TAREFAS MATEMÁTICAS COM A CALCULADORA GRÁFICA: SUAS CARACTERÍSTICAS E ABORDAGENS



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Transcrição:

TAREFAS MATEMÁTICAS COM A CALCULADORA GRÁFICA: SUAS CARACTERÍSTICAS E ABORDAGENS Helena Rocha Bolseira da FCT/ME* hcrocha@ie.ul.pt Introdução A calculadora gráfica é uma tecnologia muito especial pois, até hoje, é a única que foi não só considerada de uso obrigatório nas aulas do ensino secundário, como também nos exames nacionais. Esta inclusão da calculadora gráfica entre o material de uso obrigatório no ensino da Matemática teve naturalmente por base o reconhecimento de um amplo conjunto de potencialidades. Falava-se na forma como esta tecnologia ia permitir o envolvimento dos alunos em situações reais, trabalhando com dados concretos, e sem que o peso dos cálculos tornasse o trabalho incomportável. As actividades de modelação passariam a ser efectivamente possíveis de uma forma como até então ainda não o tinham sido, pois o acesso a computadores nas escolas continuava a mostrar-se uma tarefa algo complexa. Também a resolução de problemas ia receber um novo fôlego e a facilidade com que passava a ser possível aceder a grande quantidade de gráficos possibilitava ainda abordagens exploratórias e de carácter intuitivo. Mais de uma década depois da entrada efectiva da calculadora gráfica na sala de aula, continuam a ser reconhecidas as potencialidades desta tecnologia, mas começam a surgir estudos que sugerem que a utilização que está a ser feita desta fica aquém do que se antecipava (ver, por exemplo, Dunham, 2000, Vrasidas e Glass, 2005). Nestas circunstâncias torna-se então inevitável questionar o que está a ser feito com a calculadora gráfica nas aulas de Matemática. Para que é a calculadora gráfica mais utilizada? Em que tipo de tarefas? O que caracteriza essa utilização? Que factores mais parecem afectar as opções efectuadas pelo professor? Estas são algumas das questões em que tenho procurado reflectir, tendo por base o trabalho da professora Carolina, que acompanhei ao longo do ano lectivo 2009/2010, enquanto esta leccionava o tema Funções a uma turma do 10o ano na disciplina de Matemática A. Durante esse ano conversei com ela regularmente para saber o que planeava para cada aula, o que a levava a tomar essas opções e, mais tarde, que balanço fazia da forma como aquilo que planeara decorrera na sala de aula. Muitas vezes acompanhei-a também até à sala de aula, observando directamente o que fazia e como punha em prática as ideias de que me falara. As tarefas Na sua prática lectiva um professor pode propor aos seus alunos tarefas com características diferenciadas. De entre as diferentes possibilidades, Ponte (2005) destaca os problemas, os exercícios, as investigações, os projectos e as tarefas de modelação. Este autor associa à noção de problema uma certa dificuldade, realçando o carácter relativo desta classificação, uma vez que o que é um problema para determinado aluno poderá não passar de um simples exercício para outro. Problemas e exercícios serão assim tarefas com algumas semelhanças, em que é claro o que se pretende, sendo a distinção entre estas marcada pelo facto do aluno conhecer ou não um processo para a resolver. Exercícios e problemas podem ainda envolver um contexto da realidade ou, pelo contrário, situarem-se num campo estritamente matemático. As investigações constituem um outro tipo de tarefas. Neste caso, embora sejam geralmente colocadas questões, é deixado ao aluno a definição das estratégias de resolução que irá adoptar, assim como algum trabalho ao nível da formulação das questões específicas a resolver (Rocha, 1996). Tal como nos tipos de tarefas anteriores, também aqui poderemos ter investigações num contexto real ou num contexto estritamente matemático. 1 * Trabalho desenvolvido com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia e do Ministério da Educação

Os projectos envolvem resolução de problemas mas, segundo Abrantes (1994), caracterizam-se pela complexidade, pela autenticidade que têm para os alunos envolvidos, pela responsabilidade e autonomia que exigem e pelo seu carácter prolongado e faseado. Os projectos são ainda marcados por um objectivo e pela intenção de alcançar determinado produto final, neste sentido o contexto é claramente relevante. O contexto é igualmente determinante nas tarefas de modelação, que Matos e Carreira (1996) enquadram no âmbito da aplicação da Matemática a situações da realidade. Estas tarefas requerem a construção de um modelo matemático e exigem «a formulação de questões pertinentes acerca da situação, bem como a selecção dos factores considerados mais relevantes nessa