PENHORA ON-LINE DE ATIVOS FINANCEIROS: ANÁLISE CRÍTICA DA IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO NA ERA DA INFORMATIZAÇÃO.



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Transcrição:

PENHORA ON-LINE DE ATIVOS FINANCEIROS: ANÁLISE CRÍTICA DA IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO NA ERA DA INFORMATIZAÇÃO. Prof. Evaldo Gonçalves Leite Professor do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti 1 INTRODUÇÃO A penhora on-line é um mecanismo moderno utilizado pelo poder judiciário, que autoriza o Juiz através de uma solicitação eletrônica bloquear instantaneamente as contas correntes dos executados. Para MARINONI (2007) a penhora de dinheiro é a melhor forma de viabilizar a realização do direito de crédito, já que dispensa todo o procedimento destinado a permitir a justa e adequada transformação de bem penhorado como o imóvel em dinheiro, eliminando a demora e o custo de atos como a avaliação e a alienação do bem a terceiro. Continuando, MARINONI acrescenta que, além disso, tal espécie de penhora dá ao exequente a oportunidade de penhorar a quantia necessária ao seu pagamento, o que é difícil em se tratando de bens imóveis ou móveis, os quais possuem valores relativos e, por isto mesmo, são objeto de venda em leilão público, ocasião em que a arrematação pode ocorrer por preço inferior ao de mercado. 2 PENHORA ON-LINE: TIPIFICAÇÃO LEGAL E PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES A penhora on-line acabou por consagrar-se legislativamente, primeiro na esfera fiscal (CTN, art. 185-A, na redação dada pela CL 118/2005) 1, depois se materializando na execução civil comum (CPC, art. 655-A, na redação dada pela Lei 11.382/2006). Antes da consagração legislativa, entendia-se que a penhora on-line, era apenas uma forma diferente de apreender 1 Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

dinheiro, já que estava implicitamente autorizada pelo CPC, art. 655,I. (REIS, 2009, p. 43). A norma que disciplina a penhora eletrônica na execução civil comum (art. 655-A, CPC), aplicável tanto à execução de título extrajudicial como à de título judicial (por força do artigo 475-R, CPC), assim leciona: Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução. 2º Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta-corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade. 3ºNa penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida. Assim, foi a penhora on-line tratada como penhora de dinheiro, embora seja, na verdade, uma penhora de crédito e por isso foi colocada em primeiro lugar na ordem de preferência, se bem que essa ordem seja flexível, como expressamente diz o art. 655, caput, do CPC. (THEODORO, 2007, p. 69). A penhora on-line realmente mais se aproxima de uma penhora de crédito que de uma penhora de dinheiro. O banco depositário recebe ordem para não entregar o valor ao seu credor-depositante e passa, por força da penhora, a ser depositário judicial (REIS, 2009, p. 44-46). Conforme se depreende, a penhora on-line depende de requerimento do exeqüente, isto é, o requerimento genérico de cumprimento da sentença, em caso de título judicial, ou a simples propositura da ação de execução, no caso de título extrajudicial, não são suficientes para a determinação de uma penhora on-line, é preciso requerimento específico, como se vê no art. 655-A. Claro que isso, em certos casos práticos, pode ser superado por força de

princípios maiores, especialmente porque o bloqueio não funciona como penhora, mas sim como medida assecuratória do cumprimento da decisão judicial. Pode o provimento judicial consistir em simples requisição de informações sobre ativos financeiros em nome do executado ou em decretação de indisponibilidade imediata, mas as informações limitar-se-ão à existência, ou não, de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução (art. 655-A, 1º). Eventual impenhorabilidade dos valores retidos deve ser alegada e comprovada pelo executado, eis que o prazo para os embargos à execução não tem mais qualquer pertinência com a penhora, deve-se entender que a alegação de impenhorabilidade na execução por titulo extrajudicial pode dar-se por meio de petição simples, sem necessidade de observância de prazo. Já, o prazo para a Impugnação ao Cumprimento de Sentença somente se inicia após a intimação da penhora (art. 475-J, 1º), por isso a impenhorabilidade deve ser sustentada na própria impugnação (art. 475-L, III) em caso de execução de título judicial. A propósito, a intimação da penhora on-line não apresenta qualquer particularidade e deve dar-se pelos meios regularmente previsto na legislação (art. 475-J, 1º), por publicação, na pessoa do advogado do executado, primeiramente, e na pessoa do representante legal ou pessoalmente, conforme o caso. Muito embora tratar-se de um sistema inovador de máxima eficácia, que se consubstanciou na assim chamada penhora on-line em alusão ao fato de que se dá no ambiente virtual da internet, quase imediatamente após o comando da autoridade judiciária, tornando dessa forma um feito executivo muito mais célere, visto que bloqueiam instantaneamente as contascorrentes do executado garantindo a execução, tal sistema tem encontrado vários óbices, tendo sido alvo de críticas de vários doutrinadores e operadores do direito. 3 ATIPICIDADE LEGAL E INCIDENTES DA PENHORA ON-LINE Assim, temas pertinentes ao estudo penhora 0n-line, que dado a sua característica é extremamente útil à seara judicial, convém apreciar as divergências apresentadas e discutidas pela visão dos adversos. Como bem leciona Luiz Rodrigues Wambier (2007), de um lado, trata-se, indubitavelmente, de mecanismo moderno, com aptidão de realizar, mais rapidamente, o direito

