Why transformation efforts fail. Harvard Business Review, March-April, 59-67. Malhotra, N. & Hinings, C.R. (no prelo). Unpacking continuity and change as a process of organizational transformation. Long Range Planning. Maurer, R. (2012). The spirit of kaizen. New York: McGraw-Hill. Penrose, E. (1959). The theory of the growth of the firm. London: Basil Blackwell. Perrewé, P.L., Hochwarter, W.A., Ferris, G.A., Mcallister, C.P. & Harris, J.N. (no prelo). Developing a passion for work passion: Future directions on an emerging construct. Journal of Organizational Behavior. Pfeffer, J. (2013). Why your employees need to sign their work. Acesso em jeffreypfeffer.com, a 20 de outubro de 2013. Poza, E. & Daugherty, M. (2014). Family business (4th ed.). Mason, OH: South-Western. Rego, A., Cunha, M.P. & Ribeiro, M.G. (2013). Liderança para a sustentabilidade. Lisboa: Actual. Ribeiro, N., Rego, A. & Cunha, M.P. (2013). A virtude nas organizações: Fonte de progresso e sustentabilidade. Lisboa: Sinais de Fogo. Schuman, A., Stutz, S., & Ward, J.L. (2010). Family business as paradox. London: Palgrave. Silva, T., Cunha, M.P., Clegg, S., Neves, P., Rego, A., Rodrigues, R. (no prelo). Smells like team spirit: Opening a paradoxical black box. Human Relations. Taborda, A. & Alves, P.S. (2013). O poder e as guerras. Sábado, 12 de setembro, 64-68. World Economic Forum (2013). The Human Capital Report. Geneva: World Economic Forum.