ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: O DESAFIO DE REVER CONCEPÇÕES DE ESCOLA, INFÂNCIA E ALFABETIZAÇÃO



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Transcrição:

ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: O DESAFIO DE REVER CONCEPÇÕES DE ESCOLA, INFÂNCIA E ALFABETIZAÇÃO ESMÉRIA DE LOURDES SAVELI (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA, PR). Resumo O trabalho tem por objetivo central discutir a política educacional de ampliação da escolaridade obrigatória que inclui no Ensino Fundamental as crianças de seis anos. A lei nº 11. 274 de fevereiro de 2006, que ampliou o Ensino Fundamental em nove anos, tem gerado diversas controvérsias em função do corte etário. Há um discurso de dirigentes municipais, professores e pesquisadores, ligados à rede pública de ensino, de que a entrada precoce da criança no Ensino Fundamental poderá trazer prejuízos significativos para a mesma. Partimos da hipótese inicial de que esse discurso está assentado em concepções de escola, infância e alfabetização que precisam ser superadas para que essa política educacional implantada obrigatoriamente, no Brasil, a partir de 2006, se efetive como instrumento legítimo de cidadania. A inclusão dessas crianças está a exigir da escola repensar as suas dimensões política, administrativa e pedagógica. Na dimensão política a educação é entendida como direito social e pressuposto básico para o exercício de todos os outros direitos (CURY, 2002). Dessa forma, essa política exige dos educadores, gestores e pesquisadores a reflexão sobre a importância da ação escolar para as crianças das classes populares, que historicamente, não tiveram o direito de iniciar a sua escolarização mais cedo. Na dimensão administrativa os gestores municipais precisam dispender recursos financeiros para investir na formação continuada dos professores, fazer aquisição de mobiliário e materiais pedagógicos adequados às crianças de seis anos. O trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas precisa ultrapassar a crença de que para aprender a ler e a escrever a criança deve já ter desenvolvido certas capacidades. Essa crença alimenta uma idéia de que existe uma idade certa para o início da aprendizagem da leitura e da escrita. Palavras-chave: Política Educacional, Infância, Alfabetização. Resumo O artigo tem por objetivo central discutir a política educacional de ampliação da escolaridade obrigatória que inclui no Ensino Fundamental as crianças de seis anos. A lei nº 11. 274 de fevereiro de 2006, que ampliou o Ensino Fundamental em nove anos, tem gerado diversas controvérsias em função do corte etário. Há um discurso de dirigentes municipais, professores e pesquisadores, ligados à rede pública de ensino, de que a entrada "precoce" da criança no Ensino Fundamental poderá trazer prejuízos significativos para a mesma. Partimos da hipótese inicial de que esse discurso está assentado em concepções de escola, infância e alfabetização que precisam ser superadas para que essa política educacional implantada obrigatoriamente, no Brasil, a partir de 2006, se efetive como instrumento legítimo de cidadania. A inclusão dessas crianças está a exigir da escola repensar as suas dimensões política, administrativa e pedagógica. Na dimensão política a educação é entendida como direito social e pressuposto básico para o exercício de todos os outros direitos (CURY, 2002). Dessa forma, essa política exige dos educadores, gestores e pesquisadores a reflexão sobre a importância da ação escolar para as crianças das classes populares que, historicamente, não tiveram o direito de iniciar a sua escolarização mais cedo. Na dimensão administrativa, os gestores municipais precisam dispender recursos financeiros para investir na formação continuada dos

