Conteúdo local e neoliberalismo neodesenvolvimentista: a indústria da construção naval e a política de compras da Petrobras durante os governos Lula.



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Transcrição:

Conteúdo local e neoliberalismo neodesenvolvimentista: a indústria da construção naval e a política de compras da Petrobras durante os governos Lula. Julia Gomes e Souza 1 O presente trabalho busca contribuir para a análise da fase neodesenvolvimentista do neoliberalismo brasileiro através do estudo da política de conteúdo local aprofundada pelo governo federal a partir de 2003, que redirecionou para o mercado interno parte significativa da produção de navios e plataformas necessárias à exploração de petróleo em águas profundas. Nosso foco será o impacto dessa política na indústria da construção naval, que vive atualmente o período mais pujante de sua história. Acredita-se que o aprofundamento da política de conteúdo local durante os governos de Lula corresponde ao fortalecimento político de uma parcela específica da burguesia brasileira do bloco no poder, a grande burguesia interna 2, da qual o setor da construção naval é parte integrante. Além disso, ela também articula as diferentes forças que compõem a frente política neodesenvolvimentista 3. Durante os governos Lula observamos alterações significativas na política econômica, especialmente no que diz respeito ao direcionamento das compras e contratações feitas pelo governo e pela Petrobras, voltadas, agora, ao mercado interno. Foi nesse governo que se consolidou o vínculo entre o crescimento da exploração de petróleo em alto mar e a indústria da construção naval brasileira. A retomada da 1 Doutoranda em ciência política pela Unicamp, pesquisadora do CEMARX/Unicamp e do Neils/PUC- SP. 2 Segundo Poulantzas, a burguesia interna é a parcela da burguesia que ocupa uma posição intermediária entre a burguesia compradora e a burguesia nacional diante do capital imperialista. Apesar de possuir diversos elos de dependência com o capital imperialista, ela possui um fundamento econômico e uma base de acumulação próprios ao mesmo tempo no interior de sua formação social, sem que isso afete a dominação imperialista sobre suas economias (Poulantzas, 1975, p. 77-78). Ela abrange representantes de diferentes setores econômicos, que possuem em comum o fato de reivindicarem do Estado políticas voltadas para atender os interesses específicos das empresas que atuam dentro no país. Acreditamos ser possível classificar a construção naval como um dos setores que compõe a burguesia interna brasileira, que, a partir do segundo governo Fernando Henrique Cardoso passou a se organizar e a lutar por seus interesses comuns: 1) a conquista de novos mercados para exportação de seus produtos; 2) a realização de investimentos diretos no exterior; 3) a prioridade para seus produtos e serviços nas compras do Estado e das empresas estatais 4) uma maior proteção ao mercado interno (Berringer, 2012, p. 04). 3 A Frente neodesenvolvimentista é composta pela grande burguesia interna (que figura como força dirigente da frente, que, apesar de ter apoiado o programa neoliberal em seus pontos mais importantes, ao longo da década de 1990 acumulou uma série de contradições com ele), pelo operariado urbano, pelo campesinato e pela baixa classe média. (Boito Jr & Berringer, 2013, p. 31)

indústria naval, observada nos últimos anos, é resultado da política econômica do Estado brasileiro no sentido de favorecer os interesses da grande burguesia brasileira. A política econômica voltada para o setor da construção naval tem como elemento central a demanda por navios e plataformas de petróleo encomendadas, em sua maioria, pela Petrobras. Assim como no passado, o crescimento do setor tem como base a garantia de demanda e financiamento por parte do Estado brasileiro. A indústria da construção naval foi uma das maiores beneficiárias dessa mudança. O governo Federal desenvolveu uma série de programas e políticas com o intuito de capacitar a indústria brasileira à atender essa nova demanda. O resultado dessas medidas foram dez anos de rápido crescimento. Atualmente, os estaleiros brasileiros trabalham a pleno vapor, utilizando quase a totalidade de sua capacidade instalada e, em julho de 2014, empregavam mais de 81 mil trabalhadores (Sinaval, 2014). O quadro abaixo ilustra a evolução do número de empregados nos estaleiros no Brasil até 2012. Fonte: Sinaval (2012) A adoção de uma política voltada para garantir índices mínimos de produção interna (ou de nacionalização, como preferem a maioria dos técnicos, empresários e analistas do setor) foi resultado direto da atuação de forma organizada de setores importantes da burguesia brasileira junto aos órgãos de Estado. Apesar de ser possível identificar o aprofundamento da política de conteúdo local durante os governos Lula, o seu início ocorreu ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Na primeira rodada de licitação da ANP para a concessão de direitos exploratórios, os índices de conteúdo

