Evolução histórica do conceito de educação e os objetivos constitucionais da educação brasileira



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Transcrição:

Evolução histórica do conceito de educação e os objetivos constitucionais da educação brasileira Carlos Eduardo Souza Vianna

resumo O artigo enfatiza de forma breve a evolução histórica do conceito de educação e os objetivos essenciais da educação na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, destaca-se a contribuição dos grandes filósofos ao demonstrarem, ainda naquele tempo, os princípios que norteiam a educação. Os objetivos constitucionais da educação brasileira visam ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Palavras-Chave Direito à Educação - Conceito de Educação - Objetivos Constitucionais da Educação - Educação no Brasil. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE EDUCAÇÃO E OS OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Nada mais verdadeiro do que afirmar que o processo educacional tem um significado imprescindível para o desenvolvimento do ser humano, tanto no passado, como no mundo atual. A educação traz ao homem avanços significativos, no sentido da garantia de um futuro melhor para todos. O conceito de educação sofreu influência do nativismo e do empirismo. O primeiro era entendido como o desenvolvimento das potencialidades interiores do homem, cabendo ao educador apenas exteriorizálas, e o segundo era o conhecimento que o homem adquiria através da experiência (MARTINS, 2004, p. 13). janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006 129

Na visão dos pedagogos modernos, o processo educacional não reside apenas nas escolas, pois ela não é a única responsável pela educação. A educação tem uma dimensão maior do que propriamente ensinar e instruir, o que significa dizer que o processo educacional não se esgota com as etapas previstas na legislação. A Educação, em sentido amplo, representa tudo aquilo que pode ser feito para desenvolver o ser humano e, no sentido estrito, representa a instrução e o desenvolvimento de competências e habilidades. Foram os gregos os precursores da filosofia, no sentido de descobrir que o pensamento racional pode averiguar a razão de ser das coisas. De fato, foi com eles que surgiu a filosofia, ao utilizar a razão para descobrir o fim último das coisas e solucionar todos os problemas existentes naquela época. Os sofistas ensinavam aos jovens gregos, a arte da retórica, da fala, do convencimento como instrumento de poder, com a finalidade de fazer prevalecer seus interesses de classe. Afirmavam que cada homem via o mundo a seu modo e que não era possível uma ciência autêntica, de caráter objetivo e universalmente válido. Assim, quando o vento sopra, cada um sente de maneira diversa. Para os sofistas, portanto, não havia verdades absolutas. Eles propagavam um sistema educacional que pudesse trazer felicidade e triunfo ao indivíduo. A educação não era conhecida como um direito do cidadão grego, mas era por meio dela, que os homens tornavam-se melhores e felizes (MARTINS, 2004, p. 20). Sócrates concebeu uma nova visão do homem e do universo. O filósofo grego afirmava que a busca do conhecimento só podia ser alcançada por meio da razão e da educação. A chave-mestra de seu pensamento era a máxima Conhece-te a ti mesmo, significando: torna-te consciente de tua ignorância. A verdade para Sócrates era uma busca, e o conhecimento verdadeiro não pode ser relativo a cada sujeito cognoscente. A verdade deve conter autonomia, deve existir e ser válida para todos. Dessa forma, a ciência deve ter caráter universalista, sendo válida para todos, em todos os tempos. A preocupação de Platão era a de formar o homem para uma sociedade ideal. Educação é liberdade, um processo capaz de nos tirar de uma condição de ignorância. Mas não pode ser pela força. Porque o homem livre não deve ser obrigado a aprender como se fosse escravo. Os exercícios físicos, quando praticados à força, não causam dano ao corpo, mas as lições que se fazem entrar à força na alma nela não permanecerão, 130 janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006

