Matemática: algumas considerações sobre o ensino das escolas radiofônicas/rn



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Transcrição:

Matemática: algumas considerações sobre o ensino das escolas radiofônicas/rn Márcia Maria Alves de Assis Universidade Federal do Rio Grande do Norte Brasil marciageomat@ig.com.br Liliane dos Santos Gutierre Universidade Federal do Rio Grande do Norte Brasil liliane@ccet.ufrn.br Resumo Nesta apresentação nos remeteremos a nossa pesquisa de mestrado, em andamento, intitulada O ensino de matemática pelas escolas radiofônicas no RN, no período de 1950 a 1970. As Escolas Radiofônicas foram instaladas no RN pela igreja católica. Nossas fontes são os arquivos da Diocese de Natal e as Escolas Radiofônicas de duas comunidades rurais, Logradouro e Catolé, que hoje fazem parte do município de Lagoa Salgada. Os caminhos da pesquisa nos conduziram buscar respaldo na História Oral e o como referencial teórico, nos conceitos da História Cultural para dar sustentação à história reconstituída. Palavras chave: Escolas Radiofônicas, História, Ensino, Matemática. Introdução As Escolas Radiofônicas foram instaladas no RN pela igreja católica. As aulas eram transmitidas por um professor-locutor e assistidas por monitores junto com os alunos. Nossa pesquisa tem como objetivo geral, focalizamos o percurso histórico do ensino da matemática pelas Escolas Radiofônicas no Estado do Rio Grande do Norte entre as décadas de 1950 a 1970. Como instrumentos metodológicos, lançamos mão da pesquisa de fontes bibliográficas e da entrevista semi-estruturada, pois entendemos esta como uma possibilidade de organizar a reconstituição histórica relacionada à formação e às práticas daqueles que ensinaram e aprenderam Matemática pelo rádio no RN. A entrevista semi-estruturada, segundo Laville e Dionne (1999, p.188) é uma série de perguntas abertas, feitas verbalmente em uma ordem prevista, mas na qual o entrevistador pode acrescentar perguntas de esclarecimentos.

2 No nosso estudo compomos o referencial fazendo uso de fontes orais e escritas, pois comungando com o entendimento de Garnica, (2006), a escrita e a oralidade, não são vistas como opositoras, mas como possibilidades complementares para elaboração histórica. Para tanto buscamos respaldo na História Cultural, que na concepção de Burke (2004), a História Cultural pode ser descrita como a preocupação com o símbolo e suas interpretações. Desse modo, fazendo uso dos conceitos da História Cultural e alguns procedimentos da História Oral procuramos direccionar nossas compreensões sobre o ensino de Matemática pelas Escolas Radiofônicas. Desta forma, podemos descrever a nossa pesquisa como predominantemente qualitativa, pois, investigar qualitativamente é privilegiar a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos investigados. A seguir, descreveremos algumas evidencias focalizadas na pesquisa. A necessidade da criação das Escolas Radiofônicas nasce no seio das ações sociais desenvolvidas pela igreja católica. A partir de 1948, as atividades sociais e religiosas desenvolvidas pela Diocese de Natal foram caracterizadas como um movimento de Ações Sociais e Culturais. Daí o nome de Movimento de Natal. (PINTO, 1989, p. 93). Entre os pioneiros do Movimento de Natal, destacam-se, D. Eugênio Sales, D. Nivaldo Monte e Monsenhor Expedito, além de outros representantes do clero, estudantes universitários, profissionais liberais e leigos engajados na ação pastoral da Igreja Católica. Foi no ano de 1949, visando expandir sua ação no meio rural que a igreja católica criou o Serviço de Assistência Rural (SAR). Além de outras atividades desenvolvidas pelo SAR, a criação das Escolas Radiofônicas, caracteriza-se como um modelo de educação rural que, posteriormente, foi abarcado pelo Governo Federal e levado a diversos estados brasileiros. Ainda na década de 1940, o então, Pe. Eugênio Sales conheceu o trabalho educacional, no meio rural da Colômbia, utilizando uma emissora de rádio, a rádio Sutatenza. Era o começo de um sonho de criar experiência semelhante, em Natal, que só se concretizou em 1958, com a instalação da Rádio Rural de Natal. Aliás, o sonho começou a ser cultivado em 1947, no Rio de Janeiro, quando o Pe. Eugênio participava de um Congresso Latino Americano sobre Educação na Vida Rural. Lá, ele conheceu o Pe. José Joaquim Salcedo, diretor da Rádio Sutatenza, que lhe contou a experiência colombiana. Daí, surgiu a idéia do padre natalense ir pessoalmente à Colômbia para verificar in loco a iniciativa. (MEDEIROS, 2005, p. 74). Somente em 20 de setembro de 1958, é concretizado o projeto o sonho do então padre, Eugênio Sales quando por meio da Rádio Rural é transmitida a 1ª aula radiofônica do Sistema de Natal, junto a Diocese de Natal e o SAR. As Escolas Radiofônicas e o Ensino de Matemática Nasce no estado do Rio Grande do Norte a experiência das Escolas Radiofônicas cuja motivação foi levar à população da zona rural do Estado a formação escolar e religiosa. Essa

