AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E A NATUREZA JURÍDICA DOS CONTRATOS DE GESTÃO



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AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E A NATUREZA JURÍDICA DOS CONTRATOS DE GESTÃO Mauricio Sardinha Meneses dos Reis, Advogado, Mestrando em Direito Constitucional, Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho UGF, pós graduado lato sensu em Direito Público pela Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ. 1. NECESSÁRIO HISTÓRICO O movimento em direção às Organizações Sociais teve início a partir da idealização do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, concebido na década de 90 pelo Ministério da Administração Pública Federal e Reforma do Estado (MARE). Tal projeto, capitaneado pelo então Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, teve por escopo a desburocratização e o incremento da eficiência do Estado como estratégias fundamentais à sua implementação. Como ferramenta apta ao seu alcance surgem as Organizações Sociais e o Contrato de Gestão, permitindo a transferência ao particular da produção não lucrativa de bens e serviços públicos não exclusivos. Segundo o escopo do Projeto, ilustrado no Caderno MARE vol. 2 1, a estratégia de reforma se apóia na publicização dos serviços não exclusivos do Estado, ou seja, na sua absorção por um setor público não estatal, onde, uma vez fomentados pelo próprio Estado, assumem a forma de Organizações Sociais. 1 Brasil. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado / Secretaria da Reforma do Estado Organizações sociais. / Secretaria da Reforma do Estado. Brasília: Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1997. 74 p. Cadernos MARE da reforma do estado; v. 2 p.11 1/10

O rol de objetivos trazidos pelo Plano, como se infere da transcrição do Caderno MARE vol. 2 2 abaixo reproduzido, objetiva aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços públicos oferecidos ao cidadão, a um menor custo, verbis: - transferir para o setor público não-estatal os serviços não exclusivos que estejam sendo executados no âmbito estatal, por meio de um programa de publicização, possibilitando a absorção, por entidades qualificadas como organizações sociais. - lograr, assim, maior autonomia e flexibilidade, bem como uma consequente maior responsabilidade para os dirigentes desses serviços; - lograr um maior foco o cidadão-usuário e um maior controle social direto desses serviços por parte da sociedade, por meio dos seus conselhos de administração. Mais amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação da sociedade tanto na formulação, quanto na avaliação do desempenho da organização social, viabilizando o controle social; - lograr, finalmente, maior parceria entre o Estado e a sociedade baseada em resultados. O Estado continuará a financiar atividades públicas, absorvidas pela organização social qualificada para tal, e esta será responsável pelos resultados pactuados mediante contrato de gestão. Tal Plano fora formalmente concretizado por intermédio da Medida Provisória n o 1.591, de 9 de outubro de 1997, convertida, em 15 de maio de 1998, na Lei n o 9.637, que dispôs sobre a qualificação de entidades como Organizações Sociais e a criação do Plano Nacional de Publicização, entre outros dispositivos. A referida Lei previu a formação de parcerias entre a sociedade civil organizada e a Administração Pública, buscando reduzir as disfunções operacionais do Estado e maximizar os resultados esperados com a implementação das políticas de governo. Nas precisas linhas de José Eduardo Sabo Paes 3, in: Fundações e Entidades de Interesse Social, o renomado doutrinador conceitua com propriedade as Organizações Sociais, in verbis: 2 Cf. Op. Cit. Cadernos MARE da reforma do estado; v. 2, pp.11 e 12 3 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social, editora Brasília Jurídica, 2004, pp. 112 e 113 2/10

