O PANORAMA DAS NULIDADES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO. Palavras-chave: Nulidades, Processo Penal brasileiro, nulidade absoluta e relativa.



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Transcrição:

O PANORAMA DAS NULIDADES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO RESUMO Stenio Souza Marques 1 Objetiva-se com o presente artigo apresentar os conceitos de nulidades no Processo Penal brasileiro, a partir do posicionamento de relevantes doutrinadores, bem como discutir a respeito das espécies de nulidades (absoluta e relativa), atos inexistentes e irregulares. Pretende-se também expor os princípios norteadores das nulidades, em consonância com o Código de Processo Penal, a doutrina e jurisprudência pátria. Palavras-chave: Nulidades, Processo Penal brasileiro, nulidade absoluta e relativa. I CONCEITO DE NULIDADES Nulidades são vícios, defeitos e/ou incorreções que ocorrem em determinados atos processuais, os quais foram realizados sem o cumprimento da forma estabelecida em lei, e que podem ocasionar a inutilidade do ato praticado, sendo necessária a sua renovação. A respeito do tema, esclarece Nucci (2011, p. 824): São os vícios que contaminam determinados atos processuais, praticados sem a observância da forma prevista em lei, podendo levar à sua inutilidade e consequente renovação. Ainda sobre o conceito de nulidade, Tourinho Filho (2010, p. 527) corrobora: Para ser válido, o ato processual deve ser praticado de conformidade com o paradigma legal. Não o sendo, torna-se evidentemente, atípico. E, quando a atipicidade sofre a sanção de ineficácia, o ato se diz nulo. Após o provimento do ato jurisdicional decretando a ineficácia do ato é que este se torna nulo. Portanto, enquanto não for imposta a sanção de ineficácia, o ato produz efeitos, sem embargo da sua atipicidade. 1 Mestrando em Educação pela Universidade de Uberaba UNIUBE. Especialista em Direito Processual Contemporâneo pela UNESP. Advogado. 1

Nesse sentido, nulidade pode ser entendida como a sanção aplicada pelo juiz em razão de um ato processual viciado/defeituoso. A sua imposição ocorrerá sempre que o desatendimento de uma norma/regra processual ocasione prejuízo a direito das partes ou quando haja a presunção legal de prejuízo. (TÁVORA; ALENCAR, 2011). De igual forma, vejamos o entendimento de Távora e Alencar (2011, p. 957 958): Nulidade é a sanção aplicada pelo juiz em razão da verificação de um ato processual defeituoso. Sua imposição terá lugar toda vez que o desatendimento de norma processual penal cause prejuízo a direito das partes ou quando haja presunção legal de tal prejuízo por se cuidar de formalidade essencial. Na verdade, a nulidade no processo penal, não é automática, porquanto é preciso que o juiz se manifeste expressamente para que cessem os efeitos do ato processual viciado (salvo impossibilidade natural ou lógica de produção de seus efeitos normais). Assim, pode-se inferir que todos os atos processuais que são realizados em desalinhe para com as determinações legais, que resultem prejuízo para as partes, sendo este presumido ou não, são hipóteses de nulidade, podendo desencadear a renovação do ato processual, ou em situação menos grave, a sua convalidação, conforme veremos adiante. II ESPÉCIES DE NULIDADES De modo a facilitar a compreensão do tema, a doutrina, em regra, costuma polarizar o tema das nulidades em duas espécies, quais sejam, a absoluta e a relativa. Ocorre que essa dualidade é criticada por alguns autores, como Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar. Acerca desta visão bipartida de nulidades, elucidam Távora e Alencar (2011, p. 979): A doutrina costuma bipartir as nulidades em abstrato, sendo as hipóteses de nulidades divididas em absolutas e relativas. Essa visão abstrata das hipóteses de nulidade, conquanto aqui criticada, pode ter alguma utilidade se vista em conjunto com o momento oportuno de sua arguição e os efeitos que decorrem do seu reconhecimento. No entanto, a advertência que deve ser colocada é que um caso de nulidade que, abstratamente, seja absoluta, pode, plano concreto, ser caracterizada, judicialmente, como relativa. 2

