Mudanças nas expectativas e comportamento do usuário de transporte coletivo urbano na Região Metropolitana de São Paulo



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Transcrição:

PESQUISA DE OPINIÃO SOBRE QUALIDADE DOS SERVIÇOS AN P Mudanças nas expectativas e comportamento do usuário de transporte coletivo urbano na Região Metropolitana de São Paulo Comissão de Pesquisa de Opinião sobre Qualidade dos Serviços de Transporte da ANTP A diminuição constante e acentuada do número de passageiros de transporte coletivo, o aumento do transporte individual, a elevação dos índices de motorização e o crescimento do congestionamento urbano, bem como as transformações demográficas nas grandes cidades, que dão origem a novos grupos de usuários e novas necessidades de viagem, são alguns dos fenômenos que, nos últimos anos, atingiram o transporte coletivo urbano. Este cenário, associado ao surgimento de outras opções de deslocamento, criou um novo panorama: o fim do usuário cativo. Tal fato forçou o setor a entrar definitivamente no mundo da concorrência, dando visibilidade ao que é essencial em todo este processo: o desejo cotidiano de milhões de pessoas de atingir os destinos desejados de forma mais satisfatória. Até recentemente, o descontentamento dos usuários se manifestava com freqüência através da depredação dos veículos, o que ainda ocorre episodicamente. Atualmente, a reação mais comum tem sido o abandono do transporte convencional por alternativas que satisfaçam as suas necessidades de deslocamento, como o transporte individual e as lotações. Essa forte migração sinaliza para a necessidade de adequar o serviço dos diversos modos às expectativas dos usuários, considerando-os não como massa homogênea, mas como agrupamentos com necessidades e desejos diferenciados. Alguns benefícios proporcionados pelos meios alternativos, se assimilados também pelo transporte convencional, poderiam reconquistar a demanda perdida e até atrair novos públicos para este serviço. Nesse sentido, tem-se observado que algumas empresas operadoras e gestoras de transporte coletivo vêm 97 buscando, ainda que de forma gradativa, introduzir novos métodos de gestão ajustados aos conceitos de qualidade e produtividade. A constatação dessa realidade impôs a necessidade de se olhar o transporte também sob a ótica do mercado e do processo de metropolização. Isso porque existe uma relação direta entre o contexto mais amplo, urbano e econômico, e as necessidades de acessibilidade da população, evidenciadas pelos novos padrões e desejos de deslocamentos. Sob esse enfoque, as pesquisas de opinião e de mercado vêm se destacando em seu papel de instrumento mais adequado para acompanhar e monitorar a dinâmica das expectativas dos usuários em relação aos serviços de transporte coletivo urbano. A pesquisa mostrase ainda mais apropriada, se considerado o seu uso já bastante difundido em outros setores econômicos, na tarefa de detectar as necessidades do mercado consumidor de bens ou serviços. CIRCULAÇÃO E TRANSPORTE DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA O estado de virtual colapso da circulação e dos transportes em São Paulo, hoje, pode ser entendido através da história do seu desenvolvimento urbano. Geograficamente, a cidade cresceu e se expandiu entre dois rios, o Tietê e o Pinheiros, através de eixos de penetração rumo ao interior e ao litoral. Ao longo dessas estradas de ligação, consolidou-se uma configuração de estruturação urbana e deslocamento num desenho radiocêntrico dos sistemas de circulação viária e de transporte, tendo como pólo principal o centro da cidade de São Paulo. Tal fenômeno em São Paulo aconteceu de forma rápida e desordenada. Neste século, a população da cidade cresceu mais de 40 vezes, passando de 240.000 habitantes em 1900 para os 9.900.000 moradores em 1990, e sua extensão cresceu quase 30 vezes, ampliando a área urbana de 52 quilômetros quadrados para os atuais 1.528. Desde o início do século, fase da consolidação da sua importância econômica, da aceleração de seu processo de urbanização e da configuração dos seus espaços urbanos, funcionais e sociais, definiramse dois grandes eixos de desenvolvimento no município. Um em direção à região Sudoeste, setor privilegiado e rico onde foram feitos os principais investimentos públicos, viários e de serviços, e outro em direção à zona Leste, setor residencial e proletário, caudatário do desenvolvimento industrial instalado nos primórdios da região, tendo como divisa entre ambos o vale do rio Tamanduateí. 98

