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Transcrição:

RECIIS Rev Eletron de Comun Inf Inov Saúde. 2015 jan-mar; 9(1) [www.reciis.icict.fiocruz.br] e-issn 1981-6278 RESENHAS Os desafios para uma nação conectada indo além da introdução The challenges of connecting a nation extending beyond the introduction Los desafíos de conectarse una nación yendo más allá de la introducción Veridiana Alimonti veridiana.alimonti@gmail.com Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social. São Paulo, SP, Brasil Resenha do livro: Pereira S, Biondi A, organizadores. Caminhos para a universalização da internet banda larga: experiências internacionais e desafios brasileiros. São Paulo: Intervozes; 2012. Palavras-chave: Acesso à internet; Conexão; Redes; Banda larga; Telecomunicações; Inclusão digital; Universalização; Marco Civil da Internet; Acesso aberto INFORMAÇÕES DO ARTIGO Histórico do artigo: Submetido: 13.fev.2015 Aceito: 6.mar.2015 Publicado: 31.mar.2015 1

Do barulhinho da conexão discada até o acesso por diferentes dispositivos, onde e na hora que quiser, alguns anos se passaram, muitas decisões foram tomadas e importantes debates foram e continuam sendo travados. Se há os que podem gozar dos benefícios desse processo no país, ainda há muitos que seguem utilizando a conexão discada ou sequer possuem acesso à rede i. O livro Caminhos para a universalização da internet banda larga: experiências internacionais e desafios brasileiros, realizado pelo Coletivo Intervozes, com apoio do Comitê Gestor da Internet no Brasil ii, traz um panorama completo e interessante das questões que envolvem a garantia do acesso à internet e da troca de informações e conteúdos pela rede. Começando do mais básico sobre a internet banda larga, suas características, elementos de rede e tipos de tecnologias, o livro se aprofunda expondo complexas discussões sobre a regulação de serviços e de infraestrutura, o papel do Estado na condução de políticas públicas, os direitos autorais na dinâmica de criação e compartilhamento proporcionada pelas redes, entre outros, apontando a trilha das disputas presentes nos variados temas. A obra se divide em três partes, apresentando experiências e dados de outros países, analisando a situação brasileira em perspectiva comparada e oferecendo um conjunto de entrevistas com acadêmicos, ativistas digitais, entidades de defesa do consumidor, empresários e representantes de governo. Quanto à trilha das disputas, o próprio título já destaca uma das principais, ao menos no Brasil, explicitando a sua posição no debate. Trata-se da defesa da universalização do acesso à internet, em que a perspectiva da garantia de direitos se sobrepõe à lógica de mercado. Universalização e essencialidade O reconhecimento de que um determinado serviço é essencial às pessoas pela importância que assume, no dia a dia, para o exercício e a concretização de direitos tem reflexos diretos na maneira como ele é regulado pelo Estado e explorado pelos agentes privados. No âmbito dos serviços de telecomunicações, a telefonia fixa contou com esse status durante a maior parte do século XX, mas já há alguns anos perde espaço significativo para a telefonia móvel e, em especial, para a banda larga (fixa ou móvel). Estar conectado à rede potencializa o acesso à informação, o exercício do direito à educação e à cultura, a possibilidade de se expressar e interagir com um contingente enorme de pessoas, além de permitir a reinvenção da relação do poder público com os cidadãos por meio das aplicações de governo eletrônico, da ampliação da transparência e do estímulo à participação social na elaboração de normas e na implementação de políticas públicas. As redes são também mecanismos de pressão e de mobilização, frente aos governos e aos agentes privados. Elas não deixam de servir igualmente a objetivos mais triviais, consolidando-se como parte da rotina de quem pode acessá-las em transações bancárias, na declaração de imposto de renda, na comunicação interpessoal, na comercialização de produtos e serviços etc. Neste sentido, o livro destaca que diferentes países passaram a reconhecer o acesso à internet como um direito ao longo do século XXI. Primeiro, Estônia, depois, França, Grécia, Espanha e Finlândia. O mesmo ocorreu no Brasil, mas somente em 2014, com a aprovação do Marco Civil da Internet (Lei Nº 12.965/2014). Em seu art. 4º, inciso I, a lei estabelece que a disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção do direito de acesso à internet a todos. Já seu art. 7º afirma que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania [...]. Apesar do reconhecimento legal, a regulação do serviço de telecomunicações que dá suporte ao acesso à internet segue como se isso não tivesse ocorrido. Cumpre registrar que, para esse acesso, são necessários i De acordo com a pesquisa TIC Domicílios, realizada entre o final de 2013 e início de 2014, 56% dos domicílios brasileiros estão desconectados, sendo que 10% das moradias conectadas possuem acesso discado à internet. As proporções são piores se consideramos as classes mais baixas ou a área rural. [citado 22 fev 2015] Disponível em: http://cetic.br/pesquisa/domicilios/ indicadores. ii A íntegra do livro e outros conteúdos relacionados podem ser acessados em: http://www.caminhosdabandalarga.org.br/. O livro conta com diferentes colaboradores, tendo sido organizado pelos pesquisadores Sivaldo Pereira da Silva e Antonio Biondi. 2

