DA TERCEIRIZAÇAO. * PALAVRAS-CHAVE: Terceirização, decisões estratégicas, * ABSTRACT: Nowadays, there is an intensive but also a



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Transcrição:

RAE ARTIGO A EMPRESA,.., DA TERCEIRIZAÇAO "" E A ESTRATEGIA Haroldo Guimarães Brasil Engenheiro pela PUC/MG, Mestre em Administração pelo CMAlUFMG, Pós-graduado em Engenharia Econômica pela Fundação Dom Cabral, Doutorando em Economia no Instituto de Economia Industrial da UFRJ, Professor Assistente do Departamento de Administração da PUC/MG e Professor da Fundação Dom Cabral. * RESUMO: Atualmente há um intenso mas pouco coerente debate com relação aofenômeno da terceirização. Este trabalho pretende apresentar e discutir, em termos gerais, alguns "prós e contras" da escolha e implementação estratégicas. Pretende ainda elaborar uma definição mais consistente para a terceirização, enquanto uma escolha de status estratégico, e relacionar um elenco de vantagens e desvantagens dessa escolha. Tomando como base essa relação, são apresen- 6 Revista de Administração de Empresas tados finalmente alguns cuidados e dicas que se deve levar em consideração quando se quer "ierceirizar", * PALAVRAS-CHAVE: Terceirização, decisões estratégicas, empresa-origem e empresa-destino. * ABSTRACT: Nowadays, there is an intensive but also a somewhat incoherent debate as to the advantages and the application of "actioities sharing" option among firms. This paper intends to discuss, in its general aspects, the problems involving the strategic movements. In this direction, it presents a check list of advantages and problems concerning the implementation of "actioities sharing" decisions. As a result, based on the aforesaid checking, it mentions some measures and warnings to be taken into consideration when introducing this strategy. * KEY WORDS: Activity sharing, strategic choices, suppliers. São Paulo, 33(2):6-11 Mar./Abr. 1993

A EMPRESA E A ESTRATÉGIA DA TERCEIRIZAÇÃO INTRODUÇÃO Nos últimos vinte ou trinta anos, a ciência e arte do management vêm adotando a postura autocrítica de que seus modelos estratégicos contêm sempre fatores prós e contras, quando na sua formulação e implementação. Vem-se admitindo que não existe aquele modelo de "manga de camisa" que faz com que as firmas conquistem o desempenho maximizado. Se todas as empresas adotassem a mesma postura estratégica, ou ela não seria eficaz ou o benefício maximizante deveria ser distribuído entre essas organizações. Além disso, determinada estratégia muitas vezes só é viável se for adotada com exclusividade. A idéia neoclássica de que a firma representa uma unidade organizacional plenamente autônoma e que torna decisões racionais com relação Definimos a preço, produção e combinação eficiente de recursos, contribui muito para a crença na utopia da maximização (lucro máximo). Esta idéia pressupõe urna firma pálida, significando uma simples interseção entre curvas imaginárias. Na realidade, a empresa atual representa uma instituição real com sua própria política e sua própria direção.' Além disso, as decisões tomadas em seus limites causam efeitos, às vezes imprevisíveis e perversos, sobre toda a estrutura industrial da qual ela faz parte - concorrentes, fornecedores, clientes e entrantes potenciais.? Um outro fator que justifica a inexistência do best way refere-se às limitações cognitivas inerentes aos tomadores de decisão. Eles são incapazes de avaliar a série completa de fatos econômicos e políticos relacionados com cada estratégia empresarial. Como as corporações empresariais são fortemente interligadas, as reações dos competidores da indústria, dos fornecedores, clientes e entrantes po- a terceirização como um processo de transferência, dentro da firma" (empresa-origem), de funções que podem ser executadas por outras empresas (empres a-destino). 