Além do pólo central do município de São Paulo, foram se configurando, ao longo do século, outros pólos de emprego e residência como a região do ABC, Osasco, Guarulhos e Mogi das Cruzes, municípios da Grande São Paulo caracterizados por deslocamentos pendulares regionais e também por uma polarização pelo município de São Paulo. Todo este complexo metropolitano, estruturando as periferias das cidades marcadamente pobres e destituídas, está numa área de 8.050 quilômetros quadrados com uma população atual em torno de 16 milhões de habitantes. 1 Do ponto de vista da circulação e dos transportes no município de São Paulo, esta configuração implica num deslocamento diário de três milhões de pessoas de uma região para outra, já que as principais oportunidades econômicas do terciário, setor que gera a maior parte dos empregos, estão concentradas na região Sudoeste. Assim, as soluções dos problemas de circulação e transporte em São Paulo e na sua região metropolitana dependem também de uma desconcentração regional de recursos, gerando novos pólos de desenvolvimento econômico, social e cultural na cidade. Desde a década de 30 até hoje, o modelo da oferta de transporte coletivo vem demonstrando os seus limites. O esgotamento do sistema de transporte, via bondes e ônibus, foi sendo agravado pelo crescimento do uso do veículo particular, cujo crescimento deu-se de forma acelerada até chegar aos atuais índices. Ainda que tenham existido durante todo o século planos capazes de oferecer soluções estruturais para o transporte de massa na região, acabou prevalecendo a visão rodoviarista, incentivadora do transporte individual. Com o transporte de massa carente de intervenções e investimentos estruturais, foi se consolidando a crença de que a saída para o deslocamento urbano podia ser o transporte individual. Esta postura foi estimulada pela indústria automobilística, que apoiou totalmente a política voltada à ampliação do sistema viário, dela tirando o máximo proveito. Com isso, e por força dessa evolução ao longo deste século, a Região Metropolitana de São Paulo não tem atualmente uma estrutura de transporte coletivo baseada em modos de grande capacidade como o trem e o metrô, mas sim nos ônibus, responsáveis pelo transporte da maioria das viagens motorizadas. O metrô e o trem metropolitano não assumiram o papel estruturador das viagens que lhes cabia, seja porque o investimento na expansão da rede tem sido insuficiente, como é o caso do metrô, seja porque a recuperação da ferrovia é ainda uma promessa. 1. Dados de população e área da Região Metropolitana de São Paulo incluem o município de São Paulo. 99 Os últimos dados da pesquisa O/D 97 2 mostram que o metrô responde por 8% das viagens motorizadas e o trem por 3%, em contraste com os 39% dos ônibus. Ao mesmo tempo, as viagens por auto, incluindo táxi, já respondem atualmente por 47% de todas viagens motorizadas. Região Metropolitana de São Paulo Evolução das viagens motorizadas por modo principal 1977 a 1997 (em %) Modo principal Ano (viagens diárias) 1977 1987 1997 Metrô 3 8 8 Trem 3 4 3 Ônibus 55 43 39 Auto (inclui táxi) 38 42 47 Lotação 0 1 Outros 1 3 2 Fonte: Pesquisa O/D 1997. MUDANÇAS NO PERFIL DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO Atualmente, as mudanças mais marcantes por que passa a Região Metropolitana de São Paulo estão associadas à redução gradativa do papel da indústria na geração de empregos e à expansão do setor de serviços. A instalação de novas unidades industriais, assim como a transferência de unidades já existentes para fora da região, vêm provocando o seu esvaziamento industrial há algum tempo, resultado tanto da perda de vantagens locacionais pela ausência crônica de investimentos em infra-estrutura, quanto de incentivos de uma política de descentralização industrial. Nessa fase de transição, em que a base econômica passa do setor industrial para o setor terciário, os reflexos se fazem sentir, principalmente, no âmbito do mercado de trabalho, com sua crescente fragmentação e aumento do desemprego. As mudanças no mercado de trabalho também estão relacionadas a fatores como: a proliferação de atividades de baixa qualificação e renda, o crescimento do trabalho temporário e do trabalho no domicílio, a expansão do trabalho por conta própria ou por micro-empresários e do comércio de rua ou ambulante. 2. Pesquisa Origem/Destino da Região Metropolitana de São Paulo, realizada em 1997, sob a coordenação do Metrô-SP. 100