Superadas essas considerações iniciais, passemos à análise das nulidades. Nulidades absolutas são aquelas que devem ser proclamadas de ofício pelo juiz ou a requerimento de qualquer das partes, haja vista serem produtoras de nítidas infrações ao interesse público, especialmente na condução do devido processo legal. (NUCCI, 2011). Távora e Alencar (2011, p. 979) complementam: Bem assentada a observação, a regra geral é de que a nulidade absoluta pode ser arguida a qualquer tempo, enquanto perdurar o processo penal. Aliás, para que seja reconhecida uma nulidade absoluta não é necessária provocação da parte interessada, podendo ocorrer de ofício pelo juiz. O vício compreendido como de natureza absoluta, em face de comprometer irremediavelmente o processo e a justeza da aplicação do direito, é que, uma vez declarado pelo magistrado, importa nulidade. É o juiz que constituirá a nulidade, mediante decisão judicial que delineie a extensão de decreto respectivo. Por outro turno, nulidades relativas são aquelas que somente serão reconhecidas caso arguidas pela parte interessada, desde que demonstrado o prejuízo suportado em decorrência do não adimplemento de formalidade legal prevista para o ato realizado. (NUCCI, 2011). Deste modo, a distinção fundamental entre nulidade absoluta e relativa reside no fato de que a nulidade absoluta é apreciada de ofício pelo juiz, por ser referente à matéria de ordem pública, ao passo que a nulidade relativa somente pode ser decretada a pedido da parte interessada e jamais por aquela que causou/originou a nulidade. (DANTAS, 2007). As hipóteses de nulidades (absoluta e relativa) estão previstas nos artigos 564 e 572, ambos do Código de Processo Penal. Vejamos: Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz; II - por ilegitimidade de parte; III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: a) a denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de contravenções penais, a portaria ou o auto de prisão em flagrante; b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167; 3

c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos; d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública; e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa; f) a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri; g) a intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia; h) a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei; i) a presença pelo menos de 15 jurados para a constituição do júri; j) o sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua incomunicabilidade; k) os quesitos e as respectivas respostas; l) a acusação e a defesa, na sessão de julgamento; m) a sentença; n) o recurso de oficio, nos casos em que a lei o tenha estabelecido; o) a intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso; p) no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum legal para o julgamento; IV - por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato. Parágrafo único. Ocorrerá ainda a nulidade, por deficiência dos quesitos ou das suas respostas, e contradição entre estas. (Incluído pela Lei nº 263, de 23.2.1948) Art. 572. As nulidades previstas no art. 564, Ill, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas: I - se não forem arguidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior; II - se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim; 4

III - se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos. Imperioso mencionar que, por vezes, não há uma integral harmonia a respeito do que é determinado no Código de Processo Penal, no pensamento doutrinário e construção jurisprudencial. O capítulo das nulidades deve ser estudado e interpretado com bastante cautela e parcimônia, de modo a buscar uma integração entre os ditames da legislação, doutrina e jurisprudência. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 824 825) alerta: Vale ressaltar, desde logo, que o contexto das nulidades não apresenta integral harmonia entre o preceituado em lei e o pensamento doutrinário e jurisprudencial. Por vezes, nulidade que o CPP considera absoluta (qualquer forma de incompetência, por exemplo), ressalva a doutrina, com o aval dos tribunais, ser relativa (como a incompetência territorial). Noutros casos, o CPP estipula ser nulidade relativa (a falta de intervenção do MP em ação pública por ele intentada, como exemplo), enquanto a doutrina afirma ser nulidade absoluta. É preciso que nos acostumemos a analisar o capítulo das nulidades de acordo com o pensamento predominante tanto na doutrina quanto da jurisprudência. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues de Alencar (2011, p. 964) ratificam o entendimento acima, no que tange à complexidade do tema e da exigência de se ter uma visão integradora e panorâmica das nulidades. Vejamos: Nulidades processuais penais não é um tema de sistematização pacífica na doutrina. Para uma visão panorâmica, podem ser registrados conceitos diversos, que problematizam a compreensão e que evidenciam um terreno de difícil trânsito. Vale lembrar que as regras estabelecidas na legislação têm por finalidade garantir que as partes encontrem um ambiente processual de regularidade, sem que haja qualquer tipo de abuso, cerceamento do direito de defesa, contraditório ou violação do devido processo legal. Nesta esteira de raciocínio, Nucci (2011, p. 825) explana: O processo penal brasileiro é formal, com regras específicas estabelecidas em lei, de modo a garantir às partes a regularidade do desenvolvimento dos atos processuais, sem que haja abuso por parte do juiz, que, em virtude do impulso oficial, conduz o processo até o seu deslinde. Portanto, as nulidades compõem o quadro necessário de avaliação das provas, privilegiando-se, na sua inteireza, os princípios do contraditório e da ampla defesa, tudo a compor o devido processo legal. Sem regras e formalidades, o Estado-juiz pode cercear a 5

