UMA ANÁLISE SOCIOLINGÜÍSTICA DA LÍNGUA UTILIZADA NA INTERNET: IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA



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Transcrição:

UMA ANÁLISE SOCIOLINGÜÍSTICA DA LÍNGUA UTILIZADA NA INTERNET: IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Raquel Meister Ko FREITAG (Universidade Federal de Santa Catarina) Marineide FONSECA E SILVA (Universidade Federal de Santa Catarina) ABSTRACT: The dissemination of the Internet language between young people has been seen with fear by the society. In this paper, we discuss the sociolinguistic status of Internet language and its implications for the Portuguese language teaching. KEYWORDS: computer-mediated discourse; Portuguese teaching; standard language; sub-standard language 0. Introdução A Internet vem revolucionado a comunicação como nenhuma invenção foi capaz de fazer antes. 1 A invasão do internetês, especialmente entre os jovens em fase escolar, tem preocupado aos pais e professores, receosos quanto à influência desta modalidade no ensino/aprendizado da norma padrão da língua portuguesa. É necessário discutir mais aprofundadamente o uso da língua na Internet e a sua relação com o ensino da norma padrão. Neste trabalho, assumimos os pressupostos de norma-padrão e variedades da sociolingüística para discutir algumas questões relativas à língua portuguesa e o seu uso em ambientes virtuais. Mais especificamente, pretendemos definir o estatuto da língua nestes ambientes: se dentro do padrão ou se é alguma variedade do padrão. Tal discussão é essencial para que o professor de língua portuguesa adote, em sala de aula, uma abordagem da língua usada nos ambientes virtuais. Nas seções a seguir, i) discutimos os conceitos de norma padrão e variedade dialetal; ii) apresentamos uma proposta de definição do estatuto da língua utilizada na Internet; e iii) tecemos algumas considerações sobre o conceito da língua utilizada na Internet e suas implicações para o ensino de língua portuguesa.

1. Norma padrão e variedades lingüísticas Segundo Possenti, o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e ideológico. (Possenti, 1996:17-18). O que não é português padrão é considerado como variedade. Seria a língua utilizada nos ambientes de comunicação virtual mais uma variedade do português? Para tanto, faz-se necessário discutir os conceitos de norma-padrão e variedades lingüísticas, que não costumam ser uniformes. Perini (1998:26) define a norma padrão como variedade da língua que se manifesta de maneira uniforme nos textos técnicos e jornalísticos de todo país. A definição de norma-padrão proposta por Perini é fundamentada no registro escrito, e é reiterada por Faraco (2002): A cultura escrita, associada ao poder social, desencadeou também, ao longo da história, um processo fortemente unificador (que vai alcançar basicamente as atividades verbais escritas), que visou e visa uma relativa estabilização lingüística, buscando neutralizar a variação e controlar a mudança. Ao resultado desse processo, a esta norma estabilizada, costumamos dar o nome de norma-padrão ou língua-padrão (Faraco, 2002:40). Existem variedades lingüísticas na Internet? Ou a língua da Internet é uma variedade lingüística? A comunicação nos ambientes virtuais é, ainda, essencialmente escrita. A língua usada na Internet pode ser considerada norma padrão, ou uma norma padrão emergente? Assumimos a posição de que o uso da língua em ambientes virtuais não se trata de uma variedade e também não possui variedades lingüísticas, pois a comunicação na Internet minimiza as diferenças dialetais, restritas a marcas lexicais características de falares de diferentes regiões do Brasil. Expressões como bah, tri, características do falar sul-riograndense, uai (mineiro), e ainda a variação tu/vc, etc., são freqüentemente encontradas em chats, blogs e messenger. Por isso, acreditamos que o uso da língua em ambientes de comunicação virtuais está indo em direção ao surgimento de um subconjunto da norma padrão uma espécie de sub-norma condicionada pelas pressões do meio. Cabe salientar que não se trata de mais uma variedade, mas sim de uma sub-norma, um subconjunto da norma, pois não podemos fazer a associação entre variedade e região. A sub-norma da Internet não tem pátria; não apresenta características dialetais, apenas um sub-conjunto do núcleo-duro da norma padrão.

