A seletividade do ICMS e os parâmetros delineados pelo Direito Ambiental um estudo de caso do setor de energia elétrica



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Transcrição:

A seletividade do ICMS e os parâmetros delineados pelo Direito Ambiental um estudo de caso do setor de energia elétrica Melissa Guimarães Castello 1 Resumo O presente artigo pretende analisar o modelo de tributação por ICMS incidente sobre o setor de energia elétrica, à luz dos parâmetros ambientais traçados pelo art. 170, VI, da Constituição Federal. Para tanto, passa-se por uma definição de tributos ambientais e pela análise da viabilidade de utilizar a seletividade do ICMS para a promoção dos valores ambientais. Por fim, estuda-se a tributação do setor elétrico no Estado do Rio Grande do Sul. Introdução A tributação ambiental é uma política pública que pretende reestruturar o sistema tributário, de forma a permitir que os tributos sejam utilizados para proteger o meio ambiente. Há fundamentos constitucionais para que essa sistemática seja adotada pelo Poder Público ao delinear as hipóteses de incidência tributária. Na tese apresentada por esta Procuradora no XXXVII Congresso Nacional de Procuradores de Estado, ocorrido em Belo Horizonte no ano de 2011, foram apresentados o conceito de tributo ambiental e a definição do ICMS ecológico 2. Em seguida, a tese procurou traçar parâmetros para que a seletividade do ICMS fosse definida em função da qualidade ambiental da mercadoria. O presente estudo é uma continuação do trabalho iniciado em 2011, em que se busca aprofundar os conceitos que foram abordados naquela tese, à luz de um exemplo concreto, qual seja, a tributação do setor de energia elétrica no Estado do Rio Grande do Sul. Para tanto, neste trabalho retoma-se o conceito teórico de tributo ambiental, com enfoque na possibilidade de graduar o ICMS de acordo com a variável ambiental. A seguir, aborda-se a tributação por ICMS incidente sobre o setor de energia elétrica no Estado do Rio Grande do Sul, analisando-se tanto a alíquota do tributo exigido do consumidor final, quanto alguns dos benefícios fiscais concedidos ao longo da cadeia produtiva. Não são analisadas neste artigo as transações interestaduais com energia elétrica, devido às particularidades destas operações, que fogem ao escopo da pesquisa. 1. Conceito de tributo ambiental Tributação ambiental é a política pública que vincula a tributação a uma finalidade ambiental, servindo de estímulo a uma prática menos nociva ao meio ambiente. Através do estabelecimento de tributos ambientais, o contribuinte que desenvolve práticas adequadas à proteção ambiental recebe, como 1 Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul, Mestre em Direito na Universidade de Oxford. E-mail: melicastello@hotmail.com. 2 Disponível em http://www.esapergs.org.br/site/arquivos/tese_1322139049.pdf, acesso em 21/07/2014. 42

contrapartida do Estado, a redução da carga tributária incidente sobre seu processo produtivo. Por outro lado, aquele contribuinte que não adota práticas adequadas à proteção ambiental acaba por arcar com carga tributária mais elevada do que os primeiros. Do ponto de vista da proteção ambiental, um tributo ambiental tem por objetivo principal redistribuir os custos da poluição, que passam a ser arcados, ainda que indiretamente, pelos consumidores do produto nocivo ao meio ambiente. Nesse sentido, o contribuinte pode escolher entre poluir, e arcar com carga tributária mais elevada, ou não poluir, e se beneficiar com a carga tributária reduzida. Da mesma forma, o consumidor final pode optar pelo produto mais nocivo ou pelo menos nocivo ao meio ambiente, se favorecendo, ainda que indiretamente, do benefício fiscal concedido ao contribuinte direto 3. Caso o tributo ambiental esteja bem mensurado, passa a ser mais barato ao contribuinte diminuir os níveis de poluição, tendo em vista a redução do valor do tributo. Assim, a alternativa mais benéfica ao meio ambiente é voluntariamente escolhida pelo contribuinte 4. Percebe-se, portanto, que a função dos tributos ambientais não é a de punir aqueles que poluem, mas a de garantir a liberdade de escolha do agente econômico 5, pois o tributo almeja internalizar o custo da poluição no processo produtivo, de modo a tornar o contribuinte apto a escolher entre poluir ou não poluir. Sob o enfoque do direito tributário, e como exaustivamente abordado em artigos doutrinários 6, os tributos ambientais têm uma clara função extrafiscal, pois estimulam uma mudança comportamental por parte da sociedade. Na lição de Alfredo Augusto Becker, a função extrafiscal dos tributos é aquela pela qual se busca como resultado não o aumento da arrecadação, mas uma intervenção estatal no meio social