Sedação Consciente por Óxido Nitroso e Oxigênio em Odontologia Requisitos de Segurança do Equipamento para seu Uso



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Sedação Consciente por Óxido Nitroso e Oxigênio em Odontologia Requisitos de Segurança do Equipamento para seu Uso Conscious Sedation by Nitrous Oxide and Oxygen in Dental Treatment Safety Requirements of the Equipment for its Use Eliana Cordeiro Amarante* Evandro Scigliano Amarante** Antonio Carlos Guedes-Pinto*** Ana Lídia Ciamponi**** José Carlos T. B. Moraes***** REVISÃO DE LITERATURA Amarante EC, Amarante ES, Guedes-Pinto AC, Ciamponi AL, Moraes JCTB. Sedação consciente por óxido nitroso e oxigênio em odontologia requisitos de segurança do equipamento para seu uso. Rev Ibero-am Odontopediatr Odontol Bebê 2004; 7(38):391-6. O uso da sedação consciente através do óxido nitroso associado ao oxigênio é uma técnica que leva a um estado mínimo de depressão de consciência, que melhora a cooperação do paciente, pois diminui sua ansiedade sem que efeitos colaterais importantes sejam notados. A questão da segurança da técnica de sedação conscie nte por oxigênio/óxido nitroso reside no fato de os equipamentos utilizados para esta finalidade possuírem quesitos de segurança que devem ser cuidadosamente observados, e que são mencionados e ressaltados nesta revisão de literatura. PALAVRAS-CHAVE: Sedação consciente; Óxido nitroso; Equipamento; Segurança de equipamentos. INTRODUÇÃO O uso da sedação consciente em Odontologia, principalmente através do óxido nitroso associado ao oxigênio, é assunto atual e de interesse dos Odontopediatras por se tratar de uma técnica segura e previsível, sendo um bom coadjuvante no manejo comportamental (Nathan et al., 1988). Os equipamentos utilizados para a aplicação da técnica devem possuir dispositivos que garantam a segurança e que devem ser criteriosamente avaliados e observados periodicamente (Malamed, 1995). O objetivo desta revisão de literatura é relacionar quais são estes quesitos de segurança, para que o profissional possa ter conhecimento e avaliar os equipamentos disponíveis no mercado brasileiro. REVISÃO DE LITERATURA Em Hartford, Connecticut (EUA), no ano de 1844, um Cirurgião-dentista chamado Horace Wells percebeu as propriedades sedativas do gás de óxido nitroso, durante uma demonstração com finalidade recreativa, comum na época. Wells, vislumbrando as vantagens de sua aplicação, submeteu-se à extração de um molar após inalar generosa quantidade de gás de óxido nitroso, * Professora Adjunta de Odontopediatria da Unisa Universidade de Santo Amaro UNISA-SP, Doutoranda em Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo USP-SP; Rua Augusta, 2110/51, C. César CEP 01412-000, São Paulo, SP; e-mail:amarante@osite.com.br ** Professor Doutor Adjunto de Clínica Integrada da Unisa Universidade de Santo Amaro UNISA-SP, Doutor em Periodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo USP-SP *** Professor Doutor Titular de Odontopediatria da Universidade de São Paulo USP-SP, Universidade de Santo Amaro UNISA -SP, Universidade Camilo Castelo Branco UNICASTELO-SP **** Professora Doutora da Disciplina de Odontopediatria da Universidade de São Paulo USP-SP ***** Professor Doutor (Associado) Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Coordenador do Laboratório de Engenharia Biomédica (LEB) Escola Politécnica USP-SP JBP Rev Ibero-am Odontopediatr Odontol Bebê 2004; 7(38):391-6

