ESTRATÉGIAS PARA FORMAÇÃO DE UM PROFESSOR DE MATEMÁTICA ATUALIZADO: A PESQUISA, A PRÁTICA DOCENTE E A TECNOLOGIA Prof. Dra. Vera Clotilde Garcia Carneiro Instituto de Matemática da UFRGS (Anais da V Semana da Matemática da Universidade Católica de Pelotas, 2000.) 1. introdução A presente palestra é dirigida a um professor ou futuro professor de Matemática que se percebe e reconhece como um profissional em constante formação, em busca da atualização. Esta formação pode estar se dando nas Universidades, Faculdades ou Centros Universitários, nos cursos de Licenciatura, de aperfeiçoamento ou de pós-graduação, mas também pode estar ocorrendo na própria escola, no convívio com os colegas, nos grupos docentes que, com o aval da instituição, se organizam e se reúnem regularmente para discutir as questões concretas de ensino/aprendizagem de Matemática, formando comunidades de estudo, reflexão e ação. O objetivo desta fala é propor estratégias para a formação destes docentes atualizados, caminhos que se abrem na relação e articulação dos elementos de um trinômio que define as principais características do professor do século XXI: a pesquisa, a prática e a tecnologia. 2. O professor atualizado Vivemos um contraditório momento social: por um lado, a posse de um conhecimento certificado, especializado e objetivado, como por exemplo o saber Matemática, é o mecanismo chave de legitimação das posições sociais e laborais; ao mesmo tempo, este conhecimento não é mais considerado um objeto morto, que pode ser obtido de uma vez para sempre, mas é visto como um processo, uma capacidade que deve se renovar constantemente para poder ser usada de modo eficaz. O professor de Matemática profissionalmente atualizado é aquele que mantem vínculo com a Educação Matemática, como campo científico e profissional. Este vínculo implica contato, conhecimento, estudo, experimentação e avaliação, na sala de aula, dos resultados mais recentes da pesquisa na área. Mas, também, implica aprender a fazer pesquisa tendo como objeto e campo de ação a sua própria sala de aula, o seu próprio trabalho, suas dúvidas e as mais diversas questões relativas ao ensino e aprendizagem de Matemática. O professor que pesquisa torna-se também produtor de conhecimento, em vez de apenas um reprodutor. É um professor inquieto, que vai procurar caminhos para sua qualificação, para 1
criação de novos projetos; busca novos conhecimento e expõe suas descobertas, participando em eventos, encontros, seminários e congressos; assegura a posse de um conhecimento especializado e em contínua renovação, que outros profissionais não detêm. 2. O professor e a pesquisa O professor de Matemática, que faz pesquisa na sala-de-aula, faz pesquisa educativa, isto é, pesquisa que educa, aquela cujo foco e alvo é a prática docente. Nestes casos, tanto o processo de investigação como o conhecimento produzido servem para orientar e transformar as práticas de ensinos, ou seja, o processo de investigação é, também, um processo de aprendizagem dos modos, conteúdos, resistências e possibilidades concretas das inovações na sala de aula e no contexto institucional O professor pesquisador, em sala de aula, é um professor reflexivo, termo cunhado por Schön (1995). É um profissional atento aos problemas, que reflete sobre saídas, inventando e experimentando novas soluções, liberando-se de formas convencionais, e em constante (re)construção. Esta concepção abre possibilidades para o profissionalismo docente, conseqüência do desenvolvimento da autoconsciência, do aumento das competências e do comprometimento do professor com processos de inovação. A pergunta é: Como se formam professores pesquisadores? No âmbito dos Cursos de Licenciatura, aperfeiçoamento e pós-graduação, a formação para a pesquisa inicia-se com a identificação do corpo docente com Educação Matemática. Só é possível formar licenciados voltados para a pesquisa nesta área se esta atividade tem lugar, valor e status na instituição formadora. Além disso, entre os vários tipos de pesquisa em Educação Matemática, é preciso destacar aquela que tem como objeto a sala de aula da própria Licenciatura. O aluno do Curso que vivenciar a pesquisa educativa, poderá reconhecer o potencial de mudança presente neste tipo de atividade: muda a sala de aula, mudam os papéis estereotipados de professor - professor centro e senhor do saber - e de aluno passivo - um copo vazio -, mudam as concepções e as práticas de ensino e de avaliação. Por outro lado, é preciso abrir espaço para atividades que envolvam os alunos como pesquisadores. Neste sentido, cabe citar os exemplos de grupos constituídos nas grandes Universidades como UNESP-Rio Claro, UFRJ e PUC-Rio que vinculam pesquisa em 2
