Experiências de reformas administrativas no Brasil. Reforma do DASP. Gustavo Justino de Oliveira*

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Experiências de reformas administrativas no Brasil. O processo de modernização da Administração Pública. Evolução dos modelos/ paradigmas de gestão: a nova gestão pública Experiências de reformas administrativas no Brasil Reforma do DASP Gustavo Justino de Oliveira* Após o golpe de Estado de 1937, instaurou-se o chamado Estado Novo, um regime político centralizado de caráter autoritário fundado por Getúlio Vargas, que perdurou até 1945. No início desse período, foi prevista, no artigo 67 da Constituição Federal Brasileira de 1937, a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Sua instituição foi efetivada pelo Decreto-Lei 579/38, que lhe conferia, dentre outras, a atribuição de realizar estudo pormenorizado das repartições, departamentos e estabelecimentos públicos, a fim de determinar, com enfoque na economia e na eficiência, as modificações a serem realizadas: na organização dos serviços públicos, em sua distribuição e agrupamento, nas dotações orçamentárias, nas condições e processos de trabalho, nas relações entre órgãos e com o público. Além disso, atribuíam-se ao DASP funções de auxiliar na organização da proposta orçamentária e realizar a fiscalização de sua execução 1 e de seleção e aperfeiçoamento de servidores públicos. * Pós-Doutor em Direito Administrativo pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor Doutor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco), onde leciona na graduação e na pósgraduação. Foi procurador do estado do Paraná por 15 anos e hoje é consultor em Direito Administrativo, Constitucional e do Terceiro Setor, em São Paulo. Autor dos livros Contrato de Gestão (Ed. RT), Consórcios Públicos (Ed. RT), Direito Administrativo Democrático (Ed. Fórum), Parcerias na Saúde (Ed. Fórum), Direito do Terceiro Setor (Ed. Fórum) e Terceiro Setor, Empresas e Estado (Ed. Fórum). Autor de diversos artigos científicos e diretor da Revista de Direito do Terceiro Setor - RDTS (Ed. Fórum). 1 Registra-se que, nesse período, foi instituída a função orçamentária enquanto atividade formal e permanentemente vinculada ao planejamento. (BRASIL, 1995)

A ação do DASP tinha como objetivo o desenvolvimento de um modelo de gestão racional, baseado no rigor técnico e na impessoalidade, para alcance de eficiência administrativa. A ação vai ao encontro dos preceitos do modelo de Administração Pública burocrática weberiano, cuja implantação é uma consequência clara da emergência de um capitalismo moderno no país (BRASIL, 1995). Dessa forma, a ação com o fito de normatizar a gestão racional dos negócios do Estado, mediante a simplificação, padronização e aquisição racional de materiais, revisão de estruturas e aplicação de métodos na definição de procedimentos (BRASIL, 1995), era o primeiro grande passo em direção à burocratização do serviço público. Destaca-se ainda, no que diz respeito aos recursos humanos, que a reforma proposta também se ajusta aos preceitos da burocracia, com as ideias de profissionalização e impessoalidade, através de uma criteriosa contratação de pessoal, com base em critérios de competência e qualificação. Contudo, apesar do valor dado ao mérito profissional aos concursos públicos e ao treinamento, não houve sucesso em romper totalmente com o modelo patrimonial, com o coronelismo dando lugar ao clientelismo e ao fisiologismo (BRASIL, 1995). O modelo reformista teve sucesso em diversas questões, principalmente no que diz respeito às mudanças na gestão dos recursos humanos e orçamentários e na expansão do governo, através da criação de novas funções e de novas agências administrativas (REZENDE, 2004). No entanto, teve como resultados negativos o excesso de formalismo e a manutenção do clientelismo, fazendo com que o DASP se tornasse alvo de muita resistência e fosse perdendo seu status e prestígio (REZENDE, 2004). Reforma instituída pelo Decreto-Lei 200/67 Nas décadas de 1950 e 1960, especialmente durante a administração Kubitschek houve algumas tentativas de modernizar o aparato burocrático. Contudo, foi ficando patente a necessidade de se realizar uma reforma maior, que tivesse como objetivo elevar a performance do setor público 2

