Programa de Pós-Graduação em Psicologia



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Transcrição:

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR, AMBIENTE FÍSICO E RELAÇÕES ASSISTENCIAIS: A PERCEPÇÃO DE ARQUITETOS ESPECIALISTAS Luciana de Medeiros Natal 2004

2 Luciana de Medeiros HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR, AMBIENTE FÍSICO E RELAÇÕES ASSISTENCIAIS: A PERCEPÇÃO DE ARQUITETOS ESPECIALISTAS Dissertação elaborada sob a orientação do Prof. Dr. José de Queiroz Pinheiro e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia. Natal 2004

3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia A dissertação Humanização hospitalar, ambiente físico e relações assistenciais: a percepção dos arquitetos especialistas, elaborada por Luciana de Medeiros, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA. Natal, RN, 25 de outubro de 2004 BANCA EXAMINADORA Profº Dr. José de Queioz Pinheiro Profª Dr.ª Sônia Marques da Cunha Barreto Profº Dr. Jorge Castellá Sarriera

4 A vida seria muito mais fácil se a cada melhoria no ambiente físico ou social correspondesse um aumento claro e mensurável na produtividade e saúde humanas. Robert Sommer

5 Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus, pela saúde e pela vida. À minha família, pelo amor que nos une e nos fortalece. Ao professor Dr. José de Queiroz Pinheiro, pela confiança depositada no meu trabalho e pelo incentivo nos momentos difíceis. À professora Dr.ª Gleice Azambuja Elali, que me acompanha desde a graduação, pelas valiosas contribuições ao longo da minha vida acadêmica. À arquiteta e amiga Maria Alice Lopes, por ter me apresentado à Arquitetura Hospitalar e por ter acreditado na minha capacidade profissional desde então. À professora Dr.ª Martha Traverso, à professora Dr.ª Clara Santos e demais professores do Programa de Pós-graduação em Psicologia, pelas sugestões apresentadas nos seminários de dissertação. Aos meus colegas arquitetos, que prontamente me concederam seus depoimentos. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES, pela concessão da bolsa de estudos.

6 Sumário Lista de figuras... Lista de tabelas... Resumo... Abstract... vii viii ix x 1. Introdução... 11 2. Hospital: história, políticas de saúde e normatização... 16 2.1. O hospital na história... 16 2.2. Brasil: Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecimentos públicos e privados... 23 3. Humanização e assistência hospitalar... 28 3.1. O paciente hospitalizado... 28 3.2. Saúde e doença... 30 3.3. A relação profissional-paciente... 34 3.4. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar... 37 4. Humanização e Arquitetura hospitalar... 40 4.1. Antecedentes... 40 4.2. O projeto arquitetônico e a humanização... 44 4.3. Hotelaria hospitalar: uma nova tendência... 49 5. Interação pessoa-ambiente no contexto hospitalar... 52 5.1. Sobre Psicologia Ambiental... 52 5.2. O ambiente hospitalar como campo de estudo... 54 5.3. Panorama atual: introduzindo variáveis da pessoa e do ambiente... 57 6. A consulta ao arquiteto especialista... 66 6.1. Participantes... 66 6.2. Instrumento... 67 6.3. Procedimentos... 67 6.4. Análise dos dados... 68 7. O que define a humanização hospitalar: a percepção do arquiteto especialista... 69 7.1. Humanização hospitalar... 70 7.2. Hospitais do passado e do presente... 74 7.3. Hospitais públicos e privados... 78 7.4. Projeto arquitetônico de estabelecimentos assistenciais de saúde... 81 8. Considerações finais... 91 9. Referências... 96 Apêndices

7 Lista de figuras Figura Página 1. Apresentação dos blocos ou eixos temáticos e suas interrelações... 69 2. Relação entre humanização e resposta do usuário do ambiente... 95

8 Lista de tabelas Tabela Página 1. Componentes da humanização hospitalar mencionados... 70 2. Ações apontadas para humanizar os serviços... 73 3. Sensações associadas ao hospital do passado e do presente... 77 4. Tipos de estabelecimentos e freqüência de citação... 78 5. Elementos do projeto arquitetônico mencionados... 81 6. Base para o projeto arquitetônico... 83 7. Motivos para ter retornado ao edifício... 86

9 Resumo A criação do Programa de Humanização da Assistência Hospitalar e o número crescente de artigos e teses que discutem práticas mais humanas no atendimento em saúde expressam a ênfase dada ao tema no Brasil. Nessas discussões, entretanto, não costuma haver referência à arquitetura como fator relevante para a humanização hospitalar, embora já se saiba que a estrutura física do edifício pode auxiliar no restabelecimento dos pacientes; elementos como jardins, uso de cores e espaços abertos podem amenizar o impacto causado pela rotina hospitalar sobre os pacientes. Considerando a contribuição que o projeto arquitetônico pode trazer para a humanização de hospitais, o objetivo deste estudo foi verificar a percepção dos arquitetos acerca do processo de humanização hospitalar. Além de ter buscado subsídios em entrevistas informais com profissionais de saúde, em visitas a hospitais e seminários sobre o assunto, a pesquisa foi baseada em entrevistas semi-estruturadas com os arquitetos de Natal, Rio Grande do Norte, especialistas neste tipo de projeto. A análise do conteúdo das entrevistas revelou que espaço físico e atendimento são essenciais ao processo de humanização. Para aqueles profissionais, há duas tendências de humanização: enquanto hospitais privados têm a aparência física de sua estrutura considerada como humanizada, hospitais públicos enfatizam a humanização do atendimento, num contraste que reforça as contradições do sistema de saúde do país. Os entrevistados consideram a avaliação do edifício depois de entregue ao uso um exercício de aprendizagem que contribui para novos projetos, mas, surpreendentemente, não contemplam a opinião dos pacientes. Confirmam-se duas inquietações decorrentes dos levantamentos preliminares: raros são os trabalhos que focalizam as relações pessoa-ambiente, e a definição de ambiente hospitalar humanizado ainda é abrangente e imprecisa. Isso sugere a necessidade de novas pesquisas para compreender melhor como os dois fatores apontados neste estudo atendimento e espaço físico interagem para uma verdadeira humanização hospitalar. Palavras-chave: humanização hospitalar, atendimento em saúde, arquitetura hospitalar, relação pessoa-ambiente, arquiteto.

