A INSERÇÃO DA TEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS NO CURRÍCULO ESCOLAR: possibilidades em jogo



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Transcrição:

1 A INSERÇÃO DA TEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS NO CURRÍCULO ESCOLAR: possibilidades em jogo Juliana Alves da Silva 1 Elione Maria Nogueira Diógenes 2 EIXO TEMÁTICO 14: Educação, Sexualidade e Direitos Humanos RESUMO Por meio deste artigo trazemos uma temática necessária e emergente no que contexto do currículo da escola pública no Brasil, a saber: a educação em direitos humanos. Essa é uma preocupação gerada no cenário do compromisso com as questões sociais e com a possibilidade de uma educação voltada para a defesa dos direitos humanos. Assim, no mestrado estamos desenvolvendo uma pesquisa com foco nesse assunto. Inicialmente, fazemos um percurso bibliográfico acerca da questão e depois discutimos o Projeto Político- Pedagógico enquanto instrumento capaz de abranger a Educação em Direitos Humanos de modo a possibilitar a ampliação dessa discussão assim como apoiar na escola um currículo cujo objetivo vincule-se a construção da cultura de educação em direitos humanos. Palavras-chave: Direitos Humanos. Educação em Direitos Humanos. Projeto Político- Pedagógico. RESUMEN A través de este artículo se presentan algunos temas necesarios y emergentes en el contexto del plan de estudios de las escuelas públicas de Brasil, a saber: educación en derechos humanos. Esta es una preocupación generada en el escenario de compromiso social y la posibilidad de una educación centrada en los derechos humanos. Por lo tanto, estamos desarrollando un programa de maestría en la investigación sobre este tema. Inicialmente, hacemos un curso de literatura sobre el tema y luego discutir el proyecto político-pedagógico como una herramienta capaz de cubrir la educación en derechos humanos para permitir la expansión de esta discusión, así como apoyar el plan de estudios que tiene como objetivo vincular la construcción de cultura de la educación en derechos humanos. Palabras clave: Derechos Humanos. Educación en Derechos Humanos. Proyecto políticopedagógico. 1 Aluna do curso de mestrado em Educação Brasileira do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). É membro do Grupo de Pesquisa Estado, Políticas Sociais e Educação Brasileira (GEPE). E-mail: julianaalvesvmb@yahoo.com.br. 2 Professora Adjunta II do curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira do Centro de Educação da UFAL. Líder do Grupo de Pesquisa Estado, Políticas Sociais e Educação Brasileira (GEPE). Email: elionend@uol.com.br.

2 1. O DESENHO DA TEMÁTICA EM MOVIMENTO Quando em 1789, a burguesia revolucionária e os desvalidos socialmente do regime feudal desencadearam uma sucessão de atos contra a ordem vigente não tinham em mente que mais de dois séculos depois; os direitos humanos seriam instituídos no aparelho estatal das sociedades democráticas do século XXI. Se pudéssemos retornar a esse momento longilíneo iríamos perceber que avançamos muito, mas que muito existe por avançar. De forma que trazemos neste texto uma discussão sobre a questão dos direitos humanos sob o prisma da educação. Nos últimos anos, Educação em Direitos Humanos tem alcançado um lugar de destaque no cenário nacional. Essa visibilidade vem por conta da mobilização dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil em prol da luta pela institucionalização dos direitos humanos no tecido societal brasileiro. As estratégias voltadas para a implantação dessa temática enquanto política pública caminha em dois sentidos: 1) a implantação do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) e 2) a implantação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos em 2006 (versão definitiva) e do lançamento das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (2012). Assim, as atividades voltadas para a referida temática são cada vez mais frequentes e devem atender ao que determina esses instrumentais. Candau (2008) enfatiza que a maioria dessas atividades realça a análise e a problemática dos direitos humanos nas sociedades contemporâneas, tanto no plano internacional quanto no contexto nacional, bem como o aprofundamento da gênese e evolução histórica do conceito de direitos humanos, mas, em geral, uma reflexão sobre o que consiste a referida educação é algo que não tem sido problematizado com tanta frequência. Além disso, nota-se, também, uma desarticulação entre a questão dos direitos humanos e as diferentes concepções pedagógicas. No que diz respeito ao como essa temática é trabalhada na escola temos poucos trabalhos. Assim, com esse texto queremos lançar luzes sobre tal questão ao tempo em que destacamos o projeto político-pedagógico como importante elemento de planejamento para a inclusão de tal assunto na malha curricular do ensino fundamental. Sabemos que a escola tem como função social formar o cidadão, desenvolvendo habilidades que possibilitem a construção do conhecimento, de atitudes e de valores que tornem o educando solidário, crítico, ético e participativo para a conquista da cidadania. Infelizmente na prática temos observado uma distorção no que toca a essa função. Em geral, essa tem sido um lugar de práticas de exclusão, onde a competição, o egocentrismo, o