As organizações sociais (OS) são um modelo ou uma qualificação de organização pública não estatal criada dentro de um projeto de reforma do Estado, para que associações civis sem fins lucrativos e fundações de direito privado possam absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica da lei. As organizações sociais objetivam ser um modelo de parceria entre o Estado e a sociedade, mas não constituem uma nova pessoa jurídica; inserem-se no âmbito das pessoas jurídicas já existentes sob a forma de fundações, associações civis e sociedade civis, todas sem fins lucrativos. Portanto, elas estão fora da Administração Pública, pois são pessoas jurídicas de direito privado. Para Diogenes Gasparini 4, as Organizações Sociais possuem a seguinte definição e função: Sabendo da existência de associações civis e de fundações constituídas, organizadas e dirigidas por particulares segundo regras do Direito Privado que, sem fins lucrativos estão voltadas ao desempenho de atividades de interesse público, como são as de saúde e educação, o Estado dispôs-se a aproveitá-las visando diminuir sua atuação nesse setor em que não age com exclusividade e, com isso, melhorar a prestação desses serviços, já que a Constituição Federal faculta essa parceria em mais de um de seus dispositivos, a exemplo dos arts. 199, 1º, 204, I, 205, 216, 1º, e 227. [...] Não são, como se vê, entidades da Administração Pública direta; também não integram a Administração Pública indireta. São entidades privadas que se valem do contrato de gestão para prestar atividades públicas, com o apoio das pessoas políticas que as aceitam como parceiras. São entidades de colaboração. Assim, o Plano de Reforma do Estado teve como pano de fundo a redefinição do papel da Administração, que deixou de ser a responsável direta por todos os ramos de produção de bens e serviços para fortalecer-se na função de gestão plena do desenvolvimento, como forma de aprimorar a efetividade de suas ações. Segundo a Lei nº 9.637/98, a transferência da gestão dos serviços públicos deve se dar por intermédio do Contrato de Gestão, instrumento apto a formalizar a parceria entre a Administração e as Organizações Sociais. 4 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo, 12ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2007, pp.463 e 464. 3/10

No entanto, devido às peculiaridades que envolvem o Contrato de Gestão, desde a fase pré-contratual até passando pela execução, mister traçar sua correta natureza jurídica, que vem sendo objeto de opiniões diversas no meio acadêmico. 2. O CONTRATO DE GESTÃO E A SUA NATUREZA JURÍDICA O diploma legal que trata da qualificação das entidades como organizações sociais restringe o universo das pretensas parcerias públicas, estabelecendo que serão apenas aquelas cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Destarte, primando pelo princípio da eficiência, se objetivou uma transferência à sociedade civil da execução das atividades meio e fim do Estado, mediante prévia definição de metas, restando à Administração uma posição de gestor finalístico, exigindo apenas o alcance dos resultados preestabelecidos nos Contratos de Gestão. Acerca da matéria, Maria Sylvia Zanella Di Pietro 5, tece relevantes comentários que merecem destaque: O objetivo do contrato é o de estabelecer determinadas metas a serem alcançadas pela entidade em troca de algum benefício outorgado pelo Poder Público. O contrato é estabelecido por tempo determinado, ficando a entidade sujeita a controle de resultado para verificação do cumprimento das metas estabelecidas. [...] O objetivo a ser alcançado pelos contratos de gestão é o de conceder maior autonomia à entidade da Administração Indireta ou ao órgão da Administração Direta de modo a permitir a consecução de metas a serem alcançadas no prazo definido no contrato; para esse fim, o contrato deve prever um controle de resultados que irá orientar a Administração Pública quanto à conveniência ou não de manter, rescindir ou alterar o contrato. O fim último dos contrato de gestão é a eficiência, como princípio constitucional previsto no art. 37, caput, da Constituição (alterado pela Emenda Constitucional nº 19/98). (Grifo Nosso) 5 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo, 23ª ed., Editora Atlas, São Paulo, 2010, pp.334 e 335 4/10