proferindo então, após a intervenção, a célebre frase:... não senti mais que a espetada de um alfinete. Inicia-se uma nova era na extração dentária! (Ring, 1985). Somente no século XX, um comitê especial da American Dental Association (ADA) creditou-lhe a descoberta que revolucionou a Odontologia. Antes deste achado, as extrações eram realizadas com pouquíssimo controle da dor. Somente as habilidades do Cirurgião, somadas a uma dose de whiskey ou eventualmente cocaína, existiam para minimizar a inevitável dor. O método proposto por Wells, para alívio da dor, tem sido utilizado por 150 anos. Atualmente, pelo menos 60 mil consultórios espalhados pelo mundo estão aparelhados para ministrar sedação consciente por inalação de óxido nitroso/oxigênio (Ring, 1985). Descoberto em 1772 pelo clérigo inglês Joseph Priestley, o óxido nitroso, juntamente com outros gases isolados nesta época, era sistematicamente aplicado aos enfermos como possível cura para males que variavam desde tuberculose até moléstias gástricas. Durante um doloroso quadro de pericoronarite, o brilhante químico e físico Humphrey Davy obteve dramática remissão dos sintomas após inalar uma boa quantidade do gás. Em 1800, ele publicou um compêndio, Researches, Chemical and Philosophical; Chiefly concerning Nitrous Oxide, onde documentou sua profética constatação: considerando que o óxido nitroso, dentre seus vários efeitos, parece ser capaz de aplacar a dor física, ele pode provavelmente ser utilizado com vantagens em atos cirúrgicos onde não ocorra grande perda de volume sangüíneo (Ring, 1985). Desde então, as propriedades do óxido nitroso (N 2 O) foram descritas, assim como o seu possível uso como agente anestésico. A técnica era, no entanto, utilizada com finalidade anestésica numa época em que ainda não se dispunha de anestésico local para o controle da dor e, portanto, maiores doses do gás de óxido nitroso puro eram utilizadas, constituindo um grande risco para o paciente. Em 1868, Edmund Andrews, um Cirurgião de Chicago, teve a brilhante idéia de associar 20% de oxigênio (O 2 ) ao óxido nitroso, evitando assim a hipóxia comumente observada quando da administração do óxido nitroso puro (Dunn-Russell et al., 1993). Atualmente, a técnica de sedação consciente por oxigênio/óxido nitroso (O 2 /N 2 O) é utilizada com a finalidade principal de sedação (efeito relaxante) para controle da ansiedade e não pelo seu efeito anestésico. Este fato aumenta consideravelmente a segurança da técnica, levando-se em conta que menores doses do gás de óxido nitroso são suficientes para a obtenção do efeito relaxante desejado, fazendo com que a técnica seja um excelente coadjuvante no manejo comportamental e condicionamento psicológico do paciente, como sugeriram Nathan et al., em 1988. Com o desenvolvimento de equipamentos mais precisos e dispositivos de segurança que impedem o fornecimento do gás (N 2 O) isoladamente, a técnica de sedação consciente em Odontologia vem sendo utilizada rotineiramente em vários países, sem ocorrência de acidentes dignos de nota (Ruben, 1972; Raadal, Svatun, 1993; Malamed, 1995). Atualmente, aproximadamente 90% dos membros da Academia Americana de Odontopediatria fazem uso rotineiro da mesma. A segurança da técnica de sedação por oxigênio/ óxido nitroso também foi confirmada aqui no Brasil, nos trabalhos de Mello (1980), Petersen (1987; 1995) e Chiarelli (1995). Respeitando-se as indicações precisas, reações adversas e efeitos colaterais para os pacientes são raramente encontrados na literatura (Jastak, 1975). No entanto, o que se vê, de tempos em tempos, são preocupações fundamentadas quanto ao risco para o profissional que se expõe cronicamente, seja pelo uso indiscriminado da técnica ou de equipamentos de segurança inadequados (Howard, 1997). Sendo esta técnica uma novidade no contexto da Odontologia nacional, é objetivo deste artigo alertar quanto aos requisitos fundamentais dos equipamentos utilizados. EQUIPAMENTOS Originalmente, a aplicação dos gases era feita apenas com a utilização de bolsas de pele de origem animal contendo o gás, dotadas de um bocal para inspiração do paciente. Mais tarde, balões de vidro e inaladores metálicos que muito se assemelhavam às máscaras faciais atuais foram especialmente desenvolvidos para este fim (Ring, 1985). O primeiro equipamento de que se tem notícia, foi uma enorme câmara hiperbárica, inventada em 1880 pelo Dr. Fontaine, em Paris, chamada Cloche Mobile, que permitia que o paciente dentro da câmara, supostamente por estar pressurizado, recebesse menor quantidade de gás. O dispositivo foi concebido