Mirela B. C. Piazzi Caso Victor. A ejaculação precoce como manifestação psicossomática no setting terapêutico



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Mirela B. C. Piazzi Caso Victor. A ejaculação precoce como manifestação psicossomática no setting terapêutico A ejaculação precoce (EP) acomete de 10 a 30% dos homens em algum momento da vida, sendo que grande parte desses casos é de ordem psicogênica. Esse fato torna o estudo dessa disfunção uma tarefa extremamente importante para a psicologia. O presente trabalho tem como objetivo observar o funcionamento psíquico do indivíduo com ejaculação precoce enquanto manifestação psicossomática, segundo uma abordagem psicanalítica por meio de um estudo de caso clínico. > Palavras-chave: Psicanálise, disfunção sexual, neurose de angústia, histeria pulsional > revista de psicanálise > artigos > p. 116-122 >116 Premature ejaculation reaches 10-30% of men in some particular moment in his life. A great number of the cases has psychogenic etiology. This specific fact makes the study of this dysfunction a relevant task for Psychology. The objective of this paper is study the psychological functioning of the individual with premature ejaculation, as a psychosomatic manifestation, according to psychoanalytic view through a clinical case report. > Key words: Psycho-analysis, sexual dysfunction, anxiety neurosis, hysteria Introdução A ejaculação precoce (EP) acomete de 10 a 30% dos homens em algum momento da vida e, portanto, torna-se um assunto de extrema importância para aqueles que atuam como profissionais da saúde (Ballone, 2002). Entretanto, essa é uma temática de difícil estudo devido ao grande número de definições existentes na literatura. Essas definições divergem de forma significativa de acordo com os diferentes autores (Rowland et al., 2001). No princípio do século XX considerava-se como EP a ejaculação que ocorria antes da

penetração, tendo grande atenção por parte dos médicos devido à preocupação reprodutiva. Após a década de 1960, o portador desse distúrbio passou a ser definido como o homem que não era capaz de manter a penetração vaginal por tempo superior a um minuto sem ejacular. Na década de 1970, com a revolução sexual feminina, ocorreu uma mudança nesse conceito. A definição de EP foi ampliada além do contexto puramente reprodutivo, passando a incluir, como preocupação, o prazer sexual do casal. O sujeito que ejaculava precocemente passou a ser o homem que, em 50% das relações sexuais ejacula antes que sua parceira atinja o orgasmo, isso quando essa não possui nenhuma dificuldade para alcançá-lo (Telöken et al., 2004). Segundo Ballone (2002): A Ejaculação Precoce ou Ejaculação Rápida representa um sério problema no controle do tempo do orgasmo que ocorre muito mais cedo do que o desejado, portanto, produzindo um final abrupto e insatisfatório para a atividade sexual, tanto para o homem quanto para a mulher. No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV (2002), a EP é classificada como um distúrbio da função sexual, e é definida como a ejaculação que ocorre antes do desejado, de forma persistente e recorrente, com um mínimo estímulo sexual. A ejaculação que ocorre entre um e dois minutos após a penetração vaginal sugere fortemente uma ejaculação precoce, e cerca de 30% dos homens que sofrem deste mal ejaculam antes mesmo da penetração. Uma das subdivisões da EP consiste na classificação em ejaculação involuntária primária que implica na incapacidade de controle da ejaculação desde as primeiras relações sexuais, e ejaculação involuntária situacional, que implica a incapacidade de controle ejaculatório voluntário em determinadas circunstâncias ou com determinadas pessoas (Telöken et al., 2004). Em um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1989, constatou-se que 40% dos casos de disfunções sexuais foram de ordem psicogênica. O que evidenciou a importância de um acompanhamento psicológico para esses indivíduos (França, 2001). Interpretações errôneas dos textos de Abraham (1917, apud França, 2001) levaram alguns autores a afirmarem que a psicanálise não seria eficaz no tratamento da ejaculação precoce, porém, leituras mais elaboradas desses mesmos textos mostram que embora o autor