professores, fazer aquisição de mobiliário e materiais pedagógicos adequados às crianças de seis anos. O trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas precisa ultrapassar a crença de que para aprender a ler e a escrever a criança deve já ter desenvolvido certas capacidades. Essa crença alimenta uma ideia de que existe uma idade certa para o início da aprendizagem da leitura e da escrita. Palavras chave: política educacional, infância, alfabetização. Introdução O artigo discute a Lei 11. 274 de 06 de fevereiro de 2006, que ampliou o Ensino Fundamental para nove anos - dos 6 aos 14 anos. Essa Lei traz em seu bojo o princípio de uma política pública afirmativa, pois com a determinação do cumprimento desse dispositivo legal os maiores beneficiados foram as crianças das classes populares que, a partir de 2006, tiveram direito de iniciar mais cedo o seu processo de escolarização. Isso porque as crianças das classes mais privilegiadas já estavam, majoritariamente, incluídas, desde muito cedo, no sistema de escolarização obrigatório em classes de alfabetização, pré-escolar e até mesmo em classes de 1ª série, em escolas particulares, conforme documento do Ministério da Educação (2004). Dessa forma, entendemos que a antecipação da obrigatoriedade escolar, com matrícula e frequência obrigatória a todos os brasileiros, a partir dos seis anos de idade, ampliando, desse modo, o Ensino Fundamental para nove anos de duração, é uma política pública afirmativa da equidade social e com conteúdo de valores democráticos e republicanos. No entanto, a ampliação do Ensino Fundamental tem gerado uma série de polêmicas, dentre elas, está a que diz respeito ao corte etário para a entrada da criança no primeiro ano do Ensino Fundamental. Nesse caso, as polêmicas estão centradas em dois posicionamentos: os que são favoráveis à matrícula e à inclusão no primeiro ano do Ensino Fundamental de Nove Anos, das crianças de seis anos completos ou a completar durante o ano em curso, e os que defendem o corte etário no mês de março. Isto é, defendem que só poderão ser matriculadas, nesse primeiro ano, as crianças que completarem seis anos até o início do ano letivo. É interessante que nós educadores, neste momento, de tanta polêmica sobre o corte etário para a entrada da criança na escolaridade obrigatória, lancemos um olhar para a escola pública e tentemos desvendar quais os principais problemas que ela precisa enfrentar para acolher essas crianças no 1º ano do Ensino Fundamental. A inclusão das crianças de 6 (seis) anos completos ou incompletos exigem o quê da escola? A criança de 6 (seis) anos completos ou a completar deixa de ser criança porque está incluída no 1º ano do Ensino Fundamental? O Ensino Fundamental não é uma etapa da Educação Básica? Respostas a essas perguntas e outras tantas, podem ajudar-nos a ter mais clareza da necessidade de entender a infância como um período mais longo do que só até 6 (seis) anos e a desconstruir a crença de que há uma dicotomia intransponível entre educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. No que concerne aos antecedentes dessa legislação, pode-se salientar que a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº. 4.024/61 garantia quatro anos de ensino obrigatório. Em 1971, em plena ditadura militar, é realizada a Reforma de Ensino com a implantação da Lei 5.692/71. A nova lei ampliou para oito anos o ensino obrigatório, atendendo o aluno dos 07 aos 14 anos. A segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 9394/96, já permitia a entrada de crianças de seis anos nesse nível de ensino, de acordo com o Art. 87,

3º, inciso I: "[...] matricular todos os educandos a partir de sete anos de idade e, facultativamente, a partir dos seis anos, no ensino fundamental". A Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001, que aprovou o Plano Nacional da Educação (PNE, p. 35), sinalizava a ampliação do ensino fundamental obrigatório para nove anos de duração colocando em seus objetivos e metas: "Ampliar para nove anos a duração do ensino fundamental obrigatório com início aos seis anos de idade, à medida que for sendo universalizado o atendimento na faixa de 7 a 14 anos". Conforme o PNE, a determinação legal de implantar de maneira gradativa o Ensino Fundamental de Nove Anos, têm como intenções: "oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade". Garantir o acesso e a permanência de toda população brasileira nesse nível de ensino é fundamental, pois excluir da escola crianças que estão na idade própria de frequentá-la, seja por quaisquer motivos, é "[...] a forma mais perversa e irremediável de exclusão social, pois nega o direito elementar de cidadania, reproduzindo o circulo da pobreza e da marginalidade e alienando milhões de brasileiros de qualquer perspectiva de futuro" (PNE, 2001: 28). Em maio de 2005, foi aprovada a Lei Federal nº 11.114 que alterou os artigos 6º, 32 e 87 da LDBEN nº. 9.394/96 instituindo a obrigatoriedade escolar para as crianças de seis anos, sem alterar a duração do Ensino Fundamental. Art. 6º. É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental. [...] Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública a partir dos seis anos, terá por objetivo a formação básica do cidadão mediante: [...] Art. 87. 3º I - matricular todos os educandos a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental, atendidas as seguintes condições no âmbito de cada sistema de ensino: [...] Em 6 de fevereiro de 2006, foi promulgada a Lei Federal nº 11.274, que estabeleceu o Ensino Fundamental de nove anos de duração com a inclusão das crianças de seis anos de idade, alterando os artigos 32 e 87 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Com a reformulação da redação os mesmos artigos passaram a ser redigidos da seguinte maneira: Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006 [...] Art. 87. 2º O poder público deverá recensear os educandos no ensino fundamental, com especial atenção para o grupo de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos de idade e de 15 (quinze) a 16 (dezesseis) anos de idade.

