O DESIGN DE EFEITOS ESPECIAIS NO CINEMA



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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI CLAUDIO YUTAKA SUETU O DESIGN DE EFEITOS ESPECIAIS NO CINEMA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU São Paulo, 2010

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI CLAUDIO YUTAKA SUETU O DESIGN DE EFEITOS ESPECIAIS NO CINEMA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Design Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Design. Orientadora: Profª. Drª. Luisa A. Paraguai Donati São Paulo, 2010 1

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI CLAUDIO YUTAKA SUETU O DESIGN DE EFEITOS ESPECIAIS NO CINEMA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Design Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Design. Profª. Drª. Luisa A. Paraguai Donati Orientadora Mestrado em Design Anhembi Morumbi Banca: Prof. Dr. Vicente Gosciola Profa. Dra. Míriam Cristina Carlos Silva Profa. Dra. Rachel Zuanon São Paulo, 2010 2

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador. CLAUDIO YUTAKA SUETU Formado em Comunicação Social Rádio e TV pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Produtor audiovisual, atualmente é coordenador acadêmico na Universidade Anhembi Morumbi, no curso de Rádio e TV (Escola de Comunicação). S942d Suetu, Claudio Yutaka O design de efeitos especiais no cinema / Claudio Yutaka Suetu 2010. 118f.: il.; 30 cm. Orientadora: Profª. Drª. Luisa A. Paraguai Donati Dissertação (Mestrado em Design) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2010. Bibliografia: f.106-118. 1. Design de produção. 2. Efeitos especiais. 3. Cinema. 4. Linguagem cinematográfica. 5. Direção de arte. I. Título. CDD 741.6 3

Dedicatória: Dedico aos meus pais, pela força, incentivo e carinho durante todo o período desta dissertação. 4

Agradecimentos Ao profs. João Garção e Josiane Tonelotto pelo apoio e incentivo; À profa. Luisa Paraguai, por ter aceitado o desafio de me orientar; Ao prof. Mauro Baptista, pelas primeiras orientações; Aos profs. Jofre Silva e Elizabeth Wada, pelo voto de confiança; Aos meus amigos, professores do curso de Rádio e TV. 5

RESUMO A presente dissertação apresenta possibilidades de atuação do designer no cinema, por meio do estudo do design de efeitos especiais, como atividade conectada ao design de produção de um filme. Dessa forma, são objetos da pesquisa a conceituação da linguagem cinematográfica, a história dos efeitos especiais, a relação entre arte e design na produção audiovisual, bem como os aspectos de construção e os processos de intervenção da imagem. O método de análise envolve o estudo de caso de três filmes que materializam distintamente o uso do efeito especial como elemento de linguagem: O Livro de Cabeceira (1996), de Peter Greenaway; Rebobine Por Favor (2008), de Michel Gondry e Kill Bill (2003), de Quentin Tarantino. Tais análises identificam também elementos do design presentes nas obras, relacionando-os com o conceito visual do filme. Nosso objetivo é aproximar a área de efeitos especiais no campo do design, classificandoa como atividade criativa e projetual, para além dos atributos exclusivamente técnico-operacionais. Palavras-chave: design de produção, efeitos especiais, cinema, linguagem cinematográfica, direção de arte 6

ABSTRACT This paper presents designer s performance possibilities in a film by studying special effects design. Thus, the objects of research are: the concept of film language, the history of special effects, the relationship between art and design of a film, as well as aspects of construction and intervention processes of the image. The analysis method involves a case study of three films that embody distinctly the use of special effects as part of language: The Pillow Book (1996, Peter Greenaway); Be Kind Rewind (2003, Michel Gondry) and Kill Bill (2003, Quentin Tarantino). Such analysis also identifies design elements, linking them with the visual concept of the film. Our goal is to approach the special effects department in the design field, classifying it as a creative and project-oriented activity, beyond the purely technical-operational attributes. Key words: production design, special effects, cinema, film language, art direction 7