e na economia privada, estimulando-se uma alteração no comportamento dos contribuintes 7. É exatamente o que ocorre nos tributos ambientais. Becker afirma, ainda, que as funções fiscal e extrafiscal podem coexistir em um mesmo tributo 8. Nesse sentido, o ICMS, que é um imposto com finalidade primordialmente fiscal pois é a principal fonte de receita corrente dos Estados poderia ter um objetivo extrafiscal, através da graduação de suas alíquotas. Nos termos do art. 155, 2º, III, da Constituição, essa graduação se dará através da seletividade do tributo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. Conforme se passa a expor, a seletividade pode ter como um de seus parâmetros a qualidade ambiental do produto ou serviço. 3 Acerca da classificação dos benefícios fiscais como técnica de tributação ambiental, deve se esclarecer que alguns autores defendem que tributo ambiental é somente aquele que é majorado em decorrência do impacto ambiental, e não aquele que é reduzido para fomentar as melhores práticas ambientais. Na tese apresentada ao XXXVII Congresso Nacional de Procuradores de Estado foi abordado esse tema. 4 WOOD, Stepan. Voluntary Environmental Codes and Sustainability. In RICHARDSON, Benjamin (ed). Environmental law for sustainability: a critical reader. Oxford: Hart, 2006. p. 235. 5 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Proteção Ambiental e Sistema Tributário Brasil e Japão: Problemas em Comum? In: MARINS, James. Tributação e Meio Ambiente. Curitiba: Juruá. 2002. p. 107. 6 Vide, dentre muitos outros: MOTTA, Ronaldo Seroa da; OLIVEIRA, José Marcos Domingues de; MARGULIS, Sérgio. 2000. Proposta de Tributação Ambiental na Atual Reforma Tributária Brasileira: texto para discussão nº 738. Disponível em www.ipea.gov.br, acesso em: 08/03/2004; ALTAMIRANO in MARINS, James. Tributação e Meio Ambiente. Curitiba: Juruá. 2002, p. 79; VIEIRA, Gabriel Antônio de Moraes. Princípio da Seletividade pelas Balizas da Tributação Ambiental: IPI e ICMS, in Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito/UFRGS, vol. VIII, nº 1, ano 2013. 7 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 589. 8 Ibid. ESAPERGS 43

2. A seletividade do ICMS e o meio ambiente Na primeira seção desse trabalho foi brevemente demonstrada a utilidade dos tributos ambientais, na medida em que estimulam o contribuinte a proteger o meio ambiente, sem obrigá-lo a modificar seu comportamento. Esclareceu-se que a tributação ambiental é um instrumento de extrafiscalidade tributária, pois não objetiva o acréscimo de arrecadação, mas a indução de comportamentos. Como bem pontuado por Carrazza 9, a seletividade decorre da extrafiscalidade do ICMS. De fato, através da seletividade, o legislador ordinário exerce a função extrafiscal de induzir o consumo de determinados produtos, em detrimento de outros. Esta seletividade é o instrumento que viabiliza adaptar o ICMS à proteção do meio ambiente. Na presente seção o conceito de seletividade será aprofundado. Hugo de Brito Machado ensina que seletivo é o mesmo que selecionador, aquilo que seleciona. Imposto seletivo é aquele que onera diferentemente os bens sobre os quais incide 10. Ao discorrer sobre a seletividade, Roque Antônio Carrazza afirma que o ICMS deve necessariamente ser instrumento de extrafiscalidade, pois o legislador infraconstitucional teria o dever, e não uma mera faculdade, de instituir tributos seletivos 11. Outros autores, contudo, entendem que não há obrigação, por parte dos Estados, de implementar a seletividade do ICMS 12. A essencialidade da mercadoria ou do serviço é critério chave para a instituição do ICMS seletivo, nos termos da já citada norma constitucional do art. 155, 2º, III. Ricardo Lobo Torres menciona que a seletividade é um subprincípio da capacidade contributiva, pois o ICMS deve incidir progressivamente, na razão inversa da essencialidade do produto 13. A doutrina especializada é categórica ao afirmar que um produto deve ser considerado essencial quando é consumido por toda a população, devendo ser beneficiado com alíquotas reduzidas de ICMS. Por outro lado, pode-se majorar a alíquota dos produtos considerados supérfluos, ou seja, aqueles consumidos exclusivamente pelas classes mais altas da população 14. Contudo, o critério de essencialidade é mais complexo do que um simples quantitativo numérico, na medida em que há produtos supérfluos que são consumidos em grande quantidade, e mesmo assim podem sofrer com tributação majorada. A fim de determinar a essencialidade do produto, deve se levar em conta a efetiva relevância deste para a população como um todo. Essenciais são os produtos e serviços necessários, úteis ou convenientes à sociedade, que atendam ao interesse coletivo, e não ao mero interesse 9 CARRAZZA, Curso de Direito Constitucional Tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 105. 