3º Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá: I - matricular todos os educandos a partir dos 6 (seis) anos de idade no ensino fundamental; [...] É importante ressaltar que, assegurar às crianças de seis anos o direito à educação formal é resultado de antigas lutas no âmbito das políticas públicas de educação, pois há muito tempo existem reivindicações no sentido da democratização do direito à educação. Consideramos essa decisão, política essencial, uma vez que, vivemos em um país de grandes desigualdades sociais, em que são, portanto, fundamentais a busca de medidas que venham afirmar a igualdade e combater toda forma de exclusão social. Vale destacar também que o Ensino Fundamental de Nove Anos é um movimento mundial, e que são inúmeros os países que o adotam. De acordo com Batista (2006:1): A duração da escolarização obrigatória brasileira era uma das menores da América Latina. No Peru, ela tem onze anos. Países como a Venezuela, o Uruguai e a Argentina prevêem uma escolarização compulsória de dez anos. Além disso, o Brasil era o único da América Latina cuja educação obrigatória se iniciava aos sete anos. Na maioria dos países latino-americanos (assim como na América do Norte e Europa), ela começa aos seis anos, embora as crianças argentinas, colombianas e equatorianas ingressem aos cinco. Tendo em vista o ingresso da criança de seis anos no Ensino Fundamental, a Educação Infantil, passa, então, a contemplar as idades de zero a cinco anos, sendo alterado o texto da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional nº 53 de 20 de dezembro de 2006, que determina a Educação Infantil de zero a cinco anos: Art 7º. [...] XXV - assistência [...] desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e pré -escolas; [...] Art. 208 [...] IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até cinco anos de idade; Sem dúvidas, a antecipação da obrigatoriedade escolar representa um avanço muito importante na busca de inserção das crianças das classes populares nos sistemas educacionais brasileiro. Entretanto, é essencial pensar não apenas nas possibilidades de acesso dessas crianças à escola, uma vez que, o direito à educação requer mais do que garantir o acesso exige, também, a garantia de permanência e aprendizagem com qualidade. Neste sentido, observamos que o texto constitucional de 88 determina não só a garantia do acesso e da permanência no ensino fundamental, mas proclama a "garantia de padrão de qualidade" (inciso VII do artigo 206) como um dos princípios segundo o qual deverá se estruturar o ensino.