tenha afirmado que o tratamento desse distúrbio é de difícil manejo, pois o psicanalista teria que enfrentar o exacerbado grau de narcisismo desses pacientes, afirmou também que por meio da psicanálise pode obter-se a cura ou, pelo menos, uma clara melhoria dos sintomas, mesmo em casos graves e persistentes. O presente trabalho tem como objetivo observar o funcionamento psíquico do indivíduo com ejaculação precoce enquanto manifestação psicossomática, segundo uma abordagem psicanalítica por meio de um estudo de caso clínico. O presente trabalho utilizou fragmentos de sessão de um paciente de 33 anos que apresentou queixa de ejaculação precoce. Os atendimentos foram realizados no Centro de Psicologia Aplicada da Universidade Paulista UNIP como parte constituinte da disciplina de psicossomática e teve supervisão artigos pulsional > revista de psicanálise > >117

pulsional > revista de psicanálise > artigos >118 da Prof a Regina Maria Guisard Gromann. As sessões foram realizadas uma vez por semana com duração de cinqüenta minutos. Para preservar a identidade do paciente será utilizado o codinome Victor. Os dados observados no caso clínico foram embasados na literatura sustentada pela teoria psicanalítica. Após cada sessão foram realizados relatórios com o objetivo de nortear o atendimento. Caso Victor Victor é um paciente de 33 anos que procurou o Centro de Psicologia Aplicada UNIP com a queixa de ejaculação precoce. Apesar de dizer que tinha dificuldade em falar sobre o assunto, tanto comigo quanto com a esposa, queixou-se logo no primeiro atendimento de seu problema pedindo uma solução. Foi como se ejaculasse na primeira sessão. Pelo menos foi assim que eu senti. Victor dizia controlar tudo em sua casa, mas ao mesmo tempo não conseguia controlar sua ejaculação e trazia para as sessões uma esposa autoritária e, às vezes, até violenta. Ainda na primeira sessão percebi Victor nervoso. Ele se mexeu o tempo todo na cadeira e disse que estava com dificuldade de falar sobre sua vida. Parecia preocupado com sua performance e justificava que nas próximas sessões se sairia melhor. Que próximas sessões? Victor havia deixado recado que não viria mais nas próximas sessões. Eu já havia iniciado minhas pesquisas sobre ejaculação precoce e constatei que os autores são unânimes em afirmar que o atendimento dos pacientes com ejaculação precoce é um grande desafio. Uma característica bastante marcante nesses indivíduos é uma baixa aderência ao tratamento psicológico, pois freqüentemente, apesar de demonstrarem grande interesse, abandonam o tratamento após a primeira sessão, o que simboliza uma conduta de ejaculação precoce do tratamento. Esses indivíduos apresentam dificuldade em estabelecer vínculos afetivos que se estende para todos os relacionamentos. Freud, no artigo Moral sexual civilizada, disse que o comportamento sexual de um ser humano constitui o protótipo de suas demais reações ante a vida (França, 2001). Devido ao conhecimento desse fato, resolvi insistir e entrei em contato com o paciente que me disse que não poderia mais comparecer por incompatibilidade de horário. Esse problema poderia ser resolvido, e foi. Reorganizei meus horários e Victor voltou na semana seguinte. Durante as sessões diversas características, ditas típicas pela literatura, de um sujeito que sofre de ejaculação precoce foram surgindo em Victor. O paciente trazia uma forte fixação pela sua mãe. Apesar de não negar o amor por sua esposa, chegou a relatar que se casou para substituir a mãe, quando esta faleceu. Para Abraham (1973, apud França, 2001), a parceira simboliza a figura da mãe, sendo que para o sujeito que ejacula precocemente torna-se evidente a parceira como sua substituta, o que se evidenciava no caso de Victor. Ainda segundo o mesmo autor os atos agressivos contra a parceira são formas de vingança pela decepção afetiva a que a mãe o submetera quando criança. França (2001) levanta a hipótese de que os portadores desse distúrbio, que ejaculam mesmo antes da penetração, utilizam inconscientemente

