1 Recurso Cível JEF: 2009.70.51.006125-9 Recorrente(s): INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Recorrido(s): VANDA ELY ULBRICHT BATTISTELLA Relator: Juiz Federal Leonardo Castanho Mendes RELATÓRIO O recurso do INSS investe contra sentença que julgou procedente o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição da autora, reconhecendo a especialidade dos períodos de 01/02/1984 a 28/04/1995 e de 02/01/2003 a 25/08/2008. Aduz o recorrente, em síntese, que não é possível a conversão de especial para comum do período de 01/02/1984 a 28/04/1995, uma vez que o contribuinte individual não contribui para o financiamento do benefício de aposentadoria especial. Por outro lado, destaca que o período de 02/01/2003 a 25/08/2008 não deve ser convertido de especial para comum, uma vez que a autora não trabalhava permanentemente com portadores de doenças infecto-contagiosas. Por fim, aduz a autarquia que deve ser aplicado o artigo 1.º F da Lei n.º 11.960/09, com a aplicação dos juros na forma simples. Com contrarrazões, vieram os autos a esta Turma. É o relatório. VOTO - Período de 01/02/1984 a 28/04/1995 Destaca o INSS que o período acima não deve ser convertido de especial para comum, uma vez que o contribuinte individual não contribui para o financiamento do benefício de aposentadoria especial. Sem razão, contudo. Mantenho a sentença por seus próprios fundamentos. Registro, em atenção às razões recursais, que o contribuinte individual pode ter reconhecido o tempo de serviço prestado em condições especiais, porquanto a legislação aplicável à espécie não faz distinção entre os segurados a que alude o artigo 11 da Lei nº 8.213/91, para fins de conversão de tempo de serviço especial em comum, bastando, para tanto, a sua exposição de forma habitual e permanente a agentes nocivos à saúde ou a integridade física. Nesse sentido, já entendeu a 1.ª Turma Recursal:
2 (...) É de se notar que toda vez que a Lei de Benefícios pretendeu atribuir regime jurídico específico ao contribuinte individual, assim operou de modo expresso, ora não prevendo a concessão de determinados benefícios (auxílioacidente e salário-maternidade até a edição da Lei 9.876/99, por exemplo), ora lhe estipulando um modo distinto de contar o período de carência (Lei 8.213/91, art. 27, II). Por consequência, o juízo negativo de concessão de aposentadoria especial ao contribuinte individual apenas por esta sua condição de trabalhador por conta própria não prestigia os fundamentos constitucionais dessa prestação previdenciária. Mais especificamente, tal pensamento não oferece a melhor solução exegética ao problema, na medida em que vai de encontro ao princípio geral de hermenêutica segundo o qual onde a lei não discrimina não deve o intérprete o fazer. É importante destacar, ademais, que na seara dos direitos sociais tal discriminação ainda é menos aconselhável, porque estaria a operar verdadeira restrição de proteção social a segurado da Previdência Social e a atentar contra um dos objetivos fundamentais da Ordem Social, qual seja, a consideração social do trabalho (CF/88, art. 193), o que certamente implica a proteção da saúde do trabalhador (e não apenas do trabalhador que exerce suas atividades por conta de outrem). De outra parte, não sensibilizam os argumentos de que seria o próprio segurado contribuinte individual que declararia as condições em que se dá o exercício de sua atividade profissional ou de que inexiste específica contribuição social para a seguridade social para tal contrapartida em termos de benefício. Quanto ao primeiro aspecto, ressalte-se que se há dificuldade para a aferição das reais condições em que se dá o trabalho do contribuinte individual, tal circunstância não implica óbice ao reconhecimento do direito, senão isso, apenas uma dificuldade para a comprovação do respectivo fato constitutivo. Raciocínio semelhante (da dificuldade de prova do fato constitutivo infere-se a inexistência do direito) nos levaria a negar benefícios ao trabalhadores rurais bóias-frias, que se encontram, reconhecidamente, em um contexto extremamente desvantajoso para a prova dos fatos que lhe fazem atribuir direitos previdenciários correspondentes. Ora, a concessão de aposentadoria especial ou a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido sob condições especiais em atividade comum dependerá de comprovação pelo segurado do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado (Lei 8.213/91, art. 57, 3º, com a redação emprestada pela Lei 9.032/95). O caso concreto é que determinará que espécies de meios probatórios se revelam suficientemente idôneos (prova pericial, prova pessoal, prova documental etc).