diz Sócrates, no Livro VII da República. E continua:... não uses de violência para educar as crianças, mas age de modo que aprendam brincando [...] (MENEZES, 2001). A educação, para Aristóteles, deve levar o homem a alcançar sua plena realização, mas isso só se torna possível se ele desenvolver suas faculdades físicas, morais e intelectuais. O sumo bem é alcançar a felicidade. Ele foi considerado o pedagogo da família. Entende que a ação educativa dos pais seria inteiramente insubstituível. Para o filósofo, a virtude intelectual se adquire pela instrução e a virtude moral, pelos bons hábitos, daí ser virtuoso o homem que tem o hábito da virtude. Os educadores romanos preocupavam-se mais por questões de ordem prática, não havendo em Roma uma produção filosófica considerável. A educação romana visava desenvolver no homem a racionalidade que fosse capaz de fazê-lo pensar corretamente e se expressar de forma convincente. A educação em Roma visava incutir no cidadão a coragem, a prudência, a honestidade, a seriedade, sendo a família um fator preponderante para que tais virtudes fossem alcançadas. Vislumbrava o vir bônus (o bom cidadão), que deveria adquirir as virtudes necessárias para cumprir bem os deveres de cidadão (MARTINS, 2004, p. 31). Na idade moderna, Francis Bacon acreditava que o homem só poderia compreender e entender as situações que ocorrem na realidade se tivesse uma idéia bem clara a respeito dos fatos. Foi ele um dos primeiros a ver que o método científico poderia dar ao homem poder sobre a natureza, portanto, que o avanço da ciência poderia ser usado para promover em escala inimaginável o progresso e a prosperidade humana. Nessa mesma época, o filósofo John Locke acreditava que a educação é parte do direito à vida, pois só assim poderão ser formados seres conscientes, livres e senhores de si mesmos. Jean Jacques Rousseau formulou, na época, os princípios educacionais que permanecem até nossos dias. Ele afirmava que a verdadeira finalidade da educação era ensinar a criança a viver e a aprender a exercer a liberdade. Na sua visão, a criança é educada para si mesma, não é educada nem para Deus, nem para a sociedade. Essa educação naturalista, retratada por ele, na obra Emílio, não significava propriamente retornar à vida selvagem e, sim, levar o homem a agir por interesses naturais e não por imposição de regras exteriores e artificiais. Ele condena a interpretação janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006 131

de que a educação é um processo pelo qual a criança passa a adquirir conhecimentos, atitudes e hábitos armazenados pela civilização. O livro I de Emílio retrata uma afirmação de Rousseau importante de ser ilustrada: Nascemos fracos, precisamos de forças; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos quando grandes nos é dado pela educação (ROUSSEAU, 1999, p. 8). Immanuel Kant entendia que a moralidade para os seres humanos é o resultado pretendido de um processo educacional extensivo. O filósofo escreveu duas importantes obras, denominadas Crítica da razão teorética pura, no ano de 1781, onde indaga os limites e as condições do nosso conhecimento, as suas potencialidades e o seu valor; e Crítica da razão pura, em 1788, demonstrando que o homem deve agir com a consciência do dever, de acordo com a lei moral presente no seu interior (DEL VECHIO, 1979, p. 133). A educação deve, segundo Kant, cultivar a moral, despertando para que o homem tome consciência de que ela deve estar presente em todas as ações de sua vida, em todo o seu desenvolvimento, em todo o ser, e por efeito, deitando raízes sobre o direito, que não subsiste sem a moral (MUNIZ, 2002, p. 38). Não devemos também esquecer a forte contribuição de Jean Piaget e Paulo Freire para a Educação. Para Jean Piaget, a educação deve possibilitar à criança um desenvolvimento amplo e dinâmico desde o período sensório-motor até o operatório abstrato. Os principais objetivos da educação são: a formação de homens criativos, inventivos e descobridores, de pessoas críticas e ativas, na busca constante da construção da autonomia 2. Paulo Freire parte do princípio de que vivemos em uma sociedade dividida em classes, na qual os privilégios de uns impedem a maioria de usufruir os bens produzidos. Ele se refere a dois tipos de pedagogia: a pedagogia dos dominantes, na qual a educação existe como prática de 2. Para Piaget a autonomia não está relacionada com isolamento (capacidade de aprender sozinho). Ser autônomo significa estar apto a cooperativamente construir o sistema de regras morais e operatórias necessárias à manutenção de relações permeadas pelo respeito mútuo. - Zacharias, Vera Lúcia Câmara F., Fonte: www.centrorefeducacional.com.br. Afirma Kamii, A essência da autonomia é que as crianças se tornam capazes de tomar decisões por ela mesmas. Autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa. Autonomia significa ser capaz de considerar os fatores relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho da ação. Não pode haver moralidade quando alguém considera somente o seu ponto de vista. Se também consideramos o ponto de vista das outras pessoas, veremos que não somos livres para mentir, quebrar promessas ou agir irrefletidamente (Kamii, 1991). 132 janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006