3 experiência deu origem a inauguração da Rádio Rural na cidade de Natal, responsável pela transmissão das aulas inicialmente sintonizada por sessenta e nove escolas de comunidades rurais dos municípios de São Paulo do Potengi, Macaíba, São José do Mipibu, São Gonçalo do Amarante, Ceará-Mirim e Touros. As aulas eram transmitidas por um professor-locutor e assistidas por monitores junto com os alunos. Posteriormente, outros municípios se agregaram e fundaram novas escolas rurais. Em 21 de março de 1961, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) firmou convênio, por meio do Decreto 50.370, com o Ministério da Educação, dando força ao Movimento de Educação de Base (MEB). A partir daí, o MEB a nível nacional passou a assumir o ensino radiofônico, na Arquidiocese de Natal e em outras regiões do País. Essa experiência constituiu um marco histórico da educação no Brasil, sendo uma iniciativa da igreja católica, Arquidiocese de Natal. Uma das ações do MEB foi a instituição das Escolas Radiofônicas, baseada na experiência da diocese de Natal, pensadas para levar a educação às comunidades rurais, como também, implementar a integração dos estudos teóricos e práticos. Como aborda Wanderley: O MEB procurou fornecer subsídios por meio de elementos contínuos de socialização e ressocialização, do conhecimento crítico da realidade da conjunção da teoria com a prática, das atividades experimentais e de avaliação, das relações entre as lideranças e as bases, da participação política e de uma adequação pedagógica popular. (WANDERLEY, 1984, p. 22). Foi na região Nordeste que o MEB começou a atuar de maneira sistemática, tendo como principais estados, o Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Ceará e Bahia, e o auge de sua atuação se deu entre 1961 a 1966, período que contou com a participação de uma vasta equipe de trabalho em diversos estados do Brasil. E, o Rio Grande do Norte, foi palco da ação pioneira nas emissoras radiofônicas, com destaque na ação social da igreja pelo Movimento de Natal. No início, as Escolas Radiofônicas eram destinadas apenas as turmas de alfabetização, depois a pedido dos alunos já alfabetizados, foram criadas turmas do 2º ano, por solicitação desses alunos, para dar continuidade aos seus estudos. Essas novas turmas correspondiam ao segundo ano do ensino primário da escola oficial da época. Posteriormente, foram criadas turmas de 3º, 4º e 5º anos, relativos ao curso primário completo, que conforme Paiva, 2009, isso ocorreu no ano de 1963, período de maior expansão das Escolas Radiofônicas. Porém, após esse período, houve uma redução, sendo ofertados apenas os três anos iniciais do curso primário. E, a oferta dos cinco anos de ensino do curso primário foi uma experiência própria do Sistema Natal. Em nível nacional, o MEB possibilitava apenas dois anos de escolarização, tempo máximo considerado necessário para que o adulto ou jovem analfabeto aprendesse a ler, escrever e interpretar textos, instrumentos de análise facilitadores no seu caminhar na luta para vencer a dura realidade de sua vida. (PAIVA, 2009, p. 82).