3 Quanto ao segundo aspecto (ausência de contribuição específica), penso que não consiste o melhor método para a verificação da existência de um direito previdenciário a investigação sobre a existência de contribuição com a finalidade específica de fazer frente aos valores que supostamente serão suportados em caso de concessão de determinada prestação. Tal raciocínio parte do pressuposto de que o equilíbrio financeiro e atuarial idealizado pela Emenda Constitucional 20/98 se materializa em um balanço perfeito entre custeio e benefício no que diz respeito às contribuições do segurado para o sistema e as prestações previdenciárias que a ele são asseguradas pelo Plano de Benefícios. A ideia de um financiamento constitucional da seguridade social - que nos termos do art. 195 da CF/88 se dá por toda sociedade já deveria ser suficiente para abalar semelhante convicção. Convém notar, entretanto, que a inexistência de norma jurídica a condicionar a atribuição de direito a uma contribuição específica confere a liberdade necessária ao intérprete para, diante do texto normativo e a partir de luzes constitucionais, declarar a existência ou não do direito no caso concreto. Ora, se da empresa é exigida contribuição específica que leva em conta o grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho aos segurados empregados e trabalhadores avulsos (Lei 8.212/91, art. 22, II), daí não se extrai que o contribuinte individual não faça jus à aposentadoria especial (ou à aposentadoria por invalidez ou ao auxílio-doença). É necessário perceber a contribuição previdenciária do contribuinte individual dentro do contexto do financiamento da Seguridade Social. Temos que vê-la como vemos o Simples, por exemplo. A contribuição dos empregados de microempresas também é, em princípio, insuficiente e ainda assim são concedidos os benefícios aos segurados que lhe prestam serviços na condição de empregado. O mesmo se pode dizer acerca das entidades beneficentes de Assistência Social. E nem por isso se questiona a existência do direito previdenciário devido a seus empregados nos termos da lei. A ausência de discriminação na Lei de Benefícios (Lei 8.213/91, art. 57, caput) leva ao reconhecimento judicial do direito do contribuinte individual á aposentadoria especial mesmo após a Lei 9.032/95, quando alterado o inciso II do art. 22 da Lei de Custeio, uma vez evidenciada a ofensa à saúde ou à integridade física do trabalhador, de modo a viabilizar-se o desiderato constitucional de protegê-lo contra os maléficos efeitos que podem advir do mero desempenho de sua atividade profissional. (1.ª Turma Recursal do Paraná. Processo n.º 2008.70.51.005408-1, Juíza Federal Relatora Luciane Merlin Clève Kravetz, 05/07/2010). Superada a análise da possibilidade de conversão de especial para comum de período laborado como contribuinte individual, entendo que os documentos apresentados pela autora e relacionados na sentença, aliados à prova testemunhal, comprovaram o exercício a atividade de médica de
4 forma habitual e permanente, razão pela qual a autora faz jus à conversão de especial para comum do período de 01/02/1984 a 28/04/1995. - Período de 02/01/2003 a 25/08/2008 Destaca o INSS que o período acima não deve ser convertido de especial para comum, uma vez que a autora não trabalhava permanente com portadores de doenças infecto-contagiosas. Sem razão, contudo. De acordo com o formulário PPP apresentado nas páginas 10/12 do doc. PROCADM2 (evento 19), no período acima, a autora exerceu a função de médica na Associação de proteção à maternidade e infância. Como atividades da autora, o formulário destacou as seguintes: desempenha atividades técnicas de competência médica em unidade de saúde da família, localizada no Jardim Columbia, atendendo pacientes previamente agendados, exercendo atividades de prevenção, orientação e quando necessário tratamento dos pacientes, também participando de palestras orientadoras às famílias localizadas em sua área de abrangência, bem como visitas domiciliares quando solicitadas pelo paciente ou equipe de suporte do projeto. Como agentes nocivos, o formulário destacou: biológico/vírus e bactérias. O laudo técnico apresentado no evento 58 (docs. LAU2 e LAU3) confirmou as informações constantes do formulário. Destacou o laudo que os agentes biológicos existem no contato e atendimento aos pacientes, pois não se sabe quem da procura está ou não com enfermidade contagiosa. O Decreto n.