10 MACHADO, Hugo de Brito. O ICMS no Fornecimento de Energia Elétrica: Questões da Seletividade e da Demanda Contratada. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 155, agosto-2008. p. 49. 11 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. p. 105. 12 MARTINS, Ives Gandra, e BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 6º vol, tomo I, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 457; MELO, José Eduardo Soares de. ICMS Teoria e Prática. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 263; CONTINENTINO, Marcelo Casseb. A Seletividade do ICMS Incidente sobre Energia Elétrica e a Constitucionalidade da Graduação de Alíquotas segundo o Princípio da Capacidade Contributiva. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 141, junho-2007. p. 112-113. 13 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 385. 14 CARRAZZA, Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 106-107; PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 339; CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 344. 44

particular, como bem pontua Carrazza 15. Mas como definir essa efetiva relevância, para graduar a incidência do ICMS de acordo com a essencialidade da mercadoria ou do serviço? Parece claro que o legislador estadual não pode graduar as alíquotas do ICMS de forma arbitrária, sem quaisquer parâmetros constitucionais para tanto 16. Esta graduação de alíquotas deve ser adequada aos princípios gerais da ordem econômica, enumerados no art. 170 da Constituição, devido à necessidade de interpretar o sistema constitucional como um todo 17. Isso porque a seletividade do ICMS pode ter um forte impacto na ordem econômica, tornando mais caros alguns produtos, em detrimento de outros. Dentre os princípios gerais da ordem econômica, por sua vez, está previsto o princípio de defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (art. 170, VI, da Constituição). A própria Constituição Federal determina o tratamento diferenciado de produtos e serviços conforme o seu impacto ambiental. Portanto, parece ser viável a implementação do ICMS seletivo, de acordo com a qualidade ambiental dos produtos e serviços, bem como de seus processos de elaboração e prestação, como forma de estimular o consumo de bens de reduzido impacto ambiental, em detrimento de seus similares, com impacto ambiental maior. Isso porque essencial não é o produto consumido em grandes quantidades, mas aquele que atende ao interesse coletivo, como exposto acima. E o produto que melhor atende ao interesse coletivo é, inegavelmente, aquele que tem impacto ambiental menor. Evidentemente, a seletividade não pode levar em conta apenas o aspecto ambiental, sob pena de se afastar dos parâmetros traçados no art. 155, 2º, III, da Constituição. Ao estabelecer o ICMS seletivo, deve-se considerar também o impacto social da tributação diferenciada, reduzindo o tributo incidente sobre os produtos essenciais, ou seja, aqueles necessariamente consumidos pela população de menor capacidade contributiva, ainda que esses produtos sejam nocivos ao meio ambiente. Na primeira seção desse trabalho se demonstrou que tributos ambientais têm a finalidade extrafiscal de proteger o meio ambiente. E, conforme se expôs acima, a seletividade decorre da extrafiscalidade tributária. Dessa forma, a graduação das alíquotas de acordo com o impacto ambiental do produto seria uma técnica extrafiscal de concretizar um dos princípios gerais da ordem econômica, o de proteção ambiental. Nesse sentido, Heleno Taveira Torres recomenda que, quando possível a diferenciação de alíquotas, necessário assegurar as mais elevadas para práticas ou bens mais poluentes 18. Salienta-se que a seletividade em função da qualidade ambiental da mercadoria ou do serviço não significa, necessariamente, a graduação das alíquotas. É possível o emprego de outras técnicas de redução da carga tributária, tais como o estabelecimento de créditos presumidos, a variação da base de cálculo e a 15 Ibid. 16 Nesse sentido, vide a lição de Bottallo, citado por Hugo de Brito Machado (O ICMS no Fornecimento de Energia Elétrica, p. 51): Embora não se negue que o legislador ordinário possa atuar dentro de certa margem de discricionariedade na manipulação da seletividade em função da essencialidade dos produtos, o conteúdo mínimo desta expressão sempre possibilitará que se verifique, em concreto, se o princípio se fez presente. 17 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 22-23; BALEEIRO, Aliomar; DERZI, Misabel Abreu Machado (atualizadora). Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 593. 18 TORRES, Heleno Taveira. Descompasso entre as políticas ambiental e tributária. Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2012. Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-jun-20/consultor-tributario-descompasso-entre-politicasambiental-tributaria, acesso em 22/07/2014. ESAPERGS 45

