Pioderma gangrenoso após quadrantectomia de mama com radioterapia intraoperatória: relato de caso



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Transcrição:

RELATO DE CASO Pioderma gangrenoso após quadrantectomia de mama com radioterapia intraoperatória: relato de caso Pyoderma gangrenosum after breast quadrantectomy with intraoperative radiotherapy: a case report José Tadeu Campos Avelar 1, Alfonso Sempértegui 2, Ernane Bronzat 3, Rodrigo Farmetano 4, Bruno Ferrari 5, Liliana Maria de Oliveira Moscardini 6, Gabriela Ramos Alves 6, Henrique Moraes Salvador Silva 7 Descritores Pioderma gangrenoso Neoplasias da mama Radioterapia Braquiterapia RESUMO Pioderma gangrenoso é uma doença inflamatória imunomediada e rara da pele, de diagnóstico extremamente desafiador. A evolução clínica é a base para odiagnóstico, cursando com lesões pustulosas superficiais, halo eritematoso doloroso, rápida progressão para ulcerações dolorosas e estéreis, sem resposta a antibióticos ou a novas intervenções cirúrgicas e, finalmente, com pronta melhora com uso de imunossupressores. O atraso no diagnóstico pode acarretar numerosas internações e terapias prolongadas, sendo que, seu reconhecimento precoce, por outro lado, evita a progressão dessas ulcerações e sua morbidade. Relatou-se um caso de pioderma gangrenoso que evoluiu após cirurgia associada à radioterapia intraoperatória no tratamento conservador do câncer de mama, fazendo-se uma revisão de casos relatados na literatura e suas possibilidades terapêuticas. Questiona-se também se a radioterapia intraoperatória estaria relacionada com algum estímulo imunomediado, o que poderia ter facilitado o desencadeamento do quadro. Keywords Pyoderma gangrenosum Breast neoplasms Radiotherapy Brachytherapy ABSTRACT Pyoderma gangrenosum is a rare immune-mediated inflammatory disease of skin, which diagnosis is extremely challenging. The clinical course is the basis for diagnosis, coursing with superficial pustular lesions, erythematous halo, rapid progression to painful ulcerations and unresponsive to antibiotics or surgical interventions, and finally, with immediate improvement with the use of immunosuppressant. The delay in diagnosis can result in numerous hospitalizations and prolonged therapy, and its early recognition, moreover, prevents the progression of these ulcers and its morbidity. There was reported a case of pyoderma gangrenosum that developed after surgery associated with intraoperative radiotherapy in conservative treatment of breast cancer, making up a review of cases reported and their therapeutic possibilities. One may wonder also if the intraoperative radiotherapy would be associated with some immune-mediated stimulus, which could have facilitated the onset of the condition. Trabalho realizado no Hospital Mater Dei Belo Horizonte (MG), Brasil. 1 Mastologista do Hospital Mater Dei Belo Horizonte (MG), Brasil. 2 Cirurgião plástico do Hospital Mater Dei Belo Horizonte (MG), Brasil; Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. 3 Radioterapeuta do Instituto Mineiro de Oncologia/Hospital Mater Dei Belo Horizonte (MG), Brasil. 4 Infectologista do Hospital Mater Dei Belo Horizonte (MG), Brasil. 5 Oncologista do Hospital Mater Dei Belo Horizonte (MG), Brasil. 6 Residente do Serviço de Mastologia do Hospital Mater Dei Belo Horizonte (MG), Brasil. 7 Coordenador do Serviço de Mastologia do Hospital Mater Dei Belo Horizonte (MG), Brasil; Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia; Professor livre-docente de ginecologia pela Fundação Educacional Dom Andre Arcoverde/Centro de Ensino Superior de Valença Valença (RJ), Brasil. Endereço para correspondência: Liliana Maria de Oliveira Moscardini Rua Gonçalves Dias, 2.299/1.207 Lourdes CEP: 30140-092 Belo Horizonte (MG), Brasil E-mail: lilimoscardini@gmail.com Recebido em: 03/05/2011 Aceito em: 09/11/2011