dominação, e a pedagogia do oprimido, na qual a educação surge como prática de liberdade (MARTINS, 2004, p. 54). Acredita que o movimento de libertação deve advir dos próprios oprimidos. Não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica de opressão, mas que esteja disposto a transformar a realidade. Ensina-nos Freire (2001, p. 51) que uma das grandes, se não a maior, tragédia do homem moderno, está em que é hoje dominado pela força dos mitos e comandado pela publicidade organizada, ideológica ou não, e por isso vem renunciando cada vez, sem o saber, à sua capacidade de decidir. Para Freire, educar é construir, é libertar o homem do determinismo, passando a reconhecer o papel da História e a questão da identidade cultural, tanto em sua dimensão individual, como na prática pedagógica proposta. A concepção de educação de Paulo Freire percebe o homem como ser autônomo. Esta autonomia está presente na definição de vocação antológica de ser mais que está associada com a capacidade de transformar o mundo (ZACHARIAS, 2007). A educação, fundamentada na Constituição Federal, e amparada por princípios que buscam uma sociedade mais justa, é direito de todos, dever do Estado e da família, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (artigo 205 da Constituição Federal). O artigo 205 da Constituição Federal (BRASIL, 2007) dispõe que: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Sustenta Silva (2000, p. 314-315) que o artigo 205 da Constituição Federal estabelece três objetivos básicos da educação: pleno desenvolvimento da pessoa, preparo da pessoa para o exercício da cidadania e qualificação da pessoa para o trabalho. A consecução prática dos objetivos da educação previstos no artigo 205 da Constituição Federal, segundo Silva (2000, p. 814): só se realizará num sistema educacional democrático, em que a organização da educação formal (via escola) concretize o direito ao ensino, informado por princípios janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006 133

com eles coerentes, que realmente foram acolhidos pela Constituição, como são: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; valorização dos profissionais do ensino garantido na forma da lei; plano de carreira para o magistério público, com piso salarial e profissional, e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; gestão democrática; garantia de padrão qualidade (artigo 206). Os objetivos constitucionais da educação relacionam-se com os fundamentos do Estado brasileiro, estabelecido no artigo 1º da Constituição Federal: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Abordaremos, em seguida, os três objetivos mestres que direcionam a educação brasileira: pleno desenvolvimento da pessoa humana, preparo da pessoa para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. O primeiro objetivo constitucional da educação brasileira visa ao pleno desenvolvimento da pessoa humana. Percebe-se que esse objetivo está intimamente ligado ao fundamento da dignidade da pessoa humana estabelecido no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal. Podemos adotar o conceito de Sarlet (2001, p. 60) com relação à dignidade da pessoa humana. Ele afirma que dignidade da pessoa humana é: a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. O preparo da pessoa para o exercício da cidadania está inserido também como um dos princípios constitucionais da educação, correspondendo ao que estabelece o inciso II do artigo 1º da Constituição Federal. 134 janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006

Essa cidadania abordada na Constituição Federal não é aquela conhecida quando falamos de direitos políticos. A cidadania aqui tratada e também inserida no artigo 205 da Constituição Federal tem amplitude maior do que a de ser titular dos direitos políticos, pois está voltada para qualificar os agentes da vida do Estado, reconhecendo cada indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal. Isso implica dizer que o funcionamento do Estado estará sempre submetido à vontade popular. Nesse diapasão, o conceito de cidadania não está limitado, apenas, ao formulado pelo liberalismo. Equivocado é restringir o conceito de cidadania numa ótica voltada para a nacionalidade e direitos políticos. A interpretação aos artigos supramencionados exige um olhar voltado para o contexto da teoria constitucional, no sentido de trabalhar a cidadania que permite às pessoas alcançarem uma vida digna. Tendo a doutrina liberal se mostrado insuficiente para compor os conflitos sociais, agravando as desigualdades existentes, o conceito de cidadania atrelada a indivíduos livres e dependentes de sua própria sorte sucumbe para dar lugar ao conceito de cidadania vinculada a direitos que propiciem a todos os meios para buscar uma existência digna (PIERDONÁ, 2004, p. 126). Nesse ponto, as funções da educação para o trabalho e para o exercício da cidadania se entrelaçam, o que nos permite afirmar a sua interdependência, na medida que, por meio do trabalho, o indivíduo poderá alcançar inúmeros direitos inerentes à cidadania (PIERDONÁ, 2004, p. 126). A educação brasileira visa, também, desenvolver no educando, com a participação do Estado, da família e da sociedade, a qualificação para o trabalho, conforme estabelece o artigo 205 da Constituição Federal. É por meio do trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país. Por isso, a Constituição Federal, em diversas passagens, dispõe sobre a liberdade, o respeito e a dignidade do trabalhador (por exemplo: CF, artigos 5º, XIII; 6º; 7º; 8º; 194-204) (MORAES, 2002, p. 50). O valor trabalho constitui-se em fundamento do Estado Brasileiro, da ordem econômica e base da ordem social. Contudo, esse valor somente trará resultados na medida em que o trabalhador é qualificado, principalmente por meio da educação, posto que ela é um instrumento efetivo e essencial para qualificar as pessoas. Balera (1993, p. 12) acredita que o primado do trabalho aponta para o fim a ser alcançado na ordem social, afirmando que a primazia do trabalho faz com que esse valor seja a base para a realização da justiça social, consoante artigo 193 da Constituição Federal. janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006 135