A estabilidade da economia, obtida com a implantação do Plano Real a partir de 1993, e a queda continuada da inflação, no período de 1994 a 1998, aumentaram a capacidade de compra das faixas de renda mais baixas da população. No entanto, o quadro de crescimento da economia e de aumento da renda, observado a partir de 1994, começa a se inverter já em 1996, com a queda da atividade industrial e o aumento do nível de desemprego. Assim, contrariando as expectativas formuladas em 1995 de expansão e de modernização do sistema de transporte, a economia do setor entrou em declínio em 1996. Na maioria das cidades, a quantidade de passageiros transportados vem caindo ou, no máximo, se mantendo estável com o aumento da produção quilométrica. O usuário, tradicionalmente visto como cativo, passa a adotar outras formas de deslocamento urbano. As perdas de passageiros para o automóvel parecem também ser bastante significativas, sobretudo a partir de 1992, quando a produção automobilística nacional e as importações para suprir o mercado interno ganharam um novo impulso. Neste novo ciclo de crescimento, a indústria automobilística deu ênfase à produção de veículos econômicos e mais baratos, com financiamento de até 36 meses, o que proporcionou o aumento de sua posse na classe C, 3 segmento que concentra um grande contingente de usuários de transporte público. O uso do automóvel também está sendo estimulado pela manutenção do preço da gasolina num patamar baixo. Região Metropolitana de São Paulo Evolução da motorização e mobilidade 1967-1997 (x 1.000) Variáveis 1967 1977 1987 1997 Frota de autos 493 1.384 2.014 3.095 Taxa de motorização 70 135 141 184 Índice de mobilidade 1,01 1,53 1,32 1,23 Fonte: Pesquisa O/D 1997. Além disso, a falta de qualidade do sistema convencional, principalmente do trem e do ônibus, e sua dificuldade em atender às expectativas de sua clientela, vêm sendo superadas pela agilidade do transporte coletivo informal, que preenche as carências deixadas pelo sistema regular. 3. Segundo critério de mensuração de consumo - Critério Brasil - da Anep/Abipeme, adotado a partir de 1997. 101 A queda na demanda atingiu principalmente o sistema de ônibus e, em menor proporção, o trem e o metrô. Numa perspectiva histórica, o declínio do transporte coletivo vem se acentuando, numa competição cada vez mais vantajosa para o transporte individual. Região Metropolitana de São Paulo Evolução da divisão modal 1967-1997 (em %) Modo principal Ano (viagens diárias) 1967 1977 1987 1997 Coletivo 68 61 55 51 Individual 32 39 45 49 Fonte: Pesquisa O/D 1997. NOVO USUÁRIO E SUAS EXPECTATIVAS Na tentativa de compreender o novo usuário, consumidor de viagens urbanas realizadas através dos modos de transporte coletivos, há que se considerar, antes de mais nada, que o contexto social no qual ele está inserido, descrito anteriormente, vem sofrendo mudanças que contribuem para a composição de um perfil muito mais exigente em relação aos serviços prestados. Pode-se dizer que o contexto não é apenas pano de fundo, mas um elemento ativo na estruturação de novos posicionamentos dos diversos grupos sociais, constituindo-se como uma trama que vai se montando passo a passo, de acordo com a dinâmica da conjuntura histórica. Além das já mencionadas transformações do cenário do transporte coletivo urbano e da metrópole, hoje, vive-se um momento de intensas trocas promovidas pelo processo de mundialização, em que informações de todos os lugares são lançadas no conjunto da sociedade com grande velocidade, principalmente com o avanço e difusão de novas tecnologias. Com isso, apresentam-se possibilidades antes nem imaginadas quanto à facilidade e agilidade no acesso a fontes de conhecimento, produtos e serviços, redirecionando a vida dos indivíduos para objetivos em permanente mutação, com níveis de exigência cada vez maiores. Com o processo de globalização, além da influência visível da difusão da informação e da exposição maciça a inúmeros produtos no comportamento dos consumidores, outras transformações estruturais vêm afetando substancialmente a sociedade brasileira, como a maior exigência pelo mercado de trabalho de uma mão-de-obra especializada e qualificada, fazendo com que o nível de escolaridade da população economicamente ativa venha crescendo gradativamente. Além disso, 102

