APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 12020/ (2007.84.00.002040-8) RELATÓRIO O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO: Cuida-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença prolatada pelo MM. Juízo da 14ª Vara Federal do Rio Grande do Norte que julgou improcedente a pretensão punitiva estatal, absolvendo Ricardo José de Oliveira da imputação de prática do crime do art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90. Em síntese, a denúncia noticia que o apelado, na qualidade de sócio-gerente e proprietário da empresa ARMAZÉM REIS MAGOS LTDA., deixou de pagar os impostos federais devidos em razão da atividade de comercialização de produtos atacadistas, sujeita a tributação federal. Embasada na Representação Fiscal para Fins Penais, às fls. 03/06 do vol. em apenso, a inicial acusatória assevera que desde a constituição da referida pessoa jurídica, não houve nenhum recolhimento de tributos em favor da fazenda pública. Na sentença, às fls. 472/483, o douto magistrado absolveu o réu Ricardo José de Oliveira diante das provas que afastam a ingerência do apelante na administração da empresa em questão. Neste apelo (fls. 488/498), pugna o MPF pela condenação de Ricardo José de Oliveira, sob o argumento de que haveria outras provas aptas a demonstrar que ele era responsável por atos negociais da pessoa jurídica. A defesa, por sua vez, ressalta provas que embasaram o juízo absolutório e requer a manutenção da decisão recorrida (fls. 504/509v.). Nesta instância, a Procuradoria Regional da República apresenta parecer às fls. 519/532, por meio do qual se manifesta pelo improvimento da apelação ministerial, após a douta representante ministerial observar contradições que justificam a incidência do princípio do in dubio pro reo. É o relatório. Ao revisor. ACR nº 12020-1 MACBCL
APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 12020/ (2007.84.00.002040-8) VOTO O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO: Segundo a Representação Fiscal para Fins Penais às fls. 03/06, após fiscalização na empresa ARMAZÉM REIS MAGOS, a auditoria da Receita Federal constatou desde a constituição da empresa, com um ou outro sócio, nenhum pagamento de tributos foi feito a fazenda pública, mesmo a empresa tendo auferido receitas consideráveis nos anos de 1999 a 2003, período de funcionamento da empresa. Ao omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, eximindo-se do pagamento total ou parcial de tributos, a conduta subsume-se ao tipo penal do art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90. Apesar de praticado no âmbito da pessoa jurídica, a imputação deste tipo penal exige a demonstração da consciência e vontade dirigida para tal fim, do contrário, estar-se-ia incorrendo em responsabilização penal objetiva, vedada em nosso ordenamento pátrio. É preciso que o Ministério Público, como titular da ação penal, tenha se desincumbido do ônus de comprovar que o réu tinha ciência da não apresentação das declarações da pessoa jurídica à Secretaria da Receita Federal, com o intuito de se eximir-se do pagamento dos respectivos tributos. Neste caso, oportuno sublinhar que a empresa Armazém Reis Magos Ltda. foi inicialmente constituída pelos sócios José Roberto Bezerra Hissa e Elânia Moreira Cordeiro. Em maio de 2000, Elânia retira-se da sociedade e entre em seu lugar Ozéas Gonçalves de Oliveira. Por sua vez, o sócio José Roberto retira-se em dezembro de 2002, momento em que o apelado passou a fazer parte da sociedade. Esta última alteração contratual consta no Aditivo nº 02/2002 (fls. 247/249 vol. apenso), cuja cláusula segunda prevê que a sociedade será administrada e gerenciada por ambos os sócios (...) Ricardo José de Oliveira fica sendo o responsável perante o Ministério da Fazenda na função de gerente. ACR nº 12020-2 MACBCL
Objetivamente, de acordo com referida cláusula, a administração da empresa, a partir de dezembro de 2002, teria ficado a cargo também do apelado que desempenharia função de gerente quanto aos assuntos pertinentes à Receita Federal. Esta informação, acrescida do depoimento de Fabiano de Almeida, contador da empresa desde a constituição, seria, para o MPF, prova suficiente de que o réu não era apenas um laranja, pois tinha consciência de que estava ingressando no quadro social de uma pessoa jurídica. Ainda, segundo o Parquet, o depoimento de José Guilherme Cazumba Parente, auditor fiscal responsável pela fiscalização, corrobora com a tese acusatória de que o réu sabia que compunha o quadro societário da empresa Armazém Reis Magos Ltda. No entanto, para a imputação do crime contra a ordem tributária em