sobre rodas e podia deslocar-se pelas vias públicas, de hospital para hospital (Ring, 1985). No ano seguinte, em 1881, a S.S. White Manufacturing Company forneceu o óxido nitroso líquido, juntamente com um aparato que racionalizou a aplicação do gás contido em cilindros. O primeiro equipamento para a aplicação de óxido nitroso e oxigênio, em proporção fixa, foi inventado apenas em 1887, por Sir Frederick Hewitt. No entanto, foram ainda necessários mais 23 anos para que E.I. McKesson, em 1910, desenvolvesse um equipamento capaz de dispensar a mistura de gases em proporções precisas e em fluxo intermitente. A partir das invenções destes pioneiros, os equipamentos sofreram uma série de refinamentos voltados para a segurança dos pacientes, destacando-se a liberação de fluxo constante da mistura de gases, mecanismos do tipo fail-safe onde, em hipótese alguma, o paciente 392 JBP Rev Ibero-am Odontopediatr Odontol Bebê 2004; 7(38):391-6

é privado de pelo menos 30% de oxigênio puro, além dos indispensáveis dispositivos de exaustão que minimizam os riscos profissionais de exposição crônica aos resíduos gasosos no ambiente. Em 1976, a Associação Americana de Odontologia, através de sua Divisão de Materiais, Equipamentos e Instrumentos, normalizou o assunto estabelecendo os quesitos imprescindíveis que deveriam estar presentes nos equipamentos dispensadores de gases para analgesia (Ring, 1985). Como evolução natural dos aparatos dispensadores de fluxo intermitente (liberação de gases em função da demanda respiratória do paciente), recomenda-se e utiliza-se atualmente os chamados fluxô metros dispensadores de fluxo constante (fornecem fluxo constante de gases, independentemente do padrão respiratório) que, não obstante, utilizam volume de gases maior que seus antecessores. Este equipamento supera o anterior por ser mais preciso e seguro (Hallonsten, Löfström, 1982). Basicamente, os equipamentos modernos são constituídos das seguintes partes: cilindros com os gases comprimidos (oxigênio O 2 e óxido nitroso N 2 O), válvulas redutoras reguladoras, manômetros, fluxômetros, balões reservatórios, tubos e traquéias condutoras e máscara nasal com dispositivos de exaustão (Figura 1). Os aparelhos de administração de gases existem ou na forma portátil, em que, associados aos fluxômetros, encontram-se pequenos cilindros contendo os gases comprimidos, ou constituindo sistemas centrais, vez a pressão máxima usual do gás comprimido que acondicionam. Existem vários tamanhos de cilindros, variando do tamanho A (o menor) até o tamanho H (o maior). O oxigênio e o óxido nitroso estão disponíveis principalmente nos tamanhos E, G e H, sendo E para ambos, G para N 2 O e H para O 2. O oxigênio encontra-se no estado gasoso e quando o cilindro está cheio apresenta pressão de 2000 a 2200psi (libras por polegada quadrada) em um cilindro tamanho E ou H. O óxido nitroso, diferentemente, apresenta-se em ambos os estados, líquido e gasoso, na proporção 90 a 95% do tanque líquido, acima do qual o óxido nitroso encontra-se vaporizado, atingindo aproximadamente 750psi de pressão em cilindros cheios de tamanhos E e G. DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA Os seguintes dispositivos de segurança devem ser utilizados: Código de cores Convencionou-se que o oxigênio esteja sempre associado à cor verde (Brasil e vários outros países) ou branco (norma internacional) e o óxido nitroso à cor azul-clara (Brasil e norma internacional) (Figura 2). Sistema de engates específicos Para prevenir acidentes, tradicionalmente os engates dos diferentes gases são totalmente diferentes em formas e diâmetros (Figura 2). FIGURA 1: Partes do equipamento de sedação fl uxômetro, cilindros com válvulas reguladoras e manômetros, tubos e máscara nasal. que possuem grandes cilindros alimentadores em rede, estando os fluxômetros instalados a distância, nos locais de atendimento dos pacientes (p.ex.: ambulatórios, centros cirúrgicos, etc.). Em alguns países, os gases são comercia lizados em cilindros