do credor na obtenção do dinheiro que lhe é devido, o que materializa o princípio da máxima efetividade. A realização ilimitada desta medida executiva, no entanto, é suscetível de causar dano irreparável à empresa executada, que pode ter não apenas a obrigação executada a adimplir, mas também outras obrigações, que se relacionem à sua manutenção diária, e que podem vir a ser descumpridas em razão da penhora realizada. Baseiam-se prioritariamente no conceito da proporcionalidade, que se lastreia na maior satisfação da pretensão de um direito através da adequada restrição ao outro, ou seja nem mais nem menos, onde o ônus dar-se-á até a medida do necessário, visando a ponderação dos valores envolvidos com o objetivo de harmonizar os direitos em deslinde. Assim, visto que o instituto utiliza-se dos benefícios que a informática oferece com intuito de amenizar a morosidade processual, pode acarretar, pela ausência de critérios definidos, complicações e situações que poderiam ser evitadas. É possível que ocorra que os numerários encontrados em conta-corrente se enquadrem no rol do artigo 649 do CPC, pois os valores depositados podem estar comprometidos a pagamentos futuros, podendo ser anulados os atos praticados, não se esquecendo que pode haver onerosidade para o devedor. Visto isto, os críticos do sistema on-line alertam para o fato que a determinação judicial afeta todas as contas bancárias do executado, sem analisar o valor necessário para o cumprimento da obrigação, o que pode resultar em excesso de penhora. Outra divergência quanto a eficiência do penhora on-line reside nas alegações de que não se consegue liberar os possíveis saldos excedentes com a mesma eficiência do bloqueio. Se porventura ocorrer embaraços ao devedor, este imediatamente aciona o Juízo e o desbloqueio é imediato. Questão semelhante foi enfrentada em arestos do Superior Tribunal de Justiça. A prova da impenhorabilidade de bens levados à constrição deve ser produzido por quem a alega. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o recurso proposto pelo Banco Rural S.A. contra Indústrias Reunidas de Colchões Ltda Ircol e outros. Em execução de título extrajudicial, foi indeferido o bloqueio de saldo disponível em contas-correntes do executado, ao fundamento de não ter sido comprovado nos autos que o valor ali encontrado não seja proveniente do salário. Inconformado com a decisão, o Banco Rural interpôs agravo de instrumento. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento, ao entendimento de que a penhora sobre salário é vedada por Lei: Nesse caso, incumbe ao

