Número do eixo: Eixo 1 Comunicação Oral. Políticas educacionais e planejamento: o PAR como objeto de investigação



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Transcrição:

Número do eixo: Eixo 1 Comunicação Oral Políticas educacionais e planejamento: o PAR como objeto de investigação Eliza Bartolozzi Ferreira (PPGE/UFES) Roberta Freire Bastos (PIBIC/FAPES/UFES) RESUMO: O texto objetiva analisar o planejamento educacional no Brasil, especificamente, o Plano de Ações Articuladas, A análises são feitas tendo como base dados parciais coletados no âmbito da pesquisa Gestão das políticas educacionais no Espírito Santo e seus mecanismos de centralização e descentralização: o desafio do Plano de Ações Articuladas (PAR), realizada com o apoio financeiro do CNPq e FAPES. No primeiro momento apresenta o contexto da pesquisa, situando o planejamento como instrumento legítimo de organização dos sistemas municipais de educação. Posteriormente, apresenta o PAR e aponta críticas a essa política educacional que busca, sem sucesso, recuperar o planejamento no país. Palavras-chave: planejamento PAR - sistema Introdução Nestes últimos anos, o planejamento educacional tem ocupado um espaço significativo nos debates governamentais, bem como nas associações científicas e acadêmicas, sobretudo após a implantação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), no ano de 2007 e, mais recentemente, com o processo de elaboração/votação do novo Plano Nacional de Educação, em trâmite no Congresso Nacional. Pode-se afirmar que estamos vivendo uma recuperação na utilização do planejamento como instrumento organizador da educação nacional, que significa, sobretudo, a presença do Estado como articulador e regulador das ações desenvolvidas nos entes da federação. Por um lado, podemos entender como positiva essa recuperação do Estado como planejador na medida em que vislumbra a possibilidade de organização do sistema nacional de educação, por outro lado, destaca-se a complexidade do quadro com a presença de fortes antagonismos na condução do Estado brasileiro que influem

na forma precária na condução do planejamento como retrato do baixo investimento financeiro e político na educação do país. Ademais, a utilização da técnica do planejamento por si só não garante o atendimento das metas de melhoria da qualidade da educação e nem mesmo o desenvolvimento de processo educativo nacional mais orgânico, conforme se observa na implantação do Planejamento de Ações Articuladas (PAR) em diferentes municípios. Muitos são os problemas identificados, tais como: i) baixo investimento técnico e financeiro aos municípios por parte da União; ii) burocratização do sistema provoca cisão entre o pedagógico e a gestão política e financeira; iii) baixa capacidade técnica instalada nos sistemas municipais de educação; iiii) falta de continuidade política dos municípios. Tais problemas serão aqui discutidos tendo como base dados parciais coletados no âmbito da pesquisa Gestão das políticas educacionais no Espírito Santo e seus mecanismos de centralização e descentralização: o desafio do Plano de Ações Articuladas (PAR), realizada com o apoio financeiro do CNPq e FAPES para o período 2012-2014. No primeiro momento se propõe apresentar o contexto da pesquisa, situando o planejamento como instrumento legítimo de organização dos sistemas municipais em sua relação com a União. Posteriormente, o texto apresenta o PAR e aponta suas críticas e os seus desafios para alcançar a melhoria do padrão da qualidade da educação brasileira. 1 Planejar a educação: limites O desenvolvimento de uma pesquisa sobre planejamento educacional no século XXI tem sua relevância acentuada pela instauração de uma política como o PAR com pretensão de ser um programa de alcance nacional e que efetive o regime de colaboração entre os entes da federação. Ou seja, a técnica de planejamento recuperada pelo PAR tem a missão de ser o instrumento que vai realizar aquilo que o poder público, após a Constituição Federal de 1988, ainda não concretizou. Além desse grande desafio, o PAR, de caráter plurianual, deve seguir os parâmetros de uma democracia. Pois, sua construção conta com a participação dos gestores e educadores locais, baseado em diagnóstico de caráter participativo e elaborado a partir da utilização do instrumento de avaliação de campo que permite a análise compartilhada do sistema educacional em quatro dimensões: gestão educacional, formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar, práticas pedagógicas e avaliação e infra-estrutura física e recursos pedagógicos.