criação de incentivos fiscais, para atingir o mesmo objetivo, como bem aponta Carrazza 19. Dada a viabilidade da variação da carga tributária do ICMS para o fim de alcançar o interesse coletivo de proteção do meio ambiente, passa-se à terceira seção deste trabalho, em que se analisa a possibilidade de utilizar os parâmetros da tributação ambiental para o fim de definir a carga tributária de ICMS incidente sobre o setor de energia elétrica. 3. O ICMS ambiental e o setor de energia elétrica no Estado do Rio Grande do Sul A geração de energia elétrica é atividade que, em regra, causa grande impacto ambiental, ainda que o desenvolvimento de novas tecnologias tenha propiciado essa produção com menos danos ao meio ambiente, através da chamada energia renovável 20. Nesse sentido, o ICMS ambiental deve ter a função extrafiscal de estimular essas novas tecnologias, em detrimento das técnicas de geração mais poluentes. Analisando-se a cadeia produtiva de energia elétrica, a primeira pergunta que se impõe nesta seção, a fim de proceder a uma análise da coerência ambiental da tributação por ICMS sobre esse setor, é: o que o Estado do Rio Grande do Sul tem feito, em termos de política tributária, para estimular a geração de energia renovável? Essa pergunta se volta à tributação dos equipamentos necessários para a geração de energia renovável, e será abordada no tópico 3.1. Sob o enfoque da tributação da energia elétrica em si, a essencialidade dessa mercadoria é indiscutível, o que poderia limitar a possibilidade de sobreonerar sua cadeia produtiva. Não obstante, o ICMS atualmente incidente sobre as operações de energia elétrica no Estado do Rio Grande do Sul já é exigido com a alíquota de 25%, a mais elevada dentre as praticadas por aquele Estado, havendo redução da alíquota para consumo de energia em iluminação de vias públicas, utilização industrial e rural, ou residencial, esta última até 50 KW por mês. A alíquota de ICMS incidente sobre as operações de energia elétrica deixa clara a oposição que existe entre a função fiscal e a extrafiscal dos tributos, na medida em que os tributos primordialmente fiscais são formulados buscando a estabilidade ou o incremento da arrecadação, enquanto os extrafiscais têm sua finalidade atingida com o decréscimo desta 21. Essa oposição mostra-se especialmente sensível no caso da tributação por ICMS incidente sobre o setor energético. Se, por um lado, a energia elétrica é bem reconhecidamente essencial, a justificar a tributação extrafiscal minorada; por outro lado a função fiscal deve ser preponderante, dada a relevância da arrecadação do tributo incidente sobre o setor, como bem exposto por Marcelo Casseb Continentino 22. Diante desse cenário, a segunda questão que se impõe, analisada no tópico 3.2, é: como compatibilizar a essencialidade da energia elétrica e o viés ambiental do ICMS? 3.1. O que o Estado do Rio Grande do Sul tem feito, em termos de política tributária, para estimular a geração de energia renovável? Como exposto na seção anterior, o ICMS pode ser utilizado para estimular a produção de mercadorias menos nocivas ao meio ambiente, pois a seletividade desse tributo permite este tipo de 19 CARRAZZA, Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 106. 20 Vide FRASÃO, Lucas; BARRA, Mário; MENICONI, Tadeu. Entenda como a geração de energia elétrica afeta o meio ambiente. Portal G1, 26/03/2011. Disponível em http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2011/03/entenda-comogeracao-de-energia-eletrica-afeta-o-meio-ambiente.html, acesso em 30/07/2014; para um bom resumo do impacto ambiental das principais fontes de energia elétrica. 21 SOARES, Cláudia Dias. O Imposto Ambiental. Apud MODÉ. Tributação Ambiental: A Função do Tributo na Proteção do Meio Ambiente. Curitiba: Juruá, 2003. p. 72-3. 22 CONTINENTINO. A Seletividade do ICMS 46

