TDAH: Proposta de tratamento clínico para crianças e adolescentes através da terapia cognitivo-comportamental

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Revista Saúde e Desenvolvimento Humano TDAH: Proposta de tratamento clínico para crianças e adolescentes através da terapia cognitivo-comportamental TDAH: Proposal for clinical treatment for children and teenagers through cognitive-behavioral therapy Bárbara C. Monteiro Terapeuta Cognitivo-Comportamental. Neuropsicóloga. Psicóloga Psineuroclínica Cognitiva do Rio de Janeiro Resumo O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é hoje um dos transtornos mais comentados pela sociedade. Ainda especulase muito sobre o seu tratamento farmacológico, o quanto ele é eficaz e o quanto ele pode prejudicar o indivíduo, mas o que ainda não está totalmente difundido é o quanto a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pode ajudar o indivíduo a manejar os sintomas desse transtorno. Considerando esse fato, este artigo visa, baseando-se na literatura existente, apresentar uma proposta de tratamento clínico do TDAH a partir do referencial teórico da TCC. Palavras-chave: TDAH; terapia; manejo. Endereço para correspondência: Rua dois de Dezembro, 38, sala 510 Flamengo, Rio de Janeiro - CEP: 22220-040 E-mail: barbarac_monteiro@yahoo.com.br Recebido : 28/10/2013 Aprovado : 01/05/2014 Abstract The Attention Deficit Disorder and hyperactivity (ADHD) is today one of the most discussed disorders by society. There is still much speculation about its pharmacological treatment, how much it is effective and how much it can harm the individual, but that is not yet completely pervasive is how much the Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) can help the individual to manage the symptoms of this disorder. Considering this fact, this article aims, based on existing literature, to submit a proposal for clinical treatment of ADHD from the theoretical framework of TCC. Keywords: ADHD; therapy; management. O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) caracteriza-se como um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade, mais frequente e severo do que aquele tipicamente observado em indivíduos em nível equivalente de desenvolvimento¹. Alguns dos sintomas hiperativo/impulsivos que causam prejuízo devem ter estado presentes antes dos sete anos de idade. Deve ser verificado se houve prejuízo em, pelo menos, dois contextos, além de apresentar claras evidências de interferência no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. A perturbação não deve ocorrer exclusivamente durante o curso

102 Monteiro BC. TDAH: Proposta de tratamento clínico para crianças e adolescentes através da terapia cognitivo-comportamental Revista Saúde e Desenvolvimento Humano 2014 Maio 30; 2(1): 101-108. de algum Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e não é melhor explicado por um outro transtorno mental. O indivíduo desatento realiza trabalhos confusos e sem meticulosidade e consideração adequada, havendo mudanças frequentes de tarefas inacabadas para outras que se iniciam e que também não são concluídas¹. Os materiais necessários para realização de tarefas geralmente estão desorganizados e são manuseados sem o devido cuidado. Socialmente, o indivíduo muda constantemente de assunto, não fornece a devida atenção ao que outras pessoas dizem, distraindo-se durante as conversas. A hiperatividade varia de acordo com o nível de desenvolvimento do indivíduo e com sua idade. Bebês e crianças em idade pré-escolar geralmente andam sem parar, movem-se rapidamente, escalam móveis e encontram dificuldades em participar de atividades sedentárias em grupo. Crianças na idade escolar apresentam tais comportamentos, porém com menor frequência e intensidade, mas manuseiam inquietamente objetos, batem com as mãos e continuamente balançam braços e pernas, fazendo muitos ruídos durante atividades tranquilas. Já nos adolescentes e nos adultos, esses sintomas assumem a forma de uma inquietação e persiste a dificuldade de se envolver em atividades sedentárias e tranquilas². O indivíduo impulsivo queixa-se de dificuldade para se expressar adequadamente, pois, frequentemente, faz comentários inoportunos, interrompe os outros, intromete-se em assuntos alheios, pega coisas que pertencem a outras pessoas ou que não deveriam ser tocadas, e pode envolver-se em atividades potencialmente perigosas, sem considerar as consequências¹. Geralmente, o sujeito não apresenta o mesmo nível de disfunção em todos os contextos ou a todo o momento dentro do mesmo contexto, e os sintomas tendem a piorar em situações que exigem atenção ou esforço mental ou que não apresentem nenhuma novidade. Os sinais do