este recurso como método contraceptivo temendo transformar a mulher em mãe, o que não ocorre no caso de Victor, pois ele relata que apesar de ejacular precocemente consegue realizar a penetração. Em todas as sessões, Victor entrava na sala e, em forma de cobrança, dizia que continuava ejaculando precocemente. Confesso que comecei a me sentir pressionada. Ele tinha comigo o mesmo comportamento que tinha com sua esposa em casa, não me dava prazer. Essa relação me provocava um sentimento de decepção que Victor também relatava causar em sua esposa, confirmando mais uma vez a afirmação de Freud, citada anteriormente, sobre a repetição do modelo de comportamento sexual nas demais relações sociais. A ejaculação precoce pode gerar decepção, ansiedade e sofrimento. Esses sentimentos são conseqüência não somente devido à rapidez da ejaculação interferir na satisfação sexual do homem, mas também porque pode afetar a satisfação de sua parceira (Ballone, 2002). O descontrole ejaculatório pode provocar frustrações e o desaparecimento do clima erótico e do desejo sexual entre o casal, podendo chegar a causar o rompimento da relação (França, 2001). Ferenczi (1992, apud França, 2001), aprova o comportamento das mulheres que preferem não procurar mais os parceiros para terem relações sexuais, pois a abstinência total é menos nociva para o sistema nervoso do que a excitação frustrada. Victor relatou diversas vezes a possibilidade de uma separação do casal como conseqüência do seu distúrbio. Relatou, também, a diminuição do desejo sexual entre sua esposa e ele, preferindo não tentar em vez de decepcioná-la. Contudo, Victor contou que a abstinência vem mais de sua parte, pois sua esposa é louca (sic) por sexo e cobra uma relação praticamente todos os dias, o que acaba lhe deixando ainda mais pressionado. Eu entrava nas sessões esperando que ele fosse me contar alguma novidade em relação a qualquer outro assunto que não o da ejaculação, mas ele vinha sempre com o mesmo discurso. Se ele era um ejaculador precoce, estava tentando me transformar em uma impotente. Victor queria, logicamente, tudo na hora. Satisfação imediata, porém eu não estava conseguindo dar-lhe isso. Mas era esse o meu papel? O paciente vinha com o discurso que sua esposa estava cobrando dele, que não agüentava mais, que não entendia por que não tinha acontecido nada ainda, mas eu sabia que essas eram questões dele. Em uma sessão, ele chegou muito cansado dizendo que havia tentado a noite toda ter relações sexuais com sua esposa, procurando satisfazer a si mesmo e a ela, mas que havia fracassado. Para mim, aquilo soava como se nós estivéssemos fracassando. Naquele momento percebi que deveria sair daquela posição. Talvez tivesse sido importante, por um tempo, minha impotência para Victor, assim ele pôde ter maior liberdade em abordar um assunto que dizia ser difícil falar com uma mulher que a princípio nem conhecia. Mas agora eu sentia que precisava começar a intervir. Minha postura mudou. Agora ele já me conhecia e eu não me sentia mais à vontade na posição passiva do casal. Confesso que mudar de posição me causou muito medo, entretanto eu sentia necessidade de ser mais ativa nas sessões, me colocar mais, estar mais presente. Nas discussões de supervisão percebi que isso artigos pulsional > revista de psicanálise > >119

pulsional > revista de psicanálise > artigos >120 era possível, na realidade, não tem como estar ausente, mas tem como respeitar o que o outro traz, essa é a magia da prática. Agora eu conseguia falar. Junto comigo Victor começou a abordar outros assuntos além da ejaculação precoce. O interessante era que sua esposa também começou a querer estar presente nas sessões, mas esse fato será abordado posteriormente. Victor relatava os acontecimentos evidenciando uma dificuldade enorme de sentir. Sentir amor, sentir ódio, e principalmente as duas coisas ao mesmo tempo ou pela mesma pessoa. Odiar a mãe? Nem pensar! Ainda mais que ela já faleceu. Odiar a sogra? Talvez! Mas ela é uma coitada (sic), sofre de esquizofrenia. Victor estava vivendo um momento de reflexão e encerrava muitas sessões dizendo: Tenho que pensar no assunto (sic). Algo estava surtindo efeito e ele, em algumas sessões, pedia para nos alongarmos no horário, ficando um pouco mais do que o combinado. Pelo menos na sessão Victor não estava ejaculando tão depressa. Porém, ele precisava de limites e isso não foi permitido. Limite. Essa palavra foi