10 Abstract The creation of the Humanization Program of Hospital Care and the increasing number of academic works and journal articles that discuss more humane practices in the health care services express the emphasis given to the theme in Brazil. In these discussions, however, it is not usual to find reference to architecture as a relevant factor in the humanization of hospitals, even though it is known that the physical structure of the building may help the recovering of the patients; elements such as gardens, the use of colors and open spaces may soften the impact caused by the hospital routine on patients. Considering the contribution the architectural project may bring to the humanization of hospitals, the aim of this study was to verify how the architects perceive the hospital humanization process. Besides having searched for subsides in informal interviews with health professionals, in visits to hospitals and in related seminars, the study was based on semi-structured interviews with architects of Natal, Rio Grande do Norte, who are specialists in this kind of projects. The content analysis of the interviews showed that physical space and attendance are essential to the humanization process. Those professionals see two humanization tendencies: while private hospitals have the structural physical appearance considered as humanized, public hospitals emphasize the humanization in attendance, fact that illustrates the contradictions in Brazilian health system. The interviewees consider the post-occupancy evaluation of the building as a learning exercise that contributes to new projects, but surprisingly they do not mention the patients opinion as part of it. Two annoying facts have emerged from the interviews, as also seen in preliminary stages of the study: rare are the works that focus on the person-environment relationship, and the definition of humanized hospital environments is still broad and inaccurate. This suggests the need of new studies in order to better understand how the two factors shown in this study attendance and physical space interact towards a true hospital humanization. Key words: Hospital humanization; health care; hospital design; person-environment relationship; architect.

11 1. Introdução Por uma Medicina mais humana. Essa era a mensagem escrita numa faixa, daquelas fixadas nos postes das vias públicas, que indicava a realização de um encontro entre profissionais de saúde nas instalações da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a realizar-se exatamente naquele dia, 22 de fevereiro do ano de 2002. Resolvi me dirigir até o local do evento e entrar, afinal de contas, também estava escrito na faixa que o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar - PNHAH 1 - seria discutido na ocasião. A proposta do Programa para aquele ano era humanizar quinhentos hospitais da rede pública do país, sendo sete aqui no Estado. Como eu não era da área da saúde, nem tinha feito inscrição, tive que conversar com os funcionários da recepção para conseguir participar do encontro como ouvinte. Ao responder as perguntas que me fizeram, do tipo formação profissional e curso de pós-graduação, não pensei que o fato de ser arquiteta, aluna da pós-graduação em Psicologia e interessada em humanização hospitalar, fosse deixar aquelas pessoas tão confusas. No entanto, após todos os esclarecimentos, tive permissão para entrar, não só nesse, mas em outros eventos semelhantes que aconteceram posteriormente. Assim como as pessoas do exemplo acima, o leitor também deve estar esperando uma explicação. Com a experiência de trabalho num escritório de Arquitetura Hospitalar, comecei a perceber a complexidade existente neste tipo de projeto. Já interessada nas relações pessoa-ambiente, pois esta havia sido uma das disciplinas cursadas na graduação em Arquitetura, me perguntava que implicações um local planejado para tantas atividades diferentes poderia trazer para as pessoas que o 1 A partir desse trecho, sempre que o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar for mencionado, será utilizada a abreviação PNHAH.

12 utilizavam. O grande dilema do profissional que projeta esse tipo de edifício, ainda que eu tenha participado apenas de algumas etapas do processo projetual, é conciliar uma gama enorme de pré-requisitos, normas, recursos financeiros destinados à obra, gosto do cliente, detalhes específicos e ainda idealizar espaços ditos humanizados. Mas o que é um ambiente hospitalar humanizado? Segundo Malkin (1992), alguns fatores têm a função de propiciar o restabelecimento das pessoas hospitalizadas, entre os quais podem ser citados a possibilidade de comunicação com a equipe médica e de enfermagem, o controle de ruídos e a criação de espaços que permitam, por exemplo, a visualização da natureza. Logo, uma assistência voltada para os cuidados com o paciente, deve incluir aspectos relativos ao atendimento prestado e à estrutura físico-espacial do edifício. Diversos trabalhos em Arquitetura e Psicologia Ambiental, publicados principalmente em periódicos internacionais, têm focalizado o papel do ambiente físico no processo de recuperação dos pacientes (Whitehouse, Varni, Seid, Cooper-Marcus, Ensberg, Jacobs, & Mehlenbeck, 2001; Devlin & Arneill, 2003). Porém, na ênfase dada a tais relações, a literatura internacional não apresenta necessariamente o termo humanização, mas ambientes com potencial terapêutico ou elementos de design que promovem saúde. Trata-se dos elementos presentes na própria organização espacial 2 e ambientação 3 do edifício que beneficiam o paciente durante a internação ou algum tipo de procedimento realizado. Entretanto, no Brasil, muito se fala mas pouco se tem certeza a respeito da humanização hospitalar e o emprego do termo pode ser observado tanto para 2 Organização espacial pode ser entendida como o conjunto de características físico-funcionais dos ambientes necessárias ao desenvolvimento das atividades previstas na edificação. 3 Ambientação: projeto que indica os materiais de acabamento, cores e disposição e desenho detalhado do mobiliário a ser utilizado na composição de um ambiente.