Pioderma gangrenoso após quadrantectomia de mama com radioterapia intraoperatória: relato de caso 87 Introdução Este relato de caso teve por objetivo principal o conhecimento epidemiológico do pioderma gangrenoso (PG) após cirurgia conservadora de câncer de mama associado à radioterapia intraoperatória, além de fazer uma revisão de casos relatados na literatura e suas possibilidades terapêuticas. O PG é uma entidade rara e extremamente desafiadora para a equipe envolvida. Relato de Caso Paciente de 51 anos, previamente hígida, em rastreamento de rotina para câncer de mama sem alterações no exame físico. Achado mamográfico de um nódulo parcialmente definido, 1,2 cm em quadrante superolateral da mama direita, ausência de microcalcificações. No ultrassom, foi confirmado nódulo de limites irregulares, conteúdo homogêneo, 12x9x8 mm, 5 cm do mamilo e 15 mm da pele, com fluxo ao Doppler. Foi realizado Core Biopsy que mostrou ser um carcinoma ductal invasivo de mama, grau III BR. Na ressonância nuclear magnética, não foram vistos focos residuais da doença. A paciente foi orientada sobre as possibilidades terapêuticas mais adequadas para o seu caso, informações sobre riscos e benefícios de todas as opções cirúrgicas. Após consulta com radioterapeuta e por preencher as indicações para radioterapia intraoperatória, segundo protocolo da equipe de Mastologia do Hospital Mater Dei, a paciente optou por este tratamento, estando ciente dos seus riscos e benefícios. Foi, então, programada biópsia de linfonodo sentinela, quadrantectomia de mama com radioterapia intraoperatória (Figuras 1 e 2). A paciente assinou o termo de consentimento livre e esclarecido. A cirurgia transcorreu sem anormalidades, com duração de 1 hora e 30 minutos (pele a pele). Após confirmada negatividade para macrometástases do linfonodo sentinela axilar ipsilateral por imprint, a paciente foi submetida à quadrantectomia no quadrante superior lateral (QSL) da mama direita, seguida de radioterapia intraoperatória. O tempo de exposição à radioterapia foi de 4 minutos e 28 segundos, sendo utilizado cone de 6 cm, em parênquima mamário com a profundidade de 3,5 cm, energia utilizada de 15 MeV, volume de 98,9 cm 3 e boost de 21 Gy. A paciente apresentou boa evolução no pós-operatório imediato. A paciente recebeu alta hospitalar no primeiro dia pós-operatório (DPO), apresentando apenas leve hiperemia em sítio cirúrgico e em local irradiado. O anatomopatológico determinou carcinoma ductal invasivo, grau III Bloom-Richardsonde 1,5 cm, receptores de estrogênio e progesterona negativos, Cerb-B2 positivo. Exames da parafina e da imuno-histoquímica confirmaram linfonodo sentinela negativo para macrometástase e micrometástase. Entretanto, já no segundo DPO, ela iniciou com quadro de dor intensa e edema em mama direita, acometendo todo hemitórax direito até a escápula ipsilateral, sem sinais flogísticos ou qualquer outra alteração, afebril. Tratada com anti-inflamatório, apresentando melhora parcial. No terceiro DPO, a paciente queixava-se de fadiga intensa e calafrios, mantendo-se afebril e ferida cirúrgica com bom aspecto. Optou-se por iniciar cefalexina 500 mg, 4 vezes ao dia. Evoluiu com quadro febril no quarto DPO com 38 C, taquicardia e drenagem espontânea de secreção pela ferida operatória com aspecto pardo, inodora além de ulceração em bordas cirúrgicas, com hiperemia acometendo todo hemitórax direito (Figura 1). A paciente foi reinternada, sendo constatada apenas uma leucocitose (13.000/93% de segmentados). Foi levada Figura 1. Quarto dia de pós-operatório Figura 2. Dezenove dias após a primeira intervenção cirúrgica