Educação Matemática com formação de professores pesquisadores-reflexivos, à medida que desenvolvem projetos que reúnem professores universitários, professores da rede escolar e alunos da Licenciatura (Baldino e Carrera de Souza, 1997 ; Tinoco, 1998; Palis, 1998). Na UFRGS, criamos recentemente o GPA-MAT, Grupo de Pesquisa-ação em Educação Matemática. O Grupo está aberto a professores da rede alunos da Licenciatura e se dedica à atividades de investigação e extensão, trabalhos norteados por questões de ensino/aprendizagem, levantadas pelos participantes. Em grupos deste tipo, os professores da rede aprendem a pesquisar e, num segundo momento, estes mesmos professores podem organizar comunidades de pesquisa-ação nas suas escolas, ampliando o cícrculo e contribuindo para a formação de professores reflexivos nos próprios locais de trabalho. É preciso destacar a importância do trabalho coletivo, na escola, e o quanto a formação é contínua, dando-se no dia-a-dia da escola. Neste momento, cabe lembrar, que o principal incentivo para trabalho produtivo e inovador do professor está na filosofia democrática da escola, que se reflete num ambiente participante, de encorajamento e respeito às idéias novas, onde existe tempo para reflexão, remuneração digna e boas condições de trabalho. 4. O professor e a tecnologia A produção recente, em Educação Matemática, contribui para instituir figura de novo professor com domínio da tecnologia: enfatiza a necessidade da formação professores de Matemática, para a sociedade que ingressa na era da Informática, preparados para atender à demanda decorrente da evolução tecnológica e para ajudar na formação dos futuros profissionais das diferentes áreas; sugere que, tendo em vista a presença maciça do computador na vida cotidiana, propicie-se ao professor um embasamento em conhecimentos de informática; e que as disciplinas de conteúdos matemáticos das licenciaturas sejam impregnadas com a ferramenta da informática (Fainguelernt,1995;Fainguelernt Pérez e Moura, 1995). Nas instituições de ensino superior, a formação de um professor que sabe utilizar o computador como recurso didático pode ocorrer em, pelo menos, três frentes: a) em disciplinas de conteúdo específico, utilizando softwares educativos interativos, tais como o Cabri-Geomètre e o Modellus, evitando alguns softwares mais tradicionais que parecem mais com as antigas máquinas de ensinar, baseadas no estímulo-resposta ; 3
b) em disciplinas dedicadas à explorar as possibilidades interativas do LOGO; c) em disciplinas de Educação Matemática que estimulem ao uso da Internet e outros recursos da tecnologia da informação. O objetivo da aplicação do sistema LOGO, na formação de professores, é dar meios aos estudantes de serem condutores da própria aprendizagem, por meio de atividades de investigação e pesquisa em conteúdos da escola fundamental e média, nos quais demonstram dificuldades ao ingressar no curso. Esta prática pode ter dois efeitos: formar professores com nova concepção de avaliação; formar professores com nova concepção de Matemática e de ciência. Quando trabalha em ambiente informatizado LOGO, o estudante propõe seus próprios desafios, ensaia suas estratégias e analisa seus próprios erros. Muda, assim, a noção de erro, não existe programa certo ou errado. Por outro lado, a ênfase está na parte do trabalho científico em que se dá o conhecimento novo, criando-se oportunidades do usuário perceber que ciência e Matemática são construções humanas, nada é dado, nada é estático e acabado. 5. O professor e a prática A teoria dos professores reflexivos propõe uma concepção de docência como prática que conduz à criação de um conhecimento específico, pessoal, tácito, não sistemático e ligado à ação. Esta concepção, ao mesmo tempo que estimula a formação de professores pesquisadores que investigam sua própria prática, para aprimorá-la, sugere, também, que a formação valorize, especialmente, atividades práticas. Estas são lugares de construção de competências e da própria identidade docente. Cabe às instituições superiores formar professores para a prática. É possível estruturar os cursos tendo, como eixo, a prática orientada, seguida por momentos coletivos e individuais de reflexão. Essa prática pode ser desenvolvida em vários níveis: a) aulas para os próprios colegas, nas disciplinas específicas; b) aulas em outras disciplinas da Licenciatura; c) aulas para estudantes de nível fundamental e médio, na própria instituição superior, em pequenos cursos planejados integralmente pelos licenciandos, sob orientação de um professor, focalizando temas localizados (por exemplo Curso de Resolução de Problemas de 4