4 Diante do exposto, nossa pesquisa consiste em compreender como se deu o ensino de Matemática pelas Escolas Radiofônicas do Estado do Rio Grande do Norte. Para tanto, tomamos como campo de pesquisa, para o ensino da alfabetização e anos iniciais, as Escolas Radiofônicas de duas comunidades rurais, Logradouro e Catolé, que, atualmente, fazem parte do município de Lagoa Salgada (RN), pois em nossa trajetória de pesquisa, encontramos documentos que identificam que nestas comunidades foram instaladas algumas Escolas Radiofônicas. Já, no que se refere ao Ensino Ginasial (atual Ensino Fundamental - anos finais), nos detemos no Curso de Madureza pelo Rádio, pois sobre esse nível de ensino, encontramos um acervo de materiais didáticos ainda não analisados, encontrados nos arquivos que peaquisamos. Os alunos das Escolas Radiofônicas eram, em sua maioria, agricultores que trabalhavam o dia inteiro e à noite frequentavam as aulas. A programação das aulas tinha uma mística que envolvia os participantes na construção de sua própria história, em seu convívio social, político e econômico, objetivando tirar da obscuridade aqueles cidadãos que tinham uma vida dura de trabalho na agricultura. Na programação das aulas de Matemática, Os problemas por resolver giravam em torno das situações concretas e dos desafios do adulto rural no seu dia-a-dia. (Wanderley, 1984, p. 55). As aulas também permitiam levar a monitores e alunos tomarem conhecimento do que ocorria no Brasil e no mundo. Como, por exemplo, no script de uma aula, conforme identificamos em alguns documentos encontrados. Observe na figura, a seguir: Figura 1: Script de Aula Radiofônica, datada de 1965. Nessa aula são abordados diversos asuntos, entre eles: ecologia, cultura e atualidade. Reescrevemos alguns:

5 -Você sabia que a caça descontrolada, os incêndios e o próprio progresso estão exterminando, acabando centenas de espécies de aves em todo Brasil, Sabiam? Fiquem sabendo... -A Itália não é só beleza, mas uma tradição de cultura que influenciou o mundo inteiro. -Curiosidade pra você! Dentro de 3 anos, segundo os estudiosos especialistas, o homem estará na lua que será a grande conquista de todos os tempos. -A riqueza de São Paulo, representa hoje de uma maneira geral mais de 50 por cento (50%) da riqueza de todo o Brasil. (SCRIPT DE AULA, 1965. mimeo). Quanto as aulas de Matemática, algumas questões já nos chamam atenção, uma diz respeito aos esforços das monitoras para desempenharem bem a sua função, pois estas tinham pouca escolaridade, logo, tinham muitas dificuldades em ensinarem os conteúdos de Matemática. Essa questão foi evidenciada nos depoimentos de monitoras que trabalharam nas turmas de alfabetização, quando as entrevistamos. Uma monitora da comunidade de Logradouro, município de Lagoa Salgada(RN), Maria das Dores do Nascimento, demonstra em sua fala ter dificuldade em desenvolver as aulas de Matemática, pois, trabalhando com uma turma de alfabetização nas Escolas Radiofônicas, mesmo permanecendo por muitos anos na função de professora e se aposentando no ano de 2004, atualmente com 69 anos de idade, até hoje não superou suas dificuldades em relação à Matemática. Parece que essa realidade, de professores com pouca formação era comum a maioria dos monitores que iniciaram com as primeiras turmas de alfabetização nas Escolas Radiofônicas. Tal dificuldade também nos é apresentada pela monitora Maria Ibanês de França, responsável pela Escola Radiofônica da comunidade de Catolé, município de Lagoa Salgada(RN). Atualmente, com 80 anos de idade, nos revela que aprendeu a ler e escrever com sua mãe pela cartilha do ABC, e depois estudou com uma professora particular por dois meses e sentiu necessidade de continuar estudando, então resolveu ensinar o que sabia as suas amigas, para não esquecer o que já sabia, assim, nos conta: Mas, aí sentei logo uma escola. Ensinava as minhas amiguinhas, minhas coleguinhas. Minhas coleguinhas de brincadeira. O que eu aprendi já ia ensinar a elas. Aí foi que me aditou muito. (MARIA IBANÊS DE FRANÇA. Depoimento Oral). Alguns anos depois a professora foi convidada para ensinar pelas Escolas Radiofônicas. Logo, se deparou com a dificuldade em Matemática, por isso ensinava bem a leitura e a escrita, deixando a Matemática para segundo plano. Se referindo aos conteúdos que ensinava aos seus alunos pela Escola Radiofônica, ela nos diz: Aí eles aprenderam a ler e escrever. E votaram e elegeram dois vereadores. [...] Não era muita Matemática não. Mais a leitura. Só as coisas mais fáceis. É, as contas era mais pouca (MARIA IBANÊS DE FRANÇA. Depoimento Oral). A monitora Maria Ibanês, assim como a monitora Maria das Dores trabalhava com uma turma de alfabetização, permanecendo pouco tempo na função de professora. Logo após se enveredou pelo movimento político local, se elegendo vereadora dos municípios de Boa Saúde e Lagoa Salgada, respectivamente. Segundo ela, dois alunos que foram alfabetizados por ela se elegeram vereadores e a convidaram para participar da política local, deixando assim, a função de professora, mas contribuindo bastante para o desenvolvimento da sua cidade. Cabendo a ela o