incentivo, à luz da interpretação conjugada dos arts. 155, 2º, III e 170, VI, da Constituição Federal. Caso o estímulo seja feito através de isenções, incentivos ou benefícios fiscais, a vantagem tributária deve ser previamente autorizada por Convênio celebrado e ratificado pelos Estados e o Distrito Federal, nos termos do art. 155, 2º, XII, g, da Constituição, c/c o art. 1º da Lei Complementar 24/1975. Por outro lado, caso o estímulo se dê através do aumento da carga tributária sobre as mercadorias similares, mais nocivas ao meio ambiente, não é necessário o referido Convênio. No caso analisado, devido à essencialidade da mercadoria em questão, bem como à notória limitação dos processos de geração de energia elétrica, que demandam um contínuo crescimento de sua produção, não parece factível um aumento da carga tributária incidente sobre o processo produtivo de energia não renovável, mostrando-se mais adequada uma política pública de desoneração do processo produtivo de energia renovável. Logo, qualquer política tributária estadual que busque estimular a produção de energia renovável precisaria ter respaldo em Convênio celebrado entre os Estados e o Distrito Federal. O Convênio ICMS 101/97 isenta de ICMS as operações com diversos produtos necessários à geração de energia renovável, tais como aerogeradores e células solares, bem como as peças necessárias à fabricação destes equipamentos 23. Esse Convênio foi alterado inúmeras vezes, a fim de incluir novas peças que devem ser beneficiadas com a isenção. No âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, os produtos e peças enumerados no Convênio ICMS 101/97 são isentos de ICMS, na forma do art. 9º, LXXXV, do Livro I do RICMS (Decreto 37.699/97), beneficiando-se com o não-estorno do crédito, conforme o art. 35, IV, a, do mesmo Regulamento. Ademais, assegura-se direito a crédito fiscal presumido para as empresas desenvolvedoras de projeto de inovação tecnológica que vise à utilização de casca de arroz para a geração de energia elétrica, na forma do art. 32, XCVIII, do Livro I do RICMS. Portanto, percebe-se que há a desoneração tributária dos equipamentos necessários para a geração de energia elétrica através de fontes consideradas renováveis. Esta desoneração se alinha a tudo quanto foi exposto acima, na medida em que estimula o investimento em técnicas produtivas menos nocivas ao meio ambiente, em detrimento das técnicas mais prejudiciais, exatamente como determina o art. 170, VI, da Constituição. Uma crítica que pode ser feita à política pública de incentivo fiscal é que esta desoneração não incide sobre os equipamentos necessários para a construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Essas pequenas usinas hidrelétricas são outra forma de geração de energia com reduzido impacto ambiental 24, motivo pelo qual também deveriam ser beneficiadas com a redução da carga tributária. O Estado de Minas Gerais já autoriza a redução da alíquota de ICMS para até 0% nesses casos, como se depreende da Lei Estadual nº 20.824/13. Independentemente da crítica pontuada acima, certo é que a política de desoneração tributária, atrelada a diversos outros fatores tais como condições climáticas favoráveis e linhas de crédito disponíveis ao produtor tem contribuído para que o Estado do Rio Grande do Sul venha aumentando significativamente sua capacidade de geração de energia eólica, sendo alçado à posição de referência neste 23 Disponível em http://www1.fazenda.gov.br/confaz/confaz/convenios/icms/1997/cv101_97.htm, acesso em 11/08/2014. 24 De acordo com o artigo 26, inciso I, da Lei 9.427/96, as PCHs são aquelas hidrelétricas com potencial hidráulico superior a 1.000 kw e igual ou inferior a 30.000 kw. A Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) 652/2003, que estabelece os critérios para o enquadramento de aproveitamento hidrelétrico na condição de Pequena Central Hidrelétrica (PCH), define que, para que uma hidrelétrica seja considerada uma PCH, a área do reservatório deve ser inferior a 3,0 km2 ou a PCH deve ter área de reservatório entre 3 km² e 13 km² e impacto ambiental mínimo. ESAPERGS 47

setor, ainda que não seja o maior produtor nacional 25. Contudo, a desoneração tributária do setor de energia renovável não traz nenhuma vantagem econômica direta para o consumidor final, pois a energia eólica gerada no Estado do Rio Grande do Sul é transmitida ao consumidor pelo Sistema Integrado Nacional, misturando-se com a energia gerada por fontes não renováveis na rede de transmissão, de modo que o consumidor não pode diferenciar a energia que adquire, pagando a alíquota de 25% sobre toda a energia que consome. Considerando-se que a ideia da tributação ambiental é permitir aos consumidores escolher entre consumir o bem mais nocivo ao meio ambiente, e arcar com a carga tributária maior, ou consumir o bem menos nocivo, beneficiando-se com a redução da carga tributária, há uma aparente inconsistência na política tributária, pois o consumidor não pode escolher somente a energia renovável 26. Essa inconsistência é apenas aparente, na medida em que o benefício ambiental com a política de desoneração tributária é alcançado: há mais energia renovável sendo produzida, pois a desoneração tributária viabiliza esta geração, que seria economicamente inviável de outra forma. Por outro lado, o consumidor final recebe a