local foram utilizados como critério de pontuação para a definição dos vencedores. As justificativas para a implementação da política de conteúdo local giraram em torno da necessidade de incentivar o desenvolvimento da indústria petroleira e para-petroleira localmente, garantindo a criação de emprego e renda no país. A maioria das análises que avalia historicamente os processos licitatórios da ANP costuma dividi-lo em duas fases: a primeira delas engloba as rodadas de 1 à 4, realizadas no período de 1999 á 2002, durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso; já a segunda fase envolve as rodadas de 5 á 10, abrangendo o período dos dois mandatos do governo Lula. O gráfico abaixo retrata a evolução percentual do conteúdo local contido nas ofertas vencedoras dos leiloes da ANP para a exploração de petróleo. Somente blocos terrestres Fonte: ANP: 2012 Durante a primeira fase de aplicação da política de conteúdo local pela ANP, os índices de nacionalização serviam como critério de pontuação para a definição da oferta da empresa vencedora. Nas primeiras rodadas de leilões para a concessão dos direitos exploratórios, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) adotou o seguinte critério para avaliar as empresas ou consórcios vencedores: o Bônus de Assinatura 4 representava um peso de 85% na avaliação da proposta de concessão, enquanto o comprometimento de compra de bens e serviços no mercado local representava um peso de 15%, sendo que 12 % para a etapa de desenvolvimento e 3% para a fase de exploração. Como se pode constatar a partir dos dados do gráfico a cima, o conteúdo 4 O Bônus de Assinatura é o valor pago pela empresa interessada para adquirir a concessão de exploração.

local durante essa primeira etapa ficou em média de 28,25% para a etapa de exploração e 34,25 % para a etapa de desenvolvimento, acumulando uma média geral de 31,25% para o período. Apesar da política de conteúdo local ter sido bem recebida pelos empresários do setor para-petroleiro, ela não deixou de receber críticas. Omar Resende Peres, eleito pela primeira vez presidente do Sinaval (Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore) em 1999, criticou o baixo índice de conteúdo local na primeira rodada de leilões da Petrobrás e defendeu sua ampliação com base no estudo elaborado pela PUC-RJ, que assegurava a capacidade da indústria local em fornecer 60% da demanda acionada pelo setor petroleiro. Sua proposta era de que a ANP, nos próximos leilões, alterasse para 40% o peso das compras locais como critério de definição das empresas vencedoras (JB, 27/04/1999). Além da defesa da ampliação dos índices de conteúdo local na indústria de exploração de petróleo e gás, Omar Peres também criticou a escassez de crédito e financiamento disponíveis para o setor naval brasileiro, mesmo contando com os recursos do FMM (Fundo da Marinha Marcante). Segundo ele, esse era o principal fator limitador da reestruturação da indústria naval, visto que haveria no país um parque industrial montado, mão-de-obra qualificada e recursos para financiamento disponíveis (o FMM), além de o país viver um contexto de ampliação da demanda causada pela abertura da exploração de Petróleo para a iniciativa privada. As principais demandas da indústria naval nesse contexto eram: 1) isonomia fiscal com os concorrentes estrangeiros; 2) investimentos na remodelação do parque industrial; 3) linhas de crédito via Fundo da Marinha Mercante (FMM)/BNDES com taxas e prazos também compatíveis com os praticados pelos concorrentes internacionais; 4) reestruturação do passivo fiscal dos estaleiros com recursos do FMM, mas tendo como objetivo exclusivo o pagamento do passivo fiscal; 5) incentivo para que as empresas estrangeiras, a exemplo da indústria automobilística, venham investir no setor naval no Brasil. (Peres, 1999) Assim como o Sinaval, o governo do Rio de Janeiro também foi um ator importante na defesa da ampliação dos índices de internalização das compras da Petrobras. Segundo Cassio da Silva, o governo fluminense também exerceu pressão para que fosse aumentado o conteúdo local nas licitações da ANP, assim como teve um papel decisivo para induzir a Petrobras a aumentar o índice de nacionalização de suas compras, isso porque o Estado do Rio de Janeiro possui uma posição privilegiada no que diz respeito à indústria do petróleo, com 80% da produção nacional e a localização