Para entender a influência do meio no surgimento desta subnorma, na seção a seguir, discutimos as principais características da língua utilizada na Internet, já descrita em diversos estudos, como o de Othero (2002) e Benedito (2003), por exemplo. 2. A língua utilizada na Internet Diversos estudos apresentam descrições da língua portuguesa utilizada nos ambientes de comunicação virtual, como chat e messenger. 2 Tais descrições são englobadas pelo estudo de Thurlow & Brown (2003), que sistematizam o uso da língua em ambientes virtuais em três máximas: 1. Máxima dupla da brevidade e velocidade (a) abreviação de itens lexicais (b) uso mínimo de letras maiúsculas e sinais de pontuação 2. Reestruturação paralingüística - Homofonia letras e números - Recuperação de vogais elididas 3. Aproximação fonológica A primeira máxima está relacionada aos condicionamentos de tempo e espaço impostos à interação. Abreviar as palavras, sempre que possível, resulta em economia de espaço e de tempo, pois as interações virtuais síncronas dependem da agilidade e rapidez do internauta. O uso de letras maiúsculas, segundo o código de etiqueta da Internet, significa que o internauta está GRITANDO. A pontuação é praticamente abolida porque é desnecessária, pode ser recuperada. A segunda máxima está relacionada às intuições lingüísticas do internauta. Condicionado pela necessidade de economia e rapidez, o internauta procura alternativas para comunicar mais, com menos espaço e mais rápido. O uso de números no lugar de seqüências de letras, aproveitando-se da homofonia, é uma alternativa muito engenhosa: com apenas um caracter do número, o internauta pode suprimir algumas letras, agilizando a interação. No inglês, l8r (later) representa a economia de dois caracteres para expressar o mesmo conteúdo. A capacidade de recuperação de vogais também requer a intuição lingüística dos internautas remetente e receptor. O internauta remetente não pode elidir toda e qualquer vogal; deve elidir apenas aquelas que o remetente recuperará sem ambigüidade.

E a máxima da aproximação fonológica representa a quebra das convenções ortográficas em favor da economia e agilidade na comunicação. Se ch tem valor de x e se qu tem valor de k, a opção utilizada na comunicação virtual é a mais curta. Uma análise das máximas de Thurlow & Brown (2003) sugere que, para se comunicar em ambientes virtuais, o internauta deve dominar a norma padrão da sua língua. Um internauta que não domina a norma padrão não pode valer-se, por exemplo, da reestruturação paralingüística. A recuperação de vogais elididas só pode ser feita por um internauta que tenha intuições lingüísticas aguçadas, tanto para o usuário remetente, que codifica, como para o destinatário, que decodifica. Observe-se: Oieee: Vc tb eh tranks com essa língua kbca da garotada ou eh de fik tipow assim contra 9da10 biz? Se o internauta receptor da mensagem não domina a norma padrão da língua, por conseqüência, não tem intuição lingüística para decodificar a seguinte mensagem Oi, você também é tranqüilo com essa língua cabeça da garotada ou é de ficar tipo assim contra as novidades beleza? Relativamente ao estatuto da língua utilizada em ambientes de comunicação virtuais, constatamos que i) as convenções do internetês são estabelecidas a partir da norma padrão; ii) Para se comunicar em ambientes virtuais, é preciso dominar a norma padrão, e também dominar as máximas de interação (Thurlow & Brown, 2003); e iii) as diferenças dialetais são minimizadas. Com base nestas constatações, sugerimos que a modalidade de língua utilizada nos ambientes virtuais é uma espécie de sub-norma. O prefixo sub deve ser entendido não com significado pejorativo, como em subdesenvolvido, mas com significado de contingência como em subconjunto. A língua utilizada nos ambientes virtuais é uma sub-norma, um subconjunto da norma-padrão. A norma padrão e a sub-norma utilizada na Internet estão relacionadas de modo unívoco: é preciso dominar a norma padrão para dominar a sub-norma. A necessidade do domínio da norma padrão para o uso da língua da Internet é também evidenciada na análise da interação em inglês por internautas não-falantes nativos. Muitos jovens afirmam que aprendem inglês nas interações virtuais da Internet. Porém, a língua inglesa que é utilizada nestas interações é muito diferente do inglês padrão. Observemse os excertos, extraídos de Thurlow & Brown (2003):