energia sem diferenciá-la, mas o sistema de transmissão privilegia as fontes renováveis em detrimento das fontes mais nocivas ao meio ambiente. De fato, no modelo de geração de energia elétrica utilizado pelo Brasil a geração de energia termoelétrica mais poluente é subsidiária, sendo utilizada somente em momentos de aumento na demanda ou redução de geração das fontes renováveis, quando as fontes menos nocivas ao meio ambiente não são suficientes para suprir a demanda 27. Ademais, o consumidor final tem uma clara vantagem indireta, na medida em que se reduzem os danos ao meio ambiente, a partir do estímulo de geração de energia renovável. Fomenta-se, assim, a geração de um bem essencial, atendendo ao interesse coletivo. Diante do exposto, a política tributária de ICMS do Estado do Rio Grande do Sul que está alinhada às diretrizes traçadas no Convênio ICMS 101/97, parece estimular a geração de energia renovável, ainda que este benefício fiscal não reverta em vantagem econômica direta ao consumidor final. 3.2. Como compatibilizar a essencialidade da energia elétrica e o viés ambiental do ICMS? Questão diversa diz respeito à tributação da energia elétrica em si, e não dos produtos necessários à sua geração. Como já mencionado, no Estado do Rio Grande do Sul incide a alíquota de ICMS de 25% sobre a energia elétrica, havendo redução da alíquota para consumo de energia em iluminação de vias públicas, utilização industrial e rural, ou residencial, esta última até 50 KW por mês 28. Ademais, são isentas 25 Vide: ZERO Hora. Rio Grande do Sul é referência em geração eólica. 07/09/2013. Disponível em http://zh.clicrbs. com.br/rs/noticias/economia/noticia/2013/09/rio-grande-do-sul-e-referencia-em-geracao-eolica-4261173.html, acesso em 11/08/2014; PORTAL Brasil, Parques eólicos no Rio Grande do Sul responderão pela geração de mais de 550 MW. 10/04/2014. Disponível em http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2014/04/parques-eolicos-no-rio-grande-do-sulresponderao-pela-geracao-de-mais-de-550-mw, acesso em 11/08/2014. 26 Em alguns países esta escolha já é permitida, como ocorre no Reino Unido, que permite ao consumidor final escolher a fonte da energia que recebe em sua residência (UK Secretary of State for Trade and Industry. Our Energy Future - creating a low carbono economy. TSO, 2003). 27 JORNAL do Comércio. Segundo CCEE, Geração de energia em térmicas sobe 20,7% em maio. Disponível em http:// jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=167125, acesso em 13/08/2014. 28 O art. 27, I, do Livro I do Decreto 37.699/97, c/c o Apêndice I, Seção I, IX, do mesmo regulamento (RICMS) define a alíquota de 25%. A alíquota incidente sobre o consumo rural e o residencial, até 50 KW/mês é de 12%, na forma do art. 27, V, c/c o Apêndice I, Seção II, XXVI, do RICMS. A alíquota da energia elétrica destinada à iluminação pública é de 20%, na forma do art. 27, IV; e a alíquota da energia destinada às indústrias é de 17%, conforme o art. 27, X, nota 1, do RICMS/RS. 48

do imposto as parcelas de subvenção da tarifa estabelecida pela Lei Federal nº 10.604, de 17/12/02, no respectivo fornecimento a consumidores enquadrados na Subclasse Residencial Baixa Renda, de acordo com as condições fixadas por órgão regulador de abrangência nacional, na forma do art. 9º, CXXVII do Livro I do RICMS. A alíquota de ICMS de 25% incidente sobre energia elétrica já foi inúmeras vezes questionada em juízo, por suposta afronta ao princípio da seletividade. O argumento central da tese defendida pelos contribuintes afirma que a seletividade decorre da essencialidade do produto, na forma do art. 155, 2º, III, da Constituição, e que a energia elétrica é bem inequivocamente essencial. Kiyoshi Harada resume muito bem esta tese em seu artigo ICMS incidente sobre consumo de energia elétrica 29. Ao julgar essa questão, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a matéria envolveria a análise de legislação infraconstitucional, havendo ofensa reflexa à Constituição 30. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, decidiu que a seletividade conforme a essencialidade do bem somente poderia ser aferida pelo critério de comparação, de modo que não há como aferir ofensa ao Princípio da Seletividade sem ampla e criteriosa análise das demais incidências e alíquotas previstas na legislação estadual 31. Como a tese de afronta à seletividade foi discutida em mandado de segurança, restando inviabilizada a ampla dilação probatória, os recursos dos contribuintes ao STJ, em regra, não foram providos. Portanto, ainda não há decisão dos Tribunais Superiores acerca da constitucionalidade da alíquota de 25% de ICMS incidente sobre energia elétrica, à luz da seletividade prevista no art. 155, 2º, III, da