1993, Revista de Administração de Empresas / EAESPI FGV, São Paulo, Brasil. tenciais muitas vezes não são exatamente levantadas quando determinada estratégia é idealizada e implementada. Esse fenômeno é tanto mais intenso quanto mais concentrada é a indústria. Um fator adicional está vinculado às limitações estruturais e circunstanciais internas à empresa. A execução de determinada ação estratégica nunca se dá exatamente da maneira corno foi idealizada. Isto porque a sua formulação é feita aos olhos dos gerentes de alto nível da firma, às vezes com muitas qualificações técnicas, mas, freqüentemente, com pouca vivência interpessoal e organizacional. A implementação estratégica, por sua vez, está sujeita a pressões pelos diversos níveis de hierarquia vigente. Ela sofre influências dos grupos formais e informais, com subculturas e níveis de poder diferenciados. Há, também, urna racionalidade de ação que se traduz de maneiras diversas, em função das reações à mudança do rumo estratégico e dos benefícios e malefícios que cada grupo de interesse vai obter com essa mudança. Em suma, há que se aceitar a existência de urna componente caótica inerente às organizações. A convivência com ela implica conhecer a ilógica, a ambigüidade e a intuição. 3 O que ocorre na realidade é uma incongruência entre a idealização estratégica - que intenciona ser racional-compreensiva - e a implementação - que freqüentemente é do tipo satisfacing ou incrementai. Não está descartada a possibilidade, ainda, da idealização ser também incremental e se misturar com o processo de implementação. A terceirização não é exceção à regra. Ela compreende uma postura estratégica com vantagens e desvantagens. Definimos a terceirização corno um processo de transferência, dentro da firma (empresa-origem), de funções que podem ser executadas por outras empresas (em- 1. Essa idéia é muito discutida em RUFFOLO, Giorgio. La gran empresas en la sociedad moderna. Espanha: Editorial Hispano Europeia, 1973. 2. Sobre estrutura industrial ver PORTER,M. Estratégia competitiva; técnicas para análise da indústria e da concorrêncte. Rio de Janeiro: Campus, 1986;. Vantagem competitiva; criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus, 1989. 3. Ver MOITA, Paulo Roberto. A ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1991. 7

ij!j~artigo presa-destino). Essas funções incluem atividades de apoio ou aquelas diretamente relacionadas com o processo de produção da firma. A extensão dessas funções compreende os serviços de limpeza e conservação, preparação e distribuição de alimentos, telefonistas, manutenção geral, vigilância, serviços de controle de qualidade, movimentação de materiais etc. A seguir relacionaremos algumas vantagens e desvantagens dessa estratégia. Forneceremos, também, uma relação de cuidados necessários à decisão de se terceirizar. o aumento da produção da empresadestino acelera o percurso sobre as suas curvas de aprendizagem e possibilita o surgimento de vantagens de escala. Isto representa fatores importantes que influenciam os custos de produção. Ao afetar os custos, os preços finais podem, também, ser alterados em benefício das empresas-origem, dependendo da configuração estrutural das indústrias dessas firmas. Se essa redução dos custos ocorrer em uma empresa-destino oligopolística, é bem provável que haja um reflexo positivo sobre a sua margem de lucro, ao invés de ser sobre o preço final do produto. Caso ocorra em uma empresa-destino participante de segmento mais competitivo, os seus efeitos podem se dar mais provavelmente sobre o preço final. A estratégia terceirizante é benéfica para a empresa-destino no sentido de forçá-la a trabalhar dentro de um padrão satisfatório de utilização da capacidade de produção. A maneira como são distribuídas as atribuições entre empresa-origem e empresa-destino afeta a sensibilidade (custos fixos/ custos variáveis) à utilização da capacidade das duas firmas. A empresa pode terceirizar ativi.dades que não adicionam valor ao produto final. Permite que se transfira certos custos fixos para terceiros, variando o break even poini da empresa-origem. Para ser mais preciso, o que ocorre é a transformação de certos custos fixos da empresa-origem em custos variáveis. Estes últimos variam em função da necessidade da empresa, enquanto os custos fixos são aqueles que determinam o nível de risco operacional da firma, ou seja, a dimensão da sua alavancagem operacional. Suponha, por exemplo, a existência de uma empresa que forneça alimentação aos seus funcionários. Ao terceirizar esse serviço, ela pode se desfazer dos seus refeitórios e de seus equipamentos internos, reduzindo, assim, o seu nível de custos fixos. Os custos dessa atividade passam a ter uma característica variável. Se antes de se terceirizar ela possuía a estrutura de custos, conforme mostrado abaixo: G\lt3fusFlxos'fotaiS(CFT) ::;: $lop, t,. Pre.