13 caracterizar a estrutura física de um local como para caracterizar o serviço prestado à população. Referir-se a um ambiente como humanizado é uma prática constante no ramo da assistência médico-hospitalar, principalmente porque existe uma idéia de que, para atrair cliente, essa é uma marca garantida de um padrão superior de qualidade. Há quem diga ainda, que um ambiente humanizado é aquele no qual existem pessoas realizando trabalho voluntário. No tocante ao atendimento em saúde e aos trabalhos publicados recentemente no país, diversos autores têm se dedicado à humanização, seja afirmando sua prática (DeMarco, 2003), reforçando sua necessidade (Traverso-Yépez & Morais, 2004) ou questionando sua definição (Deslandes, 2004). Além disso, a criação do PNHAH, cuja meta é a valorização da pessoa nas práticas da saúde pública e a utilização de um manual com diretrizes para implantação e fortalecimento das ações de humanização, ilustram muito bem a notoriedade do tema. Por outro lado, em Arquitetura, parece não haver interesse nesta discussão, dado o número reduzido de trabalhos que só agora começam a ser publicados (Fontes, Alves, Santos, & Cosenza, 2004). De acordo com a literatura pesquisada até o momento, o assunto é explorado superficialmente, sem apresentar uma definição clara do que seja um ambiente hospitalar humanizado, nem estabelecer uma relação entre a humanização e os estudos pessoa-ambiente (Corbioli, 2002; Rogar, 2002). Além disso, existe uma tendência em comparar a estrutura de determinados hospitais à de hotéis, atribuindolhes a qualidade de humanizado devido a variedade das opções de serviço e conforto oferecido ao paciente (Godoi, 2004). Portanto, o objetivo desta pesquisa é verificar a percepção dos arquitetos de Natal, Rio Grande do Norte, especialistas em projetos de estabelecimentos assistenciais

14 de saúde, acerca do processo de humanização hospitalar. A partir dessa exploração, outras questões serão respondidas: a) Como o profissional de Arquitetura se insere no processo mais amplo de humanização hospitalar? b) Em que circunstâncias surgiram as idéias que originaram a humanização hospitalar? c) De que maneira o processo tem se desenvolvido no Brasil? As respostas a essas indagações trazem à tona as contribuições da Arquitetura e dos estudos pessoa-ambiente para o processo de humanização e focalizam as transformações do edifício de atenção à saúde em decorrência das políticas de saúde e da crescente valorização dos cuidados com o paciente. Sendo assim, esta pesquisa tem como base as entrevistas com os arquitetos especialistas, mas também outras evidências empíricas, como informações colhidas com profissionais de saúde, visitas a hospitais, congressos e seminários sobre o assunto, além da revisão da literatura da área, incluindo Arquitetura, Psicologia, Medicina e Saúde Pública. Portanto, as páginas que seguem serão um diálogo entre a literatura, a minha visão enquanto arquiteta e os especialistas em projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. As partes que compõem este documento têm início com um capítulo sobre o surgimento do hospital como instrumento terapêutico e a conseqüente inclusão do paciente como alvo principal dos serviços de saúde. Em seguida, no terceiro capítulo, a humanização aparece associada aos aspectos presentes na hospitalização, aos processos saúde e doença, à relação profissionalpaciente e ao PNHAH. No quarto capítulo, são expostos alguns dos trabalhos em Arquitetura que abordam a humanização dos ambientes hospitalares, os elementos que auxiliam no

15 processo de recuperação dos pacientes e o surgimento da hotelaria hospitalar como uma nova tendência administrativa do setor. O quinto capítulo destina-se aos estudos pessoa-ambiente no contexto hospitalar e às pesquisas realizadas na área, apresentando as possíveis contribuições deste campo para a humanização. No sexto capítulo, são explicitados o percurso metodológico para a realização das entrevistas com os arquitetos e os procedimentos de coleta e análise dos dados. No sétimo capítulo, está a percepção dos arquitetos acerca do processo de humanização e a articulação entre esses resultados e o que foi apresentado na revisão da literatura. O capítulo oito expõe minhas reflexões sobre humanização, assistência, Arquitetura e estudos pessoa-ambiente no contexto hospitalar, incluindo alguns questionamentos sobre este trabalho e futuras possibilidades que surgem à luz da sua realização.

16 2. Hospital: história, políticas de saúde e normatização Neste capítulo abordarei de que forma a instituição hospitalar se torna um instrumento terapêutico e a partir de que momento o paciente passa a ser prioridade nesses serviços. Como conseqüência, veremos a importância das tecnologias médicas e das políticas de saúde no processo de projeto e planejamento do hospital e no início das discussões que culminaram na adoção de sistemas descentralizados, que atendessem melhor a população. Sobre o Brasil, veremos semelhanças e diferenças entre estabelecimentos públicos e privados, e a sua relação com os critérios do Sistema Único de Saúde (SUS). Não se trata de uma recapitulação histórica prolongada, mas da seleção de fatos considerados relevantes para o entendimento deste trabalho. 2.1. O hospital na história Os hospitais existem desde a antigüidade, antes mesmo de serem considerados instituições ou possuírem as características atuais. Na Grécia Clássica e no Egito, funcionavam em templos religiosos e eram chamados de templos-hospitais, com o papel de abrigar e cuidar dos enfermos, necessitados e indigentes, servindo também como uma espécie de hospedaria, daí o termo hospital. Dada a sua ligação com a religião, traço mantido até hoje em diversos estabelecimentos, eram como uma espécie de casa de caridade, não para curar, mas para cuidar das pessoas abandonadas, pobres e excluídas da sociedade (Kellman, 1995; Rodriguez-Marín, 1995). Nesse sentido, muitos hospitais, também chamados de Santa Casa, ainda que não sigam inteiramente o propósito de servir para a caridade, guardam algumas das características desse período, como por exemplo, serem administrados por religiosos.