transtorno podem ser mínimos ou ausentes em situações em que o indivíduo está sob controle rígido, realizando atividades especialmente interessantes, em situações a dois ou quando é frequentemente reforçado por comportamentos apropriados. Achados mostram que portadores de TDAH possuem déficits nas funções executivas referentes às habilidades e controle inibitório, memória operacional, flexibilidade cognitiva, tomada de decisões e fluência verbal³. A disfunção das funções executivas ou síndrome disexecutiva gera a incapacidade dessas funções em processar e elaborar ações adaptadas. Essa disfunção apresenta várias dificuldades que impactam o cotidiano do sujeito, comprometendo sua atenção sustentada, fazendo-o apresentar dificuldade em iniciar tarefas, empobrecimento da estimativa de tempo, dificuldade na alternação de tarefas ou em lidar com duas tarefas de diferente relevância ao mesmo tempo, déficits no controle de impulsos e impaciência, problemas de planejamento, distraibilidade, pouco insight, inquietação, agressividade, labilidade motivacional e problemas de inibição de respostas 4. Estudos mostram que os sintomas de desatenção são os que estão mais associados ao comprometimento das funções executivas e ao comprometimento adaptativo. O DSM-IV divide o TDAH em três subtipos: predominantemente desatento, predominantemente hiperativo/impulsivo e combinado. No tipo predominantemente desatento, ou seja, naquele em que estão presentes apenas os sintomas de desatenção, são observados maiores prejuízos no desempenho acadêmico e menores prejuízos na socialização. No predominantemente hiperativo/impulsivo, no qual se encontram somente sintomas de hiperatividade e impulsividade, há maiores prejuízos na esfera social, gerando maior rejeição do sujeito pelos colegas e pelos professores devido à impulsividade e à agressividade, não apresentando maiores problemas acadêmicos. Finalmente, no combinado, caracterizado por apresentar sintomas tanto da esfera da desatenção como da esfera da hiperatividade/impulsividade, os prejuízos são

http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/saude_desenvolvimento/ 103 globais, estando mais associado a sintomas de oposição e conduta 5. O diagnóstico de TDAH é clínico, através da observação comportamental, não havendo exames neurológicos que o confirmem. Além de entrevistas semiestruturadas, de formulários e questionários específicos, também pode ser realizada uma avaliação neuropsicológica para complementar o diagnóstico. As hipóteses de superdiagnóstico de TDAH são bastante difundidas, porém tais hipóteses não se confirmam quando se avalia a taxa de prevalência ao longo do tempo, mesmo quando se compara os falsos positivos e os falsos negativos 5. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) do TDAH A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) se baseia nos princípios de que nossas cognições têm influências sobre as nossas emoções e comportamento e que o modo como agimos pode afetar como pensamos e nos sentimos. Aaron Beck foi quem primeiro desenvolveu as teorias e os métodos de intervenções tanto cognitivas quanto comportamentais. Tais teorias e métodos foram complementados pela teoria dos constructos pessoais de George Kelly e a terapia racional-emotiva de Albert Ellis 6. Apesar de o TDAH apresentar bases biológicas, acredita-se que as variáveis cognitivas e comportamentais afetam o desenvolvimento dos sintomas. No que tange os prejuízos centrais, portadores de TDAH que apresentam distração, impulsividade, desorganização e dificuldade de acompanhar pensamentos e conversas podem apresentar prejuízo no aprendizado ou no uso efetivo das habilidades de enfrentamento. O sofrimento acarretado por estes sintomas impede o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento efetivas. Quando as estratégias de enfrentamento são ausentes ou pouco efetivas, podem gerar falhas ou levar a uma realização parcial de tarefas. Os portadores de TDAH tendem a manter o padrão disfuncional nas situações diárias. Devido a falhas crônicas anteriores, o indivíduo desenvolve crenças negativas sobre si mesmo, gerando pensamentos automáticos disfuncionais, e esses pensamentos podem levar a evitações e distrações. Indivíduos com TDAH quando são confrontados com problemas podem apresentar piora da atenção e da expressão do comportamento, evitando o enfrentamento de tarefas ou desafios cognitivos até o final. Podem apresentar, também, alterações do humor decorrentes da sensação de frustração que se dá por causa de tarefas inacabadas ou mal-acabadas. O prejuízo funcional presente no TDAH decorre em função da dificuldade do indivíduo em utilizar estratégias compensatórias para lidar com as limitações a