Combinatória; Curso de Trigonometria com Material Concreto; Curso de geometria usando softwares educativos; etc ); d) aulas para funcionários da Universidade, para adultos carentes da comunidade,etc; d) aulas em escolas, para reforço, com pequenos grupos; e) aulas em base regular, no nível fundamental e médio; f) estágio em escola, conhecendo os diversos setores, para além da sala de aula. Esta prática pode contribuir para formar professores que ingressarão na profissão com mais confiança, sabendo resolver melhor as situações traumáticas do choque que se dá com a realidade escolar. As atividades práticas, quando associadas ao estudo teórico, também são importantes para dar sentido à teoria educativa, para dar subsídios concretos para as reflexões e para ampliar o leque das concepções e crenças, que os estudantes trazem das suas experiências anteriores, a respeito da Matemática e do processo de ensino aprendizagem. Diferentemente dos currículos tradicionais, que mantêm a prática no final da seriação, como função exclusiva dos professores da área pedagógica, um novo curículo de Licenciatura pode ser pensado para assegurar um eixo de reflexão-ação-reflexão nas questões específicas do ensino/aprendizagem da Matemática, em disciplinas que se desenvolvem desde os primeiros semestres, ministradas ora por professores associados ao Departamento de Matemática, ora por professores ligados à área pedagógica. Esta é uma forma de atender às exigências da nova LDB, com relação ao aumento das horas de prática. Nas escolas onde as comunidades docentes estão organizadas, as reuniões semanais, remuneradas, constituem lugar e hora de reflexão sobre a prática. Das dificuldades de um colega, surge um projeto de estudos, uma idéia inovadora, um material alternativo para ser experimentado. Desse modo gera-se um ciclo de ação-reflexão-ação, capaz de mudar a tradição estática do ensino de Matemática. 6. Considerações finais Com relação à formação do professor de Matemática atualizado, a produção em Educação Matemática mostra a emergência do tema renovação das Licenciaturas. Nesse sentido, formação de professores, hoje, faz parte de um projeto institucional que leva em consideração: perfil profissional esperado pela região, nos novos tempos; conteúdos e metodologias adequadas; cursos com eixos nas práticas e vivências; orientação pedagógica proporcionada por docentes da área de Matemática; questões pedagógicas específicas dos 5
conteúdos matemáticos; preocupação com questões sociais; pesquisa articulada com ensino; centralização da figura do aluno; transformação do ensino de Matemática. Muitas experiências concretas, em andamento, e publicadas nas revistas especializadas (Zétetikè da UNICAMP; Bolema da UNESP-Rio Claro; GEPEM da USU-Rio de Janeiro, Educação Matemática, da SBEM) contribuem para instituir novas verdades e novas figuras de professor, entre elas: o educador-matemático, o professor-pesquisador em sala de aula, o professor-transformador do ensino de Matemática, o novo profissional. Esta palestra teve como objetivo reforçar o processo de mudança da formação do professor de Matemática destacando três estratégias: a pesquisa em Educação Matemática; a valorização do conhecimento prático docente; o domínio da tecnologia. Tais estratégias podem se desenvolver tanto no âmbito das instituições de ensino superior, nos Cursos de Licenciatura, aperfeiçoamento e pós-graduação, como no ambiente escolar, com a organização de comunidades docentes de estudo-pesquisa e reflexão sobre a prática. No entanto, tais estratégias só podem ser desenvolvidas por pessoas que falem a mesma língua, pessoas que se comuniquem. Isto quer dizer, por pessoas que tenham refletido juntas, formulando as mesmas perguntas e buscando respostas de consenso: Quero mudar alguma coisa na minha prática docente? O quê? Por quê? Existem conhecimentos novos em Educação Matemática que podem ser úteis em minha sala de aula? Quais são? Onde estão? Afinal, o que é Educação Matemática? Não basta saber Matemática para dar aula? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALDINO, R. e CARRERA DE SOUZA, A.C. Grupo de pesquisa-ação em Matemática- GPA. Anais. UNESP- Rio Claro, IGCE, Depto. de Matemática; IB, Depto. de Educação. Outubro, 1997. FAINGUELERNT, Estela. A prática de ensino e a formação do professor de Matemática. Boletim do GEPEM, Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática, Rio de Janeiro, ano XIX, n.33, 1995, p.60-72. FAINGUELERNT, E.; PÉREZ, G.; MOURA, M. Formação e atualização do professor de Matemática. Anais do V Encontro Nacional de Educação Matemática (V ENEM), Aracaju, 1995, p. 299-302. 6
PALIS, Gilda de La Rocque. Educação Matemática no Ensino Superior. Anais do VI Encontro Nacional de Educação Matemática- ENEM, v.1, São Leopoldo, UNISINOS, 1998, p. 110-111. SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Org.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995, p.77-91. TINOCO, Lucia, et al. Formação inicial do professor de Matemática. Revista Zetetike, Campinas, v.5, n7, jan/jun 1997, p.37-50. 7