Entendemos que o acesso à educação obrigatória mais cedo constitui-se em um instrumento de luta política onde todas as crianças, inclusive as das classes populares, podem usufruir da igualdade de oportunidades. Segundo documento do Ministério da Educação (2006), a entrada antecipada da criança no Ensino Fundamental, objetiva garantir a criança um período maior de convivência escolar, ampliando suas oportunidades de aprendizagem. A experiência de professores, que atuam ou atuaram nas primeiras séries da escola obrigatória e pesquisas educacionais, têm mostrado que as crianças que iniciam a escolarização mais cedo são melhores sucedidas no processo de aprendizagem da leitura e da escrita. De acordo com Batista (2006: p.2), "se as crianças são matriculadas mais cedo, a escola pode dispor de condições mais adequadas para alfabetizá-las, incluindo aquelas pertencentes a meios populares e pouco escolarizados". Dizendo de um outro modo, a inserção da criança das classes populares mais cedo na escola obrigatória permite a mesma uma familiarização mais precoce com um universo cultural mais amplo o que possibilita melhores condições para o seu aprendizado da leitura e da escrita. Não basta dizer que todos, sem qualquer exceção, têm o mesmo direito de ir à escola, é necessário também que tenham a mesma possibilidade. As crianças das classes menos privilegiadas, como todas as outras crianças, têm o direito de estar em uma escola organizada que atenda as suas singularidades, a principal delas é o direito de viver a sua infância e se constituir no sujeito adulto que teve oportunidade de usufruir do direito de frequentar a escola. No âmbito do Ensino Fundamental, é necessário, hoje, com a ampliação desse ensino para nove anos, pensar nos modos de viabilizar a garantia de que as necessidades e singularidades infantis sejam reconhecidas e atendidas nas instituições escolares, e que o trabalho pedagógico do ensino fundamental realizese de maneira articulada com o trabalho desenvolvido nos espaços de educação infantil (KRAMER, 2003). Incluir as crianças mais novas na escola obrigatória exige tratamento político, administrativo e pedagógico. No aspecto político, aumenta o número de crianças incluídas no Sistema Educacional. Dessa forma, beneficia, principalmente, as crianças oriundas das classes populares. Uma vez que, as crianças, desta faixa etária, pertencentes às classes mais privilegiadas já se encontram, majoritariamente, incorporadas ao sistema de ensino nas classes de pré-escola ou na primeira série do Ensino Fundamental, em escolas privadas. No aspecto administrativo exige das secretarias de educação investimentos na formação de professores, tanto a formação básica quanto a continuada, na organização dos espaços físicos, materiais e pedagógicos, investir na melhoria das condições de trabalho dos professores revendo carga horária, número de alunos por classe, entre outras questões. E, no aspecto pedagógico exige das escolas, sobretudo, a reorganização de projetos pedagógicos que assegurem o pleno desenvolvimento dessas crianças em seus aspectos físico, psicológico, intelectual, social e cognitivo, tendo em vista alcançar os objetivos do Ensino Fundamental, sem restringir o trabalho pedagógico apenas à preocupação de alfabetizar a criança. No Brasil, hoje temos importantes documentos legais que sustentam a reorganização das escolas, incluindo as crianças de seis anos completos ou a completar no sistema de escolaridade obrigatória. Todos esses documentos são conquistas resultadas de ações de movimentos sociais e de políticas públicas para diminuir as desigualdades sociais (COMPARATO, 2004).

Nosso posicionamento é que se a Constituição Federal, hoje, prescreve que a Educação Infantil atende as crianças até cinco anos, toda criança com seis anos completos ou a completar, no ano em curso, tem o direito assegurado de estar matriculada na escola obrigatória, que no Brasil, denomina-se Ensino Fundamental. Outro fato que não deve passar desapercebido é o de que a inscrição de um direito no código legal de um País, como o nosso, não acontece da noite para o dia. A ampliação da escolaridade obrigatória é uma conquista para as classes populares e, ao nosso ver precisa ser defendida, deve ser estendida cada vez mais, agora incluindo as crianças de seis anos, daqui a pouco, precisamos lutar para estendê-la às crianças de faixas etárias mais novas. Construindo aos poucos uma Escola para a Infância onde nossas crianças possam conviver em um espaço escolar em que os afetos, as brincadeiras, os saberes, os valores enfim, a seriedade e o riso estejam presentes. Isto vale tanto para as crianças que estão na Educação Infantil como aquelas que estão no Ensino Fundamental. Sônia Kramer, estudiosa da escola e da infância, diz: Na educação infantil e no ensino fundamental, o objetivo é atuar com liberdade para assegurar a apropriação e a construção do conhecimento por todos. Na educação infantil, o objetivo é garantir o acesso, de todos que assim o desejarem, a vagas em creches e préescolas, assegurando o direito das crianças de brincar, criar, aprender. Nos dois temos grandes desafios: o de pensar a creche, a pré-escola e a escola como instâncias de formação cultural; o de ver as crianças como sujeitos de cultura e história, sujeitos sociais (MEC, 2006: p.20). Outras medidas de cunho pedagógico, administrativo e financeiro deverão acompanhar esta política, pois não se trata de transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de desenvolver uma proposta pedagógica considerando a singularidade das crianças dessa faixa etária. À guisa de conclusão É importante entender que a inclusão das crianças de seis anos no ensino fundamental é um direito social dos mais contundentes para a cidadania dos brasileiros. Ele precisa ser assegurado e o trabalho pedagógico desenvolvido deve levar em conta a singularidade das ações infantis. É necessário garantir às crianças, dessa faixa etária, o atendimento nas suas necessidades (a de aprender e a de brincar). Isto não vale apenas para as crianças de seis anos, mas de todas as crianças de seis até 10 anos - faixa etária dos anos iniciais do Ensino Fundamental (KRAMER, 2003). Para finalizar, entendemos que a inclusão, simplesmente, da criança de seis anos no Ensino Fundamental não garante a melhoria da qualidade do ensino, mas todos sabemos que a criança que, desde muito cedo, tem contato com o mundo da leitura e da escrita e outros bens culturais, é melhor sucedida no seu processo de escolarização.

