VI SIMPÓSIO NACIONAL DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE. GT 014 Juventude, escola, trabalho e tecnologia



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profunda. São questões que nortearam a pesquisa: Como o aluno se percebe no processo de interatividade do curso? Como se dá o acesso ao conhecimento?

Transcrição:

VI SIMPÓSIO NACIONAL DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE GT 014 Juventude, escola, trabalho e tecnologia Juventude e Inclusão Digital na Microrregião de Viçosa* Youth and digital inclusion in Viçosa and surroundings Profa. Dra. Daniela Alves de Alves Universidade Federal de Viçosa danielaa.alves@ufv.br Joyce Emília Oliveira Claudino (graduanda em Ciências Sociais) Universidade Federal de Viçosa joyce_emilia@hotmail.com

Resumo: Este texto trata dos usos da internet e da experiência subjetiva com relação à internet que possuem os estudantes do ensino médio de escolas da microrregião de Viçosa, em Minas Gerais. Partimos do contexto das políticas públicas de inclusão digital aplicadas nas escolas da região. Os resultados a serem apresentados são ainda parciais e referemse à experiência subjetiva dos estudantes com relação à internet acessada na escola e fora dela. A análise é parte do objetivo mais geral da pesquisa, qual seja mapear as políticas públicas de inclusão digital para os jovens adotadas nas escolas da região e as suas implicações. Foram realizadas 37 entrevistas semi-diretivas com jovens de 29 escolas de ensino médio da região. Os resultados mostraram que: a) As escolas não tem sido espaços privilegiados de acesso a internet por parte dos jovens e as políticas que nelas existem não são suficientemente articuladas e aplicadas e não abrangem todos os estudantes de cada escola. b) O acesso a internet na residência é restrito a 20 entrevistados dentre 37. c) O uso da internet pelos entrevistados tem sido principalmente voltado para as redes sociais e secundariamente para os trabalhos escolares. d) A experiência positiva dos jovens com relação ao uso da internet refere-se à possibilidade de iniciar e cultivar relacionamentos. A experiência negativa refere-se aos possíveis riscos associados à internet, especialmente o risco do vício. Abstract: This paper is about how senior high school students from the micro region of Viçosa, Minas Gerais are making use of internet and experimenting in this arena. We started investigating public policies for digital inclusion on the schools located in the micro region. These are the partial results of a wider research that seeks to map the public policies for digital inclusion aimed at young students and their implications. The results are referred to the students subjective experience in relation to internet, accessed in school or outside it. The data is composed by 37 semi-structured interviews with students from 29 schools located in the region cited above and they show that: a) The schools aren t the main places where the contact with internet occurs, and public policies for digital inclusion don t include the major part of students. b) The internet access at home is limited to 20 interviewees from the total. c) The internet use by interviewees has been concentrated on social networks, and collaterally on homework. d) The positive experience from internet use refers to the possibility to start and sustain social relationships. The negative experience refers to the risks associated with internet, especially addiction. 2 Introdução A expansão do uso das tecnologias informacionais em rede tem suscitado estudos avaliando o impacto destas mudanças em diversas dimensões da vida social, tais como a sociabilidade, a educação, a produção e o trabalho, a cultura e a política. A exclusão da internet, devido a sua importância como espaço de estruturação das principais atividades econômicas, sociais, políticas e culturais de todo o planeta, aumenta o fosso da desigualdade e da exclusão social (CASTELLS, 2004). Poder-se-ia denominar info-exclusão a desigualdade de acesso à internet, de pessoas, de países e até mesmo de continentes.