de cromo-molibdênio ou de alumínio, com paredes de aproximadamente 10mm de espessura e capazes de suportar, por razões de segurança, até 1,6 FIGURA 2: Conexões dos cilindros para os fl uxômetros, de diâmetros diferentes e com código de cor padronizado, sendo verde para oxigênio e azul para óxido nitroso. Dispositivo dispensador de fluxo mínimo (volumétrico) de oxigênio Um fluxo mínimo de oxigênio, que varia de 2,5 a 3,0 litros/minuto é fornecido quando o equipamento é acionado, de tal maneira que o fluxo de N 2 O não se inicia até que este fluxo mínimo seja estabelecido. Dispositivo Fail-safe O aparelho só fornece N 2 O se, simultaneamente, JBP Rev Ibero-am Odontopediatr Odontol Bebê 2004; 7(38):391-6 393

estiver sendo fornecido pelo menos 30% de O 2 (Figura 3). Válvula automática de fornecimento de gás atmosférico No caso de falha do aparelho, esta válvula constitui-se em um segundo nível de segurança, uma vez que se disponibiliza o ar atmosférico na máscara, pela abertura automática desta válvula de segurança (Figura 4). Sistema de exaustão acoplado à máscara nasal Este sistema de exaustão é um dispositivo conectado ao sistema ejetor do equipamento odon tológico (sugador de saliva) que, além de eliminar praticamente todo o gás expirado pelo paciente, reduzindo drasticamente o risco profissional, garante também, por sua exaustão, que o gás expirado não seja reinalado pelo paciente, mantendo constante o fluxo da mistura gasosa ministrada (Hallonsten, 1982) (Figura 5). Sistema exaustor de campo Este sistema consiste de uma pequena coifa, cuja abertura é de aproximadamente 10cm de diâmetro, posicionada aproximadamente a 30cm da cabeça do paciente sob sedação, com capacidade de aspiração de 45 litros/minuto. É especificamente devotado à retirada do resíduo gasoso que escapa pela máscara e pela boca do paciente (Hallonsten, 1982) (Figura 6). Quando esta exaustão não for realizada apropriadamente, pode existir efeito tóxico para o Clínico e pessoal auxiliar, em função da exposição crônica, em baixas concentrações, ao gás de óxido nitroso, que ocorre principalmente pela má exaustão e vazamento dos gases no ambiente de trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de o gás de óxido nitroso ser um anestésico geral, por definição, atualmente é empregado em FIGURA 4: Válvula automática de fornecimento de gás atmosférico e de fluxo de O 2 puro. Evita que o paciente seja privado de O 2 em qualquer situação. FIGURA 5: Sistema de exaustão presente na máscara nasal, composto por duas câmaras (interna e externa) e com válvula unidirecional que impede a reinalação dos gases e a contaminação do ambiente durante a expiração. FIGURA 3: Dispositivo de segurança para o fornecimento de N 2 O caso o O 2 seja fornecido conjuntamente. Se o O 2 ou seu fl uxo for cortado acidentalmente, o fluxômetro bloqueia a saída de N 2 O (prevenção do risco de hipóxia). FIGURA 6: Sistema de exaustão auxiliar do tipo coifa, para remoção dos gases que vazam no ambiente de trabalho (exaustão de campo). 394 JBP Rev Ibero-am Odontopediatr Odontol Bebê 2004; 7(38):391-6

pequenas concentrações, de forma gradativa e lenta, para que o controle do estágio de sedação consciente (analgesia relativa) seja atingido. O controle da concentração dos gases para se obter a sedação consciente é simples e praticamente sem riscos. Trata-se de técnica já consagrada em outros centros de excelência no mundo, utilizando metodologia específica de sedação consciente em Odontologia e equipamentos desenvolvidos para o uso exclusivo odontológico, seguindo padrões técnico-científicos para este fim. O uso da sedação consciente no ambiente ambulatorial através do óxido nitroso associado ao oxigênio exclusivamente, sem associação com outros fármacos e com exceção do anestésico local, é uma técnica que leva a um estado mínimo de depressão de consciência, melhorando a cooperação do paciente, pois diminui sua ansiedade sem que efeitos colaterais importantes sejam notados. No entanto, a preocupação com a técnica