observa-se uma crescente presença das mulheres nas atividades produtivas, mudando o comportamento desse segmento frente ao mercado de consumo, tendo em vista sua maior autonomia na administração e decisão sobre seus recursos pessoais ou da família. Concomitantemente, há que se considerar que mudanças demográficas, como o envelhecimento da população, a queda da taxa de natalidade e a redução do núcleo familiar, tanto no seu tamanho quanto na rede de relações, contribuem também para uma outra postura diante do mercado. Além disso, com a instituição do Código de Defesa do Consumidor, novos hábitos e atitudes se fortalecem gradualmente na população. Lembrando ainda de outros fatores recentes também decisivos na formação deste novo consumidor, destaca-se o acesso a bens e serviços que o segmento com menor poder aquisitivo teve a partir do plano de estabilização econômica. Essa vivência imprimiu novos padrões de consumo, criou novas necessidades e modificou definitivamente o seu comportamento e suas expectativas. O serviço público, cuja imagem, salvo raras exceções, é o reflexo da ineficiência e da burocracia, não ficou imune às transformações, passando recentemente pelo processo de privatização de alguns setores. Essas mudanças vêm sendo amplamente acompanhadas pela mídia, estimulando também o desenvolvimento de novas condutas da população diante de necessidades não atendidas. Isso é uma novidade, pois a tendência observada ao longo dos anos, retratava um conformismo e apatia frente à indiferença e falta de respostas da máquina estatal, como se não houvesse nada a fazer e nem adiantasse reclamar. A nova configuração sócio-demográfica da sociedade brasileira tem impacto direto no perfil dos usuários do serviço de transporte coletivo e, consequentemente, no serviço considerado desejável. ESTUDOS DE CASOS O usuário e o metrô Um exemplo maior desse processo de mudança de expectativas do usuário de transporte coletivo é o Metrô de São Paulo, que desde seu início vem realizando pesquisas de opinião e estudos sobre o comportamento de seu público. Certamente, esses dados podem ser considerados indicativos de tendências válidas para a população usuária de transporte coletivo da cidade, visto que a maior parte da clientela do metrô usa outros modos coletivos e representa uma parcela típica da população economicamente ativa. Comparando-se a composição da demanda do metrô hoje com a do início da operação, vê-se que a proporção dos sexos está pratica- 103 mente equilibrada, com a inserção mais efetiva das mulheres no mercado de trabalho; a população está mais envelhecida (usuários com até 34 anos passaram de 80% no início da operação para 64% em 97); de acordo com o fenômeno já citado, o nível de instrução elevouse significativamente (o percentual de pessoas com 2º grau completo e com nível universitário também completo passou de 32% para 61%); e, finalmente, registra-se a queda do número de usuários mais pobres, refletindo o mencionado aumento de renda dessa parcela e uma maior acessibilidade ao metrô. Tais alterações nas características do usuário convergem para uma mesma direção: um público mais maduro, instruído e com maior poder aquisitivo, com uma melhor visão do funcionamento e das deficiências do transporte coletivo e, naturalmente, mais exigente e conhecedor de seus direitos como cidadão. Antes de mais nada, em função da qualidade do serviço prestado e do atendimento diferenciado, o Metrô de São Paulo destacou-se entre os demais serviços públicos de transporte, impondo um novo padrão de serviço como parâmetro a ser seguido e, ao mesmo tempo, criando novas expectativas para a população da cidade. A tecnologia empregada no metrô, até então desconhecida, suscitava a crença de que ele seria um transporte muito rápido, com velocidade supersônica, seguro, confortável e moderno, e que possibilitaria a organização dos trajetos urbanos na cidade. Nessa época, a circulação urbana já se mostrava caótica em virtude do crescimento das viagens por transporte individual e do sistema de transporte público depender quase que exclusivamente do ônibus. Assim sendo, o metrô representou uma esperança de solução para esse problema. Com a integração do metrô ao ônibus e à ferrovia e, posteriormente, a operação da linha 3 - Vermelha, observa-se que as expectativas dos usuários sofrem um revés. Com o aumento da demanda a partir de 1979, devido à entrada de usuários de menor poder aquisitivo e quase sem preparo para o uso do sistema, o metrô deixa de ser identificado como o transporte preferencial da classe média. Iniciam-se os problemas de superlotação nas suas diversas áreas e, naturalmente, maior exigência por conforto, por ser, até então, um dos diferenciais do serviço, deixando de apresentar algumas das vantagens oferecidas pelo carro. Posteriormente, mais especificamente a partir de 1991, com a reorganização da economia e redução dos investimentos públicos, a expansão do metrô ficou seriamente comprometida e, no mesmo período, agravam-se os problemas urbanos, entre eles o de circulação e da violência. Com isso, as principais dificuldades de deslocamento da população passam a estar relacionadas à rapidez na 104