3 Os estudos da área têm discutido a perspectiva da inclusão digital, o que ela significa e quais seus reais efeitos para a igualdade social. O conceito de inclusão digital em que baseamos nosso trabalho não está relacionado exclusivamente a quem possui ou não acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), a expansão do acesso à internet e computadores é fundamental, mas, a capacidade de um indivíduo ou grupo acessar, adaptar e criar novo conhecimento através da TIC é primordial para auxiliar no processo de inclusão (LÉVY, 1993; WARSCHAUER, 2006). Com o presente texto objetivamos apresentar parte dos resultados de uma pesquisa em andamento sobre a relação entre jovens e a internet a partir de entrevistas semi-diretivas realizadas com 37 jovens estudantes de escolas públicas e privadas de ensino médio da microrregião de Viçosa. O objetivo geral da investigação que deu origem a este paper é mapear a inserção da microrregião de Viçosa nas políticas públicas de inclusão digital voltadas para os jovens, bem como analisar a amplitude e os efeitos destas políticas, explorando qualitativamente a dimensão da inclusão, especialmente através da análise dos usos da tecnologia por parte dos jovens. A etapa inicial da pesquisa consistiu em realizar um levantamento da existência de equipamentos de laboratórios de informática e de internet, bem como os usos feitos destes. O instrumento para este levantamento foram entrevistas semi-diretivas a diretores de escola, e/ou responsáveis pelos projetos nas escolas. Neste primeiro momento das visitas, investigamos o tipo de uso dos equipamentos e da internet, a existência de cursos de qualificação de professores, a existência de projetos específicos de educação digital. No segundo momento das visitas, selecionamos uma amostra qualitativa de alunos aos quais aplicamos uma entrevista semi-diretiva a respeito de sua experiência e vivência com relação às TICs, nos diversos espaços onde ela seja propiciada. 1 Nossa investigação propõe contribuir com os recentes estudos sobre juventude e internet. Embora seja possível uma delimitação etária para o fenômeno da juventude, correspondendo a uma faixa que vai dos 15 aos 24 anos, a definição de juventude apresenta uma tensão interna, pois define ao mesmo tempo ciclo de vida e modo de inserção na estrutura social (SPOSITO, 2003). Nosso objetivo é centrar a atenção no 1 Paralelamente realizamos entrevistas com responsáveis pelos projetos de inclusão digital nas superintendências regionais de ensino (SREs). São 4 SREs que abrangem os 20 municípios da microrregião de Viçosa.

4 fenômeno da juventude menos como um fenômeno etário e mais como experiência singular dos jovens, neste estudo em relação à internet. Esta experiência tem significativas variações dependentes do grupo social de pertencimento, da classe social, da etnia, etc. Neste sentido consideramos a juventude uma construção localizada num tempo e num espaço singulares, negando, portanto as premissas dos estágios biológicos universais. O grupo de jovens por nós analisado é composto de estudantes do ensino médio de escolas públicas e privadas da microrregião de Viçosa, com idades entre 14 e 19 anos. Arranjo sociotécnico e inclusão digital A perspectiva teórica seguida por nós, a Teoria do Ator Rede (LATOUR: 2004; 2005) e (CALLON,2004) defende a indissociabilidade entre sociedade e tecnologia, na medida em que são vistas como expressões da mesma ação. Outra concepção desta perspectiva é que as inovações se transformam ao longo da sua criação e de seus usos, pois cada ator se apropria das inovações e reage de maneira a transformá-la, e é desta forma que a inovação avança e se difunde (CALLON, 2004). A internet, como qualquer outra rede, e mais intensamente devido sua natureza maleável, se transforma através dos usos sociais que dela são feitos. A potencialidade da informática seria justamente o fato dela ser uma tecnologia aberta para novas conexões imprevisíveis, que pode transformar de forma radical seu significado e usos planejados inicialmente (LEVY, 1993). Toda inovação é resultado de determinados enjeux dos agentes em relação, fusões de interesses, disputas, controvérsias, recrutamentos, que vão de uma ponta a outra da rede. Em uma das pontas da rede encontramos os governos e suas políticas e programas de governo, na outra ponta encontramos os usuários aos quais se direcionam as políticas, recrutados para fazerem parte desta inovação de forma mais ou menos autônoma. Seguindo este referencial teórico buscamos mapear os arranjos sociotécnicos em torno da digitalização da vida dos jovens. Enfatizamos neste arranjo específico a associação entre os seguintes elementos: as tecnologias digitais (especialmente a internet), os jovens, as políticas de inclusão digital e as escolas. Este texto concentra-se em um dos elementos da rede, os jovens.

