1 AS PRÁTICAS DE LEITURA LITERÁRIA E A LITERATURA INFANTIL NO ACERVO EFES ESTÁGIO DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR EM SERVIÇO (1984-1996) Gustavo Hatagima (USP) Neide Luzia de Rezende (USP) RESUMO: Nesta pesquisa de Iniciação Científica, procuramos obter elementos e fontes por meio da identificação, organização e análise do Acervo do Estágio de Formação do Educador em Serviço - EFES (1984-1996) que possibilitassem a compreensão das práticas de leitura literária nos primeiros anos da escolaridade e a presença (ou ausência) da literatura infantil na escola pública paulista e paulistana, nas décadas de 1980 e 1990. Para tanto, utilizamos uma bibliografia capaz de amparar o trabalho do ponto de vista do Arquivo (BACELLAR, 2008), da História (CHERVEL, 1990; GINZBURG, 1999; JULIA, 2001; LACOUTURE, 2003) e das práticas escolares e do ensino de Língua Portuguesa (BRANDÃO e MICHELETTI, 1997; GERALDI, 1997; MARCUSCHI, 1996; LANGLADE, ROUXEL, REZENDE, 2013). Ao longo do processo, foi possível obter os seguintes resultados: (1) identificar e organizar todo o Acervo EFES; (2) recuperar uma parcela da produção bibliográfica da Equipe durante os anos de existência do projeto; (3) iniciar e finalizar o processo de triagem de documentos que tratam das práticas de leitura e literatura infantil nos anos iniciais do Primeiro Grau; (4) iniciar a leitura dos diários de campo produzidos no projeto de pesquisa A circulação do texto na escola; (5) iniciar a análise dessa documentação; e (6) iniciar o processo de recuperação da memória do EFES. Palavras-chave: Práticas de leitura. Literatura infantil. Ensino de literatura. Introdução Esta pesquisa de Iniciação Científica teve como objetivo principal compreender as práticas de leitura literária e a presença ou ausência da literatura infantil nos anos iniciais do Primeiro Grau na escola pública paulista e paulistana, no período entre o fim da década de 1980 e início dos anos de 1990, a partir da documentação existente no Acervo do Estágio de Formação do Educador em Serviço (EFES) do projeto de pesquisa A circulação do texto na escola (1992-1996), além dos documentos curriculares oficiais da época e do suporte de uma bibliografia que nos possibilitasse colher elementos para analisar e refletir sobre esses dados. Estando em atividade entre 1984 e 1997, o EFES foi um complexo e longo programa de formação-pesquisa coordenado pela Profa. Dra. Lígia Chiappini M. Leite,
2 dentro da linha de pesquisa Literatura e Educação do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH-USP. Atualmente localizado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, seu acervo, que permanece sob a responsabilidade da Profa. Dra. Neide Luzia de Rezende desde aproximadamente o ano 2000, é constituído por diversos documentos, variando no gênero (cartas, relatórios, livros, teses, materiais didáticos etc.) e em autoria (a própria equipe EFES, Ministério da Educação, professores da Educação Básica etc.). Com este trabalho de identificação, preservação e resgate da documentação, procuramos também abrir a possibilidade de utilização do Acervo EFES, uma vez que o consideramos fértil terreno para pesquisas no campo do ensino da língua portuguesa e literatura com uma documentação que propicia aproximação com a história das práticas culturais no caso, as práticas escolares do período das décadas de 1980 e 1990. Objetivos Inserida no projeto Memória e História da Formação de Professores de Língua Materna e Literatura: o Acervo EFES Estágio de Formação do Educador em Serviço (1984-1996), sob a coordenação das Profas. Dras. Neide Luzia de Rezende e Dislane Zerbinatti Moraes, esta Iniciação Científica teve como objetivo principal compreender as práticas de leitura literária e a presença ou ausência da literatura infantil nos anos iniciais do Primeiro Grau (atualmente denominado Ensino Fundamental I) na escola pública paulista e paulistana, no período entre o fim da década de 1980 e início dos anos de 1990. Para isso, tomamos como fonte documental o Acervo do Estágio de Formação do Educador em Serviço (EFES), pois sabíamos que ele guardava uma diversa gama de informações e documentos do período acima citado, até então pouco explorados. Como recorte, selecionamos o projeto de pesquisa A circulação do texto na escola, desenvolvido pela equipe entre os anos de 1992 e 1996. Convém pontuar que, em razão do caráter exploratório de nossa pesquisa, detivemo-nos nesse período que consideramos, então, o mais bem documentado e preservado. Além disso, este projeto objetivava: (1) propiciar experiências de iniciação à pesquisa; (2) iniciar a organização do acervo em prol da sua manutenção e preservação;