tanto a infraestrutura de telecomunicações e o serviço de telecomunicações quanto o serviço de conexão à internet, que se utiliza dos primeiros, mas não se confunde com eles iii. No que toca às telecomunicações, a Lei Geral de Telecomunicações LGT (Lei Nº 9.472/1997) classifica a prestação desses serviços em dois regimes distintos: o regime público e o regime privado. No primeiro caso, há obrigação de universalização, isto é, o serviço deve estar disponível a qualquer pessoa independentemente da sua localização ou condição socioeconômica, razão pela qual o poder público tem a prerrogativa de estabelecer metas de universalização aos prestadores privados. Porém, não basta que o serviço esteja disponível se a sua tarifa for impeditiva ao acesso da população em geral. Por isso, o serviço está sujeito à modicidade tarifária e o poder público tem competência para fixar os seus valores. No segundo caso, os preços são livres e a não ser que a sua prestação envolva a exploração de radiofrequência, como no serviço móvel, é bastante reduzida a capacidade do governo de determinar às operadoras que invistam onde não lhes interessa. Não à toa, o art. 65, 1º da LGT estabelece que Não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as modalidades de serviço que, sendo essenciais, estejam sujeitas a deveres de universalização. Todavia, no Brasil, os serviços de telecomunicações ligados à banda larga são prestados exclusivamente em regime privado, apesar da pressão já realizada há alguns anos por organizações da sociedade civil para que parte dessa exploração ocorra em regime público iv. O Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado em 2010, reflete essa opção do governo nos seus fracos resultados. Uma das medidas mais interessantes e ousadas do PNBL a reativação da Telebras para a gestão e implementação de uma rede nacional de fibra óptica ficou bem aquém das expectativas, por dificuldades burocráticas, políticas e econômicas. O livro aborda a problemática do PNBL, bem como traz parâmetros de outros planos nacionais em termos de metas previstas e do papel assumido pelo Estado e por agentes privados, preocupando-se em tratar de países centrais e periféricos. Além dos planos nacionais, o estudo apresenta como diferentes países enfrentaram outros aspectos do desafio de democratizar o acesso à banda larga, serviço que exige altos investimentos iniciais, tendendo à formação de monopólios ou oligopólios e à perpetuação das disparidades econômicas e sociais. As iniciativas contempladas pelos autores não estão centradas apenas nas políticas de âmbito federal; eles atentam também para as experiências de redes públicas de acesso à internet sem fio em cidades como Barcelona (Espanha), Taipei (Taiwan) e Helsinque (Finlândia). Os desafios não se restringem ao acesso Porém, quando o assunto é internet, o acesso é só o começo. Como o livro destaca, a própria noção de inclusão digital não se encerra no provimento da conexão à rede. É preciso que as pessoas saibam usar seus recursos e, mais do que isso, apropriem-se da tecnologia para não serem apenas usuárias, mas criadoras, de conteúdos, programas e aplicações. Tal preocupação se torna ainda mais premente ao considerarmos os portadores de necessidades especiais, que nas tecnologias da informação e da comunicação podem iii O serviço de conexão à internet é considerado um serviço de valor adicionado, cuja definição legal prevista na Lei Geral de Telecomunicações é: a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações. A lei complementa ainda: Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição. Ver também Norma 04/1995, do Ministério das Comunicações. Agência Nacional de Telecomunicações. Norma 004/95: uso de meios da rede pública de telecomunicações para acesso à internet. [local desconhecido]: Agência Nacional de Telecomunicações (BR); 1995 [citado 1 fev. 2015]. Disponível em: http://www.anatel.gov.br/portal/verificadocumentos/documento.asp? numeropublicacao=10 283&assuntoPublicacao=Norma%20MC%20n%BA%20004/1995&caminhoRel=null&filtro=1&documentoPath=biblioteca/Normas/ Normas_MC/norma_004_95.html iv Em 2013, a Campanha Banda Larga é um direito seu, integrada pelo Coletivo Intervozes, apresentou ao Ministério das Comunicações e à Anatel uma proposta para a universalização do acesso à internet no país mas, até o momento, não houve alterações na política conduzida pelo governo federal. A proposta pode ser acessada em: http://www.campanhabandalarga.com.br/ proposta/. [citado 11 fev 2015] 3