5 O termo inclusão digital refere-se à relação entre inclusão social e acesso às tecnologias digitais. Segundo esta perspectiva a posição social e política dos indivíduos dependeria de seu acesso a determinados fluxos de informação, a conhecimentos transmitidos pela educação formal e informal e pelo acesso às tecnologias digitais. A inclusão digital deveria ir além do fornecimento de hardwares e softwares, considerado um modelo insuficiente (WARSCHAUER, 2006), e incrementar o fomento à capacidade dos indivíduos de acessar, adaptar e criar novo conhecimento através das TICs. As perspectivas mais otimistas afirmam que as tecnologias de informação e comunicação melhoram a relação custo/benefício das comunicações horizontais estabelecidas em rede (WARSCHAUER, 2006). Para alguns autores, a valorização da autonomia no uso do computador e da internet ganha contornos de resistência e contrahegemonia, por tratar-se de uma forma de inclusão emancipatória (BUZATO, 2008). Compartilhamos do pressuposto que o acesso as tecnologias de informação e comunicação é decisivo para a inclusão sócio-econômica e que é mais qualificada quanto mais esta inserção se dá em termos de competências desenvolvidas e autonomia para utilizá-las. As abordagens mais críticas a respeito da inclusão digital questionam tanto seus objetivos, explícitos ou implícitos, como seus efeitos para a inclusão social de grupos subalternos, na economia ou na política (CAZELOTO, 2008). O objetivo central destas políticas seria sanar a demanda dos interesses hegemônicos por profissionais escolarizados e treinados nas tecnologias informacionais (DURLI, 2008), além de expandir o mercado consumidor de produtos de informática e tecnológicos. Os estudantes entrevistados e o uso da internet A juventude é a camada da população que sofre primeiramente e mais intensamente os efeitos das mudanças culturais geradas pelo advento da organização das redes, dentre elas a rede da internet. Neste sentido o interesse deste estudo vai além das dimensões instrumentais das tecnologias informacionais, mas pretende mapear os usos e as experiências inovadoras das tecnologias digitais. A maioria dos entrevistados tem em média 16 anos. Observa-se que há dois grupos de estudantes distintos, aqueles formados por alunos de escolas privadas, que possuem computador e internet em casa e cujo contato com as tecnologias de

6 informação e comunicação foi, geralmente, propiciado desde cedo, e aqueles estudantes cuja relação com as TICs é recente e restrita. Dos 29 estudantes que possuem computador em casa, nove não tem acesso à internet. Provavelmente dois fatores principais impeçam o acesso a internet, o custo do serviço e a inviabilidade técnica do local, já que parte destes estudantes provém de localidades na zona rural. Os principais locais de acesso a internet para os jovens entrevistados são as lan houses, a escola e a casa de parentes ou amigos 2. Alguns desses jovens contribuem para a renda familiar seja auxiliando os pais no trabalho ou no(s) negócio(s) da família, seja vinculados a atividades sem vínculo empregatício, quais sejam: ministrando aulas de reforço, ajudando na lavoura, trabalhando como secretária, operador de caixa, garçonete ou vendedora de vestuário. Dois dos estudantes atuam no conserto, manutenção e montagem de computadores. A escola não tem desempenhado um papel relevante na inclusão digital dos jovens, embora existam políticas neste sentido. As políticas públicas de inclusão digital as quais as escolas de Minas Gerais estão envolvidas são: FIT (Formação Inicial para o Trabalho); Escolas em Rede e PROINFO Integrado (Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional). O FIT e o Escolas em Rede são políticas desenvolvidas e aplicadas pelo governo de Minas Gerais, enquanto que o PROINFO Integrado é uma política desenvolvida pelo governo federal em âmbito nacional. O FIT está presente em todas as escolas até o momento visitadas, ao menos na primeira fase de capacitação do professores. Apesar da aparente complementaridade entre as políticas estadual e federal já que laboratórios de informática são fornecidos em sua maioria pelo PROINFO e a política didática em funcionamento é a do FIT, elas não se apresentam de forma articulada, especialmente porque correspondem a paradigmas diferentes de inclusão digital 3. Apesar da amplitude das propostas, em especial do Proinfo, na prática elas tem aplicações e resultados diferenciados em cada escola. Constata-se que o acesso aos laboratórios pelos estudantes depende de projetos anteriores da escola ou de iniciativas didáticas esporádicas e disponibilidade de 2 Foi citado também, com menor importância, escola de informática, local de trabalho e telecentro do município. 3 O governo do estado de Minas Gerais não aderiu às capacitações do PROINFO Integrado, implantou sua própria política de inclusão digital, dessa forma, as capacitações oferecidas por aquele programa são destinadas exclusivamente para as escolas municipais da rede pública.