SUMÁRIO LISTA DE IMAGENS E ILUSTRAÇÕES... 9 INTRODUÇÃO... 11 1 OS EFEITOS ESPECIAIS E A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA... 17 1.1 A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA: RELAÇÕES ENTRE DESIGN E ARTE... 18 1.2 DESIGN DE EFEITOS ESPECIAIS: O DESIGN DE PRODUÇÃO + DIREÇÃO DE ARTE... 27 1.3 PANORAMA HISTÓRICO DOS EFEITOS ESPECIAIS... 36 2 ASPECTOS CONSTRUTIVOS DA IMAGEM... 52 2.1 A IMAGEM STILL... 53 2.2 A IMAGEM EM MOVIMENTO... 57 2.3 INTERVENÇÕES NA IMAGEM... 59 2.3.1 Camadas e composições... 63 3 REBOBINE POR FAVOR, KILL BILL E O LIVRO DE CABECEIRA: EXPERIMENTAÇÕES E DESCONSTRUÇÕES DA LINGUAGEM... 73 3.1 MICHEL GONDRY: REBOBINE FOR FAVOR... 73 3.2 QUENTIN TARANTINO: KILL BILL - PARTE I... 86 3.3 PETER GREENAWAY: O LIVRO DE CABECEIRA... 94 CONCLUSÃO...102 REFERÊNCIAS...106 FILMOGRAFIA...112 8

LISTA DE IMAGENS E ILUSTRAÇÕES FIGURA 1: CENA DO FILME QUERO SER GRANDE (BIG, 1988).... 23 FIGURA 2: O PERSONAGEM CURINGA EM BATMAN (1989) EM THE DARK KNIGHT (2008).... 24 FIGURA 3: CENA DE ABERTURA DE SWEENEY TODD (2007), DE TIM BURTON... 30 FIGURA 4: TIPOGRAFIA UTILIZADA NA ABERTURA DO FILME ROMEO + JULIET (1996)... 30 FIGURA 5 CENA DO FILME JURASSIC PARK (1993)... 32 FIGURA 6 FENACISTOSCÓPIO... 36 FIGURA 7 TAUMATRÓPIO... 36 FIGURA 8 - KINEÓGRAFO... 36 FIGURA 9 - LANTERNA MÁGICA... 37 FIGURA 10 PHANTASMAGORIA... 37 FIGURA 11: QUADRO DO FILME LE VOYAGE DANS LA LUNE (1902)... 39 FIGURA 12: QUADRO DO FILME LE MÉLOMANE (1903).... 39 FIGURA 13: QUADRO DO FILME L'HOMME A LA TETE EN CAOUTCHOUC (1901)... 39 FIGURA 14: EFEITOS COM MÁSCARAS E DUPLA EXPOSIÇÃO... 40 FIGURA 15: ESQUEMA DE MONTAGEM DO PROCESSO SCHÜFFTAN... 41 FIGURA 16: RESULTADO FINAL DO EFEITO SCHÜFFTAN... 41 FIGURA 18: ESQUEMA DO FUNCIONAMENTO DO GLASS PAINTING... 42 FIGURA 19: COMPOSIÇÃO FINAL NO FILME THE GOLDEN VOYAGE OF SINBAD (1974)... 43 FIGURA 20: PROJEÇÃO TRASEIRA EM UMA CENA DE PERSEGUIÇÃO.... 44 FIGURA 21: ESQUEMA DE PROJEÇÃO TRASEIRA PARA CENAS DENTRO DE VEÍCULOS... 44 FIGURA 22: CENA DO FILME SUPERMAN (1978), UTILIZANDO PROJEÇÃO FRONTAL... 45 FIGURA 23: MODELO BÁSICO DE PROJEÇÃO FRONTAL... 45 FIGURA 24: COMPOSIÇÃO VISUAL DO FILME OUTUBRO (1928), DE EISENSTEIN... 55 FIGURA 25: CENA DA PATINAÇÃO DE CARLITOS EM TEMPOS MODERNOS (1936)... 56 FIGURA 26: EXEMPLO DE COMPOSIÇÃO UTILIZANDO UMA MINIATURA EM PRIMEIRO PLANO... 56 FIGURA 27: NARRATIVA TEMPORAL NÃO-LINEAR NO FILME BACK TO THE FUTURE (1985)... 60 FIGURA 28: RECRIAÇÃO DO AMBIENTE EM 2001 A SPACE ODYSSEY (1968)... 60 FIGURA 29: COMPOSIÇÃO DE DZIGA VERTOV EM CHELOVEK S. KINO-APPARATOM (1929)... 61 FIGURA 30: USO DA PROFUNDIDADE DE CAMPO EM CITIZEN KANE (1941)... 62 FIGURA 31: COMPOSIÇÃO COM FUSÃO DE IMAGENS E ENCADEAMENTO SIMULTÂNEO DE TELAS... 62 FIGURA 32: DUPLA EXPOSIÇÃO NO FILME NOSFERATU (1922)... 65 FIGURA 33: COMPOSIÇÃO DE TELAS EM THE PILLOW BOOK (1996)... 65 FIGURA 34: EXEMPLO DE SPLIT SCREEN EM TIMECODE (2000)... 68 FIGURA 35: EXEMPLO DE SPLIT SCREEN ILUSTRATIVO.... 68 FIGURA 36: EXEMPLO DE COMPOSIÇÃO EM CAMADAS... 69 FIGURA 37: ESQUEMA DE COMPOSIÇÃO DE UM CHROMA-KEY... 71 9