brasileiro e transformar o modelo de intervenção do Estado na economia, centrado na ampla provisão de bens e serviços em moldes empresariais e na atuação em áreas julgadas estratégicas para o desenvolvimento nacional (REZENDE, 2004). Em 1964 foi instituída a Comissão Especial de Estudos da Reforma Administrativa (Comestra), presidida pelo ministro do Planejamento, para analisar os projetos de reforma administrativa existentes e criar novos projetos. Essa reforma administrativa teve como instrumento principal o Decreto- -Lei 200/67, através do qual realizou-se a transferência de atividades para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, a fim de obter-se maior dinamismo operacional por meio da descentralização funcional. Instituíram-se, como princípios de racionalidade administrativa, o planejamento e o orçamento, o descongestionamento das chefias executivas superiores (desconcentração/descentralização), a tentativa de reunir competência e informação no processo decisório, a sistematização, a coordenação e o controle. (BRASIL, 1995) Dessa forma, houve uma grande expansão da descentralização da Administração Pública brasileira, com objetivo de separar as funções de formulação e implementação de políticas públicas e instituir ganhos de eficiência e racionalidade na atividade administrativa. Contudo, essa descentralização não foi acompanhada de instrumentos adequados de centralização, controle e planejamento (REZENDE, 2004). Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado Após a reforma realizada através do Decreto-Lei 200/67, foram feitas outras tentativas de modernização da Administração Pública brasileira, com o objetivo de superar as deficiências do modelo burocrático, tais como a criação da Secretaria de modernização (SEMOR), nos anos 1970, e a criação do Ministério da Desburocratização e do Programa Nacional de Desburocratização, nos anos 1980. No fim da década de 1980, segundo o MARE (1995), a despeito do avanço democrático com o fim do regime militar e o advento da Constituição Federal de 1988, houve um retrocesso burocrático, acompanhado pelo desprestígio da Administração Pública brasileira. 3

Em 1995, no governo FHC, a antiga Secretaria da Administração Federal, vinculada diretamente à Presidência, foi transformada no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), para o qual foi nomeado Luiz Carlos Bresser Pereira. Esse Ministério foi criado com a atribuição de estabelecer as condições para que o governo possa aumentar sua governança. Para isso, sua missão específica é a de orientar e instrumentalizar a reforma do aparelho do Estado, nos termos definidos pela Presidência através deste Plano Diretor (BRASIL, 1995). Tal reforma tinha como objetivo principal a transição de um modelo de Administração Pública burocrática para o modelo gerencial, reduzindo o papel de prestador direto de serviços do Estado, reservando a ele um papel de regulador e coordenador. Tinha como base a descentralização das atividades do Estado para obtenção de uma Administração calcada em resultados, flexibilidade e eficiência, voltada para atendimento do cidadão. 2 BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma Administrativa do Aparelho do Estado. Brasília: MARE, 1995. Disponível através do site: <www.planalto. gov.br/publi_04/cole- CAO/PLANDI5.HTM>. O Plano Diretor 2 distinguiu quatro setores de ação estatal, classificando- -os conforme a natureza de suas atividades e associando-os às modalidades de propriedade estatal, privada e pública não estatal (esta correspondente às organizações sem fins lucrativos, orientadas ao atendimento do interesse público): Setor de ação estatal NÚCLEO ESTRATÉGICO. [...] governo, em sentido lato. É o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra o seu cumprimento [...] onde as decisões estratégicas são tomadas. Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no poder executivo, ao presidente da República, aos ministros e aos seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas. ATIVIDADES EXCLUSIVAS. É o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar [...] em que se exerce o poder [...] do Estado [...] de regulamentar, fiscalizar, fomentar. [...] exemplos [...]: a cobrança e fiscalização dos impostos, a polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, a fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, o serviço de trânsito, a compra de serviços de saúde pelo Estado, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes etc. Modalidade de propriedade Estatal Estatal 4

Setor de ação estatal SERVIÇOS NÃO EXCLUSIVOS. [...]setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. Este, entretanto, está presente porque os serviços envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde, ou porque possuem economias externas relevantes, na medida que produzem ganhos que não podem ser apropriados por esses serviços através do mercado. As economias produzidas imediatamente se espalham para o resto da sociedade, não podendo ser transformadas em lucros. São exemplos deste setor: as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus. PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA O MERCADO. [...] área de atuação das empresas. É caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado como, por exemplo, as do setor de infraestrutura [...]. Modalidade de propriedade Pública não estatal Privada, em regra Dessa forma, evidencia-se a intenção de deixar a encargo do estado somente as atividades exclusivas e estratégicas, podendo este delegar a execução de outras para ampliar sua eficiência e economicidade. O Plano Diretor ainda estabeleceu três projetos básicos 3, a saber: avaliação estrutural tem relação com a reestruturação organizacional, com a finalidade de identificar sobreposições de competências, funções inadequadas e possibilidades de realizar ajustes descentralizadores. 3 BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma Administrativa do Aparelho do Estado. Brasília: MARE, 1995. Disponível através do site: <www.planalto. gov.br/publi_04/cole- CAO/PLANDI8.HTM>. agências autônomas o objetivo é a transformação de autarquias e de fundações que exerçam atividades exclusivas do Estado, em agências autônomas, com foco na modernização da gestão. organizações sociais e publicização objetivo de elaboração de projeto de lei que permita a publicização dos serviços não exclusivos do Estado, ou seja, sua transferência do setor estatal para o público não estatal, onde assumirão a forma de organizações sociais. Ante o exposto, podemos concluir que as bases do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado estão em perfeita consonância com as características do modelo gerencial de Administração Pública, com foco em descentralização da atividade estatal no intuito de ampliar a eficiência e os resultados da Administração Pública. 5