atividade das partes, bem como fica impedido de coibir o abuso tanto da acusação, quanto da defesa, durante o desenrolar da instrução. Feitas estas considerações, passemos à análise e conceituação dos atos inexistentes e irregulares, os quais serão apresentados no tópico seguinte. III ATOS INEXISTENTES E IRREGULARES Além das hipóteses de nulidades absolutas e relativas, é preciso também serem mencionados os atos inexistentes e irregulares. Atos inexistentes são aqueles eivados de erro grotesco. Violam de maneira absoluta a lei. Não se trata de nulidade absoluta, pois estão distantes do mínimo aceitável para o preenchimento das formalidades legais. São os erros gravíssimos, que não podem ser convalidados e tampouco necessitam de decisão judicial para serem invalidados. (NUCCI, 2011). De acordo com a cátedra de Mirabete (2003, p. 592), ato inexistente pode ser conceituado da seguinte maneira: ato inexistente é aquele em que há falta de um elemento que o direito considera essencial, ou seja, em que ele existe de fato, mas, sem o elemento essencial, ele inexiste de jure, sendo um não ato O festejado doutrinador Rangel, (2001, p. 477-486), conceitua ato inexistente ou ato juridicamente inexistente como aquele que não produz qualquer eficácia e, portanto, independe de decisão judicial declarando a sua invalidade. Por outro prisma, atos irregulares são aquelas pequenas infrações superficiais, corriqueiras, que acontecem no dia a dia e que não contaminam a forma legal a ponto de ser necessário refazer (renovar) o ato. São convalidados pelo simples prosseguimento do processo, embora, evidentemente, devam ser evitados. (NUCCI, 2011). Ainda sobre os atos irregulares, Rangel (2001, p. 477-486) ensina: vício sem qualquer gravidade, sendo incapaz, por si só, de gerar prejuízo, sendo ato, cujo refazimento poderá ser procedido pelo juiz segundo seu livre arbítrio, vale dizer, com absoluta discricionariedade. 6

Por fim, com a fito de facilitar o entendimento do tema, segue abaixo um pequeno quadro com algumas das diferenças fundamentais entre nulidades, ato inexistente e ato irregular. NULIDADE NULIDADE ATO ATO * ABSOLUTA RELATIVA INEXISTENTE IRREGULAR VÍCIO GRAVE MÉDIO GRAVÍSSIMO SUPERFICIAL R RENOVAÇÃO CONVALIDAÇÃO O ATO NÃO O ATO NÃO E DO ATO DO ATO EXISTE. NÃO NECESSITA SER Q PODE SER RENOVADO. U CONVALIDADO. SÃO E DEVE SER CONVALIDADOS R RENOVADO PELO ANDAMENTO DO PROCESSO IV PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS NULIDADES Guilherme de Souza Nucci, na obra Manual de Processo Penal e Execução Penal, aponta cinco princípios que regem as nulidades no processo penal brasileiro, a saber: a) Não há nulidade sem prejuízo: Por diversos motivos, dentre eles o da economia processual, só se proclama a nulidade caso haja prejuízo para a parte. Não se pode proclamar a existência de nulidade, buscando-se refazer o ato (com perda de tempo e gasto materiais para as partes), sem que a parte tenha experimentado algum prejuízo, consoante preconiza o artigo 563, do Código de Processo Penal. Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. 7