situação, a identificação das variáveis que lhe estão associadas, a experimentação e a análise da adequação do modelo matemático à situação» (p.7). Consoante sejam mais ou menos estruturadas, estas tarefas aproximamse respectivamente da resolução de problemas ou das investigações. E como se caracterizaram as tarefas que a Carolina foi propondo? Ao longo do estudo do tema Funções, a Carolina foi propondo diversas tarefas que tinham por base um contexto da realidade (ver exemplo na fig. 1). Em comum, para além de um contexto real, todas tinham o facto de disponibilizarem a expressão da função que modelava o fenómeno, colocando depois várias questões sobre este que, em termos matemáticos, correspondiam a determinar a imagem de certo objecto, a encontrar um extremo, a resolver uma equação ou inequação ou a recorrer à Matemática para melhor compreender o fenómeno envolvido. Figura 1 O trabalho de carácter mais mecânico e repetitivo também integrou as propostas efectuadas pela Carolina, assumindo muitas vezes a forma da resolução de uma equação ou inequação, do preenchimento de um quadro de sinais, do cálculo dos zeros de uma função quadrática, de mostrar que são iguais expressões como $x^3+x^2-4x-4 e (x+2)(x+1)(x-2) ou de encontrar o ponto de intersecção entre duas funções. Em comum estas situações tinham o contexto estritamente matemático e a existência de uma estratégia de resolução que já era do conhecimento dos alunos. Outras tarefas caracterizaram-se pela disponibilização de um gráfico à partida, como é o caso da tarefa apresentada na fig. 2. Estas foram sempre propostas em contexto estritamente matemático, em que podia ou não ser dada a expressão das funções envolvidas. 2 Figura 2

Existiram ainda tarefas, com ou sem contexto real, em que os alunos necessitaram de ponderar o que fazer, à procura de uma abordagem para as questões que lhes colocavam. Foram basicamente tarefas de carácter geométrico (como a da fig. 3), em que a certa altura era necessário encontrar determinada área (ou volume) ou arranjar a expressão da função que representava essa área (ou volume) em função de algum parâmetro. Figura 3 O estudo de algumas famílias de funções foi feito com base em tarefas em que era proposto aos alunos que traçassem com a calculadora gráfica alguns gráficos de funções para depois, a partir da observação destes, tentar identificar determinadas características comuns. Foi assim estudada a função afim, a função quadrática e a função módulo. Apesar das semelhanças entre as propostas efectuadas, estas divergiram quanto ao grau de abertura. O estudo da função afim foi realizado com base numa ficha bastante estruturada, em que eram inclusivamente indicadas aos alunos quais as funções a considerar; o estudo da função quadrática já deixou aos alunos a escolha dos diferentes parâmetros das funções a considerar (ver excerto da ficha na fig. 4) e o estudo da função módulo teve por base uma opção intermédia, com uma parte inicial mais estruturada, em que eram indicadas as funções a considerar, e uma parte bastante aberta em que não só era deixado aos alunos a escolha dos parâmetros a considerar como também a identificação da família de funções que convinha estudar. Figura 4 As tarefas propostas pela Carolina envolveram assim diferentes níveis de estruturação, questões que os alunos já sabiam como abordar ou que enfrentavam pela primeira vez, contextos puramente matemáticos ou inseridos na realidade. Uma análise das situações atrás referidas parece permitir concluir que foram propostos problemas, exercícios e investigações. A diversificação do contexto também foi tida em conta, embora não para todo o tipo de tarefas, visto que todas as investigações realizadas incidiram sobre o efeito gráfico da variação de determinados parâmetros de certas famílias de funções. Os projectos e as tarefas de modelação não estiveram entre as propostas de trabalho seleccionadas por esta professora durante o estudo das Funções. Antes de iniciar o tema chegou a referir a intenção de realizar uma tarefa de modelação, mas acabou por nunca a concretizar. 3

