AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA E DANO INFECTO. INDENIZAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS SOFRIDOS PELO OCUPANTE DO IMÓVEL. O INQUILINO, COMO POSSUIDOR DIRETO DO BEM, É TITULAR DO DIREITO DE PROTEÇÃO CONTRA O USO NOCIVO DO PRÉDIO VIZINHO, INCLUSIVE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MATERIAIS PROVADOS EM PERÍCIA. INTERPRETAÇÃO DAS REGRAS DOS ARTIGOS 554 E 555, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INTERESSES DO PROPRIETÁRIO DO BEM QUE COLIDEM COM OS DAQUELE QUE HABITA O IMÓVEL. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE OS REPAROS NECESSÁRIOS A REPOR A COISA NO ESTADO ANTERIOR JÁ TENHAM SIDO PROCEDIDOS. DISTINÇÃO ENTRE ESSES E AQUELES REALIZADOS PARA DESEMBARGAR A OBRA. DANO MORAL. DIMENSÃO DO SOFRIMENTO SUPORTADO PELA PARTE DIANTE DA ANGÚSTIA DO RISCO DE DESABAMENTO DE SUA MORADIA. APELO DESPROVIDOS. APELAÇÃO CÍVEL VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE PORTO ALEGRE ESPOLIO DE YOLANDA RANIERI DI PRIMO VASCO GILNEI SILVEIRA DA ROSA GLADIS DUTRA IESBICH R2 INCORPORADORA E CONSTRUTORA LTDA APELANTE/APELADO APELANTE/APELADO APELADO INTERESSADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento a ambos os apelos. 1
Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. RUBEM DUARTE. Porto Alegre, 15 de setembro de 2004. DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO, Relator. R E L ATÓRIO DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO (RELATOR) ESPÓLIO DE YOLANDA RANIERI DI PRIMIO apela de sentença que, nos autos da ação de nunciação de obra nova movida por GLADIS DUTRA IESBICH contra o Espólio, ora apelante, VASCO GILNEI SILVEIRA DA ROSA e R2 INCORPORADORA E CONSTRUTORA LTDA., julgou parcialmente procedente a demanda aos efeitos de: revogar a liminar de embargo da obra, condenando os requeridos Vasco Gilnei Silveira da Rosa e R2 Incorporadora e Construtora LTDA ao pagamento de indenização pelos danos materiais causados, correspondentes ao valor necessário para a recuperação da casa ocupada pela autora, no montante de R$ 12.711,00 e a pagar a título de dano moral, o equivalente a 20 salários mínimos, vigentes à data do pagamento, responsabilizando os referidos réus pelas custas processuais e honorários de advogado, fixados em 12% sobre o valor da condenação. Quanto ao apelo do Espólio de Yolanda Ranieri Di Primio, locador do imóvel, advoga o apelante que, no presente caso, é necessária a sua intervenção, embora excluído por ilegitimidade passiva, eis que proprietário do bem em questão, e interessado na execução das obras de reparação dos danos. Requer a reforma da sentença, para que seja atribuída a responsabilidade de reparar a parte danificada do imóvel aos demais co-réus, na forma de obrigação de fazer, sob pena de responderem esses pelos valores 2
correspondentes, diante dos prejudicados. Menciona que, se assim não ocorrer, a autora poderá receber a quantia em espécie e não usar tal importância para o fim destinado. VASCO GILNEI DA SILVEIRA E R2 INCORPORADORA E CONSTRUTORA também apelam. Aduzem, inicialmente, que a autora, na condição de locatária, nenhum dano material sofreu em seu patrimônio, mencionando que, no curso do feito, já foi recuperada a casa ocupada, por determinação do próprio juízo. Assevera que a sentença, nesse ponto, é ultra petita, vez que ultrapassa o pedido inicial, requerendo que seja reduzido o valor fixado a título de dano moral, face ao pronto atendimento do pedido de reconstrução. Pugna pela improcedência do pedido de reparação por dano material, noticiando que já foi recuperada a casa no decorrer da demanda. Requer, ao cabo, o redimensionamento dos ônus sucumbenciais. Em suas contra-razões, a autora da ação requer seja mantida a sentença. Quanto ao apelo da construtora, afirma que, consoante laudo pericial, apenas fez reparos provisórios. Relata, ainda, que a construtora traz à apreciação desta Corte, intempestivamente, novos documentos, na tentativa de demonstrar que tenha refeito o serviço para se eximir do pagamento de indenização ao qual foi condenada. Em suma, propugna pelo desprovimento de ambos os apelos. Após, subiram os autos a esta Egrégia Instância. É o relatório. V OTOS DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO (RELATOR) Não há que se falar em sentença ultra petita, porquanto, no item 6 do pedido inicial, está expressa a pretensão de a autora ver-se indenizada pelos danos materiais sofridos. E o art. 554, do Código Civil de 1916, é taxativo ao referir que tanto o proprietário como o inquilino tem o direito de impedir o 3