exequente o ônus da prova de que o saldo encontrado na conta corrente do executado não é proveniente de salário, a teor do artigo 333, I, do CPC, decidiu. O Banco, então, recorreu ao STJ. Em seu voto, o relator, ministro Luiz Felipe Salomão, destacou que, sendo direito do exequente a penhora preferencialmente em dinheiro, a impenhorabilidade dos depósitos em contas-correntes, ao argumento de tratar-se de verba salarial, consubstancia fato impeditivo do direito do autor, recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo. Segundo o ministro, por outro lado, no caso, a exigência de o exequente provar que os saldos e conta-corrente não possuem natureza salarial, somente poderia ser atendida mediante a prática de ilícito penal, consistente em violação de sigilo bancário. O ministro Salomão, então, apenas permitiu ao executado a impugnação do pedido do banco, em prazo curto a ser fixado pelo juízo, que poderá, se for o caso, determinar a indisponibilidade dos recursos para não tornar sem efeito a medida. O relator ressaltou, ainda, que, não havendo comprovação do alegado pelo executado, a penhora deverá ser levado a efeito. Em se tratando de execução por quantia certa, certo é que o uso desse sistema torna a penhora menos onerosa tanto ao Estado, tendo em vista a desburocratização dos atos processuais, como também para o devedor, visto que não haverá custo de registro de penhora, oficial de justiça, etc. De tal sorte que os benefícios trazidos pelo instituto ora analisado, eficiente e rápido, demonstram que as mazelas mencionadas são infinitamente inferiores que os benefícios auferidos pela aplicação da prestação jurisdicional através da penhora on-line. 4 DA PENHORA EM DINHEIRO NA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA Na execução por quantia certa, que visa a expropriar bens do devedor a fim de satisfazer, em dinheiro, o direito do credor consagrado em título executivo. Precede à desapropriação, naturalmente, a identificação, a apreensão e a avaliação dos bens que serão objeto da alienação (REIS, 2009, p. 39). Quando a penhora, ou seja, a apreensão de bens, recai sobre dinheiro pertencente ao devedor, simplifica-se, sobremaneira, a execução por quantia certa, pois se tornam logicamente desnecessárias as fases da avaliação e de alienação dos bens, cuja finalidade objetiva é convertê-los em valor monetário, coisa que o dinheiro já tem em si mesmo. Sucede que, para

que essa penhora ocorra, admitindo-se que não tenha sido o devedor a oferecer a moeda à constrição judicial, é necessário que, previamente, se tenham identificados a existência e o paradeiro do numerário. Destarte o manuseio que desfruta o dinheiro, sempre foi óbvio entender o porquê da dificuldade que sempre representou, no âmbito processual, a penhora de moeda sem a iniciativa do executado. Parece intuitivo que o executado, por sua própria condição de devedor inadimplente, geralmente não apresente situação de liquidez aparente, pois, ou realmente não tem dinheiro, ou, se o tem, será tentado a ocultá-lo, quer dizer, não tomará iniciativa alguma no sentido de oferecer a moeda de que tenha a propriedade, para saldar o débito em execução. Acresce que, a despeito de figurar em primeiro lugar na ordem dos bens penhoráveis, o dinheiro em espécie é extremamente apto à ocultação, e isso terá facilitada, ao longo do tempo, sua subtração às medidas executivas. 5 ANÁLISE DA VISÃO FINANCEIRA FRENTE AO MUNDO GLOBALIZADO E OS AVANÇOS DA INFORMATIZAÇÃO Mas essa condição do dinheiro para esconder-se tem sido dificultada à proporção que o sistema financeiro oficial absorve o fluxo de capitais e as operações econômicas em geral, tornando cada vez mais raras, e até suspeitas, as transações com moeda sonante acima de determinado valor.(reis, 2009, p. 40-42). Os recursos que circulam pelas instituições financeiras, em função da informática, são hoje plenamente suscetíveis de rastreamento, daí que a penhora em dinheiro saiu do patamar de impraticabilidade para vir a tornar-se, atualmente, a medida executiva de menor esforço e de máxima eficácia, que se consubstanciou na assim chamada penhora on-line, em alusão ao fato de que se dá no ambiente virtual da internet, quase imediatamente após o comando da autoridade judiciária. A penhora on-line não se limita a apreender certo bem do devedor e deixa-lo à disposição do credor, como nas clássicas penhoras de bens. Na verdade, prepondera na ordem de penhora on-line o propósito de identificação de bens do devedor. Nesse sentido, a pesquisa dos bens (assunto que, como regra, precede a penhora e fica normalmente a cargo, em primeiro lugar, do credor, e só depois do Juízo) é imensamente

