Abordagem cirúrgica na artroplastia total primária de quadril: ântero-lateral ou posterior? *

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ABORDAGEM CIRÚRGICA ARTROPLASTIA TOTAL PRIMÁRIA DE QUADRIL: ÂNTERO-LATERAL OU POSTERIOR? ARTIGO ORIGINAL Abordagem cirúrgica na artroplastia total primária de quadril: ântero-lateral ou posterior? * CARLOS ALBERTO S. MACEDO 1, CARLOS R. GALIA 2, RICARDO ROSITO 3, CARLOS E.F. PEREA 4, LUÍS MARCELO MÜLLER 4, GUSTAVO GAVA VERZONI 4, CLÉVERSON A.K. RODRIGUES 5, DANIEL R. KLEIN 6, LUCAS S. BREMM 6 RESUMO Neste estudo retrospectivo foram selecionados 480 pacientes submetidos à artroplastia total primária de quadril: 215 pela abordagem por via ântero-lateral e 265 pela via posterior, de janeiro de 1991 a dezembro de 1999. O objetivo foi comparar as complicações ocorridas nas duas diferentes abordagens. Os dados avaliados, considerados como parâmetros perioperatórios, foram: taxa de hemoglobina e do hematócrito pré e pósoperatórios, tempo cirúrgico, intervalo entre cirurgia e alta, sangramento e necessidade de transfusão sanguínea e complicações pós-operatórias (trombose venosa profunda, embolia pulmonar, lesão de nervo periférico, instabilidade da prótese). Os dois grupos não diferiram quanto aos indicadores pré-operatórios. Os pacientes operados por abordagem pela via posterior tiveram redução do tempo cirúrgico (p < 0,001), do sangramento transoperatório (p < 0,05), da necessidade de transfusão transoperatória (p < 0,001), do tempo de internação e pós-operatória (p < 0,001), das complicações totais (p < 0,05) e da instabilidade da prótese (p < 0,05) em relação aos operados pela ântero-lateral. Os grupos não diferiram quanto aos demais parâmetros e compli- ABSTRACT Surgical approach in total primary hip arthroplasty: anterolateral or posterior? In this retrospective study, carried out from January 1991 to December 1999, the authors selected 480 patients submitted to total primary hip arthroplasty. 215 were submitted to the anterolateral approach and 265 to the posterior approach. The goal of this study was to compare the outcomes of these two approaches. Operative data (surgical time, time from surgery to hospital discharge, surgical bleeding and need for blood transfusion), and late complications (deep venous thrombosis, pulmonary embolism, peripheral nerve injury, prosthesis instability) were analyzed. There were no differences between the groups when preoperative parameters were analyzed. The group submitted to the posterior approach had shorter surgical time (p < 0.001), reduced bleeding (p < 0.001), less need for blood transfusion during surgery (p < 0.001), a shorter period from surgery to hospital discharge (p < 0.001), and less incidence of prosthesis instability (p < 0.05) when compared to the group submitted to the anterolateral approach. The remaining outcomes, such as frequency of late complications, have not shown significant differences between * Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre/RS (HCPA). 1. Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Serviço de Ortopedia e Traumatologia do HCPA. 2. Médico Contratado do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do HCPA. 3. Médico Colaborador do Grupo de Cirurgia do Quadril do HCPA. 4. Médico Residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do HCPA. 5. Médico Residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Cristo Redentor. 6. Doutorando da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Endereço para correspondência: Daniel Rodrigo Klein, Rua Ramiro Barcelos, 1.501/204 90035-006 Porto Alegre, RS. Tels.: Residencial (51) 3311-5535, Celular (51) 9812-9021, HCPA (51) 3316-8000, E-mail: danielrklein @hotmail.com, galia@portoweb.com.br Recebido em 8/1/02. Aprovado para publicação em 15/8/02. Copyright RBO2002 Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nº 9 Setembro, 2002 387