A utilização da calculadora gráfica A utilização que é feita da calculadora gráfica é um aspecto de grande relevância pois, como refere Farrel (1996), esta não só interfere com as tarefas a que o professor recorre como também com a frequência com que o faz. Estudos realizados sugerem que a confirmação de resultados, o traçar de gráficos de funções e o desenvolvimento da capacidade de prever o aspecto de um gráfico antes de o traçar, são as utilizações mais frequentes desta tecnologia (Simmt, 1997; Doerr & Zangor, 2000; Banker, 2001; Cavanagh & Mitchelmore, 2003). Ainda assim, existem também referências a utilizações para explorar para além do conceito em estudo (Simmt, 1997), para obter soluções alternativas (Banker, 2001), para simular fenómenos reais (Banker, 2001), para transformar tarefas de cálculo em tarefas interpretativas (Doerr & Zangor, 2000) e para confirmar conjecturas (Doerr & Zangor, 2000). Uma análise das situações de trabalho promovidas pela Carolina sugere três tipos diferentes de utilização da calculadora gráfica: para obter informação, para confirmar resultados e para explorar. A utilização dominante da calculadora gráfica parece ser para obter uma informação concreta e especificada à partida. Estão nestas circunstâncias os casos em que a calculadora é utilizada para obter o gráfico de uma função, para determinar um dos seus extremos, para executar a fórmula resolvente, para efectuar um cálculo numérico ou outra ocorrência similar. Com efeito, uma utilização para obter informação é a abordagem típica em situações como a da fig. 1, em que é dada a expressão da função correspondente ao fenómeno envolvido. Nestes casos a abordagem seguida passa invariavelmente pela introdução da expressão da função na calculadora, pelo traçar do gráfico e eventual procura de uma janela de visualização mais adequada a que se segue, consoante a questão em causa, um recurso a trace, ao menu calc (para determinar um valor, os zeros ou um extremo) ou o criar de uma segunda função constante e determinar as intersecções desta com a função original. Algo de semelhante se passa em situações de carácter problemático como a da fig. 3 sempre que (ou a partir do momento em que) é possível dispor da expressão de uma função. Perante situações de carácter mais mecânico a calculadora é igualmente utilizada para obter informação quando é necessário realizar a fórmula resolvente ou determinar as coordenadas do ponto de intersecção de duas funções. A resolução de equações ou inequações também envolve este tipo de utilização da calculadora, sendo frequentemente realizada analítica e graficamente. Outras questões, como preenchimento de quadros de sinais ou justificação da igualdade entre expressões, são no entanto sempre realizadas sem qualquer apoio da calculadora. A calculadora é também utilizada para confirmar resultados alcançados por outra via. Esta é uma utilização que a Carolina tende a incentivar quando é pedida a expressão da função que se adequa a um gráfico apresentado, mas que não é comum noutras situações, por exemplo, nunca ocorre quando é feito o preenchimento de um quadro de sinais. Um recurso à calculadora para explorar está igualmente presente na busca de compreensão ou conhecimento sobre novos aspectos, correspondente às situações em que os alunos realizam actividades de investigação. O tipo de utilização que é feito da calculadora parece ainda ser bastante padronizado. Ou seja, tende a circunscreverse a um conjunto bastante limitado de possibilidades (gráfico, zeros, extremos, ) e a deixar de lado um amplo conjunto de abordagens. Por exemplo, para mostrar a igualdade entre expressões como e, podia partir-se de um estudo gráfico da primeira e da procura dos seus zeros. Também a construção da expressão de uma função podia ser feita com o apoio da tecnologia, numa linha exploratória. De igual modo, tarefas como a apresentada na fig. 2 podiam ser desenvolvidas com o apoio da calculadora, em particular quando surgem dificuldades, como sucedeu neste caso. Com efeito, o recurso à calculadora podia permitir aos alunos aceder a uma tabela de valores para as duas funções, constituindo-se como um contributo para a compreensão da situação, que podia inclusivamente envolver a representação gráfica da função produto ( ) e facilitar a compreensão de que para saber o sinal da função produto para um determinado valor a não é necessário conhecer os valores de e mas apenas os seus sinais. 4 Factores que interferem com a utilização da calculadora gráfica As razões apontadas para as diferentes utilizações que os professores fazem desta tecnologia são variadas. Dunham (2000) refere as crenças e concepções que os professores detêm sobre a Matemática e sobre o seu ensino, a formação inicial e contínua, o pouco tempo de que dispõem para planificar as aulas e os poucos incentivos para integrar a calculadora na sua prática. Romano e Ponte (2009) mencionam também as concepções dos professores, mas destacam ainda a sua experi-