facilitada pelo fato de o Banco Central centralizar todas as informações relacionadas ao sistema financeiro nacional. Em semelhante situação, a pesquisa de bens passa a ser teoricamente infalível, e é esse sítio que é estabelecido em torno de determinado tipo de operação do devedor que desperta em alguns o sentimento de que a penhora on-line vai além de um simples procedimento executivo, para atingir a própria liberdade e privacidade do devedor. Uma vez identificado o numerário em nome do devedor, ele é imediatamente apreendido e colocado à disposição do Juízo. Aqui reside o espírito da chamada penhora on-line. É mais um procedimento de rastreamento e indisponibilidade de bens, que justifica a terminologia bloqueio on-line. O Estado assume a função de pesquisar bens do devedor. Daí que a indisponibilidade decorrente do bloqueio on-line pode ser usada também como medida coercitiva, tornando indisponível certo numerário do devedor até que ele cumpra a obrigação de fazer. A novidade da penhora on-line não está tanto em implicar a apreensão de dinheiro em mãos de terceiro, nem a tecnologia inovou pelo simples fato de se mandar ao Banco Central uma comunicação eletrônica em vez de um ofício em papel. A novidade foi antes fática que jurídica e consistiu na transparência da vida financeira privada que se deu a partir da progressiva substituição do dinheiro pelas transações bancárias. Já não é possível dissimular facilmente o itinerário do dinheiro, nem a condição financeira pessoal. A penhora on-line é uma consequência natural do progresso fantástico no gerenciamento de informações que a tecnologia permitiu, como o são, também, as medidas administrativas e criminais de repressão às ilicitudes praticadas no ambiente financeiro, a tributação das operações bancárias, as restrições creditícias impostas a consumidores inadimplentes e tantas outras medidas jurídicas que tomam por base o conhecimento a respeito da movimentação financeira dos particulares. Chegou-se a dizer que a realidade virtual instaurada pela tecnologia está por transformar o dinheiro apenas em uma informação. (LÉVY, 2003, p. 53) E não é possível desvencilhar-se disso: por um lado, a vida moderna impõe a utilização das instituições financeiras como depositárias dos valores em dinheiro, quer por razões de segurança individual, quer pela praticidade e pela atualização monetária, quer, enfim, pelo semnúmero de outros inconvenientes que a guarda de dinheiro em espécie traz para o seu proprietário; por outro, ao usar o sistema bancário, o titular do dinheiro expõe-se a ter sua vida financeira conhecida nos menores detalhes. E assim se fecha o circulo que leva necessariamente à transparência da vida financeira privada, e esta, por sua vez, produz uma série de consequências

jurídicas importantes, sendo a penhora on-line apenas uma delas. 6 PENHORA ON-LINE E O DIREITO À TRANSPARÊNCIA, INTIMIDADE E PRIVACIDADE Pelo visto, não eram completamente despropositadas aquelas preocupações e reservas que a jurisprudência apresentou quando começaram a surgir os primeiros casos de penhora eletrônica, exigindo que antes se esgotassem os meios executivos tradicionais para só depois admitir que se lançasse mão da penhora on-line. Temia-se que a banalização desse tipo de ordem pudesse representar um abalo ao sistema financeiro, e acreditava-se, também, que a penhora on-line, por ser uma medida com forte cunho intervencionista, punha em xeque o direito à intimidade, consubstanciado no sigilo bancário. Percebeu-se depois que não se tratava de uma agressão à intimidade, mas sim de uma nova concepção de intimidade, bem mais restrita que aquela que se conhecia antes do advento da realidade virtual. Agora a intimidade tem que se compatibilizar com os valores da sociedade da hiperinformação. A esfera íntima, hoje, restringe-se àquelas condutas que não trazem influencia sobre a vida das demais pessoas, embora possam ser por elas influenciadas. (LORENZETTI, 1998, p. 492). E está claro que o devedor inadimplente influencia outras pessoas com sua conduta sem dúvida, pelo menos seu credor é diretamente influenciado -, por isso é injustificável a alegação de intimidade para proteção patrimonial nesse caso. Outra distinção interessante foi lembrada pela Ministra Carmen Lúcia, do STF, no julgamento do RE 461.366-DF, entre segredos do ser e segredos do ter. Só os primeiros seriam realmente absolutos, não os demais, que teriam surgido como exacerbação do individualismo. Cogitou-se também, em outro recurso perante do STF (RE 418.416-SC), que os dados bancários seriam absolutamente invioláveis, com base no artigo 5º, XII, CF ( é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no ultimo caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal ), mas o Supremo declarou que a inviolabilidade referida no mencionado dispositivo constitucional restringe-se apenas à comunicação desses dados, que não pode ser interceptada, mas não aos dados em si. (REIS, 2009, p. 42).