Constituição. Uma análise rápida da questão poderia levar à impressão de que a alíquota é inconstitucional, pois um bem tão essencial quanto a energia elétrica não poderia ser onerado com a carga tributária mais elevada, dentre as diversas alíquotas do ICMS. Uma análise mais detida da questão revela que esta impressão é ilusória. Primeiramente, percebese que o legislador estadual graduou as alíquotas do ICMS incidente sobre a energia elétrica, havendo casos de isenção parcial para os mais necessitados, alíquota de 12% para produtores rurais e para as residências em que o consumo de energia é menor, alíquota de 17% para as indústrias, e alíquota de 20% para a iluminação pública. Pagam a alíquota máxima, de 25%, as residências com consumo mais elevado e os prestadores de serviço. Essa graduação pode ser vista como a própria concretização do princípio da seletividade à luz da essencialidade. Os consumidores residenciais de baixa renda, que destinam percentual maior de seus rendimentos ao pagamento da energia elétrica, se beneficiam com alíquota menor. Esses consumidores, em regra, só utilizam a energia essencial para suas atividades domésticas, evitando desperdício, pois a despesa com eletricidade é relevante no orçamento familiar. Já os consumidores residenciais com renda mais elevada tendem a utilizar mais energia elétrica, até porque costumam possuir mais eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos. Ainda que a energia continue sendo essencial para esses consumidores, eles teriam a possibilidade de reduzir seu consumo, caso isso fosse realmente necessário, diminuindo o uso de equipamentos elétricos supérfluos. Por esse motivo, seria justificável a tributação mais elevada. 29 Revista Fórum de Direito Tributário. Belo Horizinte, ano 6, n. 36, p. 147-153, nov/dez. 2008. 30 RE 734881 AgR, Relator(a): Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 05/11/2013, processo eletrônico DJe-229 DIVULG 20-11-2013 PUBLIC 21-11-2013; RE 634457, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/05/2014, publicado em DJe-098 DIVULG 22/05/2014 PUBLIC 23/05/2014. 31 RMS 28227/GO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/03/2009, DJe 20/04/2009. ESAPERGS 49

Esta linha de raciocínio vai ao encontro da lição de Ricardo Lobo Torres, que defende que a seletividade é um subprincípio da capacidade contributiva, como já mencionado na seção 1 32. Misabel Abreu Machado Derzi tem a mesma percepção, afirmando que o princípio da seletividade em função da essencialidade é instituído precisamente por que é impossível graduar os tributos indiretos de acordo com a capacidade contributiva do consumidor final 33. Kiyoshi Harada e Adolpho Bergamini, por outro lado, consideram que a capacidade contributiva do consumidor de energia elétrica domiciliar é irrelevante para a implementação da alíquota seletiva, por serem conceitos distintos 34. No presente artigo acolhe-se a orientação doutrinária que indica que a seletividade, em função da essencialidade, deve ser uma forma de, ainda que indiretamente, concretizar a capacidade contributiva. Por consequência, a alíquota de 25% para os consumidores residenciais que utilizam mais de 50 KW/mês parece ser constitucional, pois é exigida dos consumidores com maior capacidade contributiva. Há uma justificativa ambiental para essa posição: como mencionado acima, os consumidores residenciais que utilizam mais de 50 KW/mês normalmente desperdiçam energia, e podem reduzir seu consumo sem grandes prejuízos às suas atividades rotineiras. O risco de racionamento de energia elétrica que o Brasil atravessou em 2001 evidencia essa assertiva: na ocasião, os usuários de energia reduziram voluntariamente o consumo, a fim de diminuir os períodos de racionamento obrigatório 35. Por conta desta situação de crise, ainda, as indústrias começaram a investir em eficiência energética, diminuindo seu consumo de energia elétrica 36. Ou seja, quando estimulados a utilizar menos energia, os consumidores responderam adequadamente ao estímulo. Nessa linha, deve se destacar que eficiência energética é a forma mais rápida e mais barata de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, causadores de mudanças climáticas, como já apontou o governo britânico 37. Portanto, uma tributação ambiental bem formatada deve não só desonerar a produção de energia renovável o que já é feito no Estado do Rio Grande do Sul, como demonstrado no tópico 3.1 como também incentivar o uso mais eficiente da energia. Isso porque, como exposto na primeira seção desse artigo, a tributação ambiental consiste não só em desonerar os produtos adequados ao meio ambiente, como também em majorar a carga tributária incidente sobre produtos e serviços poluentes. Nesse sentido, a tributação pode e deve ser utilizada como forma de evitar o desperdício de energia elétrica, estimulando uma maior eficiência no seu uso. Portanto, a alíquota de 25% de ICMS incidente sobre a energia elétrica, quando analisada dentro de seu real contexto, parece ser coerente com a seletividade prevista no art. 155, 2º, III, da Constituição, pois onera de forma mais severa a parcela da população que tem condições de reduzir o consumo de energia elétrica sem sofrer em demasia com esta redução. Dessa forma, o ICMS acaba por ter a função extrafiscal de induzir esta parcela da população ao uso mais racional da energia, evitando desperdícios que acabam por causar impactos ambientais desnecessários. 