3 e (3) contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a história das práticas escolares de leitura literária no Ensino Fundamental I, séries iniciais. Metodologia A partir dessas fontes documentais, propusemos-nos a analisar o ensino da Língua Portuguesa, mais especificamente ao que se refere às práticas de leitura, numa dimensão sincrônica, ou seja, buscando, na medida das possibilidades deste trabalho, reconhecer e expor as relações entre os elementos do sistema educacional daquele momento específico. Consideramos nossa escolha como uma estratégia, pois traçar uma delimitação temporal nos permitiu um foco e um aprofundamento mais detalhado sobre nosso objeto. Desse modo, para organização do trabalho, a pesquisa foi dividida em quatro etapas: (1) identificação dos documentos que constituem o Acervo, por meio de categorias como nome do documento, autor(es) e data, entre outros; (2) preservação e manutenção das fontes, realizadas por meio da limpeza dos armários e troca das caixas originais (de plástico) por caixas de papelão; (3) constituição do corpus documental; e (4) realização da análise documental. Ao fim do processo de triagem, nosso corpus constituiu-se de: a) quatro diários de campo do projeto de pesquisa A circulação do texto na escola, resultados de observações de duas escolas municipais de São Paulo e de duas escolas estaduais; b) um relatório preliminar sobre duas escolas estaduais observadas, fruto da reflexão de duas pesquisadoras sobre seus próprios diários de campo; c) a Visão de Área Português, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1992); e d) a Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa 1º Grau, da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (1993). Para amparar essas atividades, utilizamos uma bibliografia que nos auxiliou a compreender e a refletir sobre o trabalho com arquivos (BACELLAR, 2008), a História e sua metodologia (CHERVEL, 1990; GINZBURG, 1999; JULIA, 2001; LACOUTURE, 2003) e as práticas escolares e do ensino de Língua Portuguesa
4 (BRANDÃO e MICHELETTI, 1997; GERALDI, 1997; MARCUSCHI, 1996; LANGLADE, ROUXEL, REZENDE, 2013). Análise A leitura dos diários de campo, das propostas curriculares e da produção acadêmica nos permitiu ter um contato inicial com as práticas e os discursos sobre a leitura e a literatura na escola, nas quais é possível encontrar tanto convergências como divergências, revelando uma situação complexa onde se vê o embate entre o que é praticado na escola, o que é institucionalizado pelos documentos oficiais e o que é percebido pela academia. Dizemos isso pois, na escola, as práticas de leitura registradas nos quatro diários de campo são, no mínimo, antitéticas: ou a leitura quase surge colada a uma atividade de interpretação de texto, ou ela é totalmente livre, sendo um passatempo. Já o texto literário, quando aparece, está fragmentado no livro didático, que ocupa uma figura central na maior parte das práticas pedagógicas. Quanto às indicações dos documentos curriculares do Estado e do Munícipio de São Paulo, embora haja um ponto de convergência (autonomia/espaço de manobra entre o currículo e a realidade escolar), no que diz respeito à leitura e à literatura, a situação é oposta: na Proposta Curricular, da SEE-SP (1993), a leitura teria um papel mais prático e voltado à realidade e à vida cotidiana, tendo assim a literatura um papel secundário no ensino; enquanto que na Visão de Área, da SME-SP (1992), a literatura é entendida como possuidora de uma função humanizadora, assim, a leitura levaria em conta não apenas conteúdos e informações explícitas nos diferentes textos, mas traria uma reflexão sobre a língua e sobre a visão de mundo. Por sua vez, a academia procurava refletir sobre essa concepção de literatura (BRANDÃO e MICHELETTI, 1997), problematizando também o espaço ocupado pelo livro didático (GERALDI, 1997) e os ditos exercícios de interpretação de texto (MARCUSCHI, 1996). Enfim, acreditamos que a realidade observada por meio dos diários de campo negligencia as funções que a literatura tem na formação de um indivíduo, ao enxergá-la como um mero passatempo, sem que haja nenhuma dinâmica