de maior parcela da indústria naval do País (Silva. 2005: 70). O autor destaca a atuação da Secretaria Estadual da Energia, Petróleo e Construção Naval do Rio de Janeiro na defesa dos interesses das empresas do setor, uma vez que elas representam parte significativa do PIB do Estado. Apesar da pressão exercida por representantes de diferentes atores que compõem a cadeia de fornecedores locais da indústria de exploração de petróleo, esse cenário só sofreu alterações significativas com a ascensão de Lula ao governo federal, que durante a sua campanha eleitoral já defendia a ampliação do conteúdo local nas compras da Petrobras e a construção no país de plataformas de petróleo. Este tema foi alvo de uma das polêmicas em que se envolveu o então candidato é presidência durante a sua campanha. Em discurso dia 15 de agosto no Rio de Janeiro fez duras críticas á Petrobras e ao seu presidente, Francisco Gros, no caso da vitória do grupo Jurong, de Cingapura, sobre o consócio Fels-Setal, formado pelo grupo brasileiro Pen-Setal e pela empresa japonesa Keppel Fels, para a construção da plataforma P-50 por uma diferença de 5% no preço: US$ 244 milhões, contra US$ 258 milhões. Segundo Lula, "Fernando Henrique Cardoso deveria ameaçar o presidente da Petrobras de demissão, caso ele insistisse em construir plataformas no Exterior. Na avaliação de Lula existiam estaleiros no país em condições de construir a plataforma, como seria o caso do estaleiro Verolme, no Rio de Janeiro. No primeiro horário político do PT em 2002 o tema volta á pauta e é veiculado um vídeo gravado no estaleiro Fels-Setal em Angra dos Reis, em que o então candidato a presidência afirma: Temos que exportar mais e importar menos. Ou seja: trazer mais dólares para cá e mandar menos dólares para lá. Mas, enquanto o Brasil precisa fazer esse tremendo esforço, a Petrobras parece ignorar que é uma empresa brasileira. Faz concorrência para a construção de três plataformas e, apesar de a gente ter estaleiros capazes da construção delas aqui no Brasil, a Petrobras já contratou a primeira em Cingapura, na Ásia. Está praticamente certo que o destino das outras duas será o mesmo. Mais uma coisa: se essas plataformas fossem construídas no Brasil, gerariam cerca de 25 mil empregos por um período de três anos. Isto é: além de mandar US$ 1,5 bilhão para fora, deixamos de criar milhares e milhares de empregos aqui dentro. (...) O presidente tinha que chamar a direção da Petrobras e dizer: É no Brasil que as plataformas têm que ser feitas, não em Cingapura. (Isto É, 23/08/2002) Ao tomar posse em janeiro de 2003, Lula coloca em andamento essa que foi uma das suas principais plataformas de campanha e passa a desenvolver políticas que priorizam a indústria para-petroleira local. As mudanças no modelo de política para o

