1 RIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009273-60.2013.8.19.0028 APELANTE: DUNAS SOLUÇÕES FINANCEIRAS LTDA APELADO: NILBERTO ALVES SIQUEIRA FILHO RELATOR: DES. FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUES TRANSFERIDOS PARA EMPRESA DE FACTORING POR ENDOSSO. CESSÃO DE CRÉDITO CARACTERIZADA. FACTORING NÃO SE CONFUNDE COM OPERAÇÃO BANCÁRIA, VISTO QUE ISENTA O FATURIZADO DA RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO TÍTULO, RAZÃO PELA QUAL O CONTRATO SE TORNA UMA OPERAÇÃO DE RISCO ESPECULATIVA E NÃO UMA OPERAÇÃO DE CRÉDITO COMO AS OPERAÇÕES BANCÁRIAS. O RISCO ASSUMIDO PELO FATURIZADOR É INERENTE À PRÓPRIA NATUREZA DA ATIVIDADE POR ELE DESENVOLVIDA, POIS AO ADQUIRIR O FATURAMENTO DA FATURIZADA, TOTAL OU PARCIAL, RECEBE EM CONTRAPARTIDA REMUNERAÇÃO CONSISTENTE EM REDUÇÃO OU DESÁGIO SOBRE OS VALORES CONSTANTES DOS TÍTULOS NEGOCIADOS. ALEGAÇÃO DA EMBARGADA, ORA APELANTE, DE QUE ADQUIRIU OS CHEQUES DE BOA-FÉ, QUASE DOIS MESES ANTES DE SER INFORMADA DO ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA EMPRESA FATURIZADA, QUE NÃO SUPERA SUA CIÊNCIA DA POSSIBILIDADE DE OS SERVIÇOS EDUCACIONAIS CONTRATADOS PELOS EMITENTES DOS CHEQUES NÃO SEREM PRESTADOS, ASSUMINDO O COM ISSO O RISCO DE ADQUIRIR CRÉDITO SEM QUALQUER LASTRO.
2 HIPÓTESE QUE AUTORIZA O DEBATE DA CAUSA DEBENDI. PRECEDENTES DO E. STJ E DESTE E. TJERJ. SENTENÇA MANTIDA. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO, COM BASE NO ART. 557, CAPUT, DO CPC. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Embargos à Execução opostos por NILBERTO ALVES SIQUEIRA FILHO contra DUNAS SOLUÇÕES FINANCEIRAS LTDA visando à inexigibilidade do crédito cobrado pela embargada, lastreado em dois cheques pós-datados emitidos pelo embargante, para o pagamento de mensalidades decorrentes de contrato de prestação de serviço educacional contratado com Sucesso Macaé Centro de Acompanhamento de Estudos Ltda. Alega o embargante que o referido contrato não chegou a termo porque a instituição educacional fechou, sendo certo que conseguiu recuperar 10 dos 12 cheques emitidos, que foram sustados. Pugna pela procedência dos Embargos à Execução, desconstituindo-se o crédito executado pela Embargada nos autos em apenso, materializado nos dois cheques não recuperados da instituição educacional, que foram repassados à embargada. O MM. Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Macaé julgou procedente o pedido, declarando inexigíveis os cheques executados nos autos em apenso e condenando a Embargada aos ônus sucumbenciais, fls. 90/92). Apelação da embargada, fls. 93/111, reiterando suas alegações de que é empresa de fomento mercantil e adquiriu os títulos que lastreiam a execução em apenso por meio de contrato firmado com a Sucesso Macaé Centro de Acompanhamento de Estudos LTDA. Aduz que os referidos títulos são líquidos, certos e exigíveis, e que os adquiriu de boa-fé quase dois meses antes de ser informada do encerramento das atividades da referida instituição educacional. Assevera que os títulos executados nos autos em apenso são autônomos e abstratos, razões pelas quais estão desvinculados da causa subjacente.