88 Avelar JTC, Sempértegui A, Bronzat E, Farmetano R, Ferrari B, Moscardini LMO, Alves GR, Silva HMS ao bloco cirúrgico juntamente com cirurgião plástico e realizado desbridamento de tecido inviável e pele necrótica, drenagem de grande volume de líquido com aspecto pardo, cuja parte foienviada para exame de cultura. Realizado biópsia de pele, enviada para análise pela patologia e exame de cultura. Seguiu-se com lavagem abundante da ferida e fechamento primário da mesma com dreno a vácuo. Em pós-operatório imediato, já era observada certa melhora da hiperemia local. Nesse momento, nossa hipótese diagnóstica era de radionecrose, associada à infecção do sítio cirúrgico. Após avaliação da história e quadro clínico da paciente pelo infectologista, foi modificada antibioticoterapia para ampicilina associada ao sulbactam. O anatomopatológico da biópsia revelou fragmento de pele com área de ulceração e necrose tecidual, intensa reação inflamatória aguda e supurativa atingindo subcutâneo. Cultura de pele com ausência de crescimento bacteriano, assim como na cultura de líquido, inclusive para pesquisa de micobacterium. A paciente evoluiu estável, recebendo alta hospitalar com 48 horas de internação (segunda cirurgia), permanecendo com dreno a vácuo e antibioticoterapia. O dreno foi retirado após quatro dias, com troca diária de curativos. A ferida cirúrgica evoluiu com sofrimento tecidual crescente e progressivo, iniciado tratamento em câmara de oxigenoterapia hiperbárica (OHB), mantido antibioticoterapia e levada novamente ao bloco cirúrgico (19 dias após a primeira cirurgia), para novo desbridamento de ferida (Figura 2). No 20 DPO (primeira cirurgia), após discussão do quadro atual e revisão de toda história da paciente, foi levantada a hipótese diagnóstica de PG, tendo em vista a piora clínica progressiva e exames laboratoriais sem sinais de infecção (Figura 3). Foi então convocada uma reunião com médicos das equipes de Mastologia, Cirurgia Plástica, Radioterapia, Oncologia, Infectologia, Clínica Geral da paciente, com a presença da paciente e seu cônjuge. Iniciou-se o uso de corticoide 60 mg/dia. No 22 DPO (primeira cirurgia), após 24 horas de corticoterapia, a paciente já apresentava melhora importante do quadro de dor e início de granulação evolutiva em ferida operatória. Foram mantidos oxigenoterapia hiperbárica, curativos diários e suspenso antibiótico. No 28 DPO (primeira cirurgia), ela recebeu a primeira dose de infliximabe. A OHB foi mantida até o 35 DPO (primeira cirurgia) e o corticoide com diminuição gradual da dose pela melhora. Iniciou-se a quimioterapia no 60º DPO (primeira cirurgia), adriblastina + ciclofosfamida (4 ciclos), seguida por taxol (12 ciclos), apresentando boa tolerância. Ferida cirúrgica, com acompanhamento rigoroso, vem apresentando boa evolução (Figura 4). Discussão O tratamento conservador do câncer de mama exige a radioterapia complementar em toda mama. No final dos anos 90, surgiram alguns estudos de irradiação acelerada e parcial da mama, entre eles, braquiterapia, RxT externa e radioterapia intraoperatória, porém sem estudos comparativos entre as técnicas 1. A eletronterapia intraoperatória (ETI) é uma nova técnica e ainda não existem dados concluídos de estudos fase III, porém apresenta-se como promissora opção de tratamento para pacientes com câncer de mama estádio inicial. É realizada mediante uma única aplicação. A American Brachyterapy Society Figura 3. Vinte dias após a primeira intervenção cirúrgica. Piora clínica progressiva, sendo iniciada corticoterapia Figura 4. Sessenta dias após a primeira intervenção cirúrgica e 40 dias após o início da corticoterapia