ência prévia. A estes aspectos Fleener (1995) acrescenta as perspectivas individuais do professor e ainda a cultura de sala de aula e as normas da comunidade. Por seu turno Hoban (2002) e Dreiling (2007) apontam a experiência pessoal do professor e a sua resistência à mudança, enquanto Powers e Blubaugh (2005) abordam o conhecimento dos professores. O conhecimento de que os professores necessitam para fazer uma integração efectiva da tecnologia é aliás um dos aspectos que tem vindo a ser alvo de um interesse crescente e cuja importância é cada vez mais reconhecida (Doerr & Zangor, 2000; Powers & Blubaugh, 2005; Polly et al., 2010; Bowers & Stephens, 2011). Foi o reconhecimento da importância de um conhecimento profissional específico para ensinar com a tecnologia que me levou a desenvolver o modelo CEMT - Conhecimento para Ensinar Matemática com a Tecnologia (Rocha, 2010a). Este modelo considera quatro domínios base do conhecimento (Matemática, Ensino Aprendizagem, Currículo e Tecnologia), mas valoriza particularmente conhecimentos que transcendem cada um destes e, em particular, dois conjuntos de conhecimentos inter-domínios, um na confluência do conhecimento da Matemática, Currículo e Tecnologia e outro na do Ensino Aprendizagem, Currículo e Tecnologia. No conhecimento da Matemática, Currículo e Tecnologia merece particular destaque o conhecimento da fidelidade matemática da tecnologia, o conhecimento das novas ênfases que a tecnologia coloca sobre os conteúdos, o conhecimento das novas ordenações dos conteúdos e a fluência representacional, ou seja, o conhecimento das diferentes representações e de como as articular adequadamente. Já o conhecimento do Ensino Aprendizagem, Currículo e Tecnologia envolve o conhecimento das dificuldades dos alunos em conciliar informação proveniente de diferentes vias (tecnológicas ou não) e de formas eficazes de as superar, o conhecimento da concordância matemática das tarefas e o conhecimento de como articular diferentes tipos de trabalho, tirando partido das potencialidades da tecnologia (para mais detalhes sobre os diferentes tipos de conhecimento ver Rocha, 2010a, 2010b). O Conhecimento para Ensinar Matemática com a Tecnologia é então conceptualizado como um conhecimento específico, desenvolvido de forma integrativa a partir da interacção entre todos os conhecimentos referidos. Na prática da Carolina é visível a influência de alguns destes factores. Um dos aspectos a que a Carolina mais alude é a falta de tempo. Este constrangimento leva-a a optar por uma proposta mais estruturada aquando do estudo da função afim, por considerar que parte significativa do trabalho já foi feito durante o estudo da recta. Opta assim por elaborar uma ficha de trabalho onde os alunos têm que traçar os gráficos de funções escolhidas por ela para, a partir da sua observação, formularem as desejadas conclusões para cada uma das famílias de funções em estudo. É também o tempo, embora de uma outra forma, que a impede de reflectir previamente e da forma aprofundada que desejaria sobre as tarefas que propõe aos alunos, nomeadamente, sobre a ficha que elaborou em torno da função módulo. Esta poderia ser uma oportunidade para abordar questões em torno da janela de visualização, uma questão delicada para os alunos e que a Carolina considera carecer de atenção, mas a falta de tempo para reflectir sobre a ficha impede-a de encontrar uma forma de o fazer. A sua prática é igualmente marcada pelo seu Conhecimento para Ensinar Matemática com a Tecnologia (CEMT). É notória a forma como se apoia no seu CEMT e em particular no conhecimento das características do trabalho de natureza investigativa, para procurar adequar as tarefas à experiência dos seus alunos com este tipo de actividade. Depois de uma experiência em torno da função quadrática, com uma tarefa de carácter investigativo bastante aberta que a Carolina considera que correu mal, é no seu CEMT que a Carolina se apoia para conceber nova tarefa de investigação. Elabora então uma ficha de trabalho onde começa com uma parte mais estruturada, para orientar os alunos, mas prossegue com um carácter progressivamente mais aberto, indo ao encontro daquilo que considera a evolução natural dos alunos na realização deste tipo de tarefas. É igualmente o seu CEMT que determina as características do equilíbrio que estabelece entre as abordagens com e sem tecnologia; bem como os apoios que procura para ultrapassar as situações mais problemáticas, como quando incentiva os alunos a recorrem aos seus conhecimentos sobre a recta, quando estes não conseguem traçar no papel a inclinação correcta das semi-rectas que constituem os gráficos da função módulo, ou ainda quando recorre a outras representações para auxiliar os alunos a associar cada um dos vários gráficos apresentados no ecrã da calculadora gráfica à respectiva expressão da função. Alguma padronização na forma como a tecnologia é utilizada terá também a influência do seu CEMT, o mesmo acontecendo com a importância que reconhece ao trabalho em torno da janela de visualização e com os momentos que escolhe para abordar a questão. Influente sobre o seu CEMT e, consequentemente, sobre a utilização que faz da calculadora gráfica será ainda a sua quase inexperiência com esta tecnologia, uma vez que esta foi apenas a segunda vez que a Carolina leccionou o 10o ano 5