O processo de modernização da Administração Pública Reforma Administrativa exprime uma das vertentes da Reforma do Estado, representando um conjunto de medidas direcionadas a modificar as estruturas, organização, funcionamento, tarefas e instrumentos da Administração Pública, com a finalidade de melhor capacitá-la para servir aos fins do Estado e aos interesses da sociedade. Trata-se de medidas para promover uma maior eficiência administrativa, como combate ao deficit fiscal do Estado; desconcentração e descentralização; atividade de regulação; orientação para os cidadãos e incentivo à sua participação; incremento na qualidade da prestação de serviços (com estímulo à concorrência); abertura à participação da sociedade civil, entre outras. Nesse contexto de Reforma Administrativa, cabe trazer à tona uma diferenciação entre reforma e modernização que, muitas vezes, são usados como sinônimos para fazer referência a processos de transformação estatal. Reformar significa mudar a forma de um objeto, restaurá-lo ou reconstruí- -lo, sem alterar-lhe as qualidades fundamentais, para que ele se torne mais funcional. Desse modo, uma reforma de Estado implica uma transformação de grande magnitude, para torná-lo mais apto a cumprir sua função. Modernizar, no entanto, não diz respeito a uma mudança de tão grande dimensão. Uma modernização implica a realização de alterações pontuais em uma estrutura, sem modificar sua essência, para adaptá-la a uma nova realidade (OLIVEIRA, 2005). Dessa forma, uma modernização de Estado é menos ampla e complexa que uma reforma estatal, significando uma busca de novas formas e modelos de gestão de tarefas, para tornar os órgãos e entidades públicas mais eficientes e eficazes, adaptando-os ao momento atual. Uma Reforma do Estado é um processo mais intenso, de mudanças estruturais, que gera novas bases para o Estado e, atingido o objetivo, esgota-se, instituindo um novo marco institucional-legal. Por essa razão, nem todas as transformações podem ser denominadas reformas de Estado, pois muitas delas são, somente, movimentos de modernização estatal. 6

No Estado Contemporâneo, aponta-se para uma tendência de modernização da Administração Pública, que vem como uma reforma administrativa por ações contínuas (MEDAUAR, 1996). A política de modernização parece mais afinada com a sociedade contemporânea e suas expectativas em relação ao Estado, como um constante processo de ajustes e adaptações na estrutura e no funcionamento do Estado, para melhor consecução de seus objetivos e atendimento das expectativas dos cidadãos. Evolução dos modelos/paradigmas de gestão: a nova gestão pública Nas décadas finais do século XX, passou-se a falar muito em crise do Estado, aliada, em parte, à crise do modelo de Administração Pública burocrática e à dificuldade do Estado em atender às demandas sociais. Em meio a um contexto de globalização, com mercado aberto e competitivo, o modelo de Estado provedor (Estado de bem-estar) começa a se tornar ineficiente e a se esgotar. Tornava-se patente a necessidade de uma reforma de gestão, em virtude da crise fiscal, da falta de responsividade e eficiência e da necessidade de inserção do Estado em uma economia global (VIGODA-GADOT, 2003). Gonçalves (2005) faz alusão à necessidade de uma reinvenção do governo, que seria caracterizado por menos regras e mais metas e objetivos, pela descentralização e pela ampliação do papel de gestão. Esse novo modelo, o new public management, ou nova gestão pública, teria dois eixos principais: o da eficiência e o da responsabilidade (GONÇAL- VES, 2005). O eixo da eficiência estaria ligado ao foco na obtenção de resultados na ação pública. No caso dos serviços públicos, sua prestação direta pelo Estado estava se mostrando ineficiente e extremamente custosa. De acordo com os preceitos da nova gestão pública, a descentralização de algumas atividades e a transferência de outras para entidades privadas seriam instrumentos para melhoria na qualidade e economicidade na prestação de serviços públicos. Nesse contexto, ganha especial relevância o repasse, através de instrumen- 7