dita muitas vezes por Victor, mas ele não conseguia colocá-la em prática. Sua sogra invadia (sic) sua casa toda hora, sua ejaculação vinha antes da hora, e agora a sua esposa queria saber tudo o que estava acontecendo nos atendimentos. Em um dos atendimentos senti a necessidade de intervir e falei: Você me diz que controla tudo em sua casa, porém quem parece controlar sua casa e a você mesmo é a sua esposa. Você chegou aqui com a queixa de ejaculação precoce, mas para ter um relacionamento satisfatório envolve uma série de coisas. É preciso ter diálogo entre o casal, é preciso ter o mínimo de acordos entre o casal, e vocês vivem discutindo e não chegam em acordo algum. Você acaba cedendo e anulando sempre as suas vontades. Para se ter um bom relacionamento, e isso resulta em um bom relacionamento sexual, é preciso haver confiança, cumplicidade, união, harmonia e privacidade. Porém seus relatos trazem o contrário de tudo isso, então eu fico pensando como ter um relacionamento satisfatório? Por um instante pensei se não teria sido dura demais. Mas ele mesmo me deu a resposta. Victor: É. Essa é minha história. Foi realmente isso tudo que eu te falei até agora e nunca tinha escutado. Agora que você falou, eu percebo que o meu problema não é a ejaculação precoce, pelo menos, não só a ejaculação precoce. Meu casamento está uma bagunça. Agora sim eu me sentia envolvida na relação terapêutica. Eu e a esposa dele. Começaram a chegar pedidos, através de Victor e via recado telefônico, de sua esposa solicitando atendimento psicológico comigo. Por toda a história relatada por Victor, não estranhei os pedidos. Ele descrevia sua esposa como uma mulher possessiva, ciumenta, curiosa, intrusiva, inadequada, agressiva, enfim, algumas características que explicavam as solicitações. Porém o que me preocupava era a reação de Victor frente a essa intrusão. Ele se comportou de forma passiva. Em sessão dizia concordar com a minha posição de não atendê-la, afinal eu deixara claro que aquele era o seu espaço; contudo, acabava cedendo em casa e contando o que acontecia nas sessões. Cheguei a pensar que o jogo em que ele colocara sua esposa e eu

lhe causava prazer. Com a impressão de estar certa resolvi ficar fora dele. Não atendi sua esposa. Disse-lhe compreender a ansiedade dela em participar do atendimento e até indiquei para o ano seguinte uma terapia de casal, porém reforcei que aquele atendimento pertencia a ele. Victor começou a relatar, a partir desse episódio, uma posição mais firme em relação à sua esposa. Nas brigas, ele já conseguia colocar suas opiniões e eles sentavam para conversar, coisa que não acontecia há muito tempo. O tempo que atendi Victor não foi suficiente para que eu pudesse tirar conclusões, porém posso dizer que nós já conhecemos um pouco quem é ele. Victor faltou em muitas sessões, quem sempre deixava recado na clínica era sua esposa. Essas faltas eram justificadas por idas ao médico para levar seus filhos. Eu me perguntava... Por que sempre às quartas-feiras no horário do atendimento? Por que não perguntar para Victor? Era sua esposa quem marcava os horários do médico das crianças e ligava desmarcando as suas sessões. Sabotagem? Talvez! Em seguida, Victor abordou o assunto de que iria fazer vasectomia. Decisão de sua esposa que não pode tomar nenhuma pílula anticoncepcional, pois tem pressão alta e acha complicado uma cirurgia na mulher (sic). Victor disse ter concordado com essa decisão. Esses e outros episódios me fizeram entender como Victor funcionava. Ele contava tudo isso com passividade, sem expressar sentimento algum; não conseguia expor sua raiva. Ele entregava seu pênis, o seu eu para a sua mulher cuidar. Nas últimas sessões esse desafeto me contagiou. Precisei me controlar em sessão para não falar o que pensava, para não expressar sentimentos que no fundo eram meus, mas que não deixavam de ser sentimentos que faltavam na sala de atendimento. Victor começou a freqüentar um urologista para fazer exames para a cirurgia de vasectomia. Em uma consulta comentou sobre seu problema de ejaculação precoce, ele não estava seguro de que seu problema era somente de ordem psicológica. O médico receitou um antidepressivo. Os sujeitos que ejaculam precocemente possuem