17 Até o século XVIII, especialmente no continente europeu, tais edifícios eram considerados um lugar para morrer, já que o seu principal personagem não era o doente que precisava ser curado, mas o pobre que estava morrendo. Durante a Idade Média, religiosos e leigos detinham o poder e cuidavam das pessoas, buscando sua salvação eterna através das obras de caridade. O médico, subordinado ao pessoal religioso, só era chamado em último caso, apenas como uma garantia e não como uma prática regular. As consultas médicas eram privilégio dos que podiam pagar e a qualidade do médico assegurada pelas receitas transmitidas e não pelas experiências hospitalares (Foucault, 1979). Esse perfil só começou a mudar com os hospitais militares, local de grande concentração de pessoas vindas de diferentes regiões e por isso mesmo, foco de doenças e desordem econômica. Com o mercantilismo, o rápido adensamento urbano e intenso movimento portuário geraram a adoção de medidas sanitárias abrangentes por parte do Estado. O hospital passou a ser responsabilidade da administração pública, começando então um período de disciplina, controle, vigilância e de inserção do médico nesse contexto. Parte dessa trajetória política e social teve continuidade nos países colônias e a intervenção do Estado no hospital colonial era bastante insuficiente. No continente americano, a iniciativa de construí-lo e mantê-lo era da própria comunidade, o que não assegurava a qualidade desses estabelecimentos, já que a proliferação de doenças desconhecidas, a falta de médicos, as más condições de higiene e o excesso de doentes agravava a situação (Ribeiro, 1993). Ainda não havia, até o século XVIII, a intenção de buscar uma ação positiva do hospital sobre o doente (Foucault, 1979). Começava-se a acreditar que a doença era proveniente das ações do meio sobre o indivíduo e que os ambientes não naturais favoreciam a sua disseminação. Alguns países europeus criaram políticas de intervenção

18 que variavam desde os cálculos de natalidade, mortalidade e registro de epidemias até a vacinação coletiva e a normalização da prática e do saber médicos. Tais iniciativas se deram em conjunto com avaliações dos lugares de acúmulo e amontoamento de tudo que pudesse provocar doenças, gerando o desenvolvimento de medidas em relação à circulação do ar entre as casas e à qualidade da água, bem como à disposição e organização dos equipamentos urbanos pela cidade, como os hospitais, por exemplo. A medicina tornava-se social, urbana e coletiva, porque passava a ser, além dos homens e dos organismos, a medicina do ar, da água, das condições de vida e do meio. O início do século XIX foi marcado pelo surgimento de outro paradigma médico: a teoria anátomo-clínica (De Marco, 2003). Os médicos passaram a concentrarse no paciente individual, especialmente nos tecidos do corpo, na tentativa de adquirir conhecimentos sobre patologia. Para que essa experiência clínica fosse possível como forma de conhecimento e ação, o campo hospitalar necessitava de toda uma reorganização administrativa e do seu espaço físico. De acordo com Foucault (1979), o trabalho de organização desses espaços tem seu início quando estudiosos não arquitetos - realizaram viagens pela Europa a fim de observar e registrar sua funcionalidade. Como havia a necessidade de reformar e reconstruir antigos hospitais, acreditava-se que somente as teorias médicas ou somente os planos arquitetônicos eram insuficientes para definir um programa que significasse eficiência. Pouco se conhecia a respeito de como o hospital era capaz de agravar, multiplicar ou atenuar as doenças. Essas observações incluíram número de doentes, número de leitos, dimensões das salas, taxa de mortalidade e de cura, os percursos das pessoas e os deslocamentos das roupas limpas e sujas dentro do hospital, além da relação entre os fenômenos patológicos e espaciais. O setor destinado à internação dos pacientes foi dividido de

19 acordo com os tipos de doenças e em cada um desses ambientes, leitos e mobiliário foram dispostos de forma a acomodar pessoas e atividades. Desse momento em diante, a arquitetura do hospital passou a ser discutida como fator e instrumento de cura e o médico o principal responsável pela organização hospitalar. Um sistema de registro permanente começou a ser utilizado, com dados de identificação do doente, seu diagnóstico e tratamento, além das anotações feitas pelas enfermeiras. O indivíduo passou a ser importante, objeto do saber e da prática médica, porque era observado, seguido, conhecido e curado. A partir da disciplinarização do espaço hospitalar e da nova face da intervenção médica, o hospital aparece como instrumento terapêutico e de intervenção sobre a doença e o doente (Focault, 1979). A organização da estrutura física dos hospitais como um importante meio na recuperação dos pacientes também é pensada por uma enfermeira, Florence Nightingale (Malkin, 1992; Verderber & Fine, 2000). Em meados do século XIX, alguns hospitais europeus tiveram seus espaços modificados em função desse trabalho, centrado principalmente, no setor de internação. Nightingale buscava formas de beneficiar os pacientes e combinava noções de saúde e cuidados de enfermagem com elementos do ambiente físico, ventilação e iluminação naturais, controle de ruído e medidas sanitárias. Para que isso fosse possível, as enfermarias deveriam estar agrupadas em pavilhões, como pequenas partes separadas, mas fazendo parte do mesmo conjunto hospitalar. Dessa forma, cada pavilhão ou enfermaria, seria favorecida com ventilação e iluminação naturais. Acima de tudo, Nightingale se preocupava com a supervisão dos seus pacientes, criando um novo arranjo dos leitos e posto de enfermagem dentro da internação. Suas teorias implicaram no planejamento dos hospitais dos próximos cem anos e, segundo Malkin (1992), continuam ajudando nesse processo. Verderber e Fine (2000)