Assim, embora deixe de executar diretamente determinados serviços públicos não exclusivos, onde se inferem as políticas públicas, o Estado os subsidia, gerencia e coordena sua execução, Conforme as precisas linhas do Caderno MARE vol. 2 6, os Contratos de Gestão tem por propósito contribuir ou reforçar o atingimento de objetivos de políticas públicas por intermédio do desenvolvimento de um programa de melhoria de gestão, com vistas a alcançar uma superior qualidade de produto ou serviço prestado ao cidadão. Nessa toada, embora receba a denominação legal de contrato de gestão, a ausência de caráter comutativo revela aparente equívoco na definição conferida. Alexandre dos Santos Aragão 7 comenta tal fato sustentando: A nossa opinião é que o contrato de gestão realmente não possui natureza contratual: visa à realização de atividade de interesse comum do Estado e da entidade da sociedade civil, não possuindo, salvo se desvirtuado, caráter comutativo. (Grifo nosso) Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro 8, a natureza jurídica do contrato de gestão se aproxima muito mais dos convênios, merecendo a transcrição: Mesmo em se tratando de contrato de gestão entre entidade da Administração Indireta e o Poder Público, a natureza efetivamente contratual do ajuste pode ser contestada, tendo em vista que a existência de interesses opostos e contraditórios constitui uma das características presentes nos contratos em geral e ausente no contrato de gestão, pois é inconcebível que os interesses visados pela Administração Direta e Indireta sejam diversos. É incontestável que a sua natureza se aproxima muito mais dos convênios do que dos contratos propriamente ditos. (Grifo nosso) Ana Paula Rodrigues Silvano, na sua obra intitulada Fundações Públicas e Terceiro Setor 9, cita Moreira Neto e José dos Santos Carvalho Filho ao 6 Cf. Op. Cit. Cadernos MARE da reforma do estado; v. 2, p.36 7 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Direito dos Serviços Públicos. 2ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 748. 8 Cf. Op. Cit. PIETRO, Maria Sylvia Zanella. p. 336 5/10

discorrer sobre o aparente equívoco na nomenclatura conferida aos contratos de gestão, conforme adiante transcrito: Criticam os doutrinadores a nomenclatura contrato de gestão, afirmando que:... é inadequada uma vez que a natureza jurídica das relações que estabelecem entre o Estado e a organização social não é contratual. Com efeito, não são pactuadas prestações recíprocas, resultantes do sinalagma, voltadas à satisfação de interesses de cada uma delas em separado, senão que ambas as partes ajustam prestações concorrentes, dirigidas à satisfação de um mesmo interesse público que lhes é comum. Eis a razão por que José dos Santos Carvalho Filho afirma tratar-se de convênio a relação jurídica estabelecida entre a organização social e o Poder Público: A despeito da denominação adotada, não há propriamente nesse tipo de parceria, mas sim verdadeiro convênio, já que inexiste contraposição de interesses entre os pactuantes. No instrumento, o ajuste se preordena, ao contrário, a objetivos de caráter comum do Poder Público e da organização social, sendo, pois, paralelos e comuns interesses, elementos que caracterizam, tecnicamente, um convênio e não um contrato (Grifo Nosso) Como bem observado acima, o Contrato de Gestão, de fato, se reveste de características de convênio, onde as partes convergem para o alcance de um objetivo comum, se afastando, definitivamente, da figura do contrato e, como consectário, da terceirização da atividade fim do Estado. Há autores, no entanto, que defendem a natureza jurídica do Contrato de Gestão um acordo administrativo colaborativo, como sustentado pelo eminente professor Gustavo Justino de Oliveira 10, merecendo sua citação: O conteúdo do contrato de gestão, nos termos da Lei Federal nº 9.637/98, retrata a plenitude do vínculo colaborativo entre a organização social e o Poder Público, o qual, a princípio, não teria tanta importância se se tratasse de uma entidade administrativa componente da Administração indireta (art. 6º e 7º). Por isso entendemos o contrato de gestão das organizações sociais como um acordo administrativo colaborativo, e não um contrato administrativo típico. Tal entendimento fora adotado por Luis Gustavo de Castro Oliveira 11, que fundamenta seu entendimento com base nos seguintes argumentos: 9 SILVANO, Ana Paula Rodrigues. Fundações Públicas e Terceiro Setor. Editora Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 2003, p. 68 e 69 10 OLIVEIRA, Gustavo Justino de (coord.). Direito de Terceiro Setor. Belo Horizonte: Forum, 2008 p. 25 6/10