FIGURA 38: LA SCIENCE DES RÊVES (2006)... 74 FIGURA 39: CENAS DE MATRIX (1999) E MATRIX - BAIXO ORÇAMENTO (2006)... 75 FIGURA 40: FILMES SUECADOS EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)... 76 FIGURA 41: CENA DE ABERTURA DE REBOBINE, POR FAVOR (2008)... 79 FIGURA 42: CARROS FEITOS DE PAPELÃO EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)... 80 FIGURA 43: SEQUÊNCIA DO EFEITO DE SOBREPOSIÇÃO EM REBOBINE, POR FAVOR(2008)... 80 FIGURA 44: MIKE E JERRY VESTIDOS DE CAÇA-FANTASMAS EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)... 81 FIGURA 45: MONSTRO DE MARSHMALLOW EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)... 81 FIGURA 46: MÁSCARAS XEROCADAS EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)... 82 FIGURA 47: SUECAGEM DE DIVERSOS FILMES EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)... 84 FIGURA 48: INTERFERÊNCIA NA CÂMERA EM REBOBINE, POR FAVOR (2008)... 85 FIGURA 49: CENA DE ABERTURA DE KILL BILL PARTE I (2003)... 89 FIGURA 50: SEQUÊNCIA DO LANÇAMENTO DA FACA EM KILL BILL PARTE I (2003)... 90 FIGURA 51: SEQUÊNCIA DO TIRO EM KILL BILL PARTE I (2003)... 90 FIGURA 52: PRÓTESE EM LÁTEX EM KILL BILL PARTE I (2003)... 91 FIGURA 53: FLASHBACK EM KILL BILL PARTE I (2003)... 92 FIGURA 54: A HISTÓRIA DE O-REN ISHII EM KILL BILL PARTE I (2003)... 93 FIGURA 55: BRUCE LEE EM JOGO DA MORTE E A NOIVA (B) EM KILL BILL (2003)... 93 FIGURA 56: A EVOLUÇÃO DO FETICHE DE NAGIKO EM O LIVRO DE CABECEIRA (1996)... 96 FIGURA 57: DOES IT MAKE SENSE? DE APRIL GREIMAN... 98 FIGURA 58: COMPOSIÇÃO DE TELAS EM O LIVRO DE CABECEIRA (1996)... 99 FIGURA 59: CAMADAS EM O LIVRO DE CABECEIRA (1996)... 100 10