7 OPERAÇÃO DE BLOQUEIO E DESBLOQUEIO DOS ATIVOS FINANCEIROS Como ensina o ilustre Juiz Federal Nazareno César Moreira Reis (REIS, 2009, p. 47-48), convém anotar que nas operações de bloqueio/desbloqueio não se chega a conhecer completamente as transações patrimoniais do executado. Apenas se sabe se ele tem ou não recursos para serem bloqueados até o valor indicado na ordem. Já a requisição de informações, como se verá adiante, é de duvidosa constitucionalidade quando empregada além de certo limite na execução civil, pois pode implicar o conhecimento completo sobre a vida financeira do executado e revelar até mesmo a existência e conteúdo de dados caducos. A norma do artigo 655-A do CPC, deixa em aberto uma série de questões que podem surgir por ocasião da efetivação da penhora: excesso de penhora, penhora de conta conjunta, penhora de dinheiro de terceiro que esteja na conta do executado, penhora de valores já penhorados, etc. Tudo isso deverá ser resolvido no caso concreto pelo magistrado, segundo os princípios que regem a penhora física. Às vezes, porém, o regulamento do Bacen Jud avançou e conferiu às próprias instituições financeiras certas capacidades decisórias que, na verdade, em caso de impugnação de algum interessado, podem ser revistas pelo juiz. Por exemplo, o artigo 9ª, 4º do Regulamento do BacenJud, diz que caberá à instituição financeira definir em qual conta ou aplicação financeira recairá o bloqueio de valor quando o executado possuir saldo suficiente para atender à ordem em duas ou mais contas ou aplicações financeiras. Está claro que essa decisão da instituição financeira pode ser revista pelo juiz, a requerimento de executado, para atender ao princípio da menor onerosidade possível ao devedor (art. 620.CPC). Ressalte-se, também, que a circunstância de a penhora on-line, ao contrario das penhoras clássicas, ser feita praticamente sem a participação de serventuário da justiça, o Bacen e, secundariamente, as instituições financeiras em geral é que assumem a função de destinatários das ordens judiciais. Faz com que essas instituições passem a ser participes do processo (CPC art.14) e, por isso, assumam graves responsabilidades processuais, que devem ser fiscalizadas pelo juiz. 8 CONCLUSÃO Dessa forma, a edição da Lei n.º 11.382/06, que acresceu o artigo 655-A, caput e

parágrafos, é uma de conseqüências basilares, qual seja, a expressa incorporação, ao Código de Processo Civil brasileiro, de disposições viabilizadoras do manejo da penhora on line, operacionalizada, no Brasil, por meio do sistema BacenJud. Destarte, buscou-se inicialmente que, mais do que a eficácia formal das normas, o Direito tem se ocupado da investigação sobre sua efetividade. O direito processual, por seu caráter instrumental, destinado que é à garantia da autoridade do ordenamento jurídico, não foge a esta regra. Por isso, a falta de efetividade do processo judicial, seja por sua morosidade, seja pela insuficiência de seus instrumentos para fazer chegar às mãos do credor o que lhe é devido, é um problema crônico, um mal jurídico de proporções sócio-econômicas. Do que se expôs, espera-se que a difusão da ferramenta resulte em maior efetividade no cumprimento da sentença, resultando em economia de tempo, esforços e recursos, tanto para as partes, quando para o Erário, haja vista a previsível racionalização de recursos. Com a penhora on line definitivamente legitimada pelo Código de Processo Civil, espera-se que o feito judicial possa cumprir os seus desígnios, deixando de funcionar como escudo aos devedores. REFERÊNCIAS ASSIS, Araken de, Cumprimento de Sentença. Rio de Janeiro. Ed. Forense. Ano 2006. LÉVY, Pierre. O que é virtual? Tradução Paulo Neves, São Paulo: 34, 2003, p. 53. Em cheque o direito à intimidade, consubstanciado no sigilo bancário. LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo:RT, 1998. MARINONI Luiz Guilherme, Curso de Processo Civil, Teoria Geral do Processo, v. 1, 2ª. ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2007. NEGRÂO Theotonio, Código de Processo Civil, Editora Saraiva, 39º Edição, ano 2007. REIS Nazareno César Moreira Reis, artigo publicado na Revista Júris Plenum, ano V, n. 30.ano 2009. THEODORO JR. Humberto. A reforma da execução de título extrajudicial. Rio de Janeiro:Forense 2007. WAMBIER Luiz Rodrigues, WAMBIER Teresa A. Alvim, MEDINA José M. Garcia, em BREVES COMENTÁRIOS À NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL CIVIL 3, Editora Revista dos Tribunais, 2007. VENOSA Sílvio de Salvo, Novo Código Civil, Editora Jurídico Atlas, 2º Edição, ano 2002. SANTOS Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro, Editora DelRey, ano 2001.