Hay suga havent spoken 2u 4 ages!how ru? U had xams.had 4 got 1 2 moro.the hardest +im scared.u got hopuse yet 4 nxt ear? dont even know who im gona live with yet.rx i ll be there l8r today.what time r u coming? R u ok? As abreviaturas presentes e a própria sintaxe do texto torna complexa, senão difícil ao ponto de não ser possível a tarefa de decodificação das mensagens para internautas que não têm a intuição lingüística de falante da língua inglesa. Para o êxito na decodificação, é necessário o domínio da norma padrão da língua inglesa. Como visto, a língua utilizada na comunicação em ambientes virtuais não pode ser taxada de desregrada, nem de simplista. Muito pelo contrário, existem regras complexas e dependentes do conhecimento da norma padrão, configurando a emergência de uma espécie de sub-norma padrão. Então, por que o temor quanto à influência (negativa) da Internet no ensino da língua portuguesa na escola? Na seção a seguir, discutimos as principais críticas feitas ao uso da língua da Internet, utilizada na comunicação em ambientes virtuais, e o papel da escola na questão. 3. A Internet e o ensino de língua portuguesa Apesar de não ser simplista, nem de caótica, muitos educadores ainda temem a língua da Internet. Vejamos, a seguir, os principais problemas elencados para desprestigiar a sub-norma dos ambientes virtuais, e as alternativas para contorná-los. A proliferação de abreviaturas, hoje característica comum às variedades de ambientes virtuais, já aconteceu na norma padrão em outros períodos históricos. Mais especificamente, em textos do português medieval, podemos encontrar uma profusão de abreviaturas, também motivadas por pressões decorrentes da tecnologia da época. Antes da invenção da imprensa, o trabalho de divulgação e reprodução do conhecimento era feito pelos monges copistas, nos mosteiros medievais. A tarefa árdua da cópia fez com que se desenvolvesse o hábito das abreviações. Não havia tratado ou convenção regendo as abreviações; elas eram decorrentes da intuição do copista, e por isso, variáveis, assim como hoje ocorre com a sub-norma dos ambientes virtuais. Com o passar do tempo, algumas abreviaturas foram normatizadas e estão presentes na língua atual. A abreviatura de professor e professora prof. e profª. é

um exemplo do que acontecia com os nomes de profissões nas cópias medievais, presente até hoje. Os emoticons, hoje tão característicos das interações virtuais, com versões animadas e sonoras, também não são inovações da Internet. Voltando às salas de aula do período anterior à Internet, era muito freqüente a troca de bilhetes (ao invés de torpedos SMS) entre colegas com a mensagem: você é d+!, acompanhada de um sorriso carismático : ). Acredita-se que os atuais emoticons sejam decorrentes de um sistema criptográfico desenvolvido durante a Guerra Fria, cuja técnica de decodificação é baseada na rotação a 270º dos caracteres digitados (Godin, 1994). Se a sub-norma da Internet é um meio de evitar ou dificultar a bisbilhotice dos mais velhos, é só mais um modismo, como o dos alunos do Colégio Pedro II nos anos 40. A regra era simples: substituir, nas palavras, as vogais por ai, enter, imis, ober, e uft, pronunciando ainda o nome da consoante quando não fosse possível leitura corrente. Eu fui ao cinema Domingo ficava uma frase irreconhecível: Enteruft fuftimis aiober cimisentermai dobermimisenegober. Por isso, quando aparecer um elemento estranho no texto dos alunos, como uma abreviatura ou um smiley, mesmo que em uma avaliação, o professor não pode culpar a Internet. Apesar das práticas das abreviaturas e iconografia precederem a Internet, a sociedade cobra um posicionamento da escola, mais especificamente, dos professores de língua portuguesa: proibir, ignorar ou aceitar a sub-norma que emerge? Educadores posicionam-se favoravelmente à inclusão da nova linguagem no rol dos conteúdos de língua portuguesa. Ramal (2000) propõe que a escola deva valorizar também a linguagem codificada que os alunos usam em ambientes de comunicação virtual, porém, mostrando as diferenças de uso de acordo com o contexto. Assim como uma tese exige linguagem formal e um bate-papo no bar, descontração, a comunicação na Internet precisa de códigos e sinais mais rápidos e curtos. Gírias com os amigos e abreviaturas no computador são adequadas a determinadas situações comunicativas, num currículo ou carta comercial, a norma padrão é requisitada. De acordo com Ramal, o cidadão preparado para o futuro tem que dominar tantas linguagens quantas forem as janelas que se abrirem para ele. Apesar da inclusão, não se pode deixar de lado o ensino da norma padrão, pois a capacidade de decodificar as mensagens na interação virtual está atrelada à intuição lingüística aguçada. Com relação à Internet e o ensino, podemos observar que: (i) os jovens lêem hoje cada vez mais por causa da Internet; e (ii) os jovens