3 Contrarrazões pela manutenção da sentença, fls. 119/134. É o relatório. Passa-se à decisão. Cumpre mencionar que, presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, esse deve ser, por conseguinte, conhecido e solucionado de plano, não se fazendo necessário o pronunciamento do órgão fracionário deste E. Tribunal, na forma autorizada pelo ordenamento processual vigente. O contrato de factoring, em sua modalidade mais utilizada, trata-se de um negócio jurídico por meio do qual a empresa chamada de faturizador ou de fator adquire créditos que a empresa chamada de faturizado tem com seus respectivos clientes, adiantando-lhe as importâncias e encarregando-se das cobranças, assumindo o risco de possível insolvência dos respectivos devedores. Portanto, o contrato de factoring é aquele no qual o empresário cede a outro os seus créditos, integral ou parcialmente, resultante de sua atividade econômica a terceiros, recebendo o faturizado do faturizador o valor daqueles créditos mediante pagamento de uma remuneração. Nesse entendimento, a lição de ARNALDO RIZZARDO: Se está diante de uma relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação. (in: Factoring. 2ªed. SP: ed. RT, 2000, p.11). É dessa forma que, muitas das vezes, empresas de pequeno e de médio porte obtêm pronta capitalização capital de giro sem a necessidade de contratarem empréstimo bancário, eliminando-se os custos operacionais, sendo este aspecto, a propósito, uma das vantagens dessa modalidade de contrato, O faturizado, ao ceder seus créditos, transfere para o faturizador todos os ônus e despesas inerentes à cobrança dos créditos transferidos, seja judicial ou extrajudicial. Não é outra a lição de Sílvio de Salvo Venosa: Na prática, a empresa de factoring antecipa numerário ao faturizado, mediante desconto sobre o valor do título cedido, ficando com o direito de receber os valores no vencimento. (in: Direito Civil: contratos em espécie. 6ªed. SP: ed. Atlas, 2006, p.564.)
4 O factoring não se confunde com uma operação bancária visto que isenta o faturizado da responsabilidade pelo pagamento do título, razão pela qual o contrato se torna uma operação de risco, portanto especulativa. Na realidade, trata-se de verdadeira cessão de direitos sobre o título, sendo possível a verificação da causa debendi, ainda que a transferência dos títulos de crédito seja formalizada por endosso (REsp n 1.167.120/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 18/11/2013). Desse modo, o risco assumido pelo faturizador é inerente à própria natureza da atividade por ele desenvolvida, pois, ao adquirir o faturamento da faturizada, total ou parcial, recebe em contrapartida remuneração consistente na redução ou deságio sobre os valores estampados nos títulos negociados. Não se trata, portanto, de uma simples cessão de títulos de crédito por endosso. Precedente do E. STJ: RECURSO ESPECIAL. TÍTULOS DE CRÉDITO. DUPLICATAS SEM CAUSA. PROTESTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REDUÇÃO. 1. O contrato de factoring convencional é aquele que encerra a seguinte operação: a empresa-cliente transfere, mediante uma venda cujo pagamento dá-se à vista, para a empresa especializada em fomento mercantil, os créditos derivados do exercício da sua atividade empresarial na relação comercial com a sua própria clientela os sacados, que são os devedores na transação mercantil. 2. Nada obstante os títulos vendidos serem endossados à compradora, não há por que falar em direito de regresso contra o cedente em razão do seguinte: (a) a transferência do título é definitiva, uma vez que feita sob o lastro da compra e venda de bem imobiliário, exonerando-se o endossante/cedente de responder pela satisfação do crédito; e (b) o risco assumido pelo faturizador é inerente à atividade por ele desenvolvida, ressalvada a hipótese de ajustes diversos no contrato firmado entres as partes. 3. Na indenização por dano moral por indevido protesto de título, mostra-se adequado o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Precedentes 4. Recurso especial conhecido em parte e provido. (REsp 992.421/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 12/12/2008).