realização dos seus trajetos e à segurança pública. É interessante notar que a priorização da rapidez, particularmente em detrimento do conforto, se dá em função da percepção da saturação e limitação do sistema metroviário, decorrentes, entre outros fatores, da falta de investimentos em outros modos de transporte. Atualmente, o maior desejo da população em geral é por expansão mais rápida do sistema metroviário, tendo em vista que este é tido como o principal salvador do caos imperante na circulação urbana. O usuário e a ferrovia A ausência de investimentos para a recuperação da ferrovia, fazendo com que ela deixasse de cumprir o papel complementar ao metrô, na região Leste e nos trajetos de longo distância, evidenciou ainda mais as limitações daquele meio de transporte. O usuário construiu uma imagem negativa da ferrovia, associada a questões de ineficiência, obsolescência, desrespeito, insegurança, desconforto e desorganização, denotando uma idéia de abandono por parte do poder público e gestores. A ferrovia ficou identificada como transporte de pobre, de pessoas desprovidas de quaisquer benefícios sociais, sendo que seu uso traz um estigma de sub-cidadão e provoca discriminação no momento de procura de emprego, por exemplo. O não atendimento das necessidades de deslocamento dos usuários desse transporte faz com que uma parcela reaja agressivamente, depredando o sistema e ignorando suas regras de uso. Mesmo com todas essa mazelas, existe ainda um resquício na memória dos usuários sobre um transporte digno, da família e do trabalhador, que propiciava viagens agradáveis, fazendo com que haja o desejo e esperança de soluções para os seus problemas. Para esse segmento de usuários, que são residentes em regiões periféricas, as expectativas de melhoria da ferrovia englobam desde aumento e recuperação da frota para melhorar as condições de conforto e pontualidade, passando pela segurança pública, até adoção de um sistema de comunicação eficiente com o usuário, que dê informações sobre problemas de circulação e orientações importantes para o uso. O usuário e o sistema de ônibus Assim como a ferrovia, o sistema ônibus não foi capaz de dar respostas às necessidades de deslocamento da população. Tanto é assim que hoje se observa um movimento de migração para as lotações, cujas características positivas de conforto, maior rapidez da viagem, flexibilidade de trajeto e menor tempo de espera vêm preenchendo as lacunas deixadas pelo sistema regular. 105 Em comparação com outros modos, o ônibus ainda se destaca pela maior acessibilidade e pelo atendimento amplo aos desejos de destinos da população. Ele vem suprindo as limitações da rede de metrô, na opinião de seus usuários. Por ser um sistema que sofre interferências profundas dos congestionamentos urbanos, que dificultam o cumprimento dos horários e prolongam o tempo de permanência dentro do veículo, as principais reivindicações de seus usuários referem-se, logicamente, aos aspectos operacionais, como tempo de espera e de conforto. Mas, hoje, também são muito salientadas questões relativas à funcionalidade do sistema e à qualidade do atendimento. Dentre as expectativas em relação ao serviço de ônibus do município, apresentam-se como as mais importantes: redução do intervalo através do aumento da oferta, implementação de novas ramificações das linhas para diminuir o tempo de viagem, instalação de mais terminais urbanos para reduzir os percursos, construção de mais corredores segregados, padronização das frotas com veículos mais confortáveis e bem cuidados, incremento de serviços diferenciados como microônibus e linhas expressas, melhor preparo dos empregados para o atendimento ao público e campanhas educativas. Embora tendo expectativas parecidas, os usuários das linhas intermunicipais enfrentam condições ainda mais difíceis. Algumas regiões de moradia dessa população caracterizam-se como cidadesdormitório. São municípios mais distantes, com rede de infra-estrutura bastante deficitária, e que receberam a migração de segmentos de baixa renda, expulsos de outras regiões que ficaram mais valorizadas. Tais locais mantêm uma grande relação de dependência com a cidade de São Paulo, para a realização de atividades essenciais como