Introdução O objetivo deste estudo é compreender os efeitos especiais no campo do design como um dos elementos constitutivos da linguagem cinematográfica, inseridos no contexto do design de produção de um filme. No cinema, o design é mal interpretado, ou melhor, tem uma interpretação limitada, genérica. Este é, portanto, um momento oportuno de trazer à tona essa discussão e a área de efeitos especiais parece ser a mais carente nesse aspecto, além de ser a que mais sofre com o tecnicismo. Ela é, portanto, o objeto de estudo ideal, na medida em que constitui um bom exemplo dos resultados que podem ser obtidos ao alinhar os conceitos de design à realização cinematográfica. Vale a pena lembrar que a edição ou montagem fílmica, por exemplo, não era muito entendida ou valorizada até o aparecimento de estudos mais aprofundados, a partir pesquisadores e realizadores como Kuleshov, Vertov, Pudovkin, Eisenstein e outros. Nos dias de hoje isso acontece com relação ao estudo do potencial estético-narrativo dos efeitos especiais. Deste modo, analisálos como linguagem, e não apenas como técnicas soltas, pode ser de grande valia para o reconhecimento dessa área no meio acadêmico. Também representados pela sigla SFX (special effects), os efeitos especiais constituem um campo de ação extremamente amplo e rico em possibilidades. Eles podem atuar diretamente no set 1, como nas cenas de explosões e pirotecnias em geral; podem ser construídos pela manipulação do filme na edição ou pósprodução, como os efeitos de recorte e mascaramento, e podem ser recriados totalmente, por meio da construção de personagens e locações tridimensionais em computador. São técnicas de ilusionismo que, muitas vezes, tiram proveito das características óticas ou limitações das lentes, com uso de miniaturas, engenhocas 1 Set é denominação genérica para o local (locação) ou estúdio em que ocorre a captação (filmagem), na etapa de produção do filme. 11

eletrônicas ou grandes maquinários para criar a atmosfera demandada pelo filme. Pode-se dizer que uma de suas funções primárias é a persuasão do público, a fim de fazê-lo acreditar na história. Os SFX são tão antigos quanto a própria narrativa cinematográfica. Foram descobertos nos experimentos de Georges Méliès, já no final do século XIX, e aperfeiçoados nos projetos de Fritz Lang, nos anos de 1920. A partir de 1970 ressurgiram como elemento de impacto nos filmes de ficção científica, ação e aventura, como Tubarão (Jaws, 1975) e Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, 1981), ambos de Steven Spielberg. De fato, segundo Pinteau (2004), o renascimento da indústria cinematográfica norte-americana nesse período se dá, em especial, devido ao protagonismo dos efeitos especiais na produção dos filmes voltados ao grande público. A popularização dos efeitos pela indústria de Hollywood fomentou o desenvolvimento tecnológico, inicialmente baseado em sistemas analógicos e, algumas décadas depois, nos digitais. Essa proliferação dos SFX gerou também certa banalização, dando início aos chamados filmes de efeitos, nos quais a narrativa fica em segundo plano, e a ênfase é dada, principalmente, às cenas com explosões, perseguições e grandes acidentes. Por outro lado, no Brasil, o Neorrealismo Italiano 2 e o cinema moderno francês, em especial a Nouvelle Vague 3 foram fonte de inspiração para críticos e 2 O Neorrealismo Italiano surgiu no final da II Guerra Mundial. No cinema, buscava-se um enfoque realista das histórias, evitando o uso de estúdios, efeitos especiais e outras manipulações no filme. Os principais diretores desse movimento foram Roberto Rosselini, Vittorio De Sica e Lucchino Visconti. 3 Nouvelle Vague foi um movimento iniciado no cinema francês por jovens cineastas como uma forma de protesto e também busca de novos padrões estéticos e narrativos, em oposição, principalmente, às convenções da indústria cinematográfica norte-americana. Esse movimento influenciou (e ainda influencia) gerações de cineastas e foi, juntamente com o Neorrealismo italiano, uma das bases iniciais do Cinema Novo no Brasil, encabeçado pelo cineasta Glauber Rocha. Os principais cineastas da Nouvelle Vague foram: Claude Chabrol, Jean-Luc Godard e François Truffaut. 12