3 individualismo e o desrespeito acabam contribuindo para perpetuar as injustiças sociais que têm permanecido resistentes. Diante de problemas desta natureza, é possível uma proposta de educação diferenciada, capaz de se impor às injustiças sociais que tanto massacram os nossos espaços educativos e todos que deles fazem parte? Sim, é possível! E é nesse contexto que situamos a essência deste artigo. Assim, utilizamos de uma metodologia de caráter bibliográfico e documental, na qual foram realizadas leituras de textos e documentos específicos sobre o tema em questão. Seu objetivo maior é fazer uma discussão acerca do Projeto Político-Pedagógico enquanto instrumento promotor da cidadania no âmbito da comunidade escolar, tendo como eixo norteador do currículo a Educação em Direitos Humanos, visando uma cultura dos direitos humanos na nossa sociedade, que penetre os diferentes âmbitos da vida social e impregne tanto os espaços privados como os públicos (CANDAU, 2008, p.4) descentralizando o poder e dando voz àqueles que tanto necessitam. De modo que apontamos a necessidade de mudança no modelo educacional vigente, enfatizando a importância de implementação da Educação em Direitos Humanos, assim esta pode ultrapassar o discurso, tornando-se real em nossas práticas educacionais. O Projeto Político-Pedagógico deve envolver essa temática, de modo que possa tornar-se o eixo norteador do currículo escolar para que, de fato, possamos construir uma verdadeira cultura dos direitos humanos em nossa sociedade. 1.1. O PNEDH e suas vicissitudes O PNEDH surgiu em 2003 a partir da criação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH), através do parecer nº 98/2003 da Secretaria de Educação em Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR). Sua primeira versão foi lançada pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com a própria SEDH ainda em dezembro do mesmo ano, com o objetivo de orientar a implementação de políticas, programas e demais ações que fossem comprometidas com a cultura de respeito e a promoção dos direitos humanos. No ano de 2004, houve um amplo processo de divulgação do plano, abrindo espaço, também, para o debate do mesmo. Mas, somente no ano seguinte, 2005, é que foram realizadas ações específicas com o objetivo de difundir o PNEDH. Em 2006 finalizou-se uma longa etapa de elaboração do referido documento que resultou em uma versão preliminar.

4 Esta foi submetida à consulta pública via internet, seguindo posteriormente para revisão e aprovação, o que ficou a cargo do CNEDH, que também foi o responsável pela sua versão final, apresentada no ano de 2007. Após todo esse processo, estava, finalmente, concluído o PNEDH que, conforme aponta o próprio documento, destaca-se enquanto política pública em dois sentidos distintos: primeiro, consolidando uma proposta de um projeto de sociedade baseada nos princípios da democracia, cidadania e justiça social; segundo, reforçando um instrumento de construção de uma cultura de direitos humanos, entendida como processo a ser apreendido e vivenciado na perspectiva da cidadania plena. 2. EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E A ESCOLA CONTEMPORÂNEA Para que as questões anteriormente citadas possam ser efetivadas na prática, a Educação em Direitos Humanos precisa está além de uma aprendizagem meramente cognitiva, precisa priorizar em seu processo de ensino-aprendizagem o desenvolvimento social e emocional de todos os seus envolvidos. Processo esse, cuja interação, entre a comunidade escolar com a comunidade local, torna-se indispensável para que se possa somar forças em prol do desenvolvimento da comunidade e de todos que dela fazem parte. No entanto, para que esta missão possa vir a fazer parte da nossa realidade, sabemos que um longo caminho precisa ser trilhado e que, ao longo deste, muitas barreiras e obstáculos precisam e devem ser superados, pois mudar as práticas excludentes arraigadas no seio da escola e até então praticadas por ela, sem dúvida, é um dos maiores desafios que a Educação em Direitos Humanos tende a enfrentar. Embora seja um processo complexo, é algo possível e que pode ser concretizado a partir da incorporação de novas atitudes e valores e da construção de uma nova mentalidade por parte do processo educacional, o que implica na necessidade de integrar a Educação em Direitos Humanos nos Projetos Políticos-Pedagógicos das escolas concebendo-a como um eixo transversal com capacidade para atingir todo o currículo. Para Candau (2008, p.6) O importante na educação em Direitos Humanos é ter clareza do que se pretende atingir e construir estratégias curriculares e pedagógicas coerentes com a visão que assumamos, privilegiando a atividade e participação dos sujeitos envolvidos no processo. Trata-se de educar em Direitos Humanos, isto é, propiciar experiências em que se vivenciem os Direitos Humanos. Partilhando deste pensamento, percebe-se o quanto é imprescindível a integração da Educação em Direitos Humanos com o Projeto Político-Pedagógico, bem como a adoção de