6 projeto de desmembramento do município de Boa Saúde em duas cidades Boa Saúde e Lagoa Salgada (determinando os seus limites territoriais). As dificuldades dessas monitoras em trabalhar com os conteúdos de Matemática são refletidas no aprendizado dos seus alunos. Tomamos depoimentos de alguns alunos e o aluno José Bernardino Sobrinho, hoje com 55 anos de idade, declarou que pouco aprendeu sobre Matemática na Escola Radiofônica. Segundo ele, aprendeu apenas a somar e subtrair, pois era o que a professora (monitora) ensinava sobre Matemática. Ele trabalhava na agricultura com o seu irmão mais velho, nas propriedades dos donos de terras, plantavam e colhiam, mas recebiam, os dois irmãos juntos, pelo dia de trabalho, o equivalente o que recebia um adulto. Chegava muito cansado do trabalho e não tinha muito tempo para estudar, mas procurava a tia e monitora, Maria das Dores, para tirar suas dúvidas nas lições. No seu depoimento, nos diz que: Eu trabalhava o dia todo, aí quando podia, às vezes de meio dia eu pedia a Maria das Dores para me ensinar, porque a noite eu tava muito cansado para estudar. Ainda trabalho na agricultura, mas faço também tijolo aqui com o barro da lagoa e entrego para os materiais de construção, mas agora faço pouco. Aprendi a multiplicar contando os tijolos e eu botava as fileiras de tijolo no caminhão e depois contava as fileiras e multiplicava, usando a calculadora, aprendi com um amigo....]. Aprendi também, a cubar a terra, que tem conta de somar e multiplicar, mas não é fácil, aprendi fazendo e a conta dá bem certinho. Sabia quantos pés de lavoura cabia em uma mil covas, aí plantava algodão, milho, mandioca...(josé BERNARDINO SOBRINHO. Depoimento Oral). José Bernardino nos contou também, que parou de estudar naquela época e que aprendeu a ler e escrever, mas quase não escreve mais nada, sabe assinar o seu nome, mas é muito bom na oralidade e até tentou se eleger vereador da sua comunidade. Posteriormente, a essa fase de alfabetização e ensino primário, foi implantado o ensino ginasial pelo rádio um professor-locutor da disciplina de Matemática, foi o professor João Faustino de Ferreira Neto, que revelou a Gutierre (2008, p. 155) que dar aulas pelo rádio foi um grande desafio na sua carreira como professor de Matemática: Eu ensinei Matemática pelo rádio. [...]. Na Escola Radiofônica preparava os alunos para o Exame de Madureza, naquela época já denominado supletivo. Eu me considerava como um mágico. Porque você se vê num estúdio de rádio e ao mesmo tempo você imaginar uma população enorme, em casas pobres de taipa, de barro, captando apenas as ondas daquele rádio. Essas pessoas se prepararam para o exame e muitas foram aprovadas, algumas até fizeram outros exames e concluíram o curso superior. [...]. Em cada localidade do interior do Estado, existia um radinho, radinho de baquelite, era movido por uma bateria de automóvel, aquela bateria descarregava, então, de 15 em 15 dias, passava um jipe trocando as baterias. Várias pessoas se reuniam e com um monitor, uma pessoa que ajudava a esses estudantes a aprenderem Matemática e a passarem nos Exames que faziam. Você imagina o que é uma pessoa fazer, por exemplo,