5 específica, ou, mais comumente, surgindo como parte de uma lição geralmente descontextualizada, sem maior aprofundamento de uma discussão sobre o texto. Brandão e Micheletti (1997) já indicavam esse caráter ora totalmente prático e superficial, ora ocupando um espaço vazio ou por mero divertimento. Conclusão Com o trabalho deste ano de pesquisa, foi possível obter os seguintes resultados: (1) identificar e organizar todo o Acervo EFES; (2) recuperar uma série de artigos e livros produzidos pela Equipe durante os anos de existência do projeto e que se encontravam dispersos e desvinculados do projeto; (3) finalizar o processo de triagem de documentos que tratam das práticas de leitura e literatura infantil no anos iniciais do Primeiro Grau; (4) iniciar a leitura dos diários de campo produzidos no projeto de pesquisa A circulação do texto na escola, revelando as potencialidades desses documentos; (5) a partir de tais documentos, começar também a análise e compreensão do contexto histórico e das questões que envolviam o ensino de língua portuguesa; e (6) iniciar o processo de recuperação da memória do Estágio de Formação do Educador em Serviço, evidenciando a sua importância e riqueza do acervo por eles constituído. Esses resultados evidenciam, ao nosso ver, as amplas possibilidades que o Acervo EFES guarda. As descobertas trazidas pelo trabalho cotidiano de pesquisa constituíram um elemento vivaz, que contribui diretamente para o desejo de continuar procurando e investigando, principalmente porque pudemos verificar o potencial variado que este Acervo guarda para futuras pesquisas da área da Educação. Os tópicos discutidos em nossa pesquisa talvez sejam apenas os mais visíveis neste momento, embora provavelmente não encerrem as possibilidades do Acervo EFES, como: a relação da Universidade com a Educação Básica; a constituição, a história e entraves existentes em projetos universitários; as políticas públicas e as reformas e reorientações curriculares; e a formação de professores (principalmente a contínua). A quantidade de material que segue inexplorado ao fim desta pesquisa indica as possibilidades de utilização desse arquivo.
6 Desse modo, finalizamos o registro deste ano de trabalho intenso e profícuo, embora saibamos que esta pesquisa tão somente constituiu um primeiro contato com as potencialidades do Acervo. Referências BACELLAR, C. O uso e o mau uso dos arquivos. In: PINSKY, C. B. (org.) Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008. p. 23-79. BRANDÃO, H. H. N.; MICHELETTI, G. Teoria e prática da leitura. In:. (Coord.). Aprender e ensinar com textos didáticos e paradidáticos. São Paulo: Cortez, 1997. p. 17-30. CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, nº 2, p. 177-229, 1990. FARIA, V. F. S. de. O ensino de literatura: articulação entre propostas oficiais e pesquisa universitária. 2009, 126p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. GERALDI, J. W. Identidades e especificidades do ensino de língua. In:. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997. P. 73-113. GINZBURG, C. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In:. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. p. 143-179. JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, São Paulo, nº 1, p. 9-43, jan./jun. 2001. LACOUTURE, J. A história imediata. In: LE GOFF, J. (Org.). A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 215-240.
7 LANGLADE, G. O sujeito leitor, autor da singularidade da obra. In: ROUXEL, A.; LANGLADE, G.; REZENDE, N. L. de. Leitura subjetiva e ensino de literatura. São Paulo: Alameda, 2013. p. 25-38. LEITE, L. C. M. O papel da universidade brasileira nas escola públicas: uma experiência alternativa. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, nº 12, v. 1, p. 313-322, jan./dez. 1986. LEITE, L.C. M.; MIRANDA, J. L.; EVARISTO, M. C. Interdisciplinaridade na escola pública: a experiência paulista na gestão Paulo Freire e a participação da universidade. In: FAUNDEZ, A. (Org.). Educação, desenvolvimento e cultura: contradições teóricas e práticas. São Paulo: Cortez, 1993. p. 13-45. MARCUSCHI, L. A. Exercícios de compreensão ou copiação nos manuais de ensino de língua? Em Aberto, Brasília, ano 16, nº 69, p. 64-82, jan./mar. 1996. REZENDE, N. L. de. O ideal de formação pela literatura em conflito com as práticas de leitura contemporâneas. In: SANTINI, J. (Org.). Literatura, crítica, leitura. Uberlândia: EDUFU, 2011. p. 275-293. ROUXEL, A. A tensão entre utilizar e interpretar na recepção de obras literárias em sala de aula: reflexão sobre uma inversão de valores ao longo da escolaridade. In: ROUXEL, A.; LANGLADE, G.; REZENDE, N. L. de. Leitura subjetiva e ensino de literatura. São Paulo: Alameda, 2013. p. 151-164. SÃO PAULO. Secretaria do Estado de Educação. CENP. Proposta Curricular para o ensino de língua portuguesa 1º Grau. São Paulo. 4ª ed. 1993. SÃO PAULO, Secretária Municipal de Educação. Visão de Área Português. São Paulo. 1992.
8 SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, M. (org.). Lingüística da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 155-177.