realizadores. O Cinema Novo 4 brasileiro, embasado nesses movimentos, surgiu nos anos de 1950, politicamente alinhado contra o imperialismo norte-americano, desprezando a produção cinematográfica de Hollywood (Rocha, 2004). É nesse contexto histórico e político que as ficções científicas e os filmes de efeito são classificados como uma categoria irrelevante da produção cinematográfica nacional. A criação de efeitos especiais era percebida como uma forma cara e comercial, que não contribuía muito para a construção do cinema em nosso país. Rejeitava-se até mesmo as filmagens feitas em estúdio, segundo Rocha (2004): Um diretor que acredita na realidade, que pretende filmar um fato falo do cinema de ficção no local em que se passou a verdadeira ação, com ou sem atores, mas dentro de uma cenografia viva, captando ou não esse som, mas captando o som fundamental desse lugar, o som que mais representa, as cores e os elementos, está fazendo um filme de verdade. É um diretor que acredita na realidade e não na imagem, que não vai para o estúdio fazer uma imagem forjada, num cenário forjado, acrescentando na imagem dados de alienação, porque todos esses dados estetizantes são dados de alienação (Ibidem, p.42). Assim, os efeitos especiais também eram percebidos como elementos dos filmes de mercado e não constitutivos de uma obra autoral. Talvez por esse motivo ainda sejam vistos no cinema brasileiro apenas como um conjunto de tarefas operacionais e técnicas. Ainda não estão no mesmo patamar de importância, em termos de reconhecimento enquanto linguagem, que a Direção de Fotografia, por exemplo. Pensar sobre um sistema de criação, no qual a organização dos efeitos especiais ocorre a partir do design pode facilitar os procedimentos e as etapas não tão claras na maioria dos projetos. Faltam processos mais definidos, atividades projetuais, formação especializada e metodologia consistente. Assim, a possibilidade de discutir os procedimentos atuais de geração de efeitos especiais, 4 O Cinema Novo, surgido nos anos de 1950, alinhava-se contra as grandes produções cinematográficas norte-americanas e as chanchadas, defendendo um cinema de baixo custo, politizado e que refletisse a realidade do país. Alguns dos cineastas de destaque desse movimento foram: Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Rogério Sganzerla, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman. 13

contrapondo-os com as propostas e soluções oferecidas pelo design é o grande desafio deste trabalho. Pretende-se defender o design de efeitos especiais como um campo do design, ampliando também suas possibilidades como recurso estético do cinema. Quanto à metodologia adotada, buscou-se entender, por meio da análise bibliográfica, o conceito específico de efeitos especiais, isto é, quais são os elementos técnicos, de linguagem ou projetuais que os caracterizam. Um ponto importante foi a análise dos efeitos especiais como expressão das novas tecnologias e do design, feita a partir do estudo de textos que relacionam o design e a produção audiovisual. Foram também escolhidos três filmes que representassem o universo criativo que poderia ser abarcado pelo design de efeitos especiais, ou seja, obras nas quais poderíamos identificar um projeto claro e bem definido na orientação da construção de tais efeitos. No primeiro capítulo são discutidos os aspectos que caracterizam a linguagem cinematográfica, bem como a relação entre arte e design na construção de filmes. A seguir, os efeitos especiais são apresentados a partir de uma perspectiva histórica e dos processos e técnicas que os constituem. Na área de linguagem cinematográfica foram consultados os autores Jacques Aumont (1994), Vilém Flusser (2008), Lev Manovich (2007), Juan Droguett (2004) e Donis A. Dondis (2003). Para a análise entre arte e design no cinema, boa parte das referências vieram dos estudos de Luiz Antônio Coelho (2008), em sua análise dos conceitos-chave para o design e Bernhard Bürdek (2005), Gui Bonsiepe (1997) e Richard Hollis (2001), nas definições relacionadas especificamente ao design. Para os conceitos ligados à arte, Debrix e Stephenson (1969), Anatol Rosenfeld (2002) e Lucimar Frange (2003) foram as referências utilizadas. Especificamente nas áreas de direção de arte e design de produção para cinema foram consultados Charles Tashiro (1998), Vincent Lo Brutto (2002), Michael Rizzo (2005) e Mauro Baptista (2006). A base teórica para a história do 14