7 professores isolados. Predomina, nas escolas visitadas, a ausência de um planejamento institucional de utilização do laboratório e, portanto uma ausência de regularidade do acesso dos estudantes. A maior freqüência de acesso aos laboratórios nas escolas se deu quando houveram os cursos do FIT. A utilização dos laboratórios para atividades pedagógicas regulares das disciplinas são raras. As iniciativas de uso do laboratório estão ligadas aos esporádicos cursos de capacitação, em que poucos alunos podem ser contemplados, levando em consideração que há uma média de 8 a 10 computadores por escola. No que se refere aos tipos de usos da internet, nossa investigação comprova tendências apontadas por outros estudos a respeito do acesso dos jovens brasileiros à internet. Segundo dados do Alexa 4, site que mapeia os acessos mundiais na internet, nos últimos três meses os sites de relacionamento mais acessados pelos brasileiros são o Facebook, Orkut e o Twitter, respectivamente. Dentre os jovens investigados, além destas redes sociais, twitter em menor medida, acrescente-se o programa de bate-papo MSN Messenger. A experiência dos jovens é voltada, portanto para comunicação, entretenimento, conhecer novas pessoas e novos amigos de outras cidades e regiões. Ao mesmo tempo em que apontam as vantagens e os benefícios das relações online, os estudantes entrevistados apontam riscos que envolvem os usos da internet e do computador, tais como, de se envolverem com casos de fofoca e intrigas, terem seus equipamentos contaminados com vírus, serem invadidos por hackers, acessarem sites e vídeos pornográficos, assim como, serem vítimas de perfis falsos (fakes). A este conjunto de riscos, soma-se um outro conjunto que envolve os modos singulares de experimentar a internet, também associados a prejuízos pessoais tais como a substituição de tempo de estudo por tempo de acesso. O extremo desta tendência é a dimensão do vício. O jovem que afirmou ficar mais tempo do seu dia conectado à internet informou dedicar 5 horas em média a esta atividade. Apesar das respostas a esta questão não indicarem um uso abusivo da internet, muitos jovens manifestaram preocupação com o que eles identificam como vício que, segundo suas próprias formulações, consistiria em um uso abusivo da internet ao ponto de prejudicar os estudos e a vida social. Nenhum dos entrevistados se identificou como viciado até o momento, no entanto alguns 4 : Disponível em: http://www.alexa.com/topsites/countries/br. Acessado em: 29/06/2011.