çod~Vendado Produto (Pu) =$1)5 Custo YariávefC1nftário(CVti) = $'1' " ~...",.. te 'b. ~, O seu ponto de equilíbrio será, então: Após a terceirização da atividade de fornecimento de alimentação, sua estrutura de custos se tornaria, por exemplo, a seguinte: F&tosFfxOs'tot~is<lCFT) = $ 90 i. ~~'Pr~~)':í1êV~n'a:à'êí.õ ;rtoduio (Pti} =$1.~C:', C~t6-~~.riável Qnjtário(CVul =$ 1,005 - '... -0_'_"_0; -:. O seu novo ponto de equilíbrio será, então: Pode eliminar a necessidade de se fazer certos investimentos em atividades de apoio (mão-de-obra de apoio, treinamento, espaço físicoetc). Possibilita um "enxugamento" na estrutura organizacional. Conforme for o tipo da terceirízação, pode-se reduzir a quantidade de níveis hierárquicos da estrutura e/ou a largura de sua base. Essa possibilidade de revisão estrutural melhora a dinâmica decisória da firma e o fluxo de informações que permeia essa estrutura. Ao se fazer contratos de manu- 8

A EMPRESAE A ESTRATÉGIADA TERCEIRIZAÇÃO tenção dos seus automóveis, uma empresa pode evitar a formação de uma "ge_ rência de manutenção". A contratação desse serviço pode ficar a cargo do setor de compras. A firma pode até estudar a viabilidade de se utilizar veículos de terceiros. Não é difícil imaginar as conseqüências disso sobre a estrutura de uma empresa que necessita de muitos automóveis. Aliás, essa é uma prática muito comum nas empresas de consultoria em engenharia. Quando se dá em atividades de apoio, a terceirização pode fazer com que se oriente a atenção para as atividades principais da firma. A terceirização pode ser uma estratégia de redução da agressividade competitiva, já que o nível de custos fixos da firma corresponde a um determinante da intensidade da rivalidade entre competidores. Em contigências de redução da demanda, quem tiver menores custos fixos incorrerá em menores riscos. Se, por exemplo, o produto de uma empresa é perecível e os custos de armazenamento são altos, pode ser viável a subcontratação dessa armazenagem. Ao transferir parte de seus custos fixos para terceiros, a empresa-origem pode reduzir o nível de suas barreiras de saída facilitando uma eventual saída do negócio, caso o retorno sobre o investimento feito seja baixo ou negativo. A redução dos custos fixos via terceirização facilita a retirada de, por exemplo, produtos do tipo "cão vira-lata". Os produtos remanescentes serão pouco sobrecarregados no rateio dos custos fixos que não foram transferidos para as empresasdestino. A Toyota japonesa certamente tem muito menos problemas de retirada de um modelo de automóvel do mercado do que uma montadora americana. Isto porque o grau de terceirização da Toyota é maior - as peças e componentes forne- Fique atento à terceirização que possa aumentar o ciclo econômico-financeiro sua empresa. O controle sobre a dimensão desse ciclo deve estar principalmente nas mãos dos gestores da empresa-origem. cidos por empresas subcontratantes chega a próximo de 75'}'o do valor de compra do carro japonês, enquanto que no caso americano esse índice chega apenas a 55% 4 - e seus custos fixos são minorados. Ao retirar um modelo do seu portfolío, a sobrecarga relativa de custos fixos da Toyota sobre os modelos remanescentes é menor. Funciona como catalizador de transferência de tecnologias de produção e de gestão entre empresas. Há possibilidade de se conquistar benefícios sinergéticos por parte da empresa-destino nas áreas operacional, comercial e administrativa ao se prestar serviços para vários clientes com exigências similares (mesma base tecnológica e! ou área comercial). 5 Ajuda a viabilizar a implantação do just-in-time, à i medida que se pode terceirizar da atividades que não agregam valor ao produto, além de se viabilizar a linearização da produção e de se promover uma "limpeza" no sistema de informação do pro- A excessiva integração cesso produtivo." torna o sistema produtivo prejudicialmente rígido. 