longo prazo decorrentes do transtorno. A dificuldade em ter um pensamento mais lógico gera problemas com organização e planejamento, o que leva a procrastinação, ansiedade e sentimentos de incompetência e incapacidade 7. A TCC auxilia o portador de TDAH a redirecionar sua atenção, a reestruturar suas crenças, modificado o modo como se sente, se comporta e a desenvolver habilidades sociais. Eles aprenderão, durante as sessões de terapia, estratégias de resolução de problemas, automonitoria, manejo de tempo, técnicas de organização, controle da raiva e agressividade 8. Os estágios do tratamento para o TDAH através da TCC envolvem: a psicoeducação, na qual o paciente aprende sobre o transtorno e o modelo da TCC; a organização e planejamento, em que aprenderá a utilizar agenda diária, lista de tarefas e resolução de problemas; a lidar com a distração, fazendo uso de estratégias para melhorar a utilização da capacidade de atenção, que envolve criar um momento de atenção

104 Monteiro BC. TDAH: Proposta de tratamento clínico para crianças e adolescentes através da terapia cognitivo-comportamental Revista Saúde e Desenvolvimento Humano 2014 Maio 30; 2(1): 101-108. e maximizá-lo, utilizar um artifício externo para reconduzir o foco e aprender a atrasar a distração; e, por último, o pensamento adaptativo, que irá auxiliar o indivíduo a pensar sobre os problemas e os estressores de forma mais adaptativa 7. Em crianças portadoras de TDAH, que realizaram tratamento através da TCC, observou-se um aumento do comportamento atencional e do rendimento escolar, diminuição da atividade motora excessiva e melhora das interações sociais, diminuindo a rejeição dessas crianças. Já em relação aos pais e educadores, foi observada melhora da percepção dos adultos em relação ao comportamento geral da criança, maior controle do comportamento no meio natural, mudanças positivas nas interações entre pais e filhos e redução do estresse familiar e melhora do clima social da classe 9. TCC com crianças e adolescentes portadoras de TDAH No tratamento cognitivo-comportamental do TDAH, há a necessidade de se promover a implicação e a motivação da criança ou adolescente no tratamento, sendo estes os primeiros pontos a serem trabalhos na terapia 9. O interesse na terapia é imprescindível para o sucesso do treinamento cognitivo em autoinstrução e solução de problemas. No tratamento utilizam-se estratégias de organização de atividades diárias, de conscientização do próprio comportamento, de autoavaliação, de autocontrole, de autoinstrução, de resolução de problemas, de reestruturação cognitiva e prevenção de recaída. Evidências mostram que jovens com TDAH possuem grande dificuldade em conseguir seguir uma rotina e realizar suas obrigações, como sentar para estudar para provas ou realizar tarefas de casa. Elas facilmente se dispersam com outras atividades e quando se dão conta não têm mais tempo para realizar suas obrigações ou mesmo se esquecem das mesmas, apresentando, assim, o segundo ponto a ser trabalhado na terapia, que é a organização das atividades diárias. Autores sugerem algumas atividades a serem realizadas que ajudam a criança na organização do seu dia a dia pode ser criado, em conjunto com os pais, um quadro de atividades diárias, sendo dividido em dias da semana e bloco de horários, que serão preenchidos com as atividades a serem realizadas. Como é difícil para crianças e jovens ater-se em algo monótono e sem estímulo, é interessante criar um quadro manipulável como, por exemplo, um que tenha imãs ou desenhos representando as atividades, já que, assim, a criança terá estímulos que a façam prestar atenção no quadro de horários e segui-lo. Uma boa estratégia é fazer com que os espaços de tempo livre sejam maiores do que os quadrados de atividades a serem realizadas, pois cria uma impressão que se tem mais tempo livre que obrigatoriedades 10. Outra estratégia importante é conscientizar a criança ou adolescente de seu comportamento inadequado, uma vez que, geralmente, ela não presta atenção em seu comportamento e nas suas consequências. Após ela estar habituada com a organização da sua rotina diária, inicia-se o treino para que consiga se tornar ciente de seus comportamentos e fazer uma análise deles, ou seja, irá observá-los ao longo dos dias, anotando-os e avaliando-os, de maneira que posteriormente ela esteja atenta aos mesmos para que possa modificá-los. Após estar capacitada a identificar seus comportamentos disfuncionais, criam-se estratégias para que possa se autoavaliar, percebendo o quanto tal comportamento afeta o seu dia a dia, quais são os sentimentos e os pensamentos que ele gera e o que ela pode fazer para modificá-lo e torná-lo mais funcional 11.