mau uso da propriedade vizinha. E, no caso presente, a autora agiu dentro das prerrogativas que a Lei nº 8.245/91 lhe incumbe, vale dizer, zelar no sentido de manter o imóvel no estado em que o recebeu, levando ao conhecimento do locador o surgimento de dano ou defeito cuja reparação a este incumba, bem como eventuais turbações de terceiros. Ademais, o art. 555, do mesmo Diploma Legal, fixa que o proprietário tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou reparação necessária, quando este ameaçe ruína, bem como que preste caução pelo dano iminente. J.M. Carvalho Santos, em sua festejada obra, Código Civil Brasileiro Interpretado, p. 16, vol. VIII, leciona se bem que o Código fale apenas em proprietário, é certo que igual direito a este tem o possuidor (conforme Clóvis, comentários ao art. 555), explicando o mestre que a referência unicamente feita ao proprietário aí está para significar que pode este intentar a ação de dano infecto, embora não habite a casa vizinha da que está em ruína iminente. Assim, natural que a titularidade para requerer a indenização seria do titular do imóvel, mas quando este se mostra desinteressado, cumpre ao inquilino, na proteção do seu direito à moradia, pugnar pela preservação do bem, mantendo-o em condições dignas de habitabilidade. Daí por que não prevalece o argumento de que caberia ao juízo a condenação da construtora à execução da obrigação de fazer, quando tal não foi objeto do pedido inicial. Ao contrário, a indenização, diante da constatação de que o empreendimento realizado por Vasco Gilnei Silveira da Rosa e R2 Incorporadora e Construtora Ltda. é fruto de transação havida entre esses e o Espólio de Yolanda Ranieri Di Primio, era medida impositiva. Pois caberá à autora a providência de realizar os consertos no imóvel, que, por óbvio, lhe aproveitarão, pois quem detém a sua posse direta. Se assim não proceder, restará o direito ao eventual ressarcimento da proprietária. 4
Todavia, a evidente comunhão entre essa e a incorporadora do prédio vizinho até o presente momento não permite que se subtraia o interesse de agir do inquilino, na condição de titular do direito de proteção do imóvel contra o uso nocivo, pelo vizinho, do direito de propriedade. Também não procede o argumento de que o levantamento do embargo estaria a indicar que cessaram os prejuízos arcados pela parte autora, descabendo a condenação. O laudo de fls. 68/82, elaborado por profissional indicado pela própria parte apelante, descreve, de forma detalhada, os danos causados no imóvel, que é moradia da autora, indicando, no item 4, o conjunto de obras necessárias para refazer a situação original do imóvel. E, no laudo complementar, exibido pelo perito nomeado pelo juízo, está consignado que o valor necessário para a recuperação da casa ocupada pela autora importa em R$ 12.711,00 (doze mil, setecentos e onze reais) conforme planilha juntada em anexo, onde são elencados os serviços necessários, seus quantitativos, preços unitários e o valor global de cada item. E a planilha, de forma clara, evidencia os gastos necessários, como se vê à fl. 131, não se podendo confundir obras já realizadas para viabilizar o desembargo da obra com aquelas pleiteadas pela apelada para recompor o bem no estado anterior. São situações absolutamente distintas. Quanto ao documento anexado às razões de apelo, embora anterior ao julgamento da causa (termo de audiência no juizado criminal realizada no dia 11 de agosto de 2003), não pode ser tido como documento novo, pois é público e envolvendo as partes. Certo é que, pelo acordo, restou a construtora com a obrigação de reparar os danos denunciados no laudo pericial, não havendo, contudo, um esboço de prova sequer no sentido de que tal tivesse sido executado nos prazos ali mesmo noticiados (30 e 60 dias, para refazer o telhado, o piso do hall de entrada e também da garagem e do seu acesso, além do pórtico de entrada da casa...). 5
Ao menos isso é negado, com veemência, pela apelada, que repele a juntada do documento referido, afirmando que o serviço não teria sido feito em sua totalidade. Pois o que anexou documento imprestável pois não submetido ao contraditório foi uma simples proposta de serviço. A recorrida insiste que a construtora não reparou os danos causados no imóvel, senão provisoriamente. Evidente que, se tal já tivesse ocorrido, caberia a prova cabal da obra; o que, aliás, pela lógica do apelo da co-ré, pedindo a conversão em obrigação de fazer da condenação, conduz à conclusão negativa, mantendose, de conseguinte, a condenação operada pela sentença de primeiro grau. Quanto aos danos morais, fixados em 20 (vinte) salários mínimos, mostram-se até módicos. Há que se considerar, no caso, o abalo psicológico por que devem ter passado a autora e todos os moradores do imóvel, objeto de parcial desabamento. O fato fala por si. Imagine-se o drama vivido pelas pessoas, sua angústia e temores naturais da situação insólita em que se viram mergulhadas. De outro lado, não só o efeito do fato, como a capacidade econômica das partes e o grau de culpa da apelante não permitem a pretendida redução do quantum fixado em sentença. A condenação inclui, também, o efeito pedagógico para o ofensor e a reparação, ainda que parcial, para a vítima, do mal a que foi submetida. Não cabe, pois, reduzir o valor da indenização, que vai mantida. apelos. O voto, pois, é no sentido de negar provimento a ambos os DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo. DES. RUBEM DUARTE - De acordo. APELAÇÃO CÍVEL DE PORTO ALEGRE: NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS APELOS. UNÂNIME. Julgador(a) de 1º Grau: KETLIN CARLA PASA CASAGRANDE 6