8 apontaram o quão próximos tinham estado disso no passado ou apontaram outros conhecidos e colegas da escola como tendo este perfil. Os jovens que não possuem computadores em suas residências, acabam por utilizá-los principalmente em lan houses, mas o acesso a internet é, na maior parte das vezes, voltado para a interação nas redes sociais e para as pesquisas escolares geralmente utilizando o site de buscas Google, com a finalidade de realizar trabalhos requisitados pelos professores. Os jovens que possuem computadores e acesso à internet em suas residências tendem a transcender a barreira do uso específico para trabalhos escolares, dessa forma incorporando à sua rotina no ciberespaço o uso de websites que disponibilizam notícias, músicas, jogos e vídeos on-line. A desigualdade sócio-econômica verificada no acesso as tecnologias informacionais não se restringe ao acesso, mas também se expressa no tipo de uso feito destas tecnologias. Jovens com níveis superiores de escolaridade utilizam de forma mais diversificada a internet (LEITE; NUNES: 2007). As habilidades iniciais de uso do computador e da internet predominam dentre os estudantes entrevistados. São indícios disto, o fato de que dentre os softwares em geral, o Microsoft Word foi significativamente mencionado, o que se deve às demandas de trabalhos escolares. Outro indício é o fato de que o curso mais citado do FIT foi curso de digitação, sendo que alguns estudantes não sabiam o nome do curso feito. Em apenas um caso, até o momento, um estudante explicou que realizou um curso de construção de websites através do FIT. Quando se referem à habilidade para usar o computador e a internet os jovens mencionam ter uma habilidade mediana, mostrando que a internet articula habilidades e competências cognitivas e operacionais diversas de tal forma que dificulta operacionalizar a variável conhecimento. Para os jovens cujo universo da internet restringe-se aos sites de relacionamento e aos sites de busca, a habilidade requerida é restrita diante do universo da internet, embora o não conhecimento das demais possibilidades de uso permita uma satisfação com as possibilidades desenvolvidas. O uso das tecnologias informacionais com objetivo didático tem sido restrita à busca de informações para trabalhos escolares. Os estudantes que utilizam o computador e a internet exclusivamente para a realização de trabalhos escolares atribuem uma fraca valorização positiva da internet, pois apesar de reconhecerem que ela facilita a realização dos trabalhos escolares, a maior parte dos estudantes afirmou

9 que não sentiria muita dificuldade em realizá-los se não possuíssem mais o acesso à internet. Entre os jovens que utilizam o ciberespaço para outros fins que não só pesquisas escolares, a utilização de sites de relacionamentos e programas de bate-papo são os mais recorrentes, especialmente o Orkut e o MSN Messenger. Os jovens que utilizam recursos do ciberespaço para além dos trabalhos escolares, especialmente aqueles que possuem computador e acesso à internet nas suas residências, apresentaram uma forte valorização positiva da informática, uma vez que a maior parte destes entrevistados explica que a falta do acesso à internet e computadores dificultaria a sua comunicação e limitaria suas fontes de informação e entretenimento. O fato de viverem em cidades afastadas dos grandes centros ou em regiões rurais transforma a internet em uma porta de acesso a relações não restritas aos círculos da família, da vizinhança e da escola. Muitos dos jovens entrevistados mantêm relações online com parentes distantes ou moradores de outras localidades, conhecidos através da rede. Muitos estudantes sem computador em casa percebem que poderiam se beneficiar mais dos laboratórios das escolas. No entanto, a raridade das atividades e o uso geralmente restrito a pesquisas solicitadas pelos professores, ou para os alunos inscritos nos cursos do FIT, reduzem a potencialidade de uso da internet nas escolas. Mesmo nas escolas onde os computadores podem ser acessados durante os cursos ou para realizar pesquisas, o tempo é restrito. Em muitas delas a presença de um professor é obrigatória, o que restringe sobremaneira os horários de uso. Em algumas escolas o abandono do laboratório de informática é criticado por alunos e por pais de alunos, enquanto que os diretores argumentam a ausência de segurança para o uso das redes, identificando inúmeras formas de perigo tanto para o patrimônio como para integridade moral dos estudantes. A restrição de acesso ao laboratório também é justificada pela impossibilidade do controle atribuído à internet. O uso mais autônomo do computador e da internet é desenvolvido pelos jovens que acessam as tecnologias de casa e incorporam estas tecnologias no seu repertório cultural e, neste sentido, passam a experimentar e a explorar atividades mais variadas e mais ricas, como é o caso do compartilhamento de filmes e músicas, o acesso a conteúdo jornalístico ou conteúdo especializado como é o caso de cursos e provas preparatórias para concursos. No entanto, em ambos os grupos, jovens que possuem computador e internet em casa e os que não possuem, a atividade predominante é o