Para participarem do PAR, os municípios assinaram um termo de adesão Compromisso Todos pela Educação dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Decreto Nº 6.094/2007, o qual dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando à mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. Com isso, os municípios assumem o compromisso de melhorar a qualidade do ensino ofertada e o IDEB é o indicador para a verificação do cumprimento de metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso. Certamente, a concretização do PAR exige um esforço conjunto dos entes federativos em torno do planejamento de sua educação. A complexidade dessa ação conjunta se acentua quando recuamos um pouco no tempo histórico e observamos que os planos educacionais, assim como os planos nacionais de desenvolvimento, têm servido quando muito para justificar políticas já definidas e implementadas, quando não a falta de políticas, conforme ressaltado em estudo clássico de Cunha (1991) realizado entre as décadas de 1970 e 1980. Mas, para além dessa histórica ausência de legitimação política do planejamento no Brasil, a década de 1990, com a forte presença da ideologia neoliberal, foi palco de uma profunda desmotivação na prática de planejar as políticas públicas. Uma das características reconhecidas por muitos intelectuais sobre o processo de globalização acelerada do final do século XX está o recuo do Estado como mediador fulcral das relações sociais capitalistas em comparação com o período do ouro no contexto do Estado de Bem- Estar Social. A ideologia neoliberal, que emerge na globalização, questiona o papel do Estado e impõe o mercado como o espaço que passa a regular a sociedade. Dessa maneira, o planejamento deixa de ser uma função necessária tanto pela falsa ideia de que o mercado é suficiente (e neutro) para regular a sociedade, quanto pela ausência da perspectiva de desenvolvimento em mundo agora assentado no capital financeiro. O Estado passou a ser encarado como um problema e, consequentemente, a política se resumiu à governança e a um mundo de especialistas e gerentes. Esse esvaziamento da política trouxe como consequencia direta uma ausência na ação do Estado de definir objetivos e alocar recursos financeiros para o desenvolvimento da sociedade. Mas, como esse processo não se deu de forma linear, o planejamento permaneceu por força constitucional concebido sob um enfoque normativo e economicista que marcou o planejamento tecnocrático dos governos militares. Ignorou-se a nova e muito mais complexa a realidade política, social, cultural e econômica do Brasil.

Nos planejamentos realizados ao longo da década de 1990, não foram considerados os avanços do conhecimento sobre os processos de governo nem as teorias e as práticas de planejamento público moderno, que buscam integrar as dimensões e os recursos políticos, econômicos, cognitivos e organizativos. Esse foi o período em que se buscou tornar a política mais técnica, oferecendo soluções científicas, supostamente neutras, para problemas sociais. O Estado gerencial almejava uma relação harmoniosa e positiva com a sociedade civil; portanto, buscou avaliar os resultados das políticas públicas que chegam aos cidadãos e tratou dos problemas por meio das agências reguladoras. Por meio da regulação procurou-se um equilíbrio entre o Estado, os interesses da sociedade civil e os agentes econômicos, multiplicados em decorrência dos processos de desestatização. No Brasil, para fortalecer o novo marco regulatório, criaram-se várias agências reguladoras nos âmbitos federal e estadual, baseadas no princípio da autonomia e da manutenção de relações equilibradas com o governo, os usuários e as concessionárias dos serviços públicos. Para responder às finalidades da reforma do Estado, o setor educacional sofreu um processo de descentralização, transferindo-se para as administrações locais e para a escola responsabilidades operativas, antes atribuídas ao poder central. O planejamento e a gestão escolar foram considerados os principais instrumentos para o alcance da eficiência e eficácia do ensino. Todas essas transformações afetaram significativamente o campo da educação, sobretudo a educação escolar, modificando finalidades, valores e práticas educativas que buscam ajustar a educação escolar aos parâmetros da reestruturação capitalista por meio da adoção de uma lógica mercantil e de mecanismos que ampliem o grau de gerência, ou melhor, de controle sobre a produção do trabalho docente. A gestão de instituições escolares é um tema particularmente complexo, especialmente pela centralidade que adquiriu a partir da última década do século XX. Nessa trilha, as instituições públicas experimentam modalidades de avaliação para medir o desempenho das escolas; o rendimento dos alunos passou a ser aferido por testes padronizados; houve uma intensificação do trabalho dos professores que não se limita à sala de aula. O programa Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola), executado no período 1998-2010, pode ser um exemplo típico dessa política. Fruto de um acordo financeiro do MEC com estados e municípios visava desenvolver uma ação descentralizadora nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por meio de convênios com os municípios. A ênfase no gerenciamento racional concretizou-se por meio de uma modalidade de planejamento conhecida com Plano de desenvolvimento da Escola (PDE). Ao aderirem à proposta, estados, municípios e escolas absorveram a metodologia de planejamento estratégico do PDE,

