Regimes de Negociação Financeira Internacional e a atuação brasileira

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Transcrição:

Regimes de Negociação Financeira Internacional e a atuação brasileira Prof. Diego Araujo Azzi 2019.2

Aula 09 (02.07) As relações do Brasil com o Banco Mundial PEDREIRA, Roberto Sampaio. O Relacionamento Brasil Banco Mundial: 1985-2005. Cap. 3. In: O relacionamento Brasil-Banco Mundial: Uma analise da dimensao politica e economica (1985-2005). Dissertaçao de Mestrado. Universidade de Brasilia (UnB), 2006. Complementar: BATISTA Jr, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visao neoliberal dos problemas latino americanos. Sao Paulo, 1994. WILLIAMSON, John. After the Washington Consensus: Latin American Growth and Sustainable Development. Keynote speech at the Seminar on Latin American Financing and the Role of Development Banks organized by the IDB, BDMG, and ALIDE. Belo Horizonte, Brazil March 30 31, 2006.

O Grupo Banco Mundial é uma instituição f inanceira ligada à ONU e opera por meio de quatro Agências: BIRD, AID, CFI, AMGI e mais o CIADI. Para tanto, exerce o papel de entidade f inanciadora of icial para o desenvolvimento dos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, tarefa executada por meio de empréstimos diretos de longo prazo (15 a 25 anos) aos diversos níveis de governos e empresas (com garantias of iciais), para projetos setoriais, como também para assistência técnica.

Em janeiro de 1946, o Brasil formaliza suas relações institucionais com o Banco, ao assinar os Artigos de Entendimento. Em 1949, o Brasil obteve seu primeiro empréstimo, no valor de US$ 75 milhões para um projeto de energia e telefonia Governo Juscelino Kubitschek: rompimento do governo federal com o FMI, em 1960, que impusera condições não aceitáveis por Kubitschek, levou à interrupção informal das relações com o Banco Mundial. Rompimento se estendeu pelos Governos Jânio Quadros e João Goulart e só foi retomado em 1965, na ditadura militar, com o f inanciamento de um projeto de infra-estrutura econômica de US$ 76,8 milhões

O Banco Mundial concedeu empréstimos para mais de 300 projetos brasileiros, dos distintos níveis de governo, Enfoque na infra-estrutura, diversif icação setorial, ou nos ajustes estruturais, perfazendo um total de US$ 35 bilhões. Forte ligação do Banco com os países ricos, em especial com os Estados Unidos, e do seu papel de estimulador da inserção e expansão do capital internacional nos países em desenvolvimento, a partir dos anos 1960 Primeira metade dos anos 70: presença mais intensa do Banco Mundial no Brasil, favorecida pelo aumento da liquidez internacional e pelo dinamismo da economia brasileira. Financiamentos a setores novos: educação, saúde, abastecimento de água e desenvolvimento urbano

Dois momentos político-ideológicos que delinearam as estratégias do Banco: 1) a Teoria do Desenvolvimento Econômico (TDE), dos anos 50 aos 80, e 2) a revitalização da teoria neoclássica (neoliberalismo), a partir dos anos 80. 1a fase: Apoio às estratégias de promoçao da industrializaçao que se assenta no aumento do investimento, com base no capital internacional. Projetos desse tipo não são concretizados para atender a uma necessidade existente, mas para criá-las, e essa tarefa caberia ao capital internacional. Apoio à proteção da indústria nascente e à substituição de importações Nos anos 80, o Banco passa a considerar que as indústrias deixaram de ser nascentes e a estratégia de substituição de importações deixou de ser uma estratégia de industrialização, transformando-se em um mero protecionismo

Durante os anos 80, a partir da ascensão do modelo neoliberal, o Banco se insere nas diretrizes estabelecidas no Consenso de Washington No Brasil, o Banco passa a adotar ações que viabilizam profundas reformas estruturais que se tornariam mais evidentes a partir dos anos 90, como liberalização do comércio privatização das empresas estatais e desregulamentação do mercado f inanceiro O Banco Mundial teve um papel de destaque no incentivo à adoção dessas políticas, ao conceder empréstimo ao BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e aos governos estaduais, para fomentar reformas na estrutura do Estado e impulsionar o programa de privatização do setor de energia e telecomunicações