C.A.S. MACEDO, C.R. GALIA, R. ROSITO, C.E.F. PEREA, L.M. MÜLLER, G.G. VERZONI, C.A.K. RODRIGUES, D.R. KLEIN & L.S. BREMM cações específicas. A abordagem por via posterior tem sido empregada com êxito pelo Grupo de Cirurgia do Quadril do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sendo uma boa opção de acesso cirúrgico para artroplastia total do quadril. Unitermos Artroplastia de quadril; abordagem posterior; abordagem ântero-lateral the groups. The posterior approach was successfully applied in the study and proved to be a good alternative for surgical approach for total hip arthroplasty. Key words Hip arthroplasty; posterior approach; anterolateral approach INTRODUÇÃO A artroplastia total primária do quadril é procedimento cirúrgico amplamente utilizado para o tratamento de afecções da articulação coxofemoral, sejam elas degenerativas, inflamatórias ou traumáticas. Desde a descrição da abordagem por via transtrocantérica, feita por Charnley, até hoje, têm sido desenvolvidas múltiplas vias de acesso tentando diminuir a morbilidade e a mortalidade dos pacientes operados, oferecendo múltiplas opções ao cirurgião. Atualmente as vias de acesso mais amplamente aceitas são a posterior descrita por Moore e a ântero-lateral descrita por Watson-Jones e modificada por Hardinge (1,2,3,4). O número total de complicações nestas duas abordagens apresenta distribuição semelhante, porém diferentes tipos de complicações são relatados (5). Menor risco de luxação pós-cirúrgica está associado à abordagem por via ânterolateral (1,2,5,6,7,8,9), enquanto que, em relação à abordagem por via posterior, a literatura relata menor volume de sangramento transoperatório (2,5). O objetivo deste estudo foi analisar os resultados obtidos pelo grupo de Cirurgia do Quadril do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (GCQ-HCPA) com sua experiência nas abordagens pela via ântero-lateral e pela via posterior modificada, com preservação, nesta última, na maioria dos casos, do músculo quadrado femoral e da inserção do glúteo máximo, comparando os resultados em relação às complicações imediatas e tardias. MATERIAIS E MÉTODOS Neste estudo retrospectivo, realizado por meio de revisão de prontuários dos pacientes por médicos residentes e estudantes do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre/RS, foram comparadas duas formas de abordagem utilizadas para realização de 480 artroplastias totais primárias de quadril. No período de janeiro de 1991 a novembro de 1995, foram selecionados os pacientes submetidos à artroplastia total primária de quadril com abordagem por via ânterolateral de Watson-Jones, representando 215 quadris (grupo A), os quais foram comparados com 265 pacientes submetidos, no período entre novembro de 1995 e dezembro de 1999, à artroplastia total primária de quadril pela abordagem pela via posterior de Moore modificada. A afecção de base com maior prevalência foi a coxartrose primária, representando 64,8% dos quadris, seguida por necrose avascular da cabeça do fêmur (11,2%), fratura do colo do fêmur (8,3%), artrite reumatóide (4,4%), luxação congênita do quadril (3,1%), fratura do acetábulo (2,7%), e de afecções não especificadas (5,4%) (tabela 1). As próteses cimentadas mais utilizadas foram as de Charnley em 259 quadris e as de Müller em 14. Entre as próteses não cimentadas, tivemos o modelo Bi contact da Aesculap em 92 quadris, Spotorno (CLS) em 89 e PCA em 26 (tabela 2). Os dados de interesse avaliados neste trabalho, considerados como parâmetros perioperatórios foram: tempo cirúrgico, período entre cirurgia e alta, sangramento trans e pós-operatório, dosagem da hemoglobina e hematócrito no pré e pós-operatórios, necessidade de transfusão sanguínea, complicações pós-operatórias como trombose venosa profunda, embolia pulmonar, lesão de nervo periférico, instabilidade da prótese. Trombose venosa profunda (TVP) foi diagnosticada nos pacientes que apresentaram sintomas e sinais clínicos (dor, edema, sinal de Homans), confirmados por achados laboratoriais (ecodopplerfluxometria ou flebografia), sendo submetidos a tratamento específico (anticoagulação). Os critérios para o diagnóstico da embolia pulmonar foram os achados clínicos (dor torácica e dispnéia súbitas, alterações no exame cadiopulmonar), labo- 388 Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nº 9 Setembro, 2002

ABORDAGEM CIRÚRGICA NA ARTROPLASTIA TOTAL PRIMÁRIA DE QUADRIL: ÂNTERO-LATERAL OU POSTERIOR? TABELA 1 Patologias de base Preoperative diagnosis Abordagem Abordagem Total Osteoartrose primária de quadril 128 (59,5%) 183 (69%),0 311 (64,8%) Necrose avascular da cabeça do fêmur 031 (14,4%) 023 0(8,7%) 054 (11,2%) Fratura do colo do fêmur 015 0(7,0%) 025 0(9,4%) 040 0(8,3%) Artrite reumatóide 015 0(7,0%) 006 0(2,3%) 021 0(4,4%) Luxação congênita do quadril 009 0(4,2%) 006 0(2,3%) 015 0(3,1%) Fratura de acetábulo 005 0(2,3%) 008 0(3,0%) 013 0(2,7%) Outros 012 0(5,6%) 014 0(5,3%) 026 0(5,4%) ratoriais (gasometria arterial, radiografia de tórax, cintilografia pulmonar,) sendo também submetidos a esquema terapêutico