propondo a aquisição, pelos agentes escolares, de atributos que privilegiam a gestão física e financeira da escola. Esta era, sem dúvida, uma estratégia que buscava levar as instituições públicas a trilharem novos caminhos organizacionais que as aproximem das suas congêneres do setor privado. Além disso, após a Constituição Federal de 1988, a organização da federação brasileira torna-se mais complexa com o compartilhamento das decisões coletivas também com os municípios. Essa forma de organização se traduz em uma maior autonomia política, administrativa e financeira por parte dos municípios, bem como em uma descentralização de recursos e atribuições entre os entes federados. Diferente do que ocorrera durante o regime militar, em que havia uma centralização acentuada do poder nas mãos do governo federal. Com a emergência, no século XXI de uma nova coalização de forças políticas, conquanto heterogênea, se organizaram em função do acirramento dos males sociais provocado pelo projeto neoliberal de sociedade. No campo das políticas públicas, com a expansão de programas sociais que buscam a inclusão de uma parte da população até então desprovida dos direitos básicos, identificamos a entrada em uma fase agora pós-neoliberal. Se por um lado essa análise não pressupõe a superação do neoliberalismo, por outro indica um caminho mais direcionado a uma agenda mais preocupada com as mazelas sociais, com o Estado presente na execução de objetivos traçados para amenizar a pobreza no país. A educação guarda um importante papel nesse cenário e recebe um conjunto de políticas de caráter assistencialista e tecnocrático, bem apropriados à conjunção das forças políticas que a integram. O instrumento de planejamento centralizado do PAR e sua execução descentralizada pelos entes federativos emerge nesse contexto sumariamente aqui descrito. Uma política desta natureza tornou-se urgente para a execução de uma regulação mais eficiente do sistema educacional no país, cada vez mais estruturalmente organizado com base em um fundo de financiamento (Fundeb), na avaliação em larga escala e pelo IDEB e, com uma histórica desigualdade entre os sistemas educativos, cujo apoio financeiro do FNDE alcançava geralmente a projetos isolados de sistemas mais experientes. 2 O PAR como uma nova forma de regulação A educação brasileira, historicamente, esteve presa ao projeto de subdesenvolvimento econômico. Mesmo na conjuntura do século XXI em que o país se apresenta com um performance relativamente equilibrada em meio à crise dos países desenvolvidos, sua

