21.12.2002 53 Administrando os Conflitos nos Níveis Hierárquicos Exigências mais atuais têm obrigado, inegavelmente, que as empresas estejam cada vez mais desenhadas administrativamente com simplicidade e de forma compacta; imposição que projeta, em melhor análise, a busca concreta das organizações por alta performance. Tudo parece sugerir, de alguma forma, o Carrossel Holandês de Cruffy (80) e seus companheiros laranjas, naquela Copa do Mundo de 74, onde pareciam imbuídos da mesma obstinação e missão de atacar em bloco e também se defender com disciplina e unidade, ocupando, na medida do impossível (não só mais do possível), todas as noções dos espaços do campo. Ocupar os espaços era a obstinação do time. Um exemplo pontual de multiespecialidade!. Foi interessante ver aquela revolução de conceito, todo mundo fazia tudo, atacava e defendia. Sabemos, evidentemente, que as empresas têm compartimentos próprios, estruturas, funcionalidades setoriais, sempre navegando suas missões nos caminhos das hierarquias, tantas vezes entre ineficiências ou patologias administrativas. Mais do que isso, os dirigentes da maioria das empresas têm consciência de que quanto maior for essa fragmentação de compartimentos, seções, divisões, chefias, gerências que tantas vezes formam inapelavelmente pequenos e isolados feudos, escorregadios na lentidão das burocracias ou em salas fechadas, na falta de unidade na comunicação mais fadada ao insucesso estará a própria empresa. A complexidade das relações humanas nas empresas costuma ser verdadeiramente as águas perigosas que levam a pique todas as embarcações! É nelas onde as ações se afundam, os projetos se perdem, a
falta de unidade entre as pessoas vence, sem possibilidades enfim de se construir um ambiente de maiores realizações conjuntas. Juntar pessoas, mesmo que se reconheça e se respeite a individualidade inegável de cada um, é sempre o pedaço mais difícil e dolorido da receita do bolo. Nossa, como as pessoas são complexas! Pergunte a qualquer equipe: onde está a maior dificuldade em se tocarem as coisas, alcançarem os resultados que se desejam? Todas as respostas, invariavelmente, devem vir definidas sobre a dificuldade do manejo das pessoas. Talvez se encontre mesmo um conceito balizador que esta colagem entre os envolvidos seja de fato a mola indutora de tudo: projetos, ações, ideias, iniciativas. Poucos descobriram ainda, na prática, que as coisas só acontecem num grupo se obtêm ideias de uns, iniciativas de outros, a capacidade de coordenação de fulano, de sicrano, a força de tantos; enfim, é como se houvesse necessidade de cada pedaço dos quebra-cabeças, para enfim conformar a paisagem. Evidentemente uns transpiram mais energias nos avanços. Mas é inegável que é preciso resgatar de cada um o pedaço imprescindível para conformar a moldura. E, na prática, como são os ambientes administrativos na grande maioria das empresas? Jogos de dispersão, cadeias de desperdícios de toda ordem, como se a empresa construísse, ao contrário, a todo a hora, pequenos territórios de desvios e de distrações, escondidos em agendas ocultas, em diferenças pessoais veladas, em disputas por posições, ou em panelinhas. O grupo simpatizante do azul, quem sabe o do vermelho? ou a turma que não é contra, tampouco a favor ou os conflitos que se arrastam com a impressão de que as coisas não mudam mesmo, afinal parece ser melhor deixar do jeito que está para ver como é que fica. A partir disso, é difícil mesmo manejar projetos, ações e objetivos, principalmente para os impacientes, indóceis ou que não conseguem perseguir o melhor jeito de se fazerem as coisas. É possível afirmar que uma parcela enorme do conjunto das dificuldades das empresas, que inevitavelmente
comprometem a sua saúde institucional, deva ser atribuído às dificuldades humanas nos escritórios, cenário que normalmente vai se acumulando silenciosamente, todo dia. São nisso que se cristalizam os desperdícios das iniciativas das pessoas, das oportunidades mútuas dos funcionários e da própria empresa. Quantos escritórios estão repletos de bons profissionais, tecnicamente dotados de conhecimentos e de experiências profissionais, com bons produtos, com acervo institucional que conduziria todos ao sucesso, mas que vivem enrolados nas dificuldades de seu pessoal, sem conseguir remar o barco para o mesmo porto? Manejar-se em bloco, com unidade inteligente, em que todos ocupem espaços compartilhados, tornando-se as pessoas fundamentalmente coladas, é tarefa de raras empresas. A conformação empresarial do novo milênio não tolerará a empresa que se arrasta no meio de conflitos, desperdícios das equipes, na dispersão, no acirramento das desigualdades, na resistência às mudanças, porque todos precisam de todos para estar no grupo dos vencedores. Os que não entenderem isso, a partir de agora, vão ficar chupando o dedo ou brincando no Carnaval no bloco do eu sozinho. (Artigo publicado na Gazeta Mercanti, Caderno Nordeste, Recife, Pernambuco, em 21.12.2002). Notas: (80) Johann Cruyff: Jogador que marcou época no Ajax e na seleção da Holanda durante a década de 70. Foi eleito no começo de janeiro de 1999, o melhor jogador europeu do século pela polêmica Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, baseada em uma pesquisa entre jornalistas esportivos europeus. Sua vida sempre foi marcada pelo êxito profissional, tanto como jogador quanto como técnico. Cruyff começou sua carreira em 1964 no Ajax, de Amsterdã, onde ficou até 1973.
Passou também pelo Barcelona (1973 a 1978), Los Angeles Aztecas (1978 e 1979), Washington Diplomats (1979 e 1980), Cosmos (1980 e 1981), Levante (1981 e 1982), novamente o Ajax (1982 e 1983) e, por último, o Feyenoord de Roterdã (1983 e 1984). Nesse período, vestiu a camisa laranja da Holanda em 48 ocasiões, marcou 35 gols e fez parte da poderosa Laranja Mecânica, que assombrou o mundo no Mundial de Alemanha, em 1974. Além de ser considerado um dos melhores jogadores da história e ter sido eleito o jogador do século, Cruyff recebeu em 1971, 1973 e 1974 a Bola de Ouro como melhor jogador europeu, e foi declarado o melhor do Mundial de 1974. Em toda sua carreira como jogador, acumulou uma impressionante quantidade de títulos. No Ajax, conquistou 8 ligas, 7 copas, 3 Copas dos Campeões da Europa, 1 Mundial Interclubes e 1 Supercopa da Europa. Além disso, ganhou mais um campeonato nacional e uma copa com o Barcelona, da Espanha, e com o Feyenoord, da Holanda Fez parte de uma das melhores seleções de futebol de todos os tempos, na Copa do Mundo de 1974. A singularidade daquele time foi exatamente a mobilidade de todos os jogadores que formaram uma seleção conhecida como Carossel Holandês, nome dado a um esquema tático utilizado por ela. O esquema era essencialmente diferenciado, parecia uma versão bastante melhorada da Hungria de 1954, e foi chamado de Carossel porque os jogadores não tinham posições fixas e imobilizadas, eles circulavam em todas as posições, mostrando uma enorme capacidade de adaptabilidade para jogar em todas as posições. Foi um marco importante nos conceitos de futebol e marcou uma geração. Teve o jogador Cruffy, extremamente talentoso, como o seu grande maestro.