com anticoagulantes. Lesão de nervo periférico foi avaliada por achados clínicos (alterações de sensibilidade e/ou motoras ao exame neurológico) e achados eletroneuromiográficos. A instabilidade da prótese foi avaliada por meio de achados clínicos (luxação) e pela necessidade de tratamento específico (redução da prótese ou revisão). Na análise estatística foram realizados os testes exatos de Fisher para variáveis não lineares, Anova para variáveis lineares com distribuição não normal e teste t de Student para variáveis com distribuição normal, aceitando um nível de significância estatística com erro alfa calculado de até 5% (p < 0,05). TABELA 2 Tipos de implantes empregados Types of prostheses employed Modelo de Abordagem Abordagem Total implante Charnley 113 146 259 Aesculap 004 088 092 Spotorno 067 022 089 PCA 022 004 026 Müller 009 005 014 Total 215 265 480 RESULTADOS A média de idade no grupo A foi de 59,7 anos (16-89) com distribuição de 40,4% para o sexo masculino e 59,6% para o feminino. No grupo B, a média de idade foi de 60,4 (17-96) com 44,5% para o sexo masculino e 55,5% para o feminino (tabela 3). Não houve diferenças estatísticas em relação ao sexo e idade entre os dois grupos. O grupo B apresentou tempos operatórios estatisticamente menores, média de 143,58 minutos, comparada à média do grupo A, que foi de 185,91. A média de perda sanguínea transoperatória do grupo B (938,18ml) também foi inferior à apresentada pelo grupo A (1.221,97ml), assim como a necessidade de transfusão sanguínea transoperatória no grupo B (106/265) quando comparada à do A (129/215). O período transcorrido entre a cirurgia e a alta hospitalar foi de 8,39 dias entre os pacientes do grupo B, estatisticamente inferior ao resultado encontrado no grupo A, 11,35 dias. Os níveis de hemoglobina e hematócrito pré e pós-operatórios, assim como o volume de sangramento pós-operatório e a necessidade de transfusão pós-operatória, não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. Os pacientes submetidos à abordagem por via posterior apresentaram menor número de complicações totais (9%) do que o grupo A (16,3%) assim como menor incidência de TVP (1,1% no grupo B e 5,1% no grupo A) (tabela 4). A instabilidade da prótese, avaliada apenas por dados contidos nos prontuários, também teve menor ocorrência no grupo B (0,75%) do que no grupo A (3,7%). Embolia pulmonar e lesão de nervo periférico foram pouco freqüentes e não apresentaram diferenças estatísticas entre os grupos. Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nº 9 Setembro, 2002 389

C.A.S. MACEDO, C.R. GALIA, R. ROSITO, C.E.F. PEREA, L.M. MÜLLER, G.G. VERZONI, C.A.K. RODRIGUES, D.R. KLEIN & L.S. BREMM TABELA 3 Resultados perioperatórios Operative results Abordagem Abordagem Significância Número de pacientes 215 265 Sexo masc/fem 87/128 118/147 Idade média (mín/máx) anos 59,7 (16/89) 60,4 (17/96) p = 0,799 Hemoglobina pré-operatória G/dl 012,81 012,79 p = 0,906 Hemoglobina pós-operatória G/dl 010,56 010,30 p = 0,111 Hematócrito pré-operatório % 039,54 038,84 p = 0,116 Hematócrito pós-operatório % 032,80 031,60 p = 0,112 Tempo cirúrgico minutos 185,91 143,58 p < 0,001* Sangramento transoperatório ml 1.221,97.1 938,18 p < 0,001* Sangramento pós-operatório ml 564,82 544,12 p = 0,521 Necessidade de transfusão transoperatória n/t 129/215 106/265 p < 0,001* Necessidade de transfusão pós-operatória n/t 39/215 45/265 p = 0,190 Tempo entre cirurgia e alta dias 011,35 008,39 p < 0,001* * Estatisticamente significativos com p < 0,05 TABELA 4 Complicações pós-operatórias Postoperative complications Abordagem Abordagem Significância TVP 11 0(5,1%)0 03 (1,1%)0 p = 0,021* Embolia pulmonar 02 0(0,93%) 01 (0,38%) p = 0,200 Lesão de nervo periférico 02 0(0,93%) 02 (0,75%) p = 1,000 Instabilidade da prótese 08 0(3,7%)0 02 (0,75%) p = 0,048* Complicações totais 35 (16,31%) 24 (9%),00 p = 0,024* * Estatisticamente significativos com p < 0,05 Em nosso estudo as complicações pós-operatórias apresentaram correlação com o tipo específico de abordagem cirúrgica, como ocorreu com a instabilidade da prótese, que foi evidenciada em oito pacientes submetidos a abordagem por via lateral e em dois cuja abordagem foi por via posterior. Também em relação ao número de complicações totais houve diferença importante a favor do grupo submetido à abordagem por via posterior. Com respeito à lesão de nervo periférico, houve no estudo quatro pacientes com achados clínicos que foram confirmados por eletroneuromiografia (EMG). O primeiro, do grupo da abordagem por via posterior, apresentou neurapraxia do nervo fibular comum contralateral devido ao posicionamento incorreto na mesa cirúrgica. O segundo, deste mesmo grupo, portador de seqüelas de luxação congênita de quadril, submetido à artroplastia do quadril com alongamento entre 2,5 e 3,0cm do membro, apresentou neurapraxia do nervo ciático, com recuperação parcial decorridos 24 meses após a cirurgia. Dos pacientes pertencentes ao grupo A, um manifestou axonotmesis do ciático e o outro alterações sensitivas na área de inervação do femoral, ambos com recuperação clínica após seis meses. É neces- 390 Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nº 9 Setembro, 2002

ABORDAGEM CIRÚRGICA NA ARTROPLASTIA TOTAL PRIMÁRIA DE QUADRIL: ÂNTERO-LATERAL OU POSTERIOR? sário enfatizar que, por meio de métodos mais sensíveis como EMG, outros pacientes possivelmente apresentaram sinais de lesão neurológica periférica (13,14) que tiveram curso subclínico. DISCUSSÃO A abordagem por via posterior é a mais comum e prática entre as usadas para expor a articulação do quadril (12). Na cirurgia do quadril, em especial na artroplastia total primária, devido à anatomia cirúrgica, ela determina boa exposição das estruturas osteomusculares, embora eventualmente necessite ampliação do campo operatório, principalmente no que se refere ao acetábulo, o que é feito sem dificuldade técnica. Os grupos comparados neste estudo foram homogêneos em relação aos dados pré-operatórios como sexo, idade, hematócrito e hemoglobina. Contudo, é relevante a diferença entre os tempos cirúrgicos nas diferentes abordagens, favorecendo a posterior e ratificando a literatura, o que poderia ser explicado pela facilidade de exposição proporcionada por este acesso. Os dados, no entanto, foram extraídos de fichas anestésicas, o que pode reduzir sua precisão. Houve também diferença estatisticamente significativa no tempo entre cirurgia e alta hospitalar a favor do grupo B, possivelmente devido ao menor trauma cirúrgico, menor sangramento e menor número de complicações, indicando assim uma recuperação mais precoce dos pacientes submetidos a este tipo de abordagem. Além disso, cabe citar que as normas de alta hospitalar apresentaram modificações nos últimos 10 anos (13), o que pode contribuir para um possível viés. Nos critérios sangramento e necessidade de transfusão transoperatórios houve redução no grupo da abordagem por via posterior com significância estatística. É possível que isso se deva a melhor exposição anatômica, com menor desinserção de grandes grupos musculares, uma vez que apenas os músculos rotadores curtos são seccionados, com preservação do músculo quadrado femoral, na maioria das vezes. O tempo cirúrgico superior, na via ântero-lateral, também pode influenciar estes parâmetros. Os tipos de próteses implantadas apresentaram distribuição semelhante em ambos os grupos, sendo homogêneos em relação ao fato de serem cimentados ou não. Apenas os modelos de próteses empregadas apresentaram variação entre os grupos, o que não modifica os critérios a serem avaliados. As complicações decorridas tiveram baixa freqüência, comparável à da literatura (10,11). Alguns autores sugerem que o uso da abordagem por via posterior estaria relacionado a maior grau de instabilidade da prótese, com conseqüente aumento da incidência de luxações (3,7,14), o que não foi evidenciado neste estudo. Isso pode ser atribuído ao posicionamento em 20 o de anteversão acetabular e 10 o a 15 o de anteversão femoral, à preservação da parte anterior da cápsula articular, e à integridade dos músculos rotadores curtos que são reinseridos em sua posição anatômica original juntamente com a reinserção da parte posterior da cápsula. A abordagem ao quadril por via posterior tem sido empregada com êxito pelo GCQ-HCPA, sendo boa opção de acesso cirúrgico para a artroplastia total primária do quadril. REFERÊNCIAS 1. Mallory T.H., Lombardi Jr. A.V., Fada R.A., et al: Dislocation after total hip arthroplasty using the anterolateral abductor split approach. Clin Orthop 358: 166-172, 1999. 2. Ritter M.A., Harty L.D., Keating M.E., et al: A clinical comparison of the anterolateral and posterolateral approaches to the hip. Clin Orthop 385: 95-99, 2001. 3. Gore D.R., Murray M.P., Sepic S.B., et al: Anterolateral compared to posterior approach in total hip arthroplasty. Clin Orthop 165: 180-187, 1982. 4. 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