5 práticas coerentes com os princípios deste tipo de educação, pois educar em direitos humanos exige do educador, principalmente, uma postura coesa com aquilo que é apresentado ao aluno. Não dá para assumir uma postura de mero transmissor do conhecimento quando se trabalha com direitos humanos, pois o mais importante princípio didático deste tipo de educação é justamente não só apresentar e refletir sobre os direitos humanos, mas vivenciá-los na prática a partir dos valores que o concebem. No entanto, assumir esse tipo de postura tem sido praticamente um sonho, pois as condições de negligência na qual se encontram os direitos humanos em nossa sociedade, sobretudo nos espaços escolares, mostram o que, de fato, vivenciamos. Infelizmente, não são raras situações em que o desrespeito domina a relação professor-aluno, o que pode ser comprovado com as atitudes que são praticadas, nas mais diversas salas de aula do país, diante de questões relacionadas à raça, gênero, religião, opção sexual, deficiência e outras tantas. É esse tipo de realidade, em pleno século XXI, que nos leva a perceber que a educação ainda continua como um privilégio de poucos e não como um direito de todos, o que nos intima a agirmos para que essa problemática seja extinta o quanto antes. Seguindo esta linha de pensamento, precisamos exigir que a educação, enquanto direito de todas as pessoas cujo objetivo maior é o pleno desenvolvimento da pessoa humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais (art.26, CF), nos sirva não somente no aspecto instrucional, é essencial que ela seja capaz de formar o homem para o exercício pleno de sua cidadania. Por essa razão, a educação, em todos os seus espaços de aprendizagens, deve oportunizar a realização de ações que viabilizem o acesso à Educação em Direitos Humanos para que seja possível o conhecimento, a defesa e a proteção desses mesmos direitos, o que pode se tornar real quando esta educação passa a ser parte integrante do Projeto Político-Pedagógico da escola. 2.1. O Projeto Político Pedagógico - PPP Mas, o que é mesmo o Projeto Político-Pedagógico? Qual é o seu principal objetivo? Como fazer com que a Educação em Direitos Humanos seja parte integrante deste instrumento? O Projeto Político-Pedagógico PPP é um instrumento relevante e indispensável a qualquer escola, não somente por se tratar de um plano global com o planejamento do que se pretende fazer, realizar, mas por ser um instrumento teórico-metológico capaz de antever um futuro diferente do presente, intervindo e modificando a realidade de muitas pessoas, por essa