A forma prevista em lei para a realização de um determinado ato processual não é um fim em si mesmo, razão pela qual se o objetivo foi alcançado, não há razão para anular o que foi produzido. Tal Princípio deve ser empregado visando a maior eficiência e amplitude no tocante às nulidades relativas, haja vista que nestas o prejuízo deve ser demonstrado, diferentemente das nulidades absolutas em que o prejuízo é presumido, não se admitindo prova em contrário. (NUCCI, 2011). b) Não há nulidade provocada pela parte: A parte que deu causa à nulidade não poderá argui-la em seu benefício. Este Princípio objetiva a prevalência da ética na produção da prova e em todo o andamento processual, afastando-se a máfé. (NUCCI, 2011). Este é o conteúdo do artigo 565, do Código de Processo Penal. Vejamos: Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse. Nesse sentido, Nucci (2011, p. 827) doutrina: Aliás, do mesmo modo que é exigido interesse para a prática de vários atos processuais, inclusive para o início da ação penal e para a interposição de recurso, exige-se que tenha a parte prejudicada pela nulidade interesse no seu reconhecimento. Logo, não pode ser ela geradora do defeito, plantado unicamente para servir a objetivos escusos. c) Não há nulidade por omissão de formalidade que só interesse à parte contrária: Mesmo que uma parte não seja a causadora de vício processual, não é permitido à outra invocar nulidade que apenas beneficiaria à primeira. (NUCCI, 2011). Este Princípio tem por escopo impedir que a parte que não seria beneficiada pela decretação da nulidade e, consequentemente não experimentou qualquer prejuízo, utilize de meios legais para conturbar o processo. d) Não há nulidade de ato irrelevante para o deslinde da causa: Não se pode proclamar a nulidade de ato processual que não houver 8

influenciado/colaborado para a verdade real ou a decisão da causa. Este Princípio é um corolário do Princípio de que não há nulidade sem prejuízo. O Princípio em voga está insculpido no artigo 566, do Código de Processo Penal, abaixo colacionado: Art. 566. Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. e) A nulidade de ato processual relevante pode desencadear a dos consequentes: Também denominado de nulidade originária e nulidade derivada, o Princípio da Causalidade anuncia que a nulidade de um ato pode proporcionar a nulidade de outros que dele decorram, em razão de natural conexão entre os atos realizados no processo. (NUCCI, 2011). Assim preconiza o artigo 573, parágrafo único, do CPP: Art. 573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores, serão renovados ou retificados. 1 o A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência. Conforme determina o artigo supracitado, é preciso avaliar, na cadeia de realização de atos processuais, se o ato praticado com vício ou irregularidade trouxe como decorrência, outros atos, também maculados. CONCLUSÃO Nulidades são vícios, incorreções, erros que contaminam determinados atos processuais, praticados em desacordo com a forma prevista em lei e que podem levar a sua inutilidade, sendo necessária a sua renovação. As nulidades podem ser absolutas ou relativas. As nulidades absolutas são aquelas que possuem um vício grave e, por consequência, podem ser proclamadas de 9

ofício pelo juiz, ou mediante requerimento de qualquer uma das partes. Violam o interesse público e o devido processo legal. O prejuízo é presumido, devendo o ato ser refeito/renovado. Não admitem a convalidação. Por outro turno, as nulidades relativas são aquelas em que o vício é médio e admitem convalidação. Nesta hipótese de nulidade o vício não é presumido e deve ser demonstrado pela parte. Somente podem ser suscitadas pela parte que houver suportado o prejuízo. Os atos inexistentes não são sinônimos de atos irregulares. Atos inexistentes são aqueles eivados de vício gravíssimo, grotesco. Desrespeitam grotescamente a lei. Não possuem o mínimo aceitável para o preenchimento das formalidades legais. Não podem sem convalidados e tampouco necessitam de decisão judicial para serem invalidados. Lado outro, os atos irregulares são aqueles que ocorrem corriqueiramente, são infrações leves. Por serem infrações superficiais não contaminam a forma legal e não carecem de renovação. São convalidados com o simples prosseguimento do processo, embora devam sempre ser evitados. As hipóteses de nulidades (absoluta e relativa) estão delineadas nos artigos 564 e 572, ambos do Código de Processo Penal. Importante ressaltar que o contexto das nulidades não apresenta integral harmonia entre o estabelecido no Código de Processo Penal, no pensamento doutrinário e na construção jurisprudencial. Por vezes, uma nulidade absoluta presente no Código é tratada pela doutrina e jurisprudência com sendo relativa, e vice versa. Assim, para a melhor compreensão do tema em tela é imprescindível que haja uma tríplice análise, conjugando os aspectos doutrinários, jurisprudenciais e legais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Código de processo penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso em: 29 abr. 2016. DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Teoria geral do processo: jurisdição, ação (defesa), processo. 2. ed. São Paulo: Método, 2007. 10

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. TÁVORA, Nestor.; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 5 ed. Salvador: Jus Podium, 2011. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13. Ed. São Paulo: Saraiva. 2010. 11