condição subalterna permanece na divisão internacional do trabalho. Nesse sentido, a retórica da escola redentora continua presente no discurso de políticos e empresários que transferem para a educação a resolução dos problemas sociais e econômicos. Não obstante os avanços no atendimento ao direito à educação escolar a uma população até então excluída da escola, o atendimento quase universal chegou à etapa do ensino fundamental, enquanto na educação infantil e no ensino médio, o fosso entre a população atendida e a existente continua enorme. São 18 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos fora da escola e 1,8 milhão deveriam estar matriculados no ensino médio e não estão frequentando. A situação é também dramática no ensino superior quando apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos entram no curso superior (PNAD, 2011). Se os desafios de democratização da escola continuam enormes, maiores são o alcance de um ensino de qualidade que forme a cidadania política com domínio consciente da leitura da realidade que lhe permita reconhecer os direitos e se organizar coletivamente para o controle da vida social, política e econômica. Nesse quadro problemático da realidade educacional brasileira, a discussão das políticas educacionais envolve diversos atores sociais que direta e/ou indiretamente está responsável pela transformação do quadro vigente. Sobretudo, após a implantação das reformas educativas e o estabelecimento de parcerias público/privada para a condução do processo educativo, uma gama de atores passaram a pensar e fazer educação. Nesta miríade de ações muitas vezes antagônicas, a União criou alguns programas que referendam o papel do Estado de forma mais contundente, em que pese a permanência de ações descentralizadoras para estados, municípios e escolas. O PAR é um desses programas criados no interior do PDE, inaugurando um sistema de intercâmbio mais sistemático entre a União e os entes federativos. Sua origem pode ser buscada a partir da conexão entre diversas políticas que passaram a existir e demandaram ações mais centralizadas, com possibilidades de aumentar o controle por parte da União tanto dos aspectos financeiros quanto da gestão que, em última instância, vão interferir na qualidade do ensino ofertado. A princípio, uma constatação de técnicos do FNDE de que havia uma recorrência de atendimento a projetos dos mesmos municípios. Isto é, determinados municípios e estados, por adquirirem uma expertise na elaboração dos projetos educacionais, eram atendidos com frequência em detrimento de uma maioria que nunca se apresentava ao FNDE. Essa constatação gerou uma necessidade de propiciar uma abertura para os excluídos. Com isso, o PAR foi lançado como um instrumento de planejamento sistêmico que visa dirimir a realização de convênios transitórios e substituí-los por um plano de metas concretas e efetivas elaboradas a partir de um diagnóstico das necessidades locais.

Outra questão foi a própria necessidade de controle dos recursos financeiros com a institucionalização do Fundeb. O PAR pode ser mais um mecanismo para garantir uma maior transparência nos gastos com a educação. Por fim, a instauração da avaliação em larga escala Prova Brasil e, também o IDEB, exigiu um maior controle por parte do Estado para de fato firmar a política central do MEC, e, sobretudo, garantir o controle da União no envio de recursos técnico e financeiros e o desempenho dos sistemas educativos. Portanto, o PAR se tornou uma política de planejamento com largas capacidades de articular os sistemas educativos do país em torno de um instrumento único, cujo ritmo de execução e de acompanhamento segue o IDEB. Por sua vez, esta equação não é tão simples assim. A criação do PAR e sua execução têm pelo menos dois problemas estruturais que serão destacados neste texto e que dificultam enormemente sua operacionalização e atendimento dos objetivos de melhoria da educação. O primeiro problema está no âmbito da União (especificamente MEC e FNDE) e se refere ao modelo do instrumento do PAR e suas formas de controle burocrático. Por um lado, o instrumento abrange quatro dimensões da realidade educacional: gestão educacional, formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar, práticas pedagógicas e avaliação e infra-estrutura física e recursos pedagógicos. À princípio, podemos considerar que tais aspectos abrangem a totalidade do campo educacional. Todavia, os quesitos apresentados para os sistemas educativos guardam limites estruturais e pedagógicos. Mas, se entendemos que isso faz parte da natureza de um instrumento burocrático de planejamento, a crítica precisa ser sustentada de forma mais concreta. Assim, o instrumento em si apresenta problemas no compasso de sua execução. Ou seja, o tempo de elaboração é curto, pois geralmente o FNDE exige sua apresentação no sistema Simec em um curto espaço de tempo que contradiz com sua proposta de elaboração coletiva. Com isso, geralmente a elaboração é feita de forma automática, sem reflexão e discussão sobre a realidade do sistema educacional. Como consequência imediata, se mantem a dificuldade de se desenvolver a cultura do planejamento do trabalho educacional nos municípios. Por sua vez, busca-se manter o controle (pelo MEC e FNDE) das ações planejadas dos sistemas educativos, mas estas instâncias possuem uma estrutura precária em Brasília, em que pese a existência da tecnologia do Simec ser um avanço no acompanhamento do PAR. Há de se destacar que a tecnologia por si só não garante o sucesso de uma política sem uma equipe quantitativa e qualitativamente organizada. Como consequência, observa-se que muitos municípios não recebem o apoio técnico e financeiro previsto no planejamento ou recebem