6 razão, sua construção não pode acontecer de modo isolado. Tal processo, além de ser coletivo, deve propiciar o encontro, a reflexão e a ação sobre a realidade numa práxis libertadora. Conforme aponta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96) no artigo 12, a elaboração e execução do Projeto Político-Pedagógico das escolas é uma ação que lhes compete diretamente. Entretanto, a construção do referido documento apresenta algumas particularidades que devem ser levadas em consideração no momento da sua elaboração. Nos artigos 13,14 e 15, por exemplo, a referida legislação aponta os principais atores deste processo, deixando bem claro que, além dos docentes e demais membros da equipe técnica escolar, faz-se necessária, também, a participação dos alunos, dos pais e da comunidade como um todo. São questões desta natureza que devem ser priorizadas pela escola, pois o Projeto Político-Pedagógico ultrapassa a dimensão de uma proposta pedagógica. Conforme aponta Veiga (1995), o Projeto Político-Pedagógico vai além de um simples agrupamento de planos de ensino e de atividades diversas. Não se trata de um documento que deve ser construído e em seguida arquivado ou, até mesmo, encaminhado às grandes instâncias educativas como forma de comprovar as obrigatoriedades burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos os momentos, por todos aqueles que, de alguma forma, estão diretamente envolvidos com o processo educativo da escola. É uma ação com intencionalidade, com um sentido explícito e com um compromisso que pode e deve ser definido de maneira coletiva. Por essa razão, todo projeto pedagógico escolar é, também, político pelo fato de estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico e com os interesses reais e coletivos da população majoritária. Mas o que seria, realmente, essas dimensões política e pedagógica? Ainda de acordo com Veiga (1995), o projeto é definido como político, principalmente, pela função que este apresenta em relação à formação do cidadão; e é pedagógico, por apresentar a capacidade de definir as ações educativas e as características que são indispensáveis às escolas para que possam cumprir seus propósitos e suas reais intenções. É importante destacar que mesmo apresentando conceitos distintos, as referidas instâncias não podem caminhar separadas. O político e o pedagógico são dimensões indissociáveis, e é essa união que vai propiciar a vivência democrática, o que é indispensável no processo de participação de todos os membros da comunidade escolar. A criação desse processo democrático de decisões, por parte do Projeto Político- Pedagógico, aponta para mudanças extremamente relevantes na organização do trabalho pedagógico escolar, propiciando que muitas das práticas até então desenvolvidas em seu interior, sobretudo aquelas que foram responsáveis pela exclusão de seus próprios alunos,

7 possam, finalmente, ser superadas. É nesse contexto que podemos visualizar a inserção da Educação em Direitos Humanos, que não pode, em hipótese alguma, ser vista e/ou pensada como um simples conteúdo ou até mesmo como uma disciplina a mais no currículo escolar. Enquanto parte integrante do direito à educação, ela deve permear o Projeto Político- Pedagógico como eixo norteador, apontando, a partir do próprio currículo, os novos caminhos que a escola poderá trilhar se estiver realmente disposta a desenvolver sua verdadeira missão: possibilitar o pleno desenvolvimento da personalidade humana, garantindo a implementação do respeito aos direitos humanos, promovendo a compreensão, a tolerância e a convivência entre todos os povos rumo à paz mundial. É sabido que ações deste tipo apresentam suas complexidades, o que não pode ser confundido com algo insuperável, pois a construção de um Projeto Político-Pedagógico, tendo a Educação em Direitos Humanos como eixo norteador do currículo, embora possa parecer algo utópico num primeiro momento, é um sonho possível de ser realizado na prática, principalmente se este sonho deixar de ser sonhado sozinho e passar a ser sonhado coletivamente, por todos aqueles que fazem a escola. Trilhando este tipo de caminho, a escola não somente permite que seus atores passem a ter voz ativa, como avança significativamente rumo a seu processo de descentralização, na busca pela autonomia e qualidade que tanto lhe são necessárias. Isto implica diretamente na abordagem que será desenvolvida pelo Projeto Político-Pedagógico que, enquanto organização do trabalho da escola como um todo, deve está fundamentada nos princípios que norteiam a escola democrática, pública e gratuita. Segundo Veiga (1995) estes princípios são: igualdade, qualidade, gestão democrática, liberdade e valorização do magistério. No que tange o princípio da igualdade, a autora destaca as condições para o acesso e a permanência na escola, enfatizando que a questão da igualdade de oportunidades é algo que está além da expansão quantitativa da oferta propriamente dita, pois não basta somente termos a ampliação no atendimento, é indispensável que este possa apresentar uma qualidade simultânea. Quanto à qualidade, a autora destaca um problema muito conhecido no contexto da grande maioria das escolas, que este princípio não tem atingido todas elas, muito menos a grande maioria. Infelizmente, é algo que até então, tem atingido uma parcela muito pequena da sociedade, o que não pode continuar acontecendo, por isso deve deixar de ser privilégio de poucos para fazer parte da realidade de todos, atingindo tanto a instância técnica quanto a política. Em relação ao princípio da gestão democrática, este aponta para a presença de três dimensões específicas: a dimensão pedagógica, a dimensão administrativa e a dimensão