20 consideram o trabalho de Nightingale um marco na história da arquitetura dos hospitais, chegando a defini-lo como um período ou fase do design dos edifícios de cuidado em saúde. O hospital do século XIX assumiu uma nova missão: a de incorporar tecnologias, a princípio artesanais, e mais tarde, industrialmente produzidas (Ribeiro, 1993). A cirurgia, por exemplo, até então praticada nas residências dos pacientes, passa a ser realizada dentro do hospital. As altas taxas de mortalidade provocadas pela infecção hospitalar, aumentavam a crença dos cirurgiões de que o mal estava além dos agentes microbianos e das bactérias. Tal fato culminou na adoção de vários métodos de anti-sepsia, sendo um deles, a lavagem das mãos, empregado até os dias atuais. O hospital só começou a ser utilizado pelas pessoas mais abastadas após a queda da mortalidade ocasionada pelas infecções e à instalação de quartos diferenciados. De acordo com Freire (2002), hoje já se sabe que o agente infeccioso de grande parte dos casos de infecção hospitalar é a flora natural do indivíduo infectado e não o ambiente externo, como se acreditava. A preocupação com a assepsia do paciente e do profissional que interage com ele é ainda maior porque se sabe que as mãos e os procedimentos invasivos são os grandes veículos de contaminação. Sabe-se também que a água e os grãos de poeira podem ser meios de contaminação por alguns microorganismos, exigindo os cuidados específicos no tratamento e monitoramento desses agentes de proliferação e contágio. O período pós-guerras é caracterizado como sendo o mais expressivo nas transformações sofridas pelo hospital (Verderber & Fine, 2000). A expansão dos serviços de saúde em diversas nações, principalmente nos Estados Unidos, Europa e Canadá, teve seu início firmado a partir do aumento da demanda por leitos hospitalares e o conseqüente investimento dos governos na construção de hospitais. Os recursos

21 financeiros destinados para tal fim permitiram o crescimento dessas instituições em número e complexidade, além de ter proporcionado o aparecimento de diferentes empregos na área. O surgimento das especialidades médicas e o avanço tecnológico também funcionaram como molas propulsoras dessa nova fase e possibilitaram alterações no planejamento dos hospitais. As mudanças sofridas pelas cidades, fruto das conseqüências trazidas pelas guerras, se estenderam a todos os setores, fosse educacional, residencial, comercial ou hospitalar. A Arquitetura e o Urbanismo começaram a ser pensados em função de exigências técnicas e econômicas, devendo expressar os princípios do seu tempo: racionalidade e funcionalidade, bases dos ideais modernistas (Verderber & Fine, 2000). Segundo Frampton (2000), o próprio desenvolvimento industrial e o conseqüente crescimento das cidades, iniciado ainda no século XIX, determinaram o aparecimento das idéias que deram origem ao Modernismo. O caráter puramente estético da Arquitetura e os estilos reproduzidos até então, começaram a ser questionados e considerados ultrapassados. A Arquitetura Moderna deveria se basear nos materiais do novo tempo, como concreto armado, aço e vidro, satisfazendo as principais necessidades das pessoas. Os padrões de construção adotados na época, baseados em formas geométricas simples, ausência de ornamentação, racionalidade e funcionalidade, eram a expressão perfeita para esses novos hospitais, também chamados de máquinas de curar. Cada vez mais especializados e projetados para assegurar eficiência das atividades desenvolvidas, concentravam todos os serviços numa só estrutura, dividida em três zonas ou departamentos: a zona de diagnóstico e tratamento; a zona de apoio técnico e logístico - cozinha, lavanderia e manutenção são exemplos de ambientes desse setor - e zona de internação (Verderber & Fine, 2000).

22 Apesar da construção desses edifícios representar um momento de grandes inovações na área de projeto e planejamento, as críticas ao hospital-máquina tiveram fortes repercussões no setor, como será visto nos próximos capítulos. A partir dos anos de 1970, o crescimento dos hospitais em tamanho e complexidade agravou o período de crise financeira por parte dos governos e possibilitou o aparecimento de grupos de empresários dispostos a financiar parte das construções, que teriam fins lucrativos. É neste cenário que surgem os questionamentos acerca das políticas de saúde em prática e do próprio hospital em uso, extremamente funcional e centralizado. Além disso, estudiosos no assunto iniciaram discussões a respeito de uma possível descentralização dos serviços, baseada na construção de unidades médicas menores distribuídas pelas cidades. Cada unidade, dependendo da sua complexidade, deveria atender a uma determinada comunidade, ou seja, a uma quantidade específica de habitantes de uma região. Por serem menores, essas unidades atenderiam também ao aspecto economia de custos com sua infra-estrutura reduzida. Nessa ocasião, os provedores dos serviços dividiram-se em dois grupos: os que estavam interessados na discussão a respeito da universalidade do direito à saúde e nas questões relativas ao processo saúde-doença; e os que viam na prestação dos serviços a possibilidade de lucro, como uma empresa que deve oferecer algo para atrair seus clientes. No início, essas duas correntes funcionavam como ponto de vistas separados, mas em seguida convergiram e proporcionaram uma reorganização nas estruturas médico-hospitalares (Verderber & Fine, 2000). Segundo Conh e Elias (2001), as idéias que deram origem à criação de um sistema de saúde que garantisse o direito universal à assistência, tiveram como palco de discussão as conferências internacionais organizadas com o apoio da Organização Nacional de Saúde e do Banco Mundial. A recomendação principal era de que os países

23 subdesenvolvidos e em desenvolvimento adotassem um sistema em que a assistência básica fosse responsabilidade do estado e que a especializada e com grande incorporação tecnológica fosse prestada pelo setor privado. O mega-hospital, como é chamado por Verderber e Fine (2000), só começou a ser substituído e reestruturado no início dos anos de 1980, quando surgiu na Europa, Estados Unidos e países em desenvolvimento, um novo sistema de saúde descentralizado e direcionado para o cuidado com o paciente. Assim, hospitais e demais estabelecimentos do ramo, assumem uma nova configuração no que diz respeito ao espaço físico e à assistência prestada ao paciente, aspectos abordados tanto na seção sobre os estudos pessoa-ambiente, como na seção sobre humanização hospitalar. A seguir, veremos de que forma as políticas de saúde implementadas no Brasil interferiram no distanciamento entre o setor público e privado e em que circunstâncias surgiram as normas para projetos arquitetônicos desses estabelecimentos. 2.2. Brasil: Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecimentos públicos e privados A assistência médico-hospitalar brasileira começou a ser coberta pelos antigos Institutos de Pensões e Aposentadorias em 1920, através de serviços próprios ou contratados, distribuídos nas capitais e grandes centros urbanos (Conh & Elias, 2001; Ribeiro, 1993). Como as antigas Caixas e depois os Institutos de Aposentadorias e Pensões eram organizadas por empresas, em sua maioria com recursos insuficientes para a construção de uma infra-estrutura de serviços médicos, estes passaram a ser oferecidos através da compra de serviços privados, sob a forma de credenciamento médico. A conseqüência desse vínculo foi a privatização precoce dos serviços de saúde.

