DEMOLIÇÕES E REALOJAMENTO INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Perfil do Núcleo de Direitos Humanos da Matala O Núcleo de Direitos Humanos da Matala (NDHM), é uma associação de âmbito local, sem fins lucrativos, criada em 1999, com sede no Município da Matala, província da Huíla (rua Comercial n.º 178). Tem como missão Despertar, divulgar e defender os Direitos Humanos para que as pessoas e instituições gozem os seus direitos e cumpram com os seus deveres. Os objectivos estratégicos: a) Promover e divulgar os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos. Para a concretização deste primeiro objectivo, o núcleo realiza palestras e seminários de formação; b) Encaminhar e acompanhar casos de violação de Direitos Humanos. Para a eficácia deste objectivo, o núcleo pratica actividades de acompanhamento e encaminhamento de casos de Direitos Humanos. De modo mais específico, regista e encaminha casos às autoridades competentes até à concretização da justiça e aconselha outros, utilizando a figura da mediação. Faz também participações, reclamações e denúncias sobre as violações de direitos humanos, junto das autoridades competentes, e desenvolve actividades de advocacia e lobbying em prol dos direitos humanos. Identificação do problema Durante os quase 30 anos de guerra civil em Angola, os cidadãos procuraram segurança junto das grandes cidades e, com escassos recursos, obtiveram terrenos de modo informal e construíram as suas casas, criando assim os chamados musseques. Na maior parte dos casos, os mesmos estão situados em zonas de risco, como no perímetro dos cabos de alta tensão dos caminhos-de-ferro, das linhas de passagem de água, etc., e inclusive em reservas fundiárias do Estado. Hoje, estabilizada a situação política, o executivo trabalha no processo de (re) ordenamento do território, implicando, na maior parte dos casos, demolições e desalojamentos de várias famílias. 2
Organizações locais e internacionais documentam que, entre 2001 e 2007, foram desalojadas forçadamente 1 mais de 30.000 pessoas. Em Março de 2010, o processo chegou à cidade do Lubango, província da Huíla, onde foram demolidas cerca de 3.000 residências. Muitas famílias assistiram à demolição das mesmas sem serem consultadas ou avisadas e sem protecção legal, nem habitação alternativa adequada. Apesar de ter formulado, publicamente, um pedido de desculpas às famílias afectadas no Lubango, assim como tendo assumido um compromisso de não voltar a realizar tal tipo de acção, o executivo continuou com as demolições e desalojamentos forçados um pouco por todo o país. O município da Matala é uma das rotas deste processo. Nas palavras do coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Matala: «( ) o problema desta comunidade são os realojados e acontece que estes realojados viveram à beira da linhaférrea e alguns em baixo dos fios de alta tensão. Foi precisamente uma ordem do governo para que essas pessoas estivessem fora desta área, porque, em primeiro lugar, a linha-férrea vai entrar em reparação e, em segundo lugar, os fios de alta tensão ( ) podiam amanhã criar um obstáculo à população ( )». Actividades realizadas Diante dos vários casos de demolição e realojamento mal sucedidos em todo o país, o NDHM, tendo tomado conhecimento do processo de demolição de residências no perímetro do caminho-de-ferro e dos postes de alta tensão no município, decidiu envolver-se. O coordenador do Núcleo cita o exemplo particular do Lubango: «( ) noutras áreas, conforme foi programado, especialmente no Lubango, o realojamento foi num tempo muito difícil; foi num tempo de chuva e nós vimos que a situação era muito difícil. A população lamentava-se tanto que fomos ver e o estado estava complicado. Nós tínhamos de pensar noutra alternativa para que o sofrimento daquela gente não chegasse à Matala». Para isso, desenvolvemos actividades de advocacia e lobbying, através de contactos junto da Administração Municipal e de cartas dirigidas a outras entidades, como a Provedoria da Justiça, advogando pela observância das leis e dos requisitos dos direitos humanos no que respeita às demolições. 3
Impacto Os contactos efectuados resultaram na criação de uma comissão ad-hoc que ficou responsável pela condução de todo o processo de demolição e realojamento, da qual o NDMH fez parte. A mesma trabalhou na mobilização da comunidade, no levantamento do número de famílias e respectivas residências e, ainda, na alocação de recursos. Segundo o padre Pio, activista de direitos humanos da Associação Construindo Comunidades, foram atingidas cerca de 1351 famílias que se encontravam no perímetro do Caminho-de-Ferro de Moçâmedes (Namibe), no perímetro que se localiza debaixo dos postes de alta tensão e, outras, no perímetro do ramal da linha-férrea que liga a Estação Central e a Moageira CIMOR. O núcleo sugeriu que as demolições e os realojamentos decorressem em tempo seco o que aconteceu, efectivamente, pois