setor de petróleo e gás ocorreram já no início do governo Lula, em janeiro de 2003, quando o Ministério de Minas e Energia baixou uma diretriz que determinava o aumento do índice de nacionalização nas compras da Petrobras e de conteúdo local nos editais de licitação. A primeira medida, considerada um divisor de águas na política de compras da Petrobras, foi a de rever os editais de licitação para a construção das plataformas P-51 e P-52. A ANP mudou a forma de contratação das empresas responsáveis pela construção das plataformas ao desmembrar os projetos de construção em diferentes módulos (geração, compressão, casco/topside 5 ), para os quais são contratadas empresas diferentes. Houve também o estabelecimento de índices mínimos de conteúdo local de 60% para a construção dos topsides e de 75% para os módulos de geração e de compressão, excluídas deste percentual os compressores e tubogeradores que não são fabricados no Brasil, além de assegurar que os serviços de engenharia, construção e montagem fossem realizados integralmente no Brasil (Furtado et al. 2003: 12). Segundo Cássio Silva: as licitações da P-51 e P-52 deixaram claro que a Petrobras (...) já apresentava um redirecionamento em sua política de compras, do modelo de compras vigente no decorrer do governo quando a maior parte de suas obras fora contratada fora do país. Assim, ao decidir colocá-las (a P-51 e a P-52) aqui no Brasil, mesmo pagando um preço mais caro do que o orçado, decidiu-se privilegiar a questão da geração do emprego e da geração de riqueza internamente e, paralelamente, recuperar a capacidade das empresas de engenharia que atuam no país (Silva, 2005, p. 89) Os dados expostos acima sobre a evolução do conteúdo local nas rodadas de licitação da Petrobras apontam que, no período inaugurado pelo governo Lula, o conteúdo local das propostas vencedoras nos leilões da ANP ficou, em media, 72% para a fase de exploração e 78,8% para a etapa de desenvolvimento, acumulando um conteúdo local médio de 75,4% no período, número expressivamente superior á média de 31,25%, das rodadas de licitação realizadas durante o governo Fernando Henrique. Dentre as medidas adotadas ou aprofundadas durante o governo Lula e que têm como alvo principal a indústria da construção naval brasileira, podemos citar quatro delas, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (PROMINP); o Programa de Modernização e Expansão da Frota (PROMEF); o Programa de 5 Segundo Cassio da Silva, o termo topside refere-se á parte principal da plataforma que inclui acomodações de pessoal, unidades de processamento de produção, sistemas de ancoragem e estabilidade, além dos módulos de geração de energia e compressão de gás e outros equipamentos (2009, p. 113)

Renovação da Frota de Apoio Marítimo (PROREFAM) e o Programa Empresas Brasileiras de Navegação (EBN). Como se pode perceber, o eixo principal da política do governo Lula para a cadeia petrolífera foi priorizar a indústria brasileiras nas compras e contratações da Petrobras e da ANP. Atualmente, a indústria petrolífera é responsável por quase a totalidade das encomendas dos estaleiros brasileiros, que trabalham em pleno vapor, com a utilização da totalidade de sua capacidade instalada. Como resultado dos programas federais de incentivo a indústria naval atrelados à política de compras da Petrobras, foram contratadas no total 316 embarcações, totalmente construídas no Brasil e, em sua maioria, com índices de nacionalização superiores á 60%. A tabela abaixo trás a totalização dos números de embarcações contratadas no país a partir dos programas federais descritos acima. Tabela: Embarcações contratadas e a contratar no Brasil a partir de 1999 Embarcações Programa Contratada A contratar Total s PROREFAM I 19 0 19 PROREFAM II 30 0 30 PROREFAM III 56 90 146 PROMEF I 23 0 23 PROMEF II 26 0 26 EBN 1 19 0 19 EBN 2 20 0 20 SONDAS 7 26 33 TOTAL 316 Fonte: BNDES, 2012 O crescimento da produção de petróleo em alto mar no último período e os programas governamentais que priorizam a indústria local atrelaram o destino da indústria naval brasileira ao da exploração de petróleo. O grau de dependência da indústria da construção naval das encomendas da cadeia petrolífera pode ser medido através da análise dos dados referentes à carteira de encomendas dos estaleiros brasileiros em 2012, expostos na tabela abaixo. Em uma análise rápida, sem levar em conta quais os armadores contratantes, o que ajudaria na determinação da finalidade do navio, pode-se aferir que 237 das 385 embarcações encomendadas, ou por volta de 62%,