32 TORRES. Curso de Direito Financeiro e Tributário. p. 385. 33 Apud CONTINENTINO. A Seletividade do ICMS, p. 114 34 HARADA. ICMS incidente sobre consumo de energia elétrica, p. 149. BERGAMINI, Adolpho. O ICMS sobre a Comercialização de Energia Elétrica e o Princípio da Seletividade. Revista de Estudos Tributários, ano XI, nº 62, julho-agosto 2008, p. 40. 35 FOLHA on line. "Você apagou a luz e iluminou o Brasil", diz FHC em cadeia de TV. 19/02/2002. Disponível em http:// www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u41961.shtml, acesso em 11/08/2014. 36 CUNHA, Lívia. Gerenciamento de energia no Brasil. Revista O Setor Elétrico. Edição 53, Jun-2010, disponível em http://www.osetoreletrico.com.br/web/component/content/article/57-artigos-e-materias/393-gerenciamento-de-energia-nobrasil.html, acesso em 11/08/2014. 37 Secretary of State for the Environment, Food and Rural Affairs. Climate Change: the UK Programme 2006, p. 34. 50

4. Conclusão: a coerência do ICMS incidente sobre o setor de energia elétrica no Rio Grande do Sul, à luz da tributação ambiental Como visto, a tributação ambiental é a política pública que diferencia a carga tributária de acordo com o grau de dano ambiental causado por determinado produto ou serviço. Assim, pretende estimular a população a voluntariamente escolher a opção mais benéfica ao meio ambiente. Partindo-se destes pressupostos, chegou-se às seguintes conclusões: a) a seletividade do ICMS pode e deve ser utilizada com essa finalidade, conforme se conclui da interpretação conjugada dos arts. 155, 2º, III, e 170, VI, da Constituição Federal; b) como exposto no tópico 3.1, o Estado do Rio Grande do Sul concede isenções de ICMS aos produtos necessários para gerar energia elétrica a partir de fontes renováveis. Ao agir dessa forma, viabiliza a exploração destas fontes energéticas, cuja exploração está em constante crescimento no Estado. Nessa etapa da cadeia produtiva, portanto, o ICMS está perfeitamente adequado à norma do art. 170, VI, da Constituição, pois dá tratamento tributário diferenciado à mercadoria menos poluente; c) o fato de o consumidor final não ter como escolher consumir apenas a energia renovável não se mostra relevante para assegurar a melhor proteção do meio ambiente, pois as fontes geradoras de energia mais poluente usinas termoelétricas só são utilizadas quando as fontes renováveis não se mostram suficientes para suprir a demanda; d) como demostrado no tópico 3.2, a energia elétrica é tributada com diversas alíquotas em função precisamente da essencialidade da mercadoria para cada grupo de consumidores. A alíquota de 25% é reservada aos consumidores que têm margem para reduzir seu uso sem maiores prejuízos às suas atividades rotineiras. e) propõe-se, nesse artigo, que a alíquota mais elevada é um estímulo à redução do desperdício de energia elétrica, atendendo a uma finalidade ambiental; f ) por consequência, ao reduzir o consumo desnecessário de energia elétrica, o usuário que sofre com a incidência de carga tributária de 25% não só diminui suas despesas com a eletricidade, mas também alivia o sistema de geração de energia; g) com a redução do consumo de energia elétrica, diminui-se a geração de eletricidade a partir das fontes mais poluentes (as termoelétricas), que são as primeiras a reduzir o ritmo de geração quando há uma queda no consumo. Logo, o impacto ambiental decorrente da produção de energia elétrica é reduzido. Bibliografia ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004. BALEEIRO, Aliomar; DERZI, Misabel Abreu Machado (atualizadora). Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998. BERGAMINI, Adolpho. O ICMS sobre a Comercialização de Energia Elétrica e o Princípio da Seletividade. Revista de Estudos Tributários, ano XI, nº 62, p. 36-47, julho-agosto 2008. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. CONTINENTINO, Marcelo Casseb. A Seletividade do ICMS Incidente sobre Energia Elétrica e a Constitucionalidade ESAPERGS 51

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