5 Em que pese a ora apelante alegar que adquiriu os cheques de boa-fé quase dois meses antes de ser informada do encerramento das atividades da empresa faturizada, é certo que tinha ciência da possibilidade de ela não prestar os serviços educacionais contratados pelos emitentes dos cheques, assumindo com isso o risco de adquirir crédito sem qualquer lastro, o que abre a possibilidade de discussão da causa debendi. Nessa direção, os seguintes precedentes do E. STJ e deste E. TJERJ: Processual Civil. Comercial. Recurso especial. Execução. Cheques pósdatados. Repasse à empresa de factoring. Negócio subjacente. Discussão. Possibilidade, em hipóteses excepcionais. - A emissão de cheque pós-datado, popularmente conhecido como cheque pré-datado, não o desnatura como título de crédito, e traz como única conseqüência a ampliação do prazo de apresentação. - Da autonomia e da independência emana a regra de que o cheque não se vincula ao negócio jurídico que lhe deu origem, pois o possuidor de boa-fé não pode ser restringido em virtude das relações entre anteriores possuidores e o emitente. - Comprovada, todavia, a ciência, pelo terceiro adquirente, sobre a mácula no negócio jurídico que deu origem à emissão do cheque, as exceções pessoais do devedor passam a ser oponíveis ao portador, ainda que se trate de empresa de factoring. - Nessa hipótese, os prejuízos decorrentes da impossibilidade de cobrança do crédito, pela faturizadora, do emitente do cheque, devem ser discutidos em ação própria, a ser proposta em face do faturizado. Recurso especial não conhecido. (REsp 612.423/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2006, DJ 26/06/2006, p. 132). 0008813-73.2013.8.19.0028 - APELACAO DES. HELENO RIBEIRO P NUNES - Julgamento: 20/02/2015 - QUINTA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DO DEVEDOR. CHEQUES. TÍTULO TRANFERIDO A EMPRESA DE FACTORING. CESSÃO DE CRÉDITO CARACTERIZADA. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. 1) Ainda que a transferência dos títulos de crédito seja formalizada por endosso, a aquisição de crédito por faturizadora caracteriza a realização de cessão de crédito (REsp n 1.167.120/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 18/11/2013). 2) Com efeito, o risco assumido pelo faturizador é inerente à própria natureza da atividade por ele
6 desenvolvida, pois ao adquirir o faturamento da faturizada, total ou parcial, recebe em contrapartida remuneração consistente em redução ou deságio sobre os valores constantes dos títulos negociados. Não se trata, portanto, de uma simples cessão de títulos de crédito por endosso. 3) No caso em estudo, embora a apelante alegue ter adquirido os títulos de boa-fé quase dois meses antes de ser informada do encerramento das atividades da referida empresa, certo é que tinha ciência da possibilidade de a faturizada não prestar os serviços educacionais contratados pelos emitentes dos cheques, assumindo, com isso, o risco de adquirir crédito sem qualquer lastro. 4) Nesse contexto, a inexistência do crédito representado pelos cheques objetos da execução ora embargada é oponível à apelante. 5) Assim, considerando ter restado incontroverso que a credora originária encerrou suas atividades antes de prestar o serviço que deu origem à dívida, impõe-se o acolhimento dos embargos e a declaração da inexigibilidade dos títulos executados. 6) Recurso ao qual se nega seguimento.. 0014272-56.2013.8.19.0028 - APELACAO DES. FERNANDO FERNANDY FERNANDES - Julgamento: 12/12/2014 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL AGRAVO INOMINADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO. CHEQUE ENDOSSADO PARA EMPRESA DE FACTORING. CAUSA DEBENDI INEXISTENTE. RISCO INERENTE À ATIVIDADE DA EMPRESA EXEQUENTE/EMBARGADA. SENTENÇA QUE ACOLHEU OS EMBARGOS DA EXECUTADA QUE SE CONFIRMA EM SEDE RECURSAL. AGRAVO INOMINADO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Diante do exposto, a inexistência do crédito representado pelos cheques objetos da execução ora embargada é oponível à ora apelante e, uma vez incontroverso que a credora originária encerrou suas atividades antes de prestar o serviço que deu origem à dívida, correta a sentença que acolheu os Embargos opostos e declarou a inexigibilidade dos títulos executados. Assim, NEGA-SE SEGUIMENTO ao recurso, com base no art. 557, caput, do CPC. Rio de Janeiro, 15 de julho de 2015. Desembargador FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS Relator