com muito atraso. Ademais, os municípios são atendidos de acordo com a ordem de prioridade estabelecida por meio do IDEB. O segundo problema aqui ressaltado para análise diz respeito à estrutura política e pedagógica dos sistemas educativos da maioria dos entes da federação brasileira. No universo desta pesquisa, constatou-se a precariedade presente nas secretarias educacionais porque não há uma equipe de trabalho organizada quantitativa e qualitativamente, assim como em Brasília. Mas há de se destacar que o caso é mais grave porque as equipes de profissionais ficam mais sujeitas aos mandos e desmandos do poder local e, estão mais restritas à uma formação mais especializada e experiências no campo da política educacional. Acrescidos a esses problemas, há uma urgência ditada pelo MEC/FNDE na elaboração do planejamento, conforme já apontado anteriormente. Para Vieira (2011), algo acontece na esfera municipal que inviabiliza a continuidade de suas políticas e, por certo, isto tem a ver com questões relativas à dinâmica do poder local, assim como da relação entre este e o poder central. De forma geral, esses problemas aqui resumidamente descritos revelam a ausência de um projeto educacional da União para o país, ou seja, não há um planejamento nacional para a educação brasileira. Camini (2009) caracteriza o mecanismo presente no PAR como uma forma de democracia induzida ou consentida, pois há o envolvimento dos municípios e estados numa política nacional baseada em diretrizes já estabelecidas. Ao mesmo tempo, o PAR atua muito mais como instrumento de controle dos sistemas educacionais com mais baixo IDEB. Para Sousa (2011), o PAR transforma-se na prática em mais um instrumento de planejamento de redes de ensino com forte viés gerencial e regulatório. Considerações finais A implantação do PAR traz diferentes impactos para a gestão dos sistemas educativos devido às diferenças estruturais, administrativas, geográficas, culturais, financeiras e políticas que existem entre eles. Em municípios de grande porte e com IDEB de acordo com a média nacional, o PAR possui importância secundária, já que esses municípios possuem um planejamento próprio. Esses municípios contam também com equipes mais numerosas e mais bem preparadas tecnicamente para conduzir o PAR do município. Já nos municípios de pequeno porte e com IDEB abaixo da média nacional,o PAR torna-se vital para o desenvolvimento das questões educacionais, pois apesar de, a princípio, chegar aos municípios como apenas mais uma obrigação a cumprir, ele passa a ser o seu único instrumento de planejamento e principal via de acesso aos programas e ao apoio técnico e financeiro federal.

Há que reconhecer que as relações do Estado brasileiro com os entes subnacionais são comumente marcadas por desigualdades estruturais, políticas, econômicas, sociais, culturais e, principalmente, por diferenciada capacidade administrativa entre os entes. Estas particularidades locais têm peso determinante na política traçada sob a lógica da descentralização. Como reflete Arretche (1999), as estratégias de indução desenhadas para transferir responsabilidades para os entes da federação podem contornar os obstáculos provenientes das características estruturais e institucionais dos mesmos. Mas, isso não pode ser garantido pela simples adoção do PAR sem o monitoramento adequado do poder central junto aos sistemas municipais. Percebeu-se a existência de formas diferenciadas de tratamento do MEC aos municípios. Enquanto alguns municípios foram selecionados para receber a visita e assistência técnica do MEC, o que contribuiu para a compreensão e aceitação do PAR e de seus objetivos por parte dos gestores municipais, outros municípios não foram contemplados com essa assistência. Alguns dirigentes municipais necessitaram ir à capital do Estado para fazer um curso oferecido pelo MEC ou tiveram que recorrer à ajuda de outras secretarias municipais que haviam elaborado o PAR. Se por um lado foram observados um maior estreitamento na parceria do MEC/FNDE com os municípios, de outro lado, o acompanhamento da implantação do PAR possibilitou verificar o controle permanente exercido pelo FNDE no desenvolvimento do PAR. Tal controle acontece por meio do SIMEC, sistema on line criado para inserção dos dados do PAR e como instrumento de acompanhamento e avaliação nacional do planejamento de cada ente federativo. As ações e metas do PAR são executadas ou alteradas quando o FNDE libera pelo SIMEC, pois, caso contrário, o município fica estático até o FNDE se pronunciar. Esse controle do FNDE, no entanto, se diferencia de acordo com a capacidade técnica e política de cada um, gerando uma heterogeneidade nas práticas de planejamento educacional entre os municípios. A participação da comunidade na definição, no acompanhamento e na avaliação das ações do PAR, por via de um processo em que todos possam compreender a dimensão que esta política representa, pode contribuir significativamente para que o PAR não se materialize, no âmbito da escola, como tantos outros programas que tiveram como marca principal a descontinuidade. De igual modo, a atuação dos conselhos representativos da comunidade escolar e da sociedade civil, pode contribuir para que as ações planejadas sejam de fato executadas e que a aplicação dos recursos alcance os objetivos do PDE/PAR. Nesse sentido, teriam que ser levadas em conta as experiências anteriores de programas que chegaram às escolas sem que houvesse efetiva participação na concepção e nas escolhas das ações