Pioderma gangrenoso após quadrantectomia de mama com radioterapia intraoperatória: relato de caso 89 e a American Society of Breast Surgeons publicaram critérios de seleção baseados naqueles usados nas principais séries de tratamento, sendo os dois principais: presença de margens negativas e tamanho tumoral (2 3 cm no máximo) 2,3. O Instituto Europeu de Oncologia (Milão, Itália), primeiro centro a utilizar a ETI no câncer de mama, usou um acelerador linear móvel para oferecer o tratamento intraoperatório (ELIOT). Após avaliações, a dose aprovada foi de 21 Gy, sem efeitos tóxicos importantes, com apenas 10% de reações locais leves (vermelhidão, edema, dor ou infecção) 4. Após uma média de follow-up de 20 meses, com 590 mulheres, a incidência de recidivas (dentro do campo de radiação) foi de 0,5%, com toxicidade aguda e efeitos cosméticos aceitáveis. Os grandes benefícios da ETI se baseiam principalmente na drástica redução do tempo total do tratamento, eliminação da sequência entre tratamento sistêmico e locorregional, minimização da toxicidade. O Instituto Mineiro de Radio-Oncologia vem, desde 2007, utilizando esta técnica no tratamento do câncer de mama. Até o momento, já foram realizados 40 casos de radioterapia intraoperatória com sucesso. De acordo com o protocolo do serviço, os critérios de seleção das pacientes são: pacientes menopausadas ou perimenopausa com idade maior ou igual a 45 anos, tamanho do tumor (até 2,5 cm em exame de imagem), biópsia de linfonodo sentinela negativa para metástases na congelação intraoperatória, carcinoma ductal invasivo, tubular infiltrante ou ductal in situ e margem livre de no mínimo 5 mm. Por ser um procedimento novo, ainda não se pode tirar conclusões definitivas sobre grau de toxicidade na mama e em outros órgãos. Segundo Veronessi et al. 5, com um follow-up de 24 meses, a toxicidade local precoce foi de apenas 6% (fibrose leve, liponecrose, hematoma e fibrose intensa). As complicações tardias, após 48 meses de follow-up, foram: necrose gordurosa, fibrose e nodulações requerendo investigação diagnóstica complementar 6. O PG caracteriza-se como uma doença inflamatória rara da pele, de diagnóstico extremamente desafiador 7. Descrito originalmente por Brocqem em 1916, sua ocorrência após procedimentos cirúrgicos 8, no entanto, só foi relatada por Cullen 9 em 1924. Segundo a literatura atual, sua maior incidência ocorre no sexo feminino, pode acometer todas as faixas etárias, sendo a ocorrência na mama não muito usual 10,11. Existem relatos da sua associação com outras patologias (principalmente doenças autoimunes) ou como séria complicação após procedimentos cirúrgicos (lesões patérgicas), evoluindo com perdas cutâneas devastadoras no pós-operatório 12. A evolução clínica é a base para um diagnóstico, cursando com lesões pustulosas superficiais, halo eritematoso doloroso, rápida progressão para ulcerações dolorosas e estéreis, sem resposta a antibióticos ou a novas intervenções cirúrgicas e, finalmente, com pronta melhora com uso de imunossupressores 13. O atraso no diagnóstico pode acarretar numerosas internações e terapias prolongadas. O reconhecimento precoce, por outro lado, evita a progressão dessas ulcerações e sua morbidade 14. Deve-se fazer diagnóstico diferencial com possíveis abscessos bacterianos (sempre excluir causas infecciosas), gangrena após trombose vascular, vasculite necrotizante, dermatites, fasceíte necrotizante 15. O tratamento inicial é feito com