Referências BATISTA, A.A.G. Ensino Fundamental de 9 anos: um importante passo à frente. Boletim UFMG, Belo Horizonte, v.32 n.1522, mar. 2006. BRASIL. Lei 9.394, 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez 1996.. Lei n. 10.172, 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2001. Disponível em: http://www.mec.gov.br/.. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Ensino fundamental de nove anos: orientações gerais. Brasília. DF, 2004.. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB n. 06/2005 aprovado em 8 de junho de 2005. Reexamina o Parecer CNE/CEB 24/2004, que visa o estabelecimento de normas nacionais para a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração. Disponível em: http://www.mec.gov.br/.. Lei 11.274, 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 de fev.2006. Disponível em: http://www.senado.gov.br/.. Emenda Constitucional n. 53. Dá nova redação aos arts. 7º, 23,30,206,208,211 e 212 da Constituição Federal a ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 20 de dez. 2006. COMPARATO, F. k. O princípio da igualdade e a escola. In: CARVALHO, J. S. (org.) Educação, Cidadania e Direitos Humanos. São Paulo: Vozes, 2004. CURY, C.R.J. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.116, p.245-262, jul.2002. KRAMER, S. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2003. [1] [1]Doutora em Educação pela UNICAMP/Campinas, professora adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta (UEPG), atua na Graduação e no Programa de Pós - Graduação Mestrado em Educação da UEPG, pesquisadora da área de leitura e de políticas educacionais voltadas para a Educação Básica. email:esaveli@hotmail.com

ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: O DESAFIO DE REVER CONCEPÇÕES DE ESCOLA, INFÂNCIA E ALFABETIZAÇÃO Esméria de Lourdes Saveli (UEPG) esaveli@hotmail.com O trabalho tem por objetivo central discutir a política educacional de ampliação da escolaridade obrigatória que inclui no Ensino Fundamental as crianças de seis anos. A lei nº 11. 274 de fevereiro de 2006, que ampliou o Ensino Fundamental em nove anos, tem gerado diversas controvérsias em função do corte etário. Há um discurso de dirigentes municipais, professores e pesquisadores, ligados à rede pública de ensino, de que a entrada precoce da criança no Ensino Fundamental poderá trazer prejuízos significativos para a mesma. Partimos da hipótese inicial de que esse discurso está assentado em concepções de escola, infância e alfabetização que precisam ser superadas para que essa política educacional implantada obrigatoriamente, no Brasil, a partir de 2006, se efetive como instrumento legítimo de cidadania. A inclusão dessas crianças está a exigir da escola repensar as suas dimensões política, administrativa e pedagógica. Na dimensão política a educação é entendida como direito social e pressuposto básico para o exercício de todos os outros direitos (CURY, 2002). Dessa forma, essa política exige dos educadores, gestores e pesquisadores refletirem sobre a importância da ação escolar para as crianças das classes populares, que historicamente, não tiveram o direito de iniciar a sua escolarização mais cedo. Na dimensão administrativa os gestores municipais precisam dispender recursos financeiros para investir na formação continuada dos professores, fazer aquisição de mobiliário e materiais pedagógicos adequados às crianças de seis anos. O trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas precisa ultrapassar a crença de que para aprender a ler e a escrever a criança deve já ter desenvolvido certas capacidades. Essa crença alimenta uma ideia de que existe uma idade certa para o início da aprendizagem da leitura e da escrita. Palavras chave: política educacional, infância, alfabetização