7 Abaixo são relacionados alguns malefícios da estratégia em questão. A terceirização incentiva a formação de grandes empresas-destino, com forte poder de barganha frente às empresasorigem. Observe, por exemplo, as empresas locadoras de automóveis e algumas firmas prestadoras de serviços de limpeza, higiene, segurança e alimentação. É possível que se reduza a gama de efeitos sinergéticos possíveis de serem implementados pela empresa-origem. Em alguns casos, pode ser que se diminua a quantidade de condutores que faci- 4. Extraído de TAUILE, José Ricardo. Novos padrões tecnológicos, competitividade industrial e bem-estar social; perspectivas brasileiras. Revista de Economia Política, Rio de Janeiro, vai. 9, nº 3, jul./set. 1989, p. 50. 5. Para uma classificação mais detalhada das sinergias possíveis da empresa, ver ANSOFF, I. A nova estratégia empresarial. São Paulo: Atlas, 1990 capo 5. Sobre o conceito de base tecnológica e área de comercialização, ver PENROSE, Edith T. The theory of tne growth of lhe firmo Oxford: Blackwell, 1959. 6. Para uma discussão sobre as condições necessárias à implementação do [ust-in-time, ver ANTUNES JR., José Antônio et alii. Considerações criticas sobre a evolução de administração da produção; do just-in-case ao just-in-time. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, vai. 29, nº 3, p. 49-64, jul./set. 1989. 7. Ver TAUILE, José Ricardo. Op. cit. 9

~~ljartigo 8. Para uma discussão competente sobre os condutores de diferenciação ou de singularidade, ver PORTER, M. Estratégia Competitiva, capo4.0p. cit.. 9. Ver o conceito de "custos de mudança" em PORTER, M. Idem, ibidem, 1986, capo 1, 6 e 10. 10. THOMPSON, J. D. Oinâmica organizacional. São Paulo: McGraw-Hill, 1976, especialmente capo3. 11. ALDRICH, Howard E. Organizations & environments. N.J.: Prentice-Hall, Inc., 1979, p, 267-268 e 290-291. 10 litem o processo de diferenciação (dos produtos, do processo de produção e da própria organização do trabalho) das empresas-origem.8 Aumenta a quantidade de fornecedores a serem controlados pela empresaorigem. Pode desenvolver "custos de mudança" com relação às empresas-destino. Essas empresas podem se adequar às necessidades da empresa-origem e uma eventual mudança de fornecedores (empresas-destino) pode ser difícil e provocar custos adicionais. 9 Se considerarmos a assertiva de Thompson 10 e Aldrich 11 de que existe uma racionalidade empresarial que orienta a firma moderna no sentido da expansão dos seus domínios e poder frente ao seu ambiente operacional (clientes, fornecedores, concorrentes e grupos regulamentadores), a terceirização representa uma estratégia que pode entrar em confronto com essa orientação. A idéia da terceirização faz com que se descentralize o poder sobre os recursos para as empresas-destino (partes integrantes do ambiente operacional da empresa-origem), e isto vai contra a hipótese desses autores. Quando uma firma terceiriza, por exemplo, a distribuição dos seus produtos, ela está reduzindo parte de seu poder frente ao seu ambiente operacional, em benefício da empresa-destino. CUIDADOS E DICAS PARA A TERCEIRIZAÇÃO Terceirize atividades sazonais. Certifique-se de que a empresa-destino é capaz de se adaptar às flutuações de demanda da sua empresa. Terceirize atividades que não agregam valor ao produto final. Escolha empresas-destino bem administradas e menos poderosas do que a sua organização. Escolha empresas que possam se ajustar às suas necessidades e especificações com maior precisão. Quando se terceiriza atividades pertencentes à cadeia central de produção da empresa, há necessidades de um perfeito entrosamento entre empresa-origem e empresa-destino, de maneira a não surgir gargalos ou sub e sobreutilizações em uma das duas firmas. Geralmente a empresa menos poderosa é a que vai sofrer o ônus provocado por essas incongruências na cadeia de produção. Compare os custos da atividade a ser terceirizada com os custos da atividade após a terceirização. Escolha empresas cujos custos você conhece e possa influenciar através de processos de negociação. Preste atenção na tecnologia de produção e de gestão da empresa-destino. Compare os preços oferecidos pelas empresas-destino (essa dica peca pela sua obviedade, mas a sua menção é necessária). Evite