AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 0012142-46.2014.8.19.0000 AGRAVANTE: SEGURADORA LIDER DOS CONSORCIOS DO SEGURO DPVAT AGRAVADA: RAIMUNDA ALVES MENDONÇA BRITO RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA Processual civil. Agravo de Instrumento interposto contra decisão que, em Demanda de Cobrança do Seguro DPVAT, entendeu pela natureza consumerista da relação havida entre as partes, invertendo, por tal razão, o ônus da prova. Seguro DPVAT que possui a natureza jurídica de obrigação legal e não contratual. Inexistência de contrato. Seguro imposto por lei, de responsabilidade social, para cobrir os riscos da circulação dos veículos em geral. Precedentes. Enunciado nº 304 da súmula do TJRJ. Consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata, para utilização, a aquisição de mercadoria ou a prestação de serviço. Afastada a relação contratual, afasta-se também a incidência do CDC, impondo-se a reforma da decisão agravada. Recurso provido. DECISÃO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão proferida em demanda de cobrança do seguro DPVAT, em virtude de atropelamento por veículo automotor que teria causado a invalidez permanente parcial da parte autora, que entendeu pela natureza consumerista da relação havida entre as partes, invertendo, por tal razão, o ônus da prova. Alega a agravante que a hipótese não contempla a inversão do 1
ônus da prova, porque a relação jurídica deduzida na presente demanda não se afigura como relação de consumo, e que o ônus da prova é da autora da demanda, que não teria qualquer dificuldade para comprovar os fatos alegados. Não foram apresentadas contrarrazões. É o breve relatório. Passa-se à decisão. Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de inversão do ônus da prova em processo de cobrança de seguro DPVAT, com base no reconhecimento da relação de consumo. O fundamento da inversão do ônus da prova, portanto, é o reconhecimento da relação consumerista em tais demandas. Todavia, impõe-se esclarecer que o seguro DPVAT possui a natureza jurídica de obrigação legal e não contratual. Nesse sentido, ensina Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo: Atlas, 8ª Edição, 2008, pág. 143): Em razão das suas características, pode-se, ainda, afirmar que não há contrato nesse seguro, mas sim uma obrigação legal; um seguro imposto por lei, de responsabilidade social, para cobrir os riscos da circulação dos veículos em geral. Tanto é assim que a indenização é devida, nos limites legais, mesmo que o acidente tenha sido provocado por veículo desconhecido ou não 2
identificado e ainda tenha havido culpa exclusiva da vítima. A lei 8441/92 foi ainda mais longe, incluindo entre as hipóteses em que a indenização é devida mais dois casos: veículo com seguro não realizado ou vencido, vale dizer, veículos identificados e comprovadamente sem seguro. A nossa lei, como se vê, adotou também aqui a responsabilidade fundada no risco integral. A propósito: CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROPRIETÁRIOS DE VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIA TERRESTRE (DPVAT). COBERTURA SECURITÁRIA. NÃO PAGAMENTO DO PRÊMIO RESPECTIVO. DISPENSABILIDADE. LEIS NS. 6.194/74 E 8.441/82. I. O seguro obrigatório de responsabilidade civil de veículos automotores decorre de imposição legal, em que, mesmo na situação de não pagamento do prêmio respectivo pelo proprietário do veículo, exsurge a obrigação de indenizar pelas seguradoras participantes do convênio, ressalvado o direito de regresso. II. Precedentes do STJ.III. Recurso conhecido e provido. Ação procedente. (REsp 163.836/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 25/04/2000, DJ 28/08/2000 p. 85) Como se sabe, para que seja aplicada a Lei nº. 8.078/90, notadamente o artigo 6º, VIII, é mister que se constate a relação de consumo existente entre as partes. O conceito de consumidor está positivado no art. 2º do diploma 3
acima citado, verbis: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Segundo o professor José Geraldo Brito Filomeno (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor - Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 9ª Ed., 2007, pág. 29, citando Othon Sidou - Proteção ao Consumidor, Forense, 1997), em comentário ao art.2º do CDC: Consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata, para utilização, a aquisição de mercadoria ou a prestação de serviço, independentemente do modo de manifestação da vontade, isto é, sem forma especial, salvo quando a lei expressamente o exigir ( sem grifo no original ). Portanto, afastada a relação contratual, afasta-se também a incidência do CDC. Neste sentido, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça, como se verifica pelo enunciado nº 304 de sua súmula que, no julgamento do conflito de competência, reconheceu que dada a natureza impositiva e assistencial do seguro DPVAT, é inaplicável o código de defesa do consumidor às relações jurídicas dele decorrentes: 4
SÚMULA TJ 304/2014 SEGURO DPVAT CÂMARAS CÍVEIS ESPECIALIZADAS EXCLUSÃO DA COMPETÊNCIA "Excluem-se da competência das Câmaras Cíveis especializadas as demandas que envolvam a cobrança de seguro DPVAT uma vez que se trata de seguro obrigatório, cogente, pago a um pool indefinido de seguradores, e não a fornecedora específica de bens e serviços." REFERÊNCIA: Conflito de Competência nº. 0010077 78.2014.8.19.0000 Julgamento em 24/03/2014 - Relator: Desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho. Votação unânime. Pelo exposto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso, liminarmente, na forma do art. 557, 1º-A do CPC, reformando-se a decisão agravada no sentido de se afastar a inversão do ônus da prova. Rio de Janeiro, 09 de abril de 2014. Des. ALEXANDRE FREITAS CÂMARA Relator 5