http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/saude_desenvolvimento/ 105 Quando o terapeuta perceber a inclinação para a mudança de comportamento, ele entra com estratégias de autocontole, segundo as quais a criança ou adolescente aprenderá formas de interromper a cadeia disruptiva de comportamentos através de palavras-chaves ou imagens mentais. É importante frisar que essas técnicas devem estar ligadas a uma avaliação diária dos pais ou dos professores sobre a presença dos comportamentos disfuncionais, pois o indivíduo deve ser reforçado quando conseguir interromper ou evitar tais comportamentos 9. Após a criança estar familiarizada com as técnicas comportamentais, o processo terapêutico foca em técnicas cognitivas como as de autoinstrução, resolução de problemas e reestruturação cognitiva. Estas devem ser realizadas após as estratégias comportamentais, pois o jovem provavelmente não conseguirá seguir instruções ou modificar seus pensamentos, se não conseguir controlar os comportamentos que geram as situações-problemas 10. A técnica de autoinstrução visa que a pessoa consiga se autoguiar nas ações que devem ser realizadas, de maneira que consiga realizar todas as etapas de uma tarefa. À medida que vai realizando essa determinada tarefa, ela vai se autoinstruindo em voz alta sobre o que deve ser realizado naquele momento, fazendo, assim, com que nenhuma etapa seja deixada para trás. Geralmente, depois de um treino, essa autoinstrução é feita internamente, a criança conversa com ela mesma. Se ela apresentar dificuldades em realizar a estratégia desta maneira, ela pode escrever em um cartão todas as etapas que aquela tarefa envolve e seguir o que está escrito no cartão 12. Jovens com TDAH se deparam com muitos problemas no seu dia a dia, tanto problemas relacionados à dificuldade em prestar atenção e realizar uma tarefa, quanto controlar seu comportamento impulsivo e hiperativo. Por isso, após o terapeuta ensinar a criança ou adolescente a se guiar através da autoinstrução, ele trabalha estratégias para o paciente lidar com esses problemas, e uma delas é a técnica de resolução de problemas. Por meio desta, ele será capaz de buscar, após avaliar a situação e identificar os problemas presentes, as maneiras através das quais pode lidar com o problema e solucioná-lo, escolhendo a melhor solução para a situação. O intuito é que a criança com TDAH possa expressar suas necessidades de maneira adequada, realista e socialmente aceita 13. Crianças ou adolescentes com TDAH geralmente possuem baixa autoestima, acreditando que não realizam nada direito, e algumas dessas crianças acreditam que não são tão bons ou importantes quando comparados a outros indivíduos de sua idade. Muitos desses pensamentos se devem ao fato de serem desvalorizados por não conseguirem realizar tarefas de modo eficaz, principalmente na desatenção, ou por serem rejeitados por seus pares devido a seus comportamentos impulsivos e sua hiperatividade 10. Nesse sentido, a reestruturação não é utilizada antes de estratégias de modificação de comportamentos, pois uma vez que o indivíduo continue apresentando os comportamentos disfuncionais, ele continuará sendo rejeitado ou desvalorizado pelos seus pares. A partir do momento que ele consiga gerar mudanças no seu comportamento, criando uma maior aceitação do seu meio, o terapeuta consegue de maneira mais eficaz gerar, também, modificações em seus pensamentos disfuncionais, pois o jovem será capaz de visualizar que ele possui comportamentos adequados e que consegue modificar os que ainda se apresentam de maneira inadequada. Considerando estes fatos, o treino em reestruturação cognitiva é iniciado após o terapeuta ter passado para o jovem as estratégias apresentadas nos parágrafos anteriores. Ao final do processo psicoterápico é necessária a realização de um trabalho de prevenção de recaída,

106 Monteiro BC. TDAH: Proposta de tratamento clínico para crianças e adolescentes através da terapia cognitivo-comportamental Revista Saúde e Desenvolvimento Humano 2014 Maio 30; 2(1): 101-108. pois o sujeito pode apresentar, de maneira esporádica, alguns dos comportamentos indesejáveis que foram trabalhados durante o processo terapêutico. Na prevenção de recaída, trabalha-se com o jovem a possibilidade desses comportamentos voltarem a acontecer, e que este fato não precisa representar um grande problema. É trabalhado, também, o fato de ele possuir as ferramentas necessárias para modificá-los novamente, lembrando que ele já teve sucesso anteriormente ao fazê-lo, então, isso não deve ser um motivo para se achar incompetente ou incapaz em realizar comportamentos adequados 10. Além das estratégias citadas aqui, no caso da desatenção é necessário fazer uma orientação de condições ambientais com os pais no início do processo terapêutico. É necessário que pessoas desatentas tenham condições mais adequadas para poder estudar e, mais do que isso, poder prestar atenção ao que está sendo lido ou feito. Algumas