É interessante notar que o BM, diferentemente do FMI, não adota um modelopadrão para orientar os países em desenvolvimento. O Banco utiliza os condicionamentos para inf luir na formulação e condução de políticas relacionadas a setores estratégicos, com a estratégia de concentrar os recursos no setor exportador e de incentivar a entrada de capitais privados internacionais A partir do f inal dos anos 80, se inicia o modelo de empréstimos para ajustes estruturais que amplia as possibilidades do Banco em inf luir na política econômica dos países tomadores de empréstimo Ao lado da inf luência f inanceira do Banco Mundial, a hegemonia intelectual, que se conf igura pela formação e coordenação de redes de cooperação com agências especializadas do Sistema ONU, com a OMC e com a OCDE

Uma das formas pelas quais se apresenta a inf luência intelectual é a da assistência técnica. Ferramenta que permite ao Banco Mundial inf luenciar os países tomadores de empréstimos por meio de estudos, análises técnicas e pesquisas que se tornam valiosos subsídios para a formulação e/ou condução de políticas nacionais Durante os anos 1980, os desentendimentos nas relações do Brasil com o FMI não afetaram os laços institucionais mantidos pelo país com o Banco Mundial. Ao contrário, desde o início das operações de empréstimo, nos anos de 1985 e 1986, o país contraiu as maiores somas de recursos, sendo inferior apenas a 1983, quando o total de empréstimo foi de US$ 2,038 bilhões. Em 1985, o Brasil obteve o maior número de projetos aprovados nove - e recebeu o maior volume de recursos da América Latina, sendo o segundo do mundo (US$ 1,523 bilhões), com destaque para os setores de infra- estrutura econômica e agricultura e desenvolvimento rural

Mesmo com a crise da dívida externa, a partir de 1985, o FMI continuaria a cuidar dos problemas de curto prazo do balanço de pagamentos e o Banco se responsabilizaria por incentivar os países em desenvolvimento a adotarem reformas estruturais, a liberalização do comércio, a privatização e a desregulamentação do mercado f inanceiro. O Banco teve um papel relevante na renegociação da dívida externa, ao realizar uma operação de co-f inanciamento, numa atividade cooperada com o Clube de Paris, em que disponibilizou US$ 5,2 bilhões para cobrir o pagamento dos juros vencidos no período da moratória. Até o f inal do Governo Sarney, em março de 1990 continuou o f inanciamento de setores-chave, tais como a Agricultura e Desenvolvimento Rural (US$ 663,0 milhões) e Infra-Estrutura Econômica (US$ 274,0 milhões), perfazendo um total de US$ 1,261.5 bilhão, em 13 projetos em níveis federal e estadual

Durante os anos 1990, o Brasil se comprometeu com as orientações do Banco sobre as reformas do Estado Banco Mundial dissemina a aplicação de Empréstimos para o Apoio de Ajustes Estruturais (Structural Adjustment Loans SAL) em países da América Latina, empréstimos de curto e médio prazo, com o intuito de conter desequilíbrios no balanço de pagamentos. No período 1999-2002: combinação de operações de ajustes estruturais com a realização de assistência técnica; e a concentração de operações no âmbito do governo federal, com uma considerável redução das operações realizadas pelos demais entes federativos. O conjunto de projetos aprovados para o Brasil se direcionou para setores-chave, como infra-estrutura econômica, educação, saúde e desenvolvimento urbano.

Na assistência do Banco ao país os repasses dos empréstimos para apoiar os ajustes estruturais e setoriais são parcelados Para obter cada parcela, o governo federal, por meio do ministro da Fazenda, apresenta ao Banco uma carta de satisfação, na qual demonstra como tem realizado as reformas recomendadas e os eventuais resultados obtidos. O Governo Lula possibilitou a continuidade da estratégia do Banco no país, com intensidade semelhante à implementada durante o Governo FHC. A participação do Brasil no total de empréstimos aprovados diminuiu, em relação ao período 1998-2002, mas manteve-se elevado, tornando o país o principal destino das operações do Banco: em 2003, primeiro ano do governo Lula, o Brasil foi o principal país emergente tomador de empréstimos junto ao BIRD O que diferenciou foi a prioridade para a obtenção de empréstimos para programas ligados às políticas sociais. Nos três anos da Gestão Lula, o Banco concedeu US$ 1,6 bilhão para dinamizar programas governamentais assistenciais, com destaque para o f inanciamento do Programa Bolsa Família e do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS)

As operações do Banco, ao f inanciar a recomposição de reservas internacionais do país, composta para pagar juros a credores, ampliou o quadro de dependência no relacionamento, que constituiu como maiores benef iciados o próprio Banco Mundial e as estruturas hegemônicas às quais ele se vincula Ao analisar a trajetória do relacionamento entre o Brasil e o Banco Mundial no decorrer do período 1985-2005, pode-se concluir que o quadro macroeconômico do país viabilizou a presença mais intensa desse organismo no contexto político e econômico.