8 financeira. Este princípio tem como um de seus maiores objetivos a necessidade de repensar o poder da escola, estimulando em seu espaço a participação coletiva, impondo-se ao individualismo gritante e às posturas opressoras, de modo que se possa anular a dependência em relação aos órgãos intermediários que, na realidade, são os protagonistas na autoria das políticas educacionais, das quais a escola aparece somente como mera coadjuvante. Sobre o princípio da liberdade, este está relacionado diretamente com a ideia de autonomia. Destaca-se a liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a arte o saber direcionados para uma intencionalidade definida coletivamente. No que diz respeito à valorização do magistério, este último princípio é considerado como um dos princípios centrais quando o que está em discussão é o Projeto Político- Pedagógico, pois reflete diretamente na qualidade do ensino apresentado pelas escolas e no sucesso destas quando o que se está em jogo é a formação do verdadeiro cidadão, aquele que pode apresentar capacidade suficiente para participar da vida socioeconômica, política e cultural da sociedade onde vive, uma vez que este princípio está relacionado à formação inicial e continuada dos professores, bem como às suas condições específicas de trabalho, à remuneração que ganham, enfim, aos elementos que são considerados os mais importantes, ou seja, aqueles que realmente são fundamentais na construção de um projeto de educação que seja digno a todas às pessoas sejam elas crianças, jovens ou adultos, independente de sua origem social, de sua cor, etnia, opção religiosa, orientação sexual, entre outras questões. 3. ALGUMAS CONCLUSÕES PERTINENTES Com base na discussão desenvolvida por meio do referido artigo, fica claro que a união entre o Projeto Político-Pedagógico e a Educação em Direitos é indispensável enquanto estratégia de mudança para os novos caminhos que a escola, juntamente com a comunidade local, pretende trilhar rumo a uma educação libertadora. E para que tal ação possa ser transformada em realidade uma reflexão coletiva acerca do contexto local no qual a escola está inserida, tanto inicialmente, quanto no decorrer do processo, é tarefa prioritária, pois é com base na leitura da realidade que conseguimos traçar, de modo eficaz, nossas metas futuras. Por essa razão é que a participação de todos aqueles que estão envolvidos com a escola torna-se algo tão importante e necessário, porque a partir do momento em que o compromisso e a responsabilidade com e para a escola é dividido entre a gestão escolar e os demais atores do processo educativo, inclusive a comunidade, todos passam a se sentir parte e

9 corresponsáveis de um instrumento capaz de melhorar a vida de todos os seus envolvidos. Nesse sentido, concluirmos que (...) ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa do qual a gente se pôs a caminhar. (Freire, 1992, p.155) E é justamente pela importância de trilharmos esse caminho que se torna urgente a necessidade de transformar a escola, de uma vez por toda, num verdadeiro espaço coletivo, espaço no qual a promoção da cidadania passa a ser um ato constante daqueles que nela estão inseridos. Para isso, a Educação em Direitos Humanos, enquanto parte integrante do Projeto Político-Pedagógico, permeando o currículo, passa a ser peça fundamental na construção da verdadeira educação libertadora, aquela capaz de formar sujeitos ativos no processo educacional, sujeitos esses com capacidade para atuar enquanto agentes de transformação da realidade que os cerca. O que está diretamente relacionado com uma retomada de consciência que lhes permitirão descobrir quem são, onde estão e o que querem fazer. REFERÊNCIAS BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado; 1988.. LDB. Lei 9394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. CANDAU, Vera Maria. A configuração de uma educação em direitos humanos. IN: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy, (et al.) Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007., Vera Maria. Educação e Direitos Humanos, Currículo e Estratégias Pedagógicas. IN: ZENAIDE, M. N. T. (et al.) Direitos Humanos: capacitação de educadores. João Pessoa, PB: Editora Universitária/UFPB, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. VEIGA, Ilma P. A. (org). ESCOLA: espaço do projeto político-pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 1998.