um perfil psicológico típico. São desconfiados, apressados e hostis, sendo que seu alto grau de ansiedade demanda muitas vezes a prescrição médica de ansiolíticos e antidepressivos para que, com uma diminuição na ansiedade, possam se beneficiar de um tratamento psicológico. Foi observado que com a diminuição da ansiedade há elevação do tempo de penetração vaginal sem ejaculação (Storni, 1969, apud França, 2001). Victor iniciou o uso do medicamento sem saber que se tratava de um antidepressivo e desconhecendo seus efeitos colaterais. Somente em discussão durante o atendimento ele tomou conhecimento de que um dos efeitos colaterais desse tipo de droga é a diminuição da libido. Sabido esse fato se queixou de estar observando tal efeito. Victor parecia não se apropriar de sua vida. Iniciamos algumas conversas sobre medicamentos, exames e tempo de controle da ejaculação para que Victor tirasse suas dúvidas sobre a questão da causa da sua ejaculação precoce. Discutimos o fato dele não ejacular precocemente quando se masturba. Quando o descontrole da ejaculação ocorre raramente durante a masturbação evidencia-se claramente uma ligação entre a ejaculação artigos pulsional > revista de psicanálise > >121

pulsional > revista de psicanálise > artigos precoce e o conflito emocional com a figura feminina que pode ser considerada a desencadeadora dessa perturbação neurótica (França, 2001). Discutir essas questões fez com que Victor se apropriasse mais de questões práticas e saísse um pouco das questões psicológicas que talvez estivessem dificultando seu contato comigo. Percebi esse movimento como um mecanismo de defesa muitas vezes necessário. Nas últimas sessões conseguimos falar de sentimento. Falar sobre o assunto foi o primeiro passo para entrar em contato com os sentimentos que Victor confessou serem difíceis e desestruturantes para ele. Houve indicação para Victor continuar em psicoterapia individual independentemente da terapia de casal. Conclusão Como estudante do último ano de psicologia da Universidade Paulista - UNIP, atender Victor foi um grande desafio e ao mesmo tempo um presente. Victor iniciou os atendimentos de forma passiva. Essa passividade do início veio em forma de cobrança. Eu deveria fazer por ele. Repetir o que ocorria em suas outras relações. Senti-me impotente. Com o passar dos atendimentos dei-me conta de que poderia fazer algo diferente por ele, ou melhor, em vez de repetir o que vinha acontecendo fora dali, deixei que ele fizesse um pouco por si. Sentia que somente eu estava presente na relação. Percebi que não tinha a menor graça sentir sozinha. Sentir, segundo o dicionário Aurélio (Ferreira, 2000), significa experimentar, ser sensível a, melindrarse com, somente eu estava experimentando da relação. O desafeto de Victor me contagiou; em vez de ele sentir raiva, amor, ódio, culpa, tristeza, quem sentia era eu. Era isso que eu pensava, mas Victor estava refletindo sobre os atendimentos e nosso espaço estava fazendo sentido para ele. Onde eu quero chegar? Essa foi a magia de atender um paciente em psicossomática. Ele te surpreende em cada atendimento e, quando eu achei que ele nem mesmo se importava com os atendimentos, demonstrou-me estar presente. Presente nas relações, presente consigo mesmo e, apesar da dificuldade, tentando sentir. Obrigada Victor por me ensinar tanto. Referências BALLONE, G. J. Ejaculação precoce. PsiqWeb Psiquiatria Geral. Disponível em http:// www.psiqweb.med.br/sexo/ejacul.html revisto em 2002. Acesso em set./2004. DSM-IV-TR. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Trad. Cláudia Dornelles, 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. FERREIRA, A. B. H. Mini dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. FRANÇA, C. P. Ejaculação precoce e disfunção erétil: uma abordagem psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. ROWLAND, D. L.; COOPER, S. E.; SCHNEIDER, M,. Defining Premature Ejaculation for Experimental and Clinical Investigations. Archives of Sexual Behavior, v. 30, n. 3, p. 235-53, 2001. TELÖKEN, C.; DA ROS, C. T.; TANNHAUSER, M. Disfunção sexual. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. Artigo recebido em novembro de 2004 Aprovado para publicação em março de 2005 >122