cinema, em especial nos anos de 1960 e 1970, foram os autores David Cook (2002), Fernando Mascarello (2006) e o trio Thomas Elsaesser, Alexander Horwath e Noel King (2004). Para o estudo das características do cinema clássico foi adotada a definição de David Bordwell e Kristin Thompson (2003). Na reconstrução da história dos efeitos especiais foram de fundamental importância os autores Pascal Pinteau (2004), Richard Rickitt e Jay Harryhausen (2007). No segundo capítulo são reconhecidos e analisados alguns elementos de linguagem determinantes para criação da identidade visual de um filme. Tais elementos são abordados a partir de três perspectivas diferentes: do frame ou imagem estática, da imagem em movimento e das intervenções imagéticas realizadas em ambas as situações anteriores para a construção do universo ficcional representado pelo filme. São fundamentais para essa análise as contribuições de Susan Sontag (2004), Marcel Martin (2007), além de retomarmos alguns dos autores já citados, como Flusser (2002), Debrix e Stephenson (1969). Na parte relacionada às intervenções na imagem, temos em especial as contribuições de Vicente Gosciola (2003) e Luiz Leocádio da Nova (2009). No estudo das camadas e composições, acrescentam-se os autores Hélio Jorge de Carvalho (1999) e Bruno Munari (2006). No terceiro capítulo, a produção de efeitos é analisada em três filmes: Rebobine Por Favor (Be Kind, Rewind, 2008), de Michel Gondry; Kill Bill (2003), de Quentin Tarantino e Livro de Cabeceira (The Pillow Book, 1996), de Peter Greenaway. Nesses três exemplos serão abordados os diferentes usos dos efeitos especiais como elementos projetuais da linguagem do filme. Em Rebobine, Por Favor (2008), utilizam-se alguns dos conceitos ligados à gambiarra, descritos por Rodrigo Boufleur (2003). Há também aspectos da bricolagem, discutidos por Maria Cecília Loschiavo dos Santos (2003), contrapondo com o conceito de projeto, defendido por André Villas-Boas (2003). Em Kill Bill (2003) são utilizados Elizabeth Gonçalves e Denis Porto Renó (2009), Maria Teresa 15

Denser (2008), Patrick McGee (2007) e Ana Vicentini Azevedo (2006). Para a análise de Livro de Cabeceira (1996), além de Nova (2009), Gosciola (2003), Carvalho (1999) e Manovich (2007), temos Randolph de Souza (2009) que traz os aspectos da colagem e Rick Poynor (2003). É importante salientar que os termos relacionados à linguagem cinematográfica ou fílmica aqui utilizados, enfatizam a análise visual da obra. Embora o som tenha papel fundamental na construção, significação e impacto das cenas, não será tratado de forma aprofundada. 16

1 Os efeitos especiais e a linguagem cinematográfica Para entender como os efeitos especiais podem contribuir com o conceito visual de um filme é preciso uma compreensão mais clara do significado da linguagem cinematográfica e das relações entre design e arte. Por esse motivo é fundamental conhecer o papel do design de produção 5 e da direção de arte na materialização dessa linguagem. É importante explicar aqui que a função de direção de arte em um filme é muito diferente daquela aplicada na área gráfica, no design ou na publicidade, por exemplo, embora a denominação seja a mesma. A direção de arte no cinema está ligada à supervisão e gerência de três departamentos básicos: figurino, maquiagem e cenografia. Desse modo, as tarefas do diretor de arte em uma agência de publicidade têm um paralelo mais próximo, no cinema, às responsabilidades delegadas ao designer de produção. Ao discutirmos arte e design, abordaremos também o papel do design de efeitos especiais na construção do filme, quais os seus principais objetivos e como ele pode dialogar com as demais áreas, a fim de obter um efeito que esteja afinado com a proposta da direção. Com esses elementos, pretende-se traçar uma linha conceitual norteadora, partindo da definição básica de linguagem, para transpô-la ao cinema. Depois será feita a análise de como a direção de arte e o design de produção contribuem para a construção do conceito visual do filme e de que modo o design de efeitos especiais pode colaborar com a aplicação desse conceito. 5 Entende-se por design de produção no cinema a área responsável pelo projeto e/ou planejamento estético do filme. Essa definição, no entanto, pode variar de autor para autor ou ter atribuições diferentes, dependendo do país em que se aplica. 17