Ademais, os contratos de gestão, dada a inexistência de contrapartida financeira, bem como a inocorrência de um equilíbrio econômico-financeiro a ser preservado, não têm a natureza jurídica de contratos administrativos e sim de acordos administrativos colaborativos. [...] Dessa maneira, o contrato de gestão diferencia-se dos convênios formalizados por meio dos contratos de repasse, pois, enquanto estes concentram o dever do parceiro na prestação de contas da aplicação de todos os recursos repassados pelo Estado, segundo o valor de accontability, aqueles têm o dever referenciado não só na prestação de contas, mas na obrigação de produção de resultados, encampando também um valor de eficiência e governança. (Grifo Nosso) Não obstante a fundamentação exarada pelos I. Autores acima citados, data maxima venia, entendemos que, de fato, o contrato de gestão possui natureza jurídica de convênio. Inicialmente há de se ressaltar que os convênios não se confundem com os contratos de repasse, conforme definição trazida pelo Decreto nº 6.170 de 25 de julho de 2007, infra transcrito: Art. 1º - Este Decreto regulamenta os convênios, contratos de repasse e termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União. Nota: Alterado pelo Dec. 6.428/08, de 14.04.08, publicado no DOU de 15.04.08. 1º Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I - convênio - acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação; II - contrato de repasse - instrumento administrativo por meio do qual a transferência dos recursos financeiros se processa por intermédio de instituição ou agente financeiro público federal, atuando como mandatário da União; (Grifo Nosso) 11 OLIVEIRA, Luis Gustavo de Castro. O circulo virtuoso das parcerias do Estado com o Terceiro Setor nos contratos de gestão de serviços de saúde. Revista de Direito do Terceiro Setor RDTS, Belo Horizonte, ano 5, n.9, p. 23-35, jan/jun. 2011 7/10

Diante da definição acima apresentada, de que convênio é acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros, revela-se mais simples e coerente a idéia de que os contratos de gestão possuem, de fato, esta natureza jurídica. Cumpre observar que em ambos (contrato de gestão e convênio) há transferência de recursos e obrigatoriedade de prestação de contas. Embora defendido pelo eminente Luis Gustavo de Castro Oliveira 12 que a diferença reside não só na prestação de contas, mas na obrigação de produção de resultados, temos que nos convênios tais obrigações também existe. A Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional nº 01 de 31 de janeiro de 1997, que disciplina a celebração de Convênios, assim enumera as exigências mínimas à sua celebração: Art.2º O convênio será proposto pelo interessado ao titular do Ministério, órgão ou entidade responsável pelo programa, mediante a apresentação do Plano de Trabalho (Anexo I), que conterá, no mínimo, as seguintes informações: I - razões que justifiquem a celebração do convênio; II - descrição completa do objeto a ser executado; III - descrição das metas a serem atingidas, qualitativa e quantitativamente; [...] (Grifo Nosso) Assim como nos contratos de gestão da Lei nº 9.637/98, nos convênios há metas a serem atingidas, qualitativa e quantitativamente, e devem compor o Plano de Trabalho que acompanha o Convênio. Único ponto controverso, mas que não desnatura a natureza jurídica convenial dos contratos de gestão, é que nestes há a transferência da gestão do serviço público, enquanto naqueles há um fomento ou incentivo a uma função privada de interesse social. 12 Cf. OLIVEIRA, Luis Gustavo de Castro. O circulo virtuoso das parcerias do Estado com o Terceiro Setor nos contratos de gestão de serviços de saúde. Revista de Direito do Terceiro Setor RDTS, Op. Cit. 8/10