têm como destino as atividades diretamente relacionadas à exploração e ao transporte de petróleo e gás. Carteira de encomendas geral (2012) Tipo Quantidade Plataformas de produção 19 Navios-sonda 35 Navios porta-contêineres 7 Navios graneleiros 4 Navios de apoio offshore 101 Navios de produtos 33 Petroleiros 24 Navios para bunker 10 Navios gaseiros 15 Barcaças fluviais 103 Empurradores fluviais 26 Rebocadores portuários 8 Total 385 Fonte: Sinaval, 2012. O PROMEF, o PROREFAM e o EBN não serviram apenas para promover a indústria da construção naval, eles garantiram a ampliação da frota brasileira de apoio marítimo. Segundo dados da ABEAM, no início dos anos 2000, a frota de apoio marítimo no Brasil reunia 148 embarcações, sendo 88 estrangeiras e 60 brasileiras. Atualmente, ela possui 429 embarcações, sendo 234 estrangeiras e 195 brasileiras. Houve, portanto, um crescimento em mais de três vezes da quantidade de navios brasileiros em operação no apoio marítimo, o que acaba refletindo nos gastos dos armadores brasileiros com o fretamento de embarcações no exterior, abrindo a possibilidade de limitar os recursos evadidos nessas operações. O gráfico abaixo ilustra a evolução da frota de apoio marítimo nas últimas décadas.

Figura: Evolução da frota de apoio marítimo Fonte: ABEAM, 2012. A política de conteúdo local desenvolvida pelo governo Lula favoreceu a indústria da construção naval também ao favorecer a construção de plataformas de petróleo no Brasil. Segundo dados do Sinaval, em 2012, existiam 20 plataformas em construção por estaleiros brasileiros, das quais 14 plataformas estavam sendo construídas inteiramente aqui no país. Para os representantes dos empresários da indústria naval é nítida a ênfase na construção local desses equipamentos, implantando no Brasil uma ampla capacidade industrial para atender a demanda do segmento de produção de petróleo offshore (Sinaval, 2012). Buscamos nesse texto levantar algumas características gerais da política de conteúdo local aprofundada durante os governos Lula, que tem como principal fundamento a ampliação de participação da indústria instalada no Brasil em toda a cadeia de exploração de petróleo e gás. Acredita-se que essa política é um dos eixos centrais do neoliberalismo neodesenvolvimentista dos governos petistas e uma das bases de articulação da frente neodesenvolvimentista. A mudança no enfoque da política, buscando, através de sua política energética, favorecer toda a cadeia petrolífera local, acaba por atender as principais demandas de setores importantes da burguesia industrial brasileira que, há algum tempo, reivindicavam alterações na política

econômica do governo federal, ao mesmo tempo em que se atende a demanda dos trabalhadores pelo aumento dos postos de trabalho. Referencias bibliográficas: ABEAM. Apresentação na Navalshore. 2012 ANP. Avaliação da Competitividade do Fornecedor Nacional com relação aos Principais Bens e Serviços. Maio de 1999. ANP/PUC-RJ, Avaliação da Competitividade do Fornecedor Nacional com relação aos Principais Bens e Serviços. Rio de Janeiro, 1999. BERRINGER, Tatiana. A burguesia brasileira e a política externa nos Governos Lula (2003-2010). Trabalho apresentado na Mesa Redonda: Classes sociais e capitalismo neoliberal, no VII Colóquio Internacional Marx e Engels, Julho de 2012. BNDES. BNDES 60 anos: perspectivas setoriais. V. 1, 2012. BOITO JR., A. & BERRINGER, T. Brasil: classes sociais, neodesenvolvimentismo e política externa nos governos Lula e Dilma In: Revista de sociologia e política, V. 21, Nº 47, 2013. PERES, Omar Resende. A nova indústria brasileira. In: Jornal do Brasil, 20/06/ 1999. POULANTZAS, Nicos. As classes sociais no capitalismo de hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. SILVA, Cássio G. R. S. A Política de Compras de Entidades Públicas como Instrumento de Capacitação Tecnológica: o Caso da Petrobras. Campinas/SP: Mestrado, DPCT-Unicamp, 2005. SILVA, Cássio G. R. S. Compras Governamentais e Aprendizagem Tecnológica: Uma análise da política de Compras da Petrobras para seus empreendimentos offshore. Campinas/SP: Tese doutorado, DPCT-Unicamp, 2009. SILVA, L.I.L. Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de início das obras de construção da Plataforma P-52 e de lançamento do Programa Nacional de Petróleo e Gás Natural. Angra dos Reis, 19 de dezembro de 2003. SINAVAL. Cenário do 4º trimestre de 2012 Balanço Anual. Dez/2012.

SINAVAL. Cenário do 1º semestre de 2014, 2014.