7 a dedução da fórmula da equação do 2 grau, e entender tudo aquilo. Mas, como professor da Escola Radiofônica, me sentia um mágico. [...] Então, eu me sentia realmente como alguém que produzia algo diferente. Tinha a sensação que estava transmitindo conhecimento matemático a milhares de pessoas. Essas aulas eram transmitidas, pela manhã, às 6 horas da manhã e à noite. [...]. À noite eu escutava minhas aulas, quando ia dar aula no outro dia pela manhã. E quando eu saía da gravação eu podia ouvir pelo rádio. Não era fácil, mas foi uma grande experiência. [...]. Os Exames, para os alunos, eram feitos pela divisão seccional. Mas eu tinha notícia de que muitos alunos eram aprovados (GUTIERRE, 2008, p. 155). Desse período conseguimos resgatar alguns documentos, como os módulos de ensino que eram fornecidos aos alunos para acompanharem seus estudos. Ver figura a seguir: Figura 2: Módulo de ensino do curso de Madureza, datado de 1969. Esse e outros materiais estão sendo analisados para que possamos compreender o ensino de Matemática pelas Escolas Radiofônicas. Ressaltamos que os depoimentos orais dos que participaram da experiencia radiofônica tem contribuído para reforçar essa compreensão. Como a nossa pesquisa está em andamento, há muitas lacunas a serem preenchidas, de modo que nosso principal objetivo em expor essas ideias nessa apresentação, consiste em refletir e potencializar nossos conhecimentos e estratégias para prosseguirmos com nossos estudos.

8 Bibliografia e referências Burke, Peter, 1937. O que é história cultural? Tradução: Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. Garnica, Antonio Vicente Marafioti. História Oral e Educação Matemática. In: BORBA, Marcelo de Carvalho; ARAÚJO, Jussara de Loiola (orgs.). Pesquisa Qualitativa em Educação Matemática. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. Gutierre, Liliane dos Santos. O Ensino de Matemática no Rio Grande do Norte: trajetória de uma modernização (1950-1980). 2008. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. Laville, Christian ; DIONNE, Jean. A Construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Trad. Heloísa Monteiro e Francisco Settineri. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda; Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. Medeiros, Cacilda Cunha de. A rádio Rural. 2005. (Monografia em Jornalismo) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2005. Paiva, Marlúcia Menezes de (Org.). Escolas Radiofônicas de Natal: uma história construída por muitos (1959-1966). Brasília: Liber Livro Editora, 2009. Pinto, Maria Lúcia Leite. Escolas Radiofônicas: ação política e educacional da Igreja Católica no Rio Grande do Norte (1956 1961). UFRN / Departamento de Educação, Natal, 1989. Script de aula: Diocese de Natal, 1965. (mimeo). Wanderley, Luiz Eduardo W. Educar para transformar: Educação popular Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base. Petrópolis: Vozes, 1984.