24 Em 1966, esses institutos foram extintos, surgindo o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), centralizado e diretamente subordinado ao Ministério correspondente. A população não coberta pelo sistema previdenciário, utilizava os hospitais públicos, filantrópicos, beneficentes e lucrativos, estes últimos ainda muito raros. Como a população não inclusa nas relações formais de emprego ficava excluída da assistência prestada pela Previdência, era considerada indigente e tinha de valer-se das Santa casas, já elucidadas anteriormente. Nessa época, começaram as discussões a respeito do direito universal à saúde e de uma possível reforma sanitária (Conh & Elias, 2001). As propostas tiveram êxito nos anos de 1970 através da criação de dispositivos legais que asseguravam a cobertura a determinados grupos populacionais, no caso, as pessoas acima de 70 anos. Somente a partir da Constituição de 1988, a saúde passou a ser um direito de todos os cidadãos, contribuintes ou não do sistema. As empresas médico-hospitalares de caráter lucrativo apareceram ainda nos anos de 1970, tanto nos principais centros urbanos, como nas principais cidades do interior dos estados, principalmente na região sudeste. Junto à Previdência, esses grupos firmaram acordos, contratos e políticas de preços vantajosos sem processo de licitação, o que estimulou a construção ou adaptação de prédios em hospitais, clínicas e serviços. A Previdência Social era compradora quase exclusiva dos seus serviços e ainda hoje se vêem políticas semelhantes sendo preservadas (Ribeiro, 1993). A iniciativa privada buscava meios para sua consolidação e expansão, quer vendendo seus serviços, como já foi dito, quer organizando a assistência suplementar através das cooperativas médicas ou dos planos de saúde. No que diz respeito às normas para projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, o surgimento do primeiro documento que representou uma

25 medida disciplinadora na construção desses edifícios foi em 1977, ocasião em que o governo se propunha a financiar uma grande expansão da rede hospitalar pública e privada (Barreto, 2002). A aprovação dos projetos e a conseqüente liberação dos recursos estava vinculada ao cumprimento das normas, que posteriormente incluíram quesitos relacionados aos equipamentos e unidades específicas, como hemocentros e farmácias. Durante esse período, as normas sofreram diversas críticas quanto aos problemas não previstos no documento e quanto aos modelos de hospital que eram dados como exemplos. Muitos estabelecimentos tiveram suas construções baseadas nesses modelos, como uma cópia dos projetos apresentados no instrumento normativo. Em 1994, outra norma foi lançada pelo Ministério da Saúde, em que não existia mais o hospital como tipologia definida, mas o estabelecimento assistencial de saúde com atribuições associadas às atividades a serem desenvolvidas. Uma metodologia de planejamento da instituição foi enfatizada com base nas demandas por serviços assistenciais em cada área de cobertura, seja município ou perfil epidemiológico de determinada região. Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, norteado pelos princípios de Universalidade, Equidade e Integralidade, ficou resolvido que cada hospital, centro ou posto de saúde da rede pública faria parte de um sistema integrado, regionalizado e hierarquizado, sendo dever do Estado prover meios para o exercício do direito à saúde, com participação direta dos municípios. Se posto em prática em sua abrangência, o SUS privilegiaria o setor público, enquanto o privado (ou particular) participaria apenas em caráter complementar. Segundo determinações do SUS, os estabelecimentos assistenciais de saúde podem ser divididos em três níveis conforme o grau de diferenciação das atividades que suportam. No nível primário encontram-se as unidades básicas de saúde, ou seja, os

26 postos e centros de saúde. No nível secundário estão os hospitais que oferecem atenção ambulatorial com todo o suporte nas quatro especialidades básicas (clínica médica, ginecologia, cardiologia e pediatria), internação, urgência, e reabilitação. No nível terciário estão os hospitais que possuem uma capacidade resolutiva maior dos casos mais complexos de atenção ambulatorial, internação e urgência (Pinto, 1996). Aqui cabe ressaltar que, de acordo com os critérios do SUS quanto ao nível de atenção à saúde e aos tipos de estabelecimentos, os parâmetros servem de base para qualquer projeto físico de estabelecimentos de saúde, seja ele público ou privado. Porém, existem mais diferenças do que semelhanças entre os dois, a começar pela lógica na sua distribuição nas cidades. As instituições particulares não têm sua estrutura pensada a partir do número de habitantes de cada localidade na qual está se instalando. Basta que se forme um grupo de profissionais da saúde ou de empresários dispostos a investir seus recursos na construção de um novo edifício da saúde para que os planos saiam do papel e se transformem em realidade. É também por este motivo que tantos hospitais particulares fecham suas portas ou mantém parcerias com outros grupos de empresários e com planos de saúde. Segundo Conh e Elias (2001), outra diferença entre a organização dos serviços públicos e privados reside no fato de que, ao contrário do que deveria acontecer, o setor privado termina sendo responsável pela parcela de atendimento mais rentável, que se concentra nos estabelecimentos do tipo policlínicas e hospitais. Ao setor público cabem todas as medidas de caráter coletivo e os procedimentos de complexidade mais onerosos. Dada a primazia do setor particular lucrativo sobre o setor público, ocorre também a concentração de equipamentos de saúde nos principais centros urbanos e estados mais ricos. Além disso, o SUS apresenta outros problemas:

27 Não conseguiu ainda ser totalmente descentralizado: as decisões terminam sendo do Governo Federal, sobrando pouca autonomia aos estados e municípios; Continua privatizando seus serviços: o atendimento ao doente é realizado pelo setor privado e pago pelo Estado; Continua distante das necessidades da população: grande parte dos problemas poderia ser resolvido nas unidades básicas, mas a população termina sendo atendida por serviços em que o acesso não corresponde à necessidade nem à disponibilidade tecnológica, mas à necessidade de lucro do setor privado; Continua discriminatório e injusto: a população que não tem vínculos empregatícios termina indo para os hospitais-escolas ou filantrópicos; Distorções no financiamento: o Estado termina não investindo na saúde porque o acesso à assistência médica acaba por estar vinculado a um contrato com a Previdência. Diante desse contexto, vemos que o SUS apresenta grandes contradições e ainda não conseguiu ser implantado em sua totalidade. Além disso, o próprio modelo biomédico em uso e o conseqüente distanciamento entre profissionais e pacientes, culmina na necessidade de repensar o atendimento em saúde e os aspectos inerentes à essa questão, num processo denominado de humanização hospitalar. De que forma isso aconteceu e de que forma vem se desenvolvendo nas redes pública e privada, será o assunto das próximas seções.

28 3. Humanização e assistência hospitalar Humanização da assistência hospitalar é um termo abrangente utilizado para definir um movimento em busca da valorização da pessoa que faz uso dos serviços de saúde, considerando o paciente e o profissional como parte essencial no processo, sendo o primeiro o principal foco da atenção. Conforme veremos a seguir, a humanização tem sido tema de diversas discussões em Medicina, Psicologia e demais áreas da saúde. 3.1. O paciente hospitalizado A dificuldade gerada pela hospitalização pode ser observada na maior parte dos pacientes que necessita de internação. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos da área da saúde, o aparecimento desses problemas independe da classe social a que o indivíduo pertence, já que o sentimento de fragilidade de cada pessoa frente à doença e ao hospital lhe é peculiar. Quando alguém entra num hospital, o primeiro impacto é o do ambiente físico, seguido, se for o caso, da total falta de intimidade e da transformação da sua vida privada em pública, permanentemente acessível aos profissionais (Rodriguez-Marín, 1995). O paciente é obrigado a obedecer as instruções da equipe médica e a cumprir regras gerais do local. Se for internado, assume o papel de enfermo hospitalizado e dependente do sistema da instituição. O pessoal do hospital assume todo o controle dos meios, recursos e mobilidade dos pacientes, incluindo recursos físicos e de informação. Ocorre o sentimento de despersonalização ou perda da identidade, segundo o qual pertences/objetos pessoais e indicadores sócio-psicológicos são substituídos pelos

29 objetos e identificadores do hospital. De acordo com o autor, a hospitalização aparece como: Um estressor cultural: o paciente deve aceitar novas normas, valores e símbolos de uma subcultura hospitalar, que freqüentemente são inconsistentes com ele mesmo. Um estressor social: o papel do paciente hospitalizado envolve elementos que pressionam a identidade psicossocial do indivíduo, e as interações sociais em um hospital podem ser fonte de estresse. Um estressor psicológico: pode introduzir desde fenômenos de dissonância entre dois ou mais fenômenos cognitivos a situações de dependência ou situações consideradas infantis. Um estressor físico: a maioria das percepções físicas do hospital (odores e ruídos) e o próprio entorno físico do mesmo podem causar emoções negativas na maioria dos pacientes. Nesse sentido, Santos e Sebastiani (2001) comentam que a despersonalização implica na perda de particularidades e singularidades do sujeito, que passa a adquirir regras e costumes do ambiente que agora vivenciará. Geralmente ocorrem conflitos quanto à privacidade, ocasionados pela alteração da condição de intimidade e particularidade, acompanhada da sensação de invasão. Percebe-se que uma série de sentimentos confusos e dolorosos podem acompanhar o indivíduo a partir do aparecimento da doença a ser agravada com a internação hospitalar. A internação reforça a condição de dependência, que pode ser sentida pelo paciente como agressão, pois se encontra sobre o domínio de uma estrutura hospitalar, sob o poder dos profissionais de saúde que, muitas vezes, tiram o sentido de autonomia e a capacidade de decisão do próprio paciente (p. 152). Apesar dos autores considerarem necessárias algumas condições colocadas pela instituição, principalmente porque determinam o seu funcionamento, a forma

30 despersonalizante com que isso acontece é criticável. Como o hospital tem a função isoladora e o doente internado fica desligado do mundo exterior, a sensação de abandono, medo do desconhecido, descontentamento e desgosto pode acompanhá-lo durante a sua estada no local. Para complementar essas afirmações, vale ressaltar que, dependendo da situação e da instituição, nem sempre o paciente fica totalmente só. Geralmente isso ocorre nas unidades de terapia intensiva (UTI), em enfermarias (com ausência de outras pessoas internadas) e em quartos de isolamento, quando, em virtude de alguma infecção, necessita de cuidados especiais. No primeiro caso, os familiares dos pacientes podem visitá-lo por um período de tempo estabelecido pelo hospital; enquanto nos dois últimos, os familiares podem permanecer por mais tempo com o paciente, mas também devem obedecer normas internas e horários de visitas. Para cada instituição, esses regulamentos variam, assim como varia o tipo de alojamento. Em alguns locais, nos quais as internações também se apresentam em quartos duplos e individuais, geralmente pagos pelos planos de saúde, as visitas e a permanência dos familiares já assumem outro caráter: pacientes e familiares podem ficar juntos durante todo o dia (apartamentos duplos) ou por vinte e quatro horas seguidas (apartamentos individuais). São as diferenças entre os que podem pagar mais, os que podem pagar menos e os que não podem pagar pelos serviços de saúde. 3.2. Saúde e doença Para cada área do conhecimento, saúde e doença apresentam definições diferentes. Se por um lado são processos biológicos, por outro recebem influência direta das condições de vida das comunidades, além de assumirem, para cada um de nós, um sentido pessoal. O que hoje se sabe, apesar de serem fenômenos bastante abrangentes, é