recomendações devem ser feitas, como por exemplo, a mesa de estudo não deve ficar voltada para janelas e nem perto de televisores, pois estes apresentam uma grande quantidade de distratores que podem atrapalhar a criança em seu estudo. Outra recomendação é que a criança ou adolescente tenha um intervalo de 5 a 10 minutos a cada meia hora de estudo. Nesse intervalo, ele pode fazer coisas que gosta, como ver televisão ou usar o computador, mas o horário deve ser respeitado, e quando o horário do intervalo acabar, ela deve voltar para o estudo 10. Por fim, orientam-se os pais para o fato de que quando eles necessitarem que o jovem realize alguma atividade, as solicitações devem ser feitas isoladamente, ou seja, uma solicitação por vez, para que eles possam focar sua atenção no que lhe está sendo requisitado. Pais que insistem em fornecer várias orientações ao mesmo tempo não conseguem modificações significativas, pois o jovem não consegue assimilar tudo o que lhe está sendo demandado, não recordando posteriormente o que lhe foi solicitado 14. Considerações finais O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade gera grande impacto no funcionamento do sujeito, interferindo nas suas relações pessoais, no seu rendimento e na sua autoestima. Quando tratado, o transtorno diminui esse impacto, permitindo que esse sujeito tenha uma melhor qualidade de vida. A TCC vem apresentando uma eficácia comprovada no tratamento de vários transtornos e com o TDAH não é diferente Existem vários estudos que compravam que quando o paciente faz uso do tratamento combinado, ou seja, o tratamento terapêutico somado ao tratamento farmacológico, ele alcança maiores mudanças, e faz com que estas sejam mais consolidadas. Cabe ressaltar que as estratégias citadas neste artigo são apenas algumas poucas existentes para o tratamento dos sintomas do TDAH, pois a TCC possui inúmeras outras ferramentas que podem ser utilizadas no tratamento, que permitirão ao paciente acompanhar o passo a passo do seu tratamento, fazendo-o observar que ele é responsável pela sua melhora, pelo andamento do processo e que cabe a ele se engajar nas modalidades de tratamento existentes.

http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/saude_desenvolvimento/ 107 REFERÊNCIAS 1. American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV- TR). 4ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2002. 2. Shayer BPM, Durán PAB, Figueiredo TV, Silva EL, Rosário MC. Quadro Clínico e Diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: Curso e Prognóstico. In. Neto, Mario L. e cols. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade ao Longo da Vida. 1ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 246 264. 3. Diniz L, Capellini G, Diniz D; Leite W. Neuropsicologia no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. In. Fuentes, D. et Al. Neuropsicologia teoria e prática. 1ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 241 255. 4. Saboya E, Saraiva D, Palmini A, Lima P, Coutinho G. Disfunção Executiva Como Uma Medida de Funcionalidade em Adultos com TDAH. J. bras. psiquiatr. [online]. 2007, vol.56, suppl.1, pp. 30-33. ISSN 0047-2085. 5. Asbahr FR, Costa A, Carolina Z, Morikawa M. Quadro Clínico e Diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: Criança e Adolescente. In. Neto, Mario L. e cols. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade ao Longo da Vida. 1ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 146 160. 6. Wright JH, Basco MR, Thase MT. Aprendendo a Terapia Cognitivo-Comportamental: Um Guia Ilustrado. Porto Alegre: Artmed, 2008. 244p. 7. Knapp P, Bicca C, Grevet EH. Abordagens Psicoterápicas e Psicossociais do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. In. Neto, Mario L. e cols. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade ao Longo da Vida. 1ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 305-335. 8. Mesquita CM, Porto PR, Rangé BP et al. Terapia cognitivo-comportamental e o TDAH subtipo desatento: uma área inexplorada. Rev. bras.ter. cogn., jun. 2009, vol.5, no.1, p.35-45. ISSN 1808-5687. 9. Severa M, Bornas X, Moreno I. Hiperatividade Infantil: Conceitualização, Avaliação e Tratamento. In. Caballo, Vicente E. et Al. Manual de Psicologia Clínica Infantil e do Adolescente: Transtornos Gerais. 1ª edição. São Paulo: Livraria Santos Editora, 2005. p. 401-433. 10. Rizo, L. Curso de Aprofundamento em Terapia Cognitivo-Comportamental: Psicoterapia Infanto-Juvenil. Rio de Janeiro. 2009. 11. Knapp P, Rohde L, Lyszkowski L, Johannpeter, J. Terapia Cognitivo-Comportamental no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: Manual do Terapeuta. Porto Alegre. Artmed. 2002. 12. Caballo V. Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São Paulo. Santos Editora. 2008. 13. Sampaio AS. Hiperatividade e Terapia Cognitiva Comportamental: Uma Revisão de Literatura, 2008. Disponível em http://www.neuropediatria.org.br.

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