dirigidas à melhoria da gestão e do processo ensino-aprendizagem. Uma questão que precisa ser levada em conta é que se o PAR não refletir os reais interesses da comunidade, se não for bem elaborado e executado na realidade, de modo que venha a responder às demandas apresentadas pelo espaço/tempo escolar, não trará mudanças significativas no atual cenário dos sistemas de ensino, historicamente precarizados, no que diz respeito ao atendimento e à qualidade da educação oferecida, principalmente às classes menos favorecidas. Apesar de, todos os recursos disponibilizados, da assistência técnica e financeira da União, da adesão dos municípios, não se pode afirmar que exista de fato um compromisso de todos pela educação. Existem ações segmentadas que evidenciam caminhos percorridos (dados do IDEB) e outros a percorrer para a efetivação da melhoria da qualidade do ensino ofertado na rede pública de educação básica. Na realidade brasileira, o pacto federativo ainda não se consolidou e isso traz sérias conseqüências na gestão das políticas públicas. Os governos nacionais foram constituídos, historicamente, em meio a práticas políticas, jurídicas e sociais calcadas no patrimonialismo e clientelismo no quadro de profundas desigualdades socioeconômicas. Nesse contexto, o poder local é, geralmente, constituído por uma rede complexa de situações que envolvem práticas de controle em um ambiente democrático. As relações políticas tornam-se mais flexíveis (e sutis), mas não perdem o caráter centralizador. Em meio a esse quadro, a maioria dos governos municipais vive com um limitado orçamento fiscal em face dos problemas sociais existentes. Consequentemente, o fortalecimento da capacidade administrativa, política e econômica dos governos subnacionais é decorrente dessa condição. Portanto, pode-se afirmar que a retomada da prática do planejamento no Brasil, representado aqui por meio do PAR, não contribuiu, até então, de forma efetiva para a estruturação do sistema nacional de educação, ainda em elaboração. A relevância do PAR, como instrumento político e técnico com capacidade de promover uma melhor organicidade da educação nacional, deve ser repensado em seus moldes, principalmente devido às peculiaridades de cada município/estado brasileiro e seus respectivos sistemas educativos. Referências ARRETCHE, Marta. Estado federativo e políticas sociais: determinantes da descentralização. São Paulo, Fapesp, 1999. 304 p. CAMINI, Lúcia. Gestão Educacional e a relação entre Entes Federados na política educacional do PDE/Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. 294f. Tese

(doutorado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação, universidade Federal do rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. CUNHA, L. A. Educação, Estado e democracia no Brasil. Rio de Janeiro, EDUFF, 1991. SOUSA, B. J. R. Os planos e a gestão da educação básica no Brasil: o PDE em análise. Disponível em: <http://www.anpae.org.br/congressos_antigos/simposio2009/49.pdf> Acesso em: agosto de 2010. VIEIRA, Sofia Lerche. Educação básica: política e gestão da escola. Brasília: Líber Livro, 2009.