31 que saúde não é só ausência de doença, pelo menos não quando observada sob a ótica da Psicologia Social ou mesmo das determinações da Constituição Brasileira (Brasil, 1988). Segundo Nunes (2000), a doença é um distúrbio biológico fortemente afetado por fatores sociais. Segundo o autor, ainda no século XVIII surgiam na Alemanha os primeiros estudos acerca dessa relação, existente em virtude das condições precárias de vida e trabalho, envolvendo questões sanitárias e de higiene. Com a Revolução Industrial, tal fato se agravou e as cidades tornaram-se sede de problemas sociais e de saúde, como já foi citado no início deste trabalho. Em seguida, na segunda metade do século XIX, a preocupação com os aspectos sociais da doença foi transferida para os aspectos individuais, visto que os estudos da época mostravam a descoberta da bacteriologia. A doença então passou a ser tratada como uma variação somente de fenômenos fisiológicos. O século XX foi marcado pelo aparecimento de estudos que consideravam os princípios da ecologia no processo de adoecimento. Nos anos de 1960, profissionais da chamada Medicina Social discutiam que as causas da doença não deveriam ser baseadas apenas nos processos biológicos ou ecológicos, mas nos processos sociais. Conforme discute Martins (1996), esse tipo de abordagem social analisa saúde e doença com uma visão materialista histórica, utilizando somente as categorias de classe social e trabalho. Os aspectos econômicos, políticos e ideológicos superam os aspectos psicológicos, tão importantes quanto os anteriores. Segundo a autora, essa discussão é antiga, até mesmo no âmbito das Ciências da Saúde, área que ainda não conseguiu superar alguns impasses. Apesar de admitirem a relação entre as emoções e os fatores fisiológicos do ser humano, continuam agindo como se a causa da doença fosse somente orgânica e o tratamento exclusivamente medicamentoso.

32 Segundo Minayo (1997), a nossa sociedade capitalista vê saúde e doença como fatores de produção, isto é, como se o indivíduo produtivo fosse aquele que tem um bom funcionamento de todos os órgãos do seu corpo, não importando os problemas de ordem emocional. Nesse caso, a doença é um fenômeno organicamente localizado, tratado com medicamento ou cirurgia, principalmente na prática das especializações médicas. Angerami-Camon (2001) cita que (...) a especialização clínica, na maioria das vezes, ao aprofundar e segmentar o diagnóstico deixa de levar em conta até mesmo as implicações dessa patologia em outros órgãos e membros desse doente (p.17). Este tipo de idéia pode ser considerada fruto do modelo biomédico vigente, influenciado pelas ciências naturais - e portanto com uma visão única, objetiva e verdadeira da realidade - baseado na divisão cartesiana entre corpo e mente (Traverso- Yépez, 2001). Os profissionais da saúde trabalham com uma visão muito fragmentada do indivíduo, focalizando a doença como se fosse um problema exclusivamente do corpo, desconsiderando todo o contexto no qual a pessoa está inserida, sua história de vida, aspectos psicológicos e sociais. De acordo com a autora, uma das razões para a continuidade e aceitação deste modelo se dá em virtude do lucro gerado pela produção de medicamentos e também pela própria formação acadêmica dos profissionais de saúde, ainda sustentada numa visão antropocêntrica e individualista. Dessa forma, independente do público alvo ou do tipo de instituição de atendimento, vemos que o cuidado e atenção são fatores primordiais no contato profissional-paciente, principalmente porque essas atitudes amparam o indivíduo que se encontra doente. A mesma doença pode significar coisas distintas para cada um de nós e provocar diferentes sintomas, pois o sentido atribuído a essa experiência é próprio de cada um e depende de vários fatores da vida em sociedade.

33 As diferenças entre as classes sociais e a forma de lidar com saúde e doença são comentadas por Boltanski (1989). Segundo o autor, os membros das classes populares acreditam que os médicos possuem conhecimentos, meios materiais e direitos que lhes conferem poder, o que justifica o distanciamento e as barreiras lingüísticas entre ambos. Quando adoecem, os membros das classes populares expressam suas sensações através de um discurso reconstruído, utilizando alguns termos científicos empregados pelo médico, acrescidos dos seus próprios termos, fundamentados no que faz sentido para eles. Por conhecerem um repertório de doenças, se automedicam e compram remédios sem receitas, principalmente quando se trata de algo considerado por eles como sendo de baixa gravidade. Por vezes, procuram a ajuda de rezadeiras e curandeiros, atitudes que demonstram seu modo abrangente de conviver com as doenças. Segundo Martins (1996), alguns trabalhos em Psicologia vêm demonstrar o efeito das emoções como causa das doenças, explicando que, quando as emoções não são expressas, são desviadas para canais inapropriados do organismo. A medicina psicossomática, por exemplo, aparece ainda nos anos de 1940 relocando a questão da unicidade do organismo, sem a dicotomia mente/corpo. De acordo com Remen (1993), saúde é o equilíbrio das dimensões mente-corposentimento e requer uma vida com qualidade, calor, amizade, propósito, humor e esperança. A ruptura desse equilíbrio, aliado às nossas escolhas e uso que fazemos do nosso corpo, afeta os três aspectos da pessoa e ocasiona a doença, seguida de dor e sofrimento próprios de cada um. Em posição semelhante, Santos e Sebastiani (2001) apontam que a doença é (...) a desarmonia orgânica ou psíquica, que, através de sua manifestação, quebra a dinâmica de desenvolvimento do indivíduo como um ser global, gerando desarmonização da pessoa; compreende-se esse desequilíbrio como um abalo estrutural na condição de ser dentro de sua sociocultura (p.150). Complementam suas