º 3.048/99 (código 3.0.1, a ) prevê como especial a atividade exercida em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados. No entanto, esta Turma Recursal tem entendido que só pode ser considerado especial o período em que houve comprovadamente exposição habitual a agentes infecto-contagiosos. No caso dos autos, contudo, o formulário e o laudo técnico não permitem concluir que a autora estava exposta de maneira habitual e permanente a contato com pacientes de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados. Com efeito, a descrição das atividades da autora, constante do formulário apresentado, demonstra que ela também fazia palestras e visitas domiciliares. Dessa forma, ainda que a autora estivesse em contato com pacientes portadores de doenças infecto-
5 contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados, tal exposição não era habitual e permanente, conforme exigido pela legislação de regência. Dessa forma, o período de 02/01/2003 a 25/08/2008 não deve ser convertido de especial para comum. Tempo de contribuição da autora Excluindo-se o acréscimo decorrente da conversão de especial para comum do período de 02/01/2003 a 25/08/2008 da contagem de tempo de contribuição da autora, chega-se ao seguinte resultado: Até a EC n.º 20/98 Até a Lei n.º 9.876/99 Até a DER (06/11/2008) 18 anos, 03 meses e 25 dias 19 anos, 03 meses e 08 dias 29 anos, 01 mês e 23 dias Como a autora possuía 18 anos, 03 meses e 25 dias de tempo de contribuição até a data da EC n.º 20/98, faltavam-lhe 06 anos, 08 meses e 05 dias para atingir os 25 anos de contribuição. Com o adicional de 40% de pedágio (02 anos, 08 meses e 02 dias), a autora teria que ter atingido, no mínimo, 27 anos, 08 meses e 02 dias de contribuição, o que ocorreu, uma vez que até a DER a parte autora somou 29 anos, 01 mês e 23 dias, fazendo jus, portanto, ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com 75% do salário-de-benefício, observada a Lei n.º 9.876/99. Juros e correção monetária Pleiteia o INSS a aplicação da Lei n.º 11.960/2009, alegando que os valores devem ser corrigidos de forma simples. Não assiste razão à autarquia. A Lei n.º 11.960/2009 deve ser interpretada no sentido de que os valores devem ser corrigidos como se estivessem depositados em caderneta de poupança (portanto capitalizados). Assim, o uso do termo única vez, na única interpretação que reputo adequada, significa que a forma de correção pelos índices oficiais de caderneta de poupança atualmente TR (taxa referencial) acrescida de 0,5% (meio por cento) deve ser aplicada para os fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, ou seja, no lugar de correção monetária e juros moratórios. Dessa forma, acertado o entendimento do juízo monocrático.
6 Esse o contexto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS, para deixar de converter de especial para comum o período de 02/01/2003 a 25/08/2008. Sem honorários. Liquidação a cargo do juízo do origem. Considero prequestionados especificamente todos os dispositivos legais e constitucionais invocados na inicial, contestação, razões e contrarrazões de recurso, porquanto a fundamentação ora exarada não viola qualquer dos dispositivos da legislação federal ou a Constituição da República levantados em tais peças processuais. Desde já fica sinalizado que o manejo de embargos para prequestionamento ficarão sujeitos à multa, nos termos da legislação de regência da matéria. É como voto. Leonardo Castanho Mendes Juiz Federal Relator