10 relacionamento interpessoal. No discurso dos estudantes o computador e a internet não são vistos como tecnologias voltadas para o mercado de trabalho, como priorizam algumas políticas. A experiência subjetiva dos jovens aponta para o papel ambíguo assumido pela internet em suas vidas. Por um lado a internet é vista como possibilitadora de novos conhecimentos, novos lugares e novas pessoas, especialmente para aqueles jovens moradores de cidades pequenas ou da zona rural, afastadas dos médios ou grandes centros populacionais. A internet também é vista como uma biblioteca online, que não pode ser superada em quantidade pelas bibliotecas convencionais, nem em facilidade de uso. Por outro lado, a internet é vista como perigo. Considerações finais A autonomia dos jovens deve consistir em formas de acessar, criar, adaptar e distribuir o conhecimento através do ciberespaço. A escola parece estar longe de cumprir tanto os propósitos de uso pedagógico das tecnologias informacionais quanto de preparação para ou trabalho. Por outro lado ela também esta longe de estimular a autodeterminação para o uso das TICs sem monitoramento e sem controle préestabelecido. Há limites na conversão do uso das TICs com propósito de entretenimento ou relacionamento em ganhos na autonomia dos jovens envolvidos. Os estudantes, que são os principais alvos das políticas públicas de inclusão digital através da escola, por sua inclusão parcial e limitada, acabam desenvolvendo estratégias e experiências de uso das tecnologias digitais à parte dos programas em que estão inseridos, e em geral em espaços pagos. O uso do computador e da internet para a pesquisa escolar, por parte dos jovens, demonstra a importância destas tecnologias no processo de ensino/aprendizagem, mesmo que os professores não percebam esta potencialidade e os riscos a elas associadas, como por exemplo, a reprodução pura e simples dos conteúdos disponíveis online e a disponibilidade de conteúdos equivocados e distorcidos. Em relação ao uso da internet para fins de relacionamento, é preciso avançar na análise do conteúdo destes relacionamentos. *Agradecemos o financiamento do CNPq e da Fapemig a este projeto.

Referências Bibliográficas: BUZATO, Marcelo El Khouri. Inclusão digital como invenção do quotidiano: um estudo de caso. Revista Brasileira de Educação. Campinas, v.13, n. 38, Maio/Ago, 2008. CALLON, Michel. Por uma nova abordagem da ciência, da inovação e do mercado. O papel das rede sócio-técnicas. In: PARENTE, André. Tramas da Rede. Novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2004. CASTELLS, Manuel. A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. CAZELOTO, Edilson. Inclusão digital: uma visão crítica. São Paulo: Editora Senac, 2008. DURLI, Zenilde. Políticas educacionais no contexto das políticas sociais. In: HETKOWSKI, Tânia Maria. (Org). Políticas públicas & inclusão digital. Editora da Universidade Federal da Bahia, 2008 LATOUR, Bruno. Políticas da natureza. Como fazer ciência na democracia. Bauru, SP: Edusc, 2004. LATOUR, Bruno. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network- Theory. Oxford/New York: Oxford University Press, 2005. LEITE, Ana Maria Alexandre e NUNES, Maria Fernanda. Juventude e inclusão digital: reflexões sobre acesso e uso do computador e da internet pelos jovens. In: Abramovay, Miriam; Andrade, Eliane Ribeiro e Esteves, Luiz Carlos Gil (orgs.). Juventude: outros olhares sobre a diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; UNESCO, 2007. LÉVY, P. As tecnologias da inteligência. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. SPOSITO, Marilia Pontes. Os jovens no Brasil: desigualdades multiplicadas e novas demandas políticas. São Paulo: Ação Educativa, 2003. WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e inclusão digital: a exclusão digital em debate. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006. 11