imunossupressores. Diferentes modalidades têm sido relatadas com sucesso, incluindo corticoides sistêmicos, dapsone, sulfapiridine, sulfasalazina, ciclofosfamida, e recentemente tacrolimus tópico 16. A primeira linha do tratamento é feita com altas doses de metilpredinisolona (60 120 mg/dia) 17. Se não houver melhora, a ciclosporina é dada como uma segunda opção 18. Uma outra opção de tratamento, também usada neste caso, consiste em uma droga biológica, aprovada em diversos países para tratar doenças autoimunes, conhecida como infliximabe. Ela é classificada como inibidor de TNF-α e tem demonstrado eficácia terapêutica nos casos de PG associado a doença inflamatória intestinal. Estudos histológicos adicionais fornecem evidência de que ele reduz a infiltração de células inflamatórias em áreas afetadas. As reações adversas, que são as causas mais comuns de interrupção do tratamento, estão relacionadas com sua infusão, tais como dispneia, urticária e cefaleia 19. A OHB é uma modalidade terapêutica que consiste na oferta de oxigênio puro (FiO 2 =100%) em um ambiente pressurizado a um nível acima da pressão atmosférica. As indicações para sua utilização são: embolia ou gangrena gasosas, doença descompressiva, síndrome de Fournier, infecções necrotizantes de partes moles, lesões por radiação, anemia aguda, isquemias traumáticas agudas, queimaduras térmicas ou elétricas, lesões refratárias, osteomielite e retalhos ou enxertos comprometidos. A OHB consiste em uma modalidade segura, apresentando poucas contraindicações. Os efeitos colaterais estão relacionados à variação da pressão e/ou toxicidade do oxigênio. Tem sido considerada no tratamento do PG, apesar de seu mecanismo de ação e eficácia não estar bem estabelecido 20. O tratamento cirúrgico do PG deve ser evitado pelo risco de agravamento. No entanto, em casos selecionados, com a doença estabilizada ou em regressão, poderá ser necessária a remoção de tecido necrótico para evitar infecção bacteriana 21,22. Diante da gravidade, rápida evolução do caso discutido acima, e após uma pronta resposta à terapia com corticoide, fechamos o diagnóstico de PG. No tratamento do PG neste relato, foram utilizados prednisolona 60 mg/dia, com redução gradual da dose, infusões de infliximabe, associadas a 35 sessões de OHB. O resultado foi satisfatório. Infelizmente, o tratamento do PG continua sendo empírico pela falta de estudos controlados e randomizados 21.

90 Avelar JTC, Sempértegui A, Bronzat E, Farmetano R, Ferrari B, Moscardini LMO, Alves GR, Silva HMS Este relato de caso teve como objetivo o conhecimento epidemiológico dessa patologia pouco frequente, além de fazer uma revisão de casos relatados na literatura e suas possibilidades terapêuticas. Cirurgiões precisam considerar o PG entre os diagnósticos diferenciais de uma complicação pós-operatória. Principalmente porque o tratamento do PG, o quanto antes iniciado, evita morbidades importantes e desnecessárias que podem levar as pacientes ao óbito, se não tratadas. Outra pergunta que fica é se a radioterapia estaria relacionada com algum estímulo imunomediado, o que poderia ter facilitado o desencadeamento do quadro. Referências 1. Bernier J, Viale G, Orecchia R, Ballardini B, Richetti A, Bronz L, et al. Partial irradiation of the breast: old challenges, new solutions. Breast. 2006;15(4):466-75. 2. Arthur DW, Vicini FA, Kuske RR, Wazer DE, Nag S, American Brachytherapy Society. Accelerated partial breast irradiation: an updated report from the American Brachyterapy Society. Brachytherapy. 2002;1(4):184-90. 3. Chen PY, Vicini FA. Partial breast irradiation. Patient selection, guidelines for treatment, and current results. Front Radiat Ther Oncol.2007;40:253-71. 