Por fim, será apresentada uma perspectiva histórica dos efeitos especiais, com destaque para algumas das principais técnicas e realizadores que revolucionaram a área em cada período. 1.1 A linguagem cinematográfica: relações entre design e arte Segundo Aumont (1994), o conceito de linguagem cinematográfica surgiu com os primeiros teóricos do cinema, em especial Ricciotto Canudo e Louis Delluc, para definir um novo meio de expressão, considerado, na época, universal e distinto da linguagem verbal. O autor destaca diversos movimentos entre intelectuais e cineastas, russos e franceses, no sentido de criar uma gramática cinematográfica, que adequasse a linguagem do filme ao uso de bons autores, permitindo a aquisição de um bom estilo cinematográfico, ou de um estilo harmonioso (AUMONT, 1994, p.166). Ramos (2005), porém, questiona esse tipo de abordagem: Um filme específico oferece um texto ou um discurso; um grupo de filmes, idem. A analogia da linguagem é atraente porque permite aos críticos a aplicação de protocolos de interpretação literária. (...) A maior parte dos acadêmicos da área de cinema continua a sentir um certo desconforto com a análise dos aspectos visuais e sonoros dos filmes, preferindo, em lugar deles, os aspectos que se ajustam ao comentário literário tradicional trama, personagens e diálogos (RAMOS, 2005, p.49). Percebe-se aqui uma primeira tensão no que diz respeito ao entendimento do conceito de linguagem cinematográfica. Por um lado, procura-se compará-la à linguagem verbal ou escrita, utilizando os mesmos parâmetros aplicados ao léxico na compreensão do filme, por outro, existem teóricos que reivindicam ao cinema uma linguagem própria, fundamentada principalmente na geração de significado a partir das imagens em movimento, mas ainda em desenvolvimento. Quanto a isso, Flusser (2008) mostra-se pessimista, ao afirmar que demoraram séculos, desde o surgimento da escrita, para que o ser humano aprendesse a narrar e que, do 18

mesmo modo, ainda vai levar muito tempo para que descubramos o que é filmar ou fotografar. Arnheim (2005) entende que a insegurança em relação ao entendimento da obra visual é fruto de nossa educação, focada nas palavras e não na compreensão e expressão por meio do audiovisual. Esse desconforto, gerado pela relação dominante do discurso verbal sobre o visual, pode ser observado em muitas obras e autores contemporâneos como Peter Greenaway, que aborda o tema no filme O Livro de Cabeceira (The Pillow Book, 1996). Para Manovich (2007), a questão já começa na hora de interagir com a interface: o livro ou a revista são objetos sólidos, criados a partir de páginas separadas, de modo que as ações envolvem a navegação linear de uma página à outra, podendo haver marcação de páginas individuais ou o uso do índice; por outro lado, no caso do cinema, sua interface física envolve a organização específica da arquitetura de uma sala de projeção, sendo que a sua metáfora é uma janela aberta para um espaço virtual em 3D (MANOVICH, 2001, p.83). Na verdade, a linguagem cinematográfica desenvolve-se a partir dessa costura entre as linguagens escrita, oral, musical e visual. Para Droguett (2004), a linguagem cinematográfica pode ser analisada também pela perspectiva da sintaxe visual: o ângulo, a câmera, a linha e o contorno acrescidos da cor e dos gradientes tonais (DROGUETT, 2004, p.91). O autor acrescenta que a linguagem visual, flexível e complexa, tem maior maleabilidade do que a linguagem verbal, opinião corroborada por Dondis (2003), ao afirmar que a característica dominante da sintaxe visual é a complexidade. A autora utiliza o termo alfabetização visual, mas afirma que tentar estabelecer uma relação entre a inteligência visual e a linguagem verbal é inútil. Além disso, distancia-se da idéia simplista de que a linguagem é meramente uma técnica aplicada. Segundo Dondis (2003, p.27), a habilidade técnica para o manuseio do equipamento não é suficiente, a autora afirma que a capacidade intelectual para criar e compreender mensagens visuais é necessidade vital para quem deseja atuar no campo da comunicação. 19