Natasha Schmitt Caccia Salinas 13 ressalta a função social do convênio: Já os convênios da administração pública com pessoas e entidades de direito privado sem fins lucrativos procuram viabilizar atividades de interesse de ambos os partícipes que sejam de interesse público e social. Nestes casos, não há a descentralização de uma função pública, mas sim um fomento ou incentivo a uma função privada de interesse social. Destarte, o Contrato de Gestão se distancia em muito do Contrato Administrativo clássico, se aproximando, definitivamente, dos Convênios. Nessa toada, não obstante a denominação conferida por Lei ao Contrato de Gestão, este se reveste, de fato, de características próprias de Convênio. O mesmo entendimento acima sedimentado encontra-se no Voto do Eminente Ministro Ayres Britto do Supremo Tribunal Federal, proferido nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.923/DF, em que exerce a Relatoria, transcrito em parte abaixo: [...] Conforme visto, a Magna Carta franqueia à iniciativa privada a prestação de vários serviços de relevância pública e permite (até mesmo determina) que o Poder Público fomente essas atividades, inclusive mediante transpasse de recursos públicos. E o fato é que todos os serviços enumerados no art. 1º da Lei 9.637/98 são do tipo não exclusivos do Estado, dando-se que as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, ali igualmente contempladas, são passíveis de qualificação como organizações sociais. Daí o chamado contrato de gestão consistir, em linhas gerais, num convênio. Não exatamente num contrato de direito público, senão nominalmente. 30. Neste passo, calha invocar a doutrina de Hely Lopes Meirelles, para quem no contrato as partes têm interesses diversos e opostos; no convênio os partícipes têm interesses comuns e coincidentes 3. É como também ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, nesta clara dicção: os convênios e consórcios diferem da generalidade dos contratos administrativos porque, ao contrário destes, não há interesses contrapostos das partes, mas interesses coincidentes 4. Ainda Marçal Justen Filho, a saber: no chamado convênio administrativo, a avença é instrumento de realização de um determinado e específico objetivo, em que os interesses não se contrapõem ainda que haja prestações específicas e individualizadas, a cargo de cada partícipe 5. Ora, no caso da 13 SALINAS, Natasha Schmitt Caccia. Posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral sobre convênios entre Administração Pública Federal e entidades do terceiro setor: afastamento da responsabilidade subsidiária da administração por passivos trabalhistas de entidades do terceiro setor que celebram convênios com a administração pública. Comentário ao Recurso de Revista nº 1.563/2007-009-08-00.3, J. 05.08.09. Biblioteca Digital Revista de Direito do Terceiro Setor RDTS, Belo Horizonte, ano 3, n. 6, jul./dez. 2009. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/pdi0006.aspx?pdicntd=64567>. Acesso em: 3 abril 2012. 9/10

celebração, entre Estado e organização social, de contrato de gestão, impossível deixar de reconhecer a presença de interesses tão recíprocos quanto convergentes. A entidade privada contratante tem objetivos de natureza social e finalidade não lucrativa (alíneas a e b do inciso I do art. 2º da Lei 9.637/98). Objetivos e finalidades compartilhados com o Poder Público. Donde Jose dos Santos Carvalho Filho averbar, categórico: Devidamente qualificadas, as organizações sociais celebram com o Poder Público o que a lei denominou de contratos de gestão, com o objetivo de formar a parceria necessária ao fomento e à execução das atividades já mencionadas. A despeito da denominação adotada, não há propriamente contrato nesse tipo de ajuste, mas sim verdadeiro convênio, pois que, embora sejam pactos bilaterais, não há a contraposição de interesses que caracteriza os contratos em geral; há, isto sim, uma cooperação entre os pactuantes, visando a objetivos de interesses comuns. Sendo paralelos e comuns os interesses perseguidos, esse tipo de negócio jurídico melhor há de enquadrar-se como convênio. 6 31. Pois bem, da conclusão de que o contrato de gestão é, na verdade, um convênio, toma corpo o juízo técnico de que, em princípio, há desnecessidade de processo licitatório para a sua celebração. (Grifo Nosso) Nesse passo, tem-se fundamentado de forma irrefutável que os Contratos de Gestão possuem, de fato, natureza jurídica de Convênio. 3. CONCLUSÃO Conforme já amplamente debatido e demonstrado acima, embora o Contrato de Gestão possua esta denominação, intrinsecamente é revestido de características de Convênio, devendo assim ser tratado pelos administradores e operadores do direito nos atos que precedem a sua formalização, assim como no acompanhamento de sua execução. 10/10