Neste contexto, e nos termos estabelecidos pela Constituição Federal, acerca dos objetivos constitucionais, o Estado garantirá a efetividade do valor do trabalho, respeitando-se, assim, os demais fundamentos da República Federativa do Brasil. Desta forma, a educação, como elemento indissociável do ser humano, é o grande alimento para que o homem possa obter o pleno desenvolvimento de suas faculdades físicas, mentais e intelectuais. Ela assegura ao indivíduo, liberdade e autonomia, dando-lhe ferramentas indispensáveis para a realização de seus objetivos, a fim de que possa prosperar na vida. Teixeira (1968) tem razão ao afirmar que a finalidade da educação se confunde com a finalidade da vida: A única finalidade da vida é mais vida. Se me perguntarem o que é essa vida, eu lhes direi que é mais liberdade e mais felicidade. São vagos os termos. Mas nem por isso eles deixam de ter sentido para cada um de nós. À medida que formos mais livres, que abrangermos em nosso coração e em nossa inteligência mais coisas, que ganharmos critérios mais finos de compreensão, nessa medida nos sentiremos maiores e mais felizes. A finalidade da educação se confunde com a finalidade da vida. No fundo de todo este estudo paira a convicção de que a vida é boa e que pode ser tornada melhor. É essa a filosofia que nos ensina o momento que vivemos. Educação é o processo de assegurar a continuidade do lado bom da vida e de enriquecê-lo, alargá-lo e ampliá-lo cada vez mais. Na seara jurídica, a Educação é um direito social fundamental, estritamente ligada aos fundamentos da República Federativa do Brasil. O ordenamento jurídico brasileiro traz uma gama de normas e princípios relativos à Educação. Os fundamentos principais encontram-se evidentemente assegurados na Constituição Federal, estabelecendo como dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade, promover e incentivar a educação, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Desta forma, a Educação ocupa um papel importante no âmbito jurídico. Entretanto, é necessário que o direito tenha também um olhar atento para educação, com o fim de resguardar os princípios e objetivos consagrados na Lei maior. O cerne da questão educacional, para os operadores do direito, re- 136 janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006

side em dar aplicabilidade prática aos direitos e princípios educacionais previstos no ordenamento jurídico. Assim, para obter caminhos sólidos e efetivos, capazes de transformar o homem, é indispensável que Estado, família e sociedade estejam empenhados na promoção precípua da educação. Nessas condições, considerando-se que o perfeito equilíbrio social depende de uma educação de qualidade, é essencial que ela seja percebida, não apenas como o acesso ao conhecimento, mas, sobretudo, como instrumento fundamental na transformação e no desenvolvimento do homem, permitindo-lhe uma formação cidadã e humana. REFERÊNCIAS BALERA, Wagner. O seguro-desemprego no Direito brasileiro. Rio de Janeiro: LTr, 1993. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 40.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DEL VECHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Coimbra: Armênio- Amando Editor, 1979. KAMII, C.. A criança e o número. São Paulo: Papirus, 1991. MARTINS, Rosilene Maria Sólon Fernandes. Direito á Educação: aspectos legais e constitucionais. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004. MENEZES, Ebenezer. Platão e a educação. 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/exe/imprimir.asp?id=391> Acesso em: 10 jun. 2008. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O direito à educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. PIERDONÁ, Zélia Luiza. Objetivos constitucionais da educação e sua relação com os fundamentos do Estado Brasileiro. Direito Educacional em Debate, 2004. janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006 137

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da Educação. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2.ed., São Paulo: Livraria do Advogado, 2001. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. TEIXEIRA, Anísio. Pequena introdução à filosofia da educação: a escola progressiva ou a transformação da escola. 5.ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1968. Disponível em <http://www.prossiga.br/anisioteixeira/ livro5/chama_cap2.html> Acesso em: 10 jun. 2008. ZACHARIAS, Vera Lúcia C. Paulo Freire e a educação. Centro de Referência Educacional, 2007. Disponível em: <http://www.centrorefeducacional.com.br/paulo1.html> Acesso em 10 jun. 2008. ABSTRACT The article emphasizes of brief form the historical evolution of theeducation concept and the essential objectives of the education in the Federal Constitution of 1988. In this direction, it is distinguished contribution of the great philosophers when demonstrating, still at that time, the principles that guide the education. The constitutional objectives of the Brazilian education aim at to the full development of the person, its preparation for the exercise of the citizenship and its qualification for the work. It fits to the State and the family, with the contribution of the society, to search the promotion main of the education as basic instrument in the transformation of the man. Carlos Eduardo Souza Vianna Advogado. Mestre em Direito - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 138 janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006