o mesmo teve lugar entre 28 de Julho e 5 de Agosto de 2010. Segundo o NDHM: «( ) no tempo chuvoso não dá para as pessoas mudarem de casa. Sabemos perfeitamente que as pessoas vivem em perigo mas, neste tempo chuvoso, as pessoas tinham de já ter recebido os terrenos, a partir de uma ordem do governo, para terem tempo de construirem e, de amanhã, mudarem com vontade e segurança. Assim, escoltamos a distribuição dos terrenos que se faz acompanhar de um documento do governo que justifica esta recepção». Foram alocados e distribuídos terrenos de 900 m² na área de Kahululu, para as famílias afectadas, a fim de construírem as suas residências. Foram disponibilizados técnicos de construção civil da Administração para trabalhos de ordenamento das ruas, das construções e dos espaços públicos. Os direitos básicos de saúde, educação, água e energia eléctrica foram salvaguardados pois, o Núcleo, negociou com o governo local no sentido de «providenciar furos de água para a preparação de blocos de adobes, apoiar com carros, etc.». Foi criado um posto de saúde móvel, seis salas de aula, todos provisórios, já que as obras de raiz estão em construção. Foram instaladas, estando já em pleno funcionamento, bombas eléctricas de água movidas a energia solar e está, igualmente, fixado um Posto de Transformação de Luz que vai servir toda a comunidade. Refira-se que, a salvaguarda destes direitos sociais básicos, reflecte a vitória das lutas sociais praticadas, sobretudo, pela sociedade civil, entre elas, o NDHM. Os grupos mais vulneráveis como crianças, idosos, mulheres, viúvas e portadores de deficiência acentuada mereceram atenção especial pois foram ajudados por um grupo de voluntários o que evidencia o grande nível de mobilização efectuada. 4
Segundo o padre Pio, da Associação Construindo Comunidades, foi crucial o modo como a Administração Municipal da Matala tirou lições do processo do Lubango. Um ancião, ouvido pela equipa do Mosaiko, confirma este facto ao afirmar que: «( ) O processo do Lubango ameaçou-nos porque pensávamos que ficaríamos ao ar livre, seríamos violentados, mas, pelo contrário, as autoridades locais, aqui, cumpriram bem com o seu papel e no final todos nos sentimos satisfeitos». Uma senhora disse também: «Quando soubemos do caso da Tchavola, tivemos medo e pensamos que o que tinha acontecido aos outros acontecer-nos-ia. Mas, connosco, passou-se tudo muito bem ( )». Um dos aspectos fundamentais neste processo é que as famílias foram avisadas com antecedência, evacuaram as suas casas e transportaram os seus haveres e materiais recuperáveis, evitando o trauma de assistir à demolição da própria casa sem habitação alternativa. Uma senhora entrevistada pela equipa do Mosaiko, no local, afirmou: «Aqui, as coisas foram diferentes. A população já tinha sido avisada e estava simplesmente à espera. E, quando chegou o momento, saiu do bairro em carros preparados para o efeito». Recorde-se que o ponto 1 da Observação Geral n.º 7, o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais «chegou à conclusão de que os desalojamentos forçados são prima facie incompatíveis com os requisitos do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais de que Angola é signatária. No caso da Matala é possível afirmar que esta observação foi, de alguma maneira, respeitada por força da pressão, advocacia de outros actores sociais, mas também pela capacidade da Administração de incorporar outros agentes nos seus processos o que não aconteceu em processos similares anteriores. Neste sentido, esta ilustração, visa providenciar o exemplo de um processo de demolição e realojamento onde os melhores resultados foram alcançados em relação a outros do género em Angola. 5
Alguns desafios importantes Algumas questões desafiam o trabalho das organizações da sociedade civil e das instituições do Estado, capazes de dialogar com outros actores sociais nos seus processos de tomada de decisões. Uma delas, tem a ver com a maneira como os desalojamentos são levados a cabo: na maior parte dos casos, são demolidas as casas, sem negociação ou consulta às famílias afectadas e as pessoas deixadas ao relento. O direito à habitação condigna deve incluir, entre outros, a segurança jurídica de ocupação, a disponibilidade de serviços, materiais, equipamentos e infra-estruturas, acessibilidade económica, facilidade de acesso e localização. Alguns desafios importantes colocados ao executivo: w Implementar as medidas compensatórias justas, para apoio às vítimas das demolições; w Criar condições dignas e urgentes de reassentamento, incluindo o acesso aos títulos de propriedade, condições de habitabilidade, acesso a serviços e fontes de rendimentos e sobrevivência. É, portanto, importante que todos os processos de desalojamentos sejam levados a cabo num quadro de respeito pela dignidade humana, tal como recomendam as Nações Unidas e os mais variados instrumentos internacionais de que Angola faça parte. 6