também escrevem cada vez mais por causa da Internet. Qual o papel do professor de língua portuguesa, diante desse quadro, já que a leitura e a escrita estão sendo estimuladas pelas inovações tecnológicas? A resposta pode estar atrelada à relação entre as variedades lingüísticas e os gêneros textuais. O campo da pesquisa dos gêneros textuais emergentes no novo contexto de interação foi ainda pouco explorado. 3 Novos gêneros surgem, outros são adaptados, cada qual com suas peculiaridades lingüísticas. A escola fica responsável pela correlação entre a norma e o uso da língua, adequada aos gêneros discursivos, novos ou emergentes. 4. Considerações finais Uma das árduas tarefas do professor de língua portuguesa é instigar seus alunos a identificar e respeitar as diferentes variedades sócio-estilísticas da língua. Com o advento das novas tecnologias e a difusão do acesso à Internet, defendemos a idéia de emergência de uma sub-norma da língua. Ainda não prevista nas gramáticas, e nem sempre aceita pelos professores, a sub-norma da Internet não é nem simplista, nem caótica como aparenta ser, conforme apontam Thurlow & Brown (2003). Está sujeita a regras, convencionalizadas pelo uso, nos novos gêneros discursivos que surgem no ambiente virtual, como o chat, fórum, lista de discussão, messenger, blog, etc. Cabe ao professor integrar a subnorma dos ambientes virtuais ao rol das variedades sócio-estilísticas da língua. NOTAS 1 Para uma discussão teórica mais aprofundada sobre as influência da Internet na linguagem e comunicação, remetemos aos clássicos Chartier (2002), Lévy (1998) e Crystal (2001). 2 Ver, por exemplo, o dicionário de Internet de Benedito (2003). 3 Conferir Xavier & Marcuschi (2005). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENEDITO, J.. Dicionário da Internet e do telemóvel. Lisboa: Centro Atlântico, 2003 CHARTIER, R.. Os desafios da escrita. São Paulo: Ed. da UNESP, 2002. CRYSTAL, D.. Language and the Internet. Cambridge: Cambrige University Press, 2001.

FARACO, C. A.. Norma-padrão brasileira: desembaraçando alguns nós. In: BAGNO, M.(org.). Lingüística da Norma. São Paulo: Loyola, 2002. p. 37-61. LÉVY, P.. A ideografia dinâmica: rumo a uma imaginação artificial? São Paulo: Loyola, 1998. MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros textuais emergentes e atividades lingüísticas no contexto da tecnologia digital. In: Antônio Carlos Xavier & Luiz Antonio Marcuchi (orgs.), 2005. p. 13-67. OTHERO, G.. A Língua Portuguesa nas Salas de B@te-P@po: uma visão lingüística de nosso idioma na era digital. Editora do autor, 2002. PERINI, M. A. Gramática descritiva do Português. 3. Ed. São Paulo: Ática, 1998. POSSENTI, S.. Por que (não) ensinar gramática na escola. São Paulo: Mercado das Letras, 1996. RAMAL, A. C.. Ler e escrever na cultura digital. Pátio - Revista Pedagógica. Porto Alegre, v. IV, n. 14, p. 21-24, 2000. THURLOW, C.; BROWN, A.. Generation Txt? The sociolinguistics of young people's text-messaging. Discourse Analysis Online, 1.1. 2003. Disponível eletronicamente em <http://www.shu.ac.uk/daol/articles/v1/n1/a3/thurlow2002003- paper.html>. XAVIER, A. C.; MARCUSCHI, L. A. (orgs.). Hipertexto e Gêneros Digitais: Novas Formas de Construção de Sentido. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2005.