tos de contratualização, de funções que não digam respeito às atividades exclusivas do Estado (CORRÊA, 2007). Quanto ao eixo da responsabilidade, diz respeito a diversos aspectos, como igualdade, imparcialidade, transparência, objetividade, ampliação da democracia participativa (GONÇALVES, 2005). 4 8.º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos ór gãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I - o prazo de duração do contrato; II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obri - gações e responsabilidade dos dirigentes; III - a remuneração do pessoal. 5 A despeito de terem a mesma denominação, esse contrato de gestão não é o mesmo instrumento regulamentado pela Lei 9.637, que cuida do contrato de gestão como parceria firmada entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, para fomento e execução de atividades discriminadas naquela lei. No Brasil, a reforma proposta pelo modelo da nova gestão pública veio a ser instrumentalizada pela Emenda Constitucional 19, de 1998. Entre as mudanças propostas por essa emenda, uma das principais está a inserção, no artigo 37 da Constituição Federal, do princípio da eficiência. Conforme já exposto anteriormente, a ideia de eficiência está totalmente em consonância com a proposta da nova gestão pública. A corroborar o princípio da eficiência, podemos também citar a alteração do artigo 41 da Magna Carta, para estabelecer o prazo de três anos de estágio probatório ao servidor público para a aquisição de estabilidade. Merece também grande destaque a inclusão do 8.º ao artigo 37 da Constituição Federal 4. Apesar de não haver menção expressa na Constituição, Di Pietro (2008) afirma que tal dispositivo faz referência à figura do contrato de gestão 5, que pode ser celebrado entre órgãos da Administração Direta ou destes com entidades da Administração Indireta. O objetivo desses ajustes é definir metas de desempenho, ampliar a autonomia e permitir o controle de resultados em função das metas estabelecidas (DI PIETRO, 2008). A figura aqui prevista está em plena conformidade com as ideias de descentralização e eficiência da nova gestão pública. No que tange ao tema de responsabilidade e controle, a EC 19/98 reformulou o 3.º do artigo 37 da Constituição, possibilitando a elaboração de uma lei para disciplinar as formas de participação do usuário na Administração Pública Direta e Indireta, no que diz respeito a reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, obtenção de informações e possibilidade de representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. Essas formas de participação e controle social são poderosos instrumentos para o exercício da cidadania. Dessa forma, podemos dizer que já estão estabelecidas no Brasil algumas bases legais para adaptação ao modelo proposto pela nova gestão pública. 8

Dicas de estudo BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma Administrativa do Aparelho de Estado. Brasília: MARE, 1995. Apresentação, introdução e tópicos 3 a 9. Disponível em: <www.planalto.gov.br/publi_04/ colecao/plandi.htm>. Emenda Constitucional 19, de 1998. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc19.htm>. Referências BENTO, Leonardo Valles. Governança e Governabilidade na Reforma do Estado: entre eficiência e democratização. Barueri: Manole, 2003. BRASIL. Emenda Constitucional 19, de 4 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. D.O.U. de 5 de junho de 1998. BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma Administrativa do Aparelho do Estado. Brasília: MARE, 1995. CORRÊA, Izabela Moreira. Planejamento estratégico e gestão pública por resultados no processo de reforma administrativa no estado de Minas Gerais. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, maio/jun. 2007. DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008. 830 p. GONÇALVES, Pedro. Entidades Privadas com Poderes Públicos. Coimbra: Almedina, 2005. MATIAS-PEREIRA, José. Manual de Gestão Pública Contemporânea. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. 9

OLIVEIRA, Gustavo Justino. Contrato de gestão e modernização da Administração Pública. Revista Brasileira de Direito Público, RBDP, Belo Horizonte, ano 3, n. 10, p. 195-232, jul./set. 2005.. Contrato de Gestão. São Paulo: RT, 2008. 320 p. REZENDE, Flávio da Cunha. Por Que Falham as Reformas Administrativas? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. 132 p. SALINAS, Natasha Schimitt Caccia. Reforma administrativa de 1967: a reconciliação do legal com o real. In: MOTA, Carlos Guilherme; SALINAS, Natasha Schimitt Caccia (Coords.). Os Juristas na Formação do Estado-Nação Brasileiro: de 1930 aos dias atuais. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 457-486. VIGODA-GADOT, Eran. Managing Collaboration in Public Administration. London: Praeger, 2003. 10