4. Veronesi U, Orechia R, Luini A, Gatti G, Intra M, Zurrida S, et al. A preliminary report of intraoperative radiotherapy (IORT) in limited-stage breast cancer that are conservatively treated. Eur J Cancer. 2001;37(17):2178-83. 5. Veronesi U, Orecchia, Luini A, Galimberti V, Gatti G, Intra M, et al. Full-dose intraoperative radiotherapy with electrons during breast-conserving surgery:experience with 590 cases. Ann Surg 2005;242(1):101-6. 6. Mussari S, Sabino Della Sala W, Busana L, Vanoni V, Eccher C, Zani B, et al. Full-dose intraoperative radiotherapy with electrons in breast cancer. First report on late toxicity and cosmetic results from a single-institution experience. Strahlenther Onkol. 2006;182(10):589-95. 7. Schoemann MB, Zenn MR. Pyodermagangrenosum following free transverse rectus abdominis myocutaneous breast reconstruction: a case report. Ann Plast Surg. 2010;64(2):151-154. 8. Bennett ML, Jackson JM, Jorizzo JL, Fleischer AB Jr, White WL, Callen JP. Pyoderma gangrenosum. A comparison of typical and atypical forms with an emphasis on time to remission.case review of 86 patients from 2 institutions. Medicine (Baltimore). 2000;79(1):37-46. 9. Cullen TS. A progressively enlarging ulcer of the abdominal wall involving the skin and fat, following drainage of an abdominal abscess apparently of appendiceal origin. Surg Gynecol Obstet. 1924;38:579-82. 10. Powell FC, Su WP, Perry HO. Pyoderma gangrenosum: classification and management. J Am Acad Dermatol. 1996;34(3):395-412. 11. Mansur AT, Balaban D, Göktay F, Takmaz S. Pyoderma gangrenosum on the breast: A case presentation and review of the published work. J Dermatol. 2010;37(1):107-10. 12. Meyer TN. Pyoderma gangrenosum a severe and ill-known complication of healing. Rev Soc Bras Cir Plást. 2006;21(2):120-4. 13. Schöfer H, Baur S. Successful treatment of postoperative pyoderma gangrenosum with cyclosporine. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2002;16(2):148-51. 14. Davis MD, Alexander JL, Prawer SE. Pyoderma gangrenosum of the breasts precipitated by breast surgery. J Am AcadDermatol. 2006;55(2):317-20. 15. Lim HW, Bart RS. Postsurgical, chronic nonprogressive cutaneous ulcer: a possible variant of pyoderma gangrenosum associated with diabetes mellitus. J Dermatol Surg Oncol. 1978;4(7):519-523. 16. Petering H, Kiehl P,Breuer C, Kapp A, Werfel T. Pyoderma gangrenosum: successful topical therapy with tacrolimus (FK506). Hautarzt. 2001;52(1):47-50. 17. Reichrath J, Bens G, Bonowitz A, Tilgen W. Treatment recommendations for pyoderma gangrenosum: an evidence-based review of the literature based on more than 350 patients. J Am Acad Dermatol. 2005;53(2):273-83. 18. Friedman S, Marion JF, Scherl E, Rubin PH, Present DH. Intravenous cyclosporine in refractory pyoderma gangrenosum complicating inflammatory bowel disease. Inflamm Bowel Dis. 2000;7(1):1-7. 19. Ardizzone S, Colombo E, Maconi G, Bollani S, Manzionna G, Petrone MC, et al. Infliximab in treatment of Crohn s disease: the Milan experience. Dig Liver Dis. 2002;34(6):411-8. 20. Rodrigues Jr M, Marra AR. Quando indicar a oxigenoterapia hiperbárica? Rev Assoc Med Bras. 2004;50(3):240. 21. Duarte AF, Nogueira A, Lisboa C, Azevedo F. Pioderma gangrenoso abordagem clínica, laboratorial e terapêutica: revisão de 28 casos. Dermatol Online J. [Internet]. 2009 [cited 2012 Jun 13];15(7):3. Available from: http://anagen.ucdavis.edu/1507/reviews/pg/duarte.html 22. Schoemann M, Zenn M. Pyoderma gangrenosum following free transverse rectus abdominis myocutaneous breast reconstruction: a case report. Ann Plast Surg. 2010;64(2):151-4.