trabalho, estudo, saúde, lazer e outros serviços básicos, levando seus moradores a fazer uso de transporte coletivo, com tempos de viagem geralmente muito longos. Desse modo, entre os anseios dos usuários das linhas de ônibus intermunicipais, a segurança pessoal, a certeza de chegar ao destino e a confiabilidade no cumprimento dos horários são os mais recorrentes. Suas principais demandas são: operação em linhas expressas, aumento da oferta nos horários de pico, maior conforto dos assentos dos veículos, ampliação do horário noturno e integração com o metrô. Também, surgiu, com muita ênfase, a necessidade de capacitação dos empregados para o atendimento ao público usuário. Isso confirma uma postura diferente do usuário frente aos serviços prestados, à medida que sua preocupação se amplia ao colocar, em patamares próximos de importância da rapidez e do conforto da viagem, ques- 106

tões relativas ao atendimento prestado pelos empregados, informações ao público em geral e racionalidade do sistema de transporte coletivo. Em síntese, o crescimento e a persistência dos meios alternativos, mais especificamente das lotações, só tem sido possível por responder às necessidades dos usuários não atendidas pelo sistema de transporte regular. Sua penetração não tem se restringido apenas aos segmentos mais desprovidos desse tipo de serviço, mas tem atingido também os estratos médios da população com a oferta de veículos mais confortáveis e sofisticados. O posicionamento de parcela expressiva da comunidade técnica, contrário à oficialização do transporte alternativo, por entender que provocará a desregulamentação do transporte convencional, não encontra eco entre a população. A sua existência é hoje uma exigência do mercado, que tem o seu funcionamento moldado pelas necessidades dos consumidores. Tal constatação pode ser observada em relação ao surgimento dos ônibus clandestinos, no início desta década, e, posteriormente, sua derrocada com o aparecimento de outros meios considerados mais atraentes como os lotações. As expectativas da população em relação aos diversos modos de transporte não se diferenciam substancialmente, pois trazem em seu núcleo o anseio por maior acessibilidade e rapidez nos deslocamentos. Diante da crise no sistema de circulação, o usuário percebe cada vez mais a necessidade de políticas de transporte público efetivas, em que sejam priorizadas as ações de expansão da rede metroviária, recuperação da ferrovia, construção de novos corredores exclusivos e terminais urbanos, para que haja uma significativa melhora dos deslocamentos na cidade. Pensam ainda que é imprescindível uma integração eficaz entre os diversos modos, demandando para isso uma ação conjunta e articulada dos gestores desses serviços. URBANOS DE SÃO PAULO - EMTU, Projeto usuário final, Unidade Técnica de Mercado da STM, 1998. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO - SEMPLA, PREFEITURA DO MUNICÍ- PIO DE SÃO PAULO, São Paulo: crise e mudança, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1990. SOUZA, Maria Adélia A. de, A identidade da metrópole, São Paulo, Ed. Hucitec - Edusp, 1994. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EMPRESAS DE TRANSPORTES URBANOS - NTU E AS- SOCIAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTES PÚBLICOS- ANTP, Transporte público urbano - crise e oportunidades, Brasília, 1998. Autores do trabalho da Comissão de Pesquisa de Opinião sobre Qualidade dos Serviços de Transporte da ANTP Augusto C. Portugal Gomes - SPTrans/SP; Carlos A. Pañella Motta - EMTU/SP; Cecília E. Fuentes Guedes - Metrô/SP; Denise Daud Cardoso - Metrô/SP; Maria Cristina F. Silva - Metrô/SP (coordenadora); Mauricio A. Bandeira de Melo - Transurb/SP e Patrícia Pacheco Bertozzi - EMTU/SP. BIBLIOGRAFIA CIA. PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM, Atributos de imagem da ferrovia, Relatório de pesquisa qualitativa, 1996. CIA. DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO - METRÔ, Caracterização socioeconômica do usuário e seus hábitos de viagem, Relatório de pesquisa quantitativa, 1974 a 1997.. O Metrô segundo seu usuário - uma avaliação do serviço, Relatório de pesquisa quantitativa e qualitativa, 1974 a 1998. SÃO PAULO TRANSPORTES S.A. - SPTRANS, Imagem do serviço de ônibus do município de São Paulo, Relatório de pesquisa qualitativa, 1997/1998.. Plano de transporte público de São Paulo/Documento Preliminar. 1998. SECRETARIA DOS TRANSPORTES METROPOLITANOS DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO - STM, EMPRESA METROPOLITANA DE TRANSPORTES 107 108