No entanto, o estudo da linguagem ou da sintaxe visual cinematográfica perpassa a análise da imagem congelada ou frame: é preciso entender a relação entre os planos, estabelecida na etapa de edição ou montagem do filme. De acordo com Eisenstein (2002b, p.16) a justaposição de dois planos isolados através de sua união não parece a soma de um plano mais outro plano, mas o produto. Para o autor, esse produto tem um resultado qualitativamente diferente de cada um dos planos originais. Esse conceito também é conhecido como montagem dialética ou intelectual de Eisenstein. Carrière (2006, p.16) concorda com a idéia de que a relação entre os planos é um dos diferenciais da linguagem cinematográfica: foi aí, na relação invisível de uma cena com outra que o cinema realmente gerou uma nova linguagem. Percebe-se, então, que a montagem do filme e mesmo a movimentação da câmera inserem novas variáveis à noção de sintaxe imagética, e que o próprio conceito de linguagem cinematográfica, segundo as definições apresentadas, transita entre diferentes princípios e teorias. Em uma definição mais próxima ao design, Coelho (2008, p.41) afirma que a linguagem surge da combinação de associações e referências, com base em código e repertório partilhados por sujeitos de um grupo social e histórico, gerando informação e comunicação. Aqui, acrescenta-se à discussão a questão do contrato invisível entre pessoas de um mesmo grupo, estipulando normas e chegando a um consenso para a validação eficaz da inteligibilidade e comunicabilidade inerentes a uma linguagem convencionada. Para Royo (2008), existe um ciclo, de modo que as tecnologias de comunicação servem à cultura de uma época por meio da linguagem, que é configurada pelo design, condicionado, por sua vez, pela cultura. É uma cadeia imbricada de influências e referências, mas tendo o design como um dos motores dessa mudança. De acordo com Bürdek (2005), a vida da maioria das pessoas seria inimaginável sem o design. Ele nos acompanha o dia todo nas mais diversas atividades, como: trabalho, lazer, educação, serviços ligados à saúde, esportes, transporte de pessoas e bens, setor público, etc. Todas essas situações contêm 20

objetos do design. Ele pode estar muito próximo, como na moda, ou distante, como nas viagens espaciais. Para o autor, o design determina não apenas a existência, mas também a natureza, ou a essência, de algo. Essa essência manifesta-se pelos símbolos utilizados por cada grupo social. Porém, para Flusser (2008), o ser humano perdeu o contato direto com os símbolos e, por esse motivo, criou os sistemas de códigos como uma forma de superar o abismo entre ele e o mundo. Uma dessas materializações do código é o próprio design. Bürdek (2005) afirma que nossa comunicação com outras pessoas se dá por meio de produtos, que definem também os grupos sociais aos quais pertencemos, marcando o nosso lugar individual na sociedade. Flusser (2008) acrescenta que esses produtos não precisam ser necessariamente objetos materiais, ou seja, é possível a aplicação do design em softwares, por exemplo. De qualquer modo, a comunicação é sempre de modo a atender as necessidades ou expectativas de alguém. Para Hollis (2001) essas expectativas são atendidas na aplicação das três funções básicas do design: identificar (dizer o que é determinada coisa e de onde ela veio), informar/instruir (relacionando duas coisas de acordo com a direção, posição e escala) e apresentar/promover (no caso do design gráfico significa prender a atenção, tornando a imagem inesquecível). No caso do cinema, a execução dessas funções passa invariavelmente pela direção de arte e pelo design de produção. Design de produção e direção de arte são dois termos que definem áreas específicas da realização de um filme e que, curiosamente, destacam já em suas respectivas nomenclaturas, dois conceitos importantes para o estudo da linguagem cinematográfica: design e arte. Por esse motivo é de suma importância entender de que modo essas duas áreas completam-se e/ou tensionam-se na realização cinematográfica e como, dessa sinergia e/ou conflito, é construída a linguagem visual do filme. Abordando o conceito de arte, Rosenfeld (2002, p.208) acredita que através da manifestação sensorial e individual, a arte faz transparecer uma dimensão mais 21