pensar incrementalmente. Uma vantagem com a terceirização pode ser melhor obtida através de uma análise racional-compreensiva da configuração atual de todas as atividades da empresa. Transfira know-how para a empresadestino, desde que essa transferência se traduza em benefícios futuros para a sua empresa e não gere desvantagens estratégicas posteriores. Tome cuidado para que a terceirização não aumente os custos de atividades de outros setores da sua empresa. Tente relacionar todos os benefícios e malefícios da terceirização que se tem em mente (use a metodologia do brain storming). Numa etapa posterior, negocie os malefícios com a empresa-destino. Tome cuidado com terceirizações de atividades que proporcionam retornos excessivos para a empresa-destino. Quando isto ocorrer, outras linhas de análise estratégica devem ser vislumbradas. São elas: a. diversificar para o setor da atividade em questão, de maneira a se beneficiar dessa rentabilidade, tomando-se o cuidado para o fato de que a sua entrada pode alterar a rentabilidade geral da indústria, e b. continuar executando a atividade, de forma a não transferir a sua rentabilidade para a empresa-destino. Mas pode ser que os seus custos de execução da atividade sejam altos, compensando a terceirização ou mesmo a revisão da maneira como ela é executada. A terceirização altera a estrutura de poder entre a empresa-origem e seus for-

A EMPRESA E A ESTRATÉGIA DA TERCElRIZAÇÃO figura 1: Cadeía de ValqresGeJ1#ica INFRA-ESTRUTURA DA EMPRESA GERÊNCIA DE RECURSOS HUMANOS DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA I\.OUISIÇÃO LOGíSTICA INTERNA OPERAÇÕES LOGíSTICA EXTERNA MARKETlNG VENDAS E SERViÇO ADMINISTRAÇÃO DE FORÇA DE VENDAS OPERAÇÕES DA. FORÇA DE VENDAS LITERATURA TÉCNICA PROMOÇÃO necedores (incluindo-se obviamente as empresas-destino). Portanto, a decisão terceirizante deve levar em consideração a análise dessa mudança de poder dentro da estrutura industrial. Fique atento à terceirização que possa aumentar o ciclo econômico-financeiro da sua empresa. O controle sobre a dimensão desse ciclo deve estar principalmente nas mãos dos gestores da empresa-origem. É claro que parte desse controle foge ao poder da firma. Ele também é influenciado pelos fornecedores, clientes, concorrentes, bens substitutos, alterações tecnológicas. Portanto, não é conveniente a introdução de outros agentes (empresas-destino) influenciadores da magnitude desse ciclo. 12 CONCLUSÕES Uma observação mais geral que se pode fazer com relação ao processo de terceirização é que ele é passível de ser analisado sob dois critérios não excludentes. O primeiro deles seria o exame dos refle- xos econômico-financeiros da sua adoção. Para isso há metodologias consagradas que se pode lançar mão, atentando sempre para as observações feitas anteriormente. Entretanto, foi visto também que esse tipo de decisão implica ver bem mais longe do que o horizonte econômico-financeiro. Deve-se "dissecar" toda a cadeia de valores 13 da firma e tentar relacionar as implicações estratégicas da escolha terceirizante. Segundo Porter+', toda empresa é uma reunião de atividades que são executadas para projetar, produzir, comercializar, entregar e sustentar seu produto. Todas essas atividades podem ser representadas, fazendo-se uso de uma cadeia de valores. A figura 1 mostrada a seguir ilustra esquematicamente essa cadeia. A noção de cadeia de valores pode nos ajudar bastante na seleção de atividades "terceirizáveis", Concluída essa análise, é fundamental que se faça o estudo estratégico das opções levantadas. Esse estudo deve levar em consideração, no mínimo, o que foi dito nos itens anteriores. O 12. Sobre o ciclo econômico-financeiro e sua administração, ver BRASIL, H. G. Gestão Financeira das empresas; um modelo dinâmico. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1991, especialmente capo4 e 7. 13. PORTER desenvolveu todo um modelo de análise de fontes de vantagem competitiva baseado nas "cadeias de valores" em seu livro Vantagem competitiva; criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus, 1989. 14. PORTER,M. Idem, ibidem., 1989, p. 33. Artigo recebido pela Redação da RAE em outubro/92, aprovado para publicação em março/93. 11