questão não é suficiente que o acusado tenha consciência de que integra quadro societário, mostrando-se necessária a comprovação de seu envolvimento na administração da empresa, ou seja, de seu poder de gestão. Neste caso, além da forma peculiar do ingresso do réu no quadro societário da empresa, as provas de sua ingerência na administração são duvidosas, como, aliás, salientou a douta Procuradoria Regional da República, no parecer ofertado às fls. 519/532. Primeiro, quanto à peculiaridade do ingresso do apelado no quadro social, registre-se que, na versão da defesa, ele foi convidado a ingressar na empresa Armazém Reis Magos Ltda. por intermédio da pessoa Dedé do Feijão, cliente do acusado. Para compor a sociedade, o réu não teria pago nem recebido nenhum valor. O atrativo teria sido a possibilidade de aumentar seu crédito bancário, já que passaria a compor uma empresa de maior porte do que a que ele já possuía. Hissa. Esta versão defensiva foi confirmada pelo corréu José Roberto Por seu turno, quanto ao gerenciamento da empresa, mostra-se relevante o depoimento do contador Fabiano de Almeida, ao dizer que a pessoa de Ricardo José de Oliveira não passava de uma figura decorativa, uma vez que quem continuava a administrar a empresa, mesmo após sua saída, ainda era José Roberto Bezerra Hissa. Aliás, o próprio José Roberto confirma essa declaração ao assegurar que, após sua saída, ainda ficou na empresa. Como bem destacou o douto magistrado na sentença, o depoimento do auditor José Guilerme Cazumba, que atuou na ação fiscal, ACR nº 12020-3 MACBCL
ratifica as informações prestadas pelo contador Fabiano de Almeida. Nos termos da sentença, que adoto como razão de decidir: a convicção da fiscalização era a de que estavam matando a empresa, ou seja, desvinculando-se da firma, já moribunda em termos tributários, e criando outra, nova, para fugir da fiscalização. A aludida convicção procede, uma vez que a fiscalização demonstrou que José Roberto Hissa, após ter repassado a empresa Armazém reis magos para Dedé do Feijão, em dezembro de 2002 ( e este, por sua vez incluir a pessoa do réu no contrato social, como acima esclarecido), abriu nova empresa, a Nordeste Distribuidora Atacadista, em janeiro de 2003, ou seja, imediatamente após ter repassado a empresa que embasa os fatos aqui apurados. Estas provas afastam a tese acusatória de que o réu, ciente ou não de seus deveres enquanto sócio da empresa Armazém Reis Magos Ltda., agiu dolosamente ao consentir com o não envio das declarações da pessoa jurídica, no intuito de eximir-se do pagamento de tributos. Embasar a condenação em provas que apontam, exclusivamente, para o ingresso do apelante no quadro societário conduziria a uma responsabilização penal objetiva, vedada em nosso sistema processual penal. Diante dos fortes indícios de que ele não fazia parte da administração da empresa, deve ser mantida a absolvição do acusado, nos termos da sentença. criminal. Com estas considerações, NEGO PROVIMENTO à apelação É como voto. Recife, 26 de março de 2015. Desembargador Federal MARCELO NAVARRO RELATOR ACR nº 12020-4 MACBCL
APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 12020/ (2007.84.00.002040-8) EMENTA: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PROVAS INSUFICIENTES A DEMONSTRAR O PODER DE GESTÃO DO RÉU NA ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA SONEGADORA. 1. A conduta de omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, eximindo-se do pagamento total ou parcial de tributos, subsumese ao tipo penal do art. 1º, inc. I, da Lei nº 8.137/90. Praticado no âmbito de pessoa jurídica, a imputação deste crime exige a demonstração de que o denunciado agiu com consciência e vontade dirigida ao fim de reduzir ou suprimir o pagamento de tributo. 2. Desta forma, mesmo para os crimes societários, constitui-se como elemento essencial à condenação a demonstração do liame entre o fato criminoso e a participação do denunciado, com a individualização da conduta, sem a qual fica prejudicada a responsabilização criminal do agente. Na espécie, as provas são insuficientes a comprovar a efetiva ingerência do apelante na administração da empresa. Aliás, os depoimentos do contador da empresa e do ex-sócio corroboram a tese defensiva de que o réu não passava de uma figura decorativa na empresa. 3. Apelação criminal não provida para manter a absolvição, com base no princípio do in dubio pro reo. A C Ó R D Ã O Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação criminal, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 26 de março de 2015. Desembargador Federal MARCELO NAVARRO RELATOR ACR nº 12020-5 MACBCL