reside no fato de o gás de óxido nitroso que eventualmente existe no ambiente de trabalho ser um risco para os profissionais que trabalham com esta técnica. Isto ocorre principalmente pela exposição contínua a baixas concentrações do gás de óxido nitroso, que ocorre pela má exaustão e vazamentos no ambiente de trabalho. As empresas de equipamentos preocupadas com este aspecto criaram métodos de exaustão para minimizar este problema. Equipamentos que fornecem a mistura de gases já proporcionada previamente, em um único cilindro (por exemplo: 60% de óxido nitroso e 40% de oxigênio ou 50% por 50%) não possuem fluxômetros independentes e, portanto, não apresentam aspectos de segurança que garantam que esta técnica de sedação consciente em Odontologia seja previsível. Portanto, estes equipamentos que fornecem a mistura de gases já proporcionada previamente não apresentam a mesma segurança que os aparelhos consagrados. Estas misturas, quando corretamente empregadas, têm finalidades específicas, como a redução de dor em pacientes transportados em ambulâncias. A técnica de sedação consciente por N 2 O/O 2 em Odontologia baseia-se no fato de que ao início da sessão o paciente recebe 100% de oxigênio (por 3 a 5 minutos), o que eleva a saturação de oxigênio sangüíneo, e só depois é que, de forma gradativa, administra-se o óxido nitroso, até a concentração ideal (individualizada) para aquele paciente. Observe-se que esta concentração pode variar de 30% até 70%, dependendo da reação do paciente à droga. No final da sessão de sedação, a técnica preconiza o mesmo procedimento de administração de 100% de O 2 durante a eliminação do N 2 O do organismo via máscara nasal, evitando que este vaze no ambiente de trabalho, poluindo-o. Outro aspecto que deve ser notado é a hipóxia residual ou de difusão, que constitui a difusão, de forma rápida, para os pulmões do gás de óxido nitroso que está presente no organismo, ao término da administração do mesmo, levando a uma diluição do ar inspirado e causando a redução transitória da saturação do oxigênio sangüíneo. Os equipamentos com fluxômetros de gases independentes (cilindros com O 2 e N 2 O separados) permitem a administração de 100% de O 2 no final da sessão, evitando e eliminando totalmente o risco desta hipóxia residual, sendo o mesmo procedimento impossível nas misturas pré-dosadas. As publicações disponíveis demonstram ser inquestionável a questão da segurança da técnica de sedação consciente por oxigênio/óxido nitroso, desde que os quesitos de segurança mencionados nesta revisão sejam cuidadosamente observados. Amarante EC, Amarante ES, Guedes-Pinto AC, Ciamponi AL, Moraes JCTB. Conscious sedation by nitrous oxide and oxygen in dental treatment safety requirements of the equipment for its use. Rev Ibero-am Odontopediatr Odontol Bebê 2004; 7(38):391-6. The technique of conscious sedation by nitrous oxide and oxygen leads to a minimum level of depressed consciousness that enhances the cooperation of the patient, reducing his anxiety without important side-effects. The safety of the technique of nitrous oxide/oxygen conscious sedation is due to the fact that the equipment used for this purpose has several safety requirements that need to be carefully observed before its use, and which are revised in this paper. KEYWORDS: Conscious sedation; Nitrous oxide; Equipment; Equipment safety. REFERÊNCIAS Chiarelli JA. A utilização do óxido nitroso em odontologia [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 1995. Dunn-Russell T, Adair SM, Sams DR, Russell CM, Berenie JTN. Oxygen saturation and diffusion hypoxia in children following nitrous oxide sedation. Pediatr Dent 1993; 15(2):88-92. Hallonsten AL. Nitrous oxide scavenging in dental surgery. I. A comparison of the efficiency of different scavenging devices. Swed Dent J 1982; 6(5):203-13. Hallonsten AL, Löfström BJ. Physical properties of nitrous JBP Rev Ibero-am Odontopediatr Odontol Bebê 2004; 7(38):391-6 395

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