com o apoio desta tecnologia. O CEMT envolve conhecimento ao nível da forma como a tecnologia potencia a Matemática e o seu ensino e aprendizagem. A Carolina não teve ainda grandes oportunidades para identificar as dificuldades dos alunos ao articular informações provenientes de diferentes vias, tecnológicas ou não; nem para aferir a concordância matemática das tarefas que propõe; nem para perceber como esta tecnologia pode alterar a ênfase nos conteúdos matemáticos. Estes são apenas alguns aspectos do CEMT que marcam de forma significativa as características deste conhecimento, que exigem tempo para se desenvolver, experiência com a tecnologia e reflexão sobre esta. E a Carolina parece sentir precisamente isso quando alude à falta de tempo para preparar as tarefas para os seus alunos. Conclusão A calculadora gráfica é utilizada em três dos cinco tipos de tarefas caracterizados por Ponte (2005): exercícios, problemas e investigações. A utilização que é feita não parece contudo ser marcada pelo tipo de tarefa, mas antes por aquilo que se pretende. Com efeito, o recurso a esta tecnologia surge muito tendencialmente associado à parte gráfica, em consonância com as características de utilização identificadas por Simmt (1997), Doerr e Zangor (2000), Banker (2001) e Cavanagh e Mitchelmore (2003). O uso da calculadora é assim considerado conveniente quando o que se pretende é o gráfico de determinada função ou alguma informação que possa ser obtida através deste. Nestas circunstâncias o uso da máquina parece partir de uma expressão analítica e pretender a representação gráfica. Nos casos em que se parte do gráfico e se pretende uma representação analítica, a via de abordagem parece não passar propriamente pela calculadora, incluindo-a mais como uma forma de confirmação do que como uma via de exploração para, com base em conhecimentos matemáticos e por um processo experimental, ir sucessivamente construindo a expressão pretendida. A via para ultrapassar eventuais dificuldades também parece centrar-se mais num recurso a conhecimento e abordagens analíticas do que na utilização de outras potencialidades da máquina. Pouco usual é ainda a utilização da calculadora gráfica para confirmar resultados, numa divergência notória com as conclusões dos estudos atrás referidos, que a apontam como uma das utilizações mais frequentes desta tecnologia. A falta de tempo, tanto para implementar determinadas metodologias na sala de aula, como para as preparar adequadamente, reflectindo sobre as suas implicações e sobre as potencialidades para a aprendizagem dos alunos, parece ser um dos factores que interfere com a utilização que a Carolina faz da calculadora gráfica na sala de aula. Este último aspecto é particularmente interessante, uma vez que embora se lhe encontrem referências na literatura (ver Dunham, 2000), não é um dos factores mais explicitados pelos professores. Para além do tempo, a prática da Carolina parece ser também influenciada pelo CEMT detido por esta, sendo ainda de ter em conta a inexperiência de utilização desta tecnologia e as respectivas influências sobre o seu conhecimento e consequentemente sobre a sua prática. Referências Banker, T. (2001). Preservice secondary mathematics teachers beliefs and practice regarding the use of graphing calculators in mathematics instruction. PhD dissertation, University of Georgia (unpublished document). Bowers, J. & Stephens, B. (2011). Using technology to explore mathematical relationships: a framework for orienting mathematics courses for prospective teachers. Journal of Mathematics Teacher Education (DOI: 10.1007/s10857-011- 9168-x). Cavanagh, M. & Mitchelmore, M. (2003). Graphics calculators in the learning of mathematics: teacher understandings and classroom practices. Mathematics Teacher Education and Development, 5, 3 18. 6 Doer, H. & Zangor, R. (2000). Creating meaning for and with the graphing calculator. Educational Studies in Mathematics, 41, 143 163. Dreiling, K. (2007). Graphing calculator use by high school mathematics teachers of western Kansas. PhD dissertation, Kansas State University (unpublished document). Dunham, P. (2000). Hand-held calculators in mathematics education: a research perspective. In E. Laughbaum (ed.), Hand-held

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