encontrar uma aliada ou um novo empecilho no seu dia a dia. Apontando para o primeiro caminho, já há padrões consistentes formulados internacionalmente para uma navegação mais acessível na web. Outra ordem de dificuldades pode existir, ainda, a depender dos grupos sociais, étnicos ou comunidades linguísticas que se tenha em consideração. Retomando citação presente no livro, incluir digitalmente significa estimular e viabilizar condições materiais e não-materiais para que cada grupo social possa produzir sua própria visão da realidade, interpretando, criando e difundindo informações capazes de qualificar sua intervenção no mundo e instrumentalizar, no plano maior, a defesa de seus direitos v. Para que esse processo mais amplo possa se efetivar, devemos atentar a outros pontos centrais, que suscitam grandes disputas e controvérsias. O primeiro deles é a neutralidade da rede, mencionado no estudo como um dos debates fundamentais travados atualmente. Esse princípio afirma o tratamento isonômico dos pacotes de dados que trafegam na internet, sem distinção por origem ou destino, conteúdo, serviço, terminal ou aplicação. Tal garantia visa impedir o bloqueio, a degradação e o privilégio de conteúdos por razões políticas, morais ou comerciais. Destina-se também a combater modelos de negócios baseados na segmentação da internet, que retira dos planos mais baratos o acesso às aplicações que geram mais tráfego ou que, por força de parcerias comerciais, incentiva a navegação em plataformas e sites específicos, por exemplo, deixando de descontar esse acesso da franquia de dados contratada pelo usuário. No Brasil, a neutralidade da rede está prevista no art. 9º do Marco Civil da Internet, que permite algumas possibilidades técnicas de discriminação ou degradação do tráfego de pacote de dados, a serem regulamentadas por decreto. Outro ponto central é a batalha que contrapõe, de um lado, restrições à cópia, compartilhamento e remixagem de conteúdos e, de outro, o acesso ao conhecimento, a liberdade de expressão e a efervescência da cultura digital. A polêmica em torno dos direitos autorais muitas vezes não diz realmente respeito à proteção dos interesses dos autores, mas dos antigos e novos intermediários da cadeia de consumo cultural (a indústria fonográfica, cinematográfica, editorial ou as novas plataformas online que servem à difusão de conteúdos). A potencialização da circulação da informação, do conhecimento e da cultura com a internet colocou em xeque modelos de produção e distribuição de bens culturais e informacionais, permitindo o surgimento de modelos alternativos, calcados ou não na perspectiva do acesso ao conhecimento. As reações negativas e restritivas a esse movimento envolvem criminalização, remoção de conteúdo, corte da conexão e pagamento de altos valores. O livro traz um capítulo específico sobre o assunto, apresentando o histórico do debate e as experiências em diferentes países, como Estados Unidos, França, Colômbia e Brasil. Por fim, há o ponto da privacidade e dos dados pessoais. Embora não seja abordado em muitos detalhes na obra, trata-se de tema cada vez mais candente, considerando que a internet e as novas tecnologias da informação e da comunicação aceleraram e aprofundaram a coleta e o tratamento de dados pessoais. Seja pelo intuito vigilante, por parte dos Estados, de obter informações de usuários da rede de forma massiva e arbitrária, seja pelas motivações comerciais dos mais variados sites e plataformas online de conhecerem tudo sobre o usuário para monetizarem esses dados, a situação atual já é extremamente preocupante. O acesso à internet, que é essencial ao exercício da cidadania e direito de todos, só se justifica e cumpre efetivamente seu papel se for estruturado e universalizado com base no respeito e na promoção de direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão, o acesso à informação e a privacidade. v Ferraz J, Lemos R. Pontos de Cultura e Lan House: estruturas para inovação na base da pirâmide social. Rio de Janeiro: Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas; 2011. In: Peareira S, Biondi A, organizadores. Caminhos para a universalização da banda larga: experiências internacionais e desafios brasileiros. São Paulo: Intervozes; 2012. p. 200-201. 4

Para onde e como ir? Em seu último capítulo, o livro sintetiza cinco nós considerados fundamentais para se alcançar a universalização da banda larga, compreendendo a tarefa na perspectiva ampla já assinalada aqui. Ele parte dos problemas verificados na realidade brasileira e dos aspectos positivos das experiências internacionais para traçar caminhos voltados para (i) o fortalecimento da ação do Estado; (ii) melhorias nos sistemas de transparência, accountability e gestão das políticas públicas e da regulação; (iii) a criação de um ambiente de competitividade e concorrência de mercado; (iv) o desenvolvimento de infraestrutura para o tráfego de dados; e (v) a ênfase na apropriação social do acesso à internet como um direito do cidadão. Ainda que o estudo tenha sido editado em 2012, os desafios, críticas e disputas apresentados por ele permanecem na ordem do dia e com contornos bastante semelhantes. A universalização do acesso à banda larga foi tema de destaque na campanha de Dilma Rousseff para o seu segundo mandato, alterando ao menos o discurso do governo que, desde seu início, fazia referência apenas à massificação do serviço, de modo a afastar os condicionamentos da LGT ligados ao regime público. A adoção do novo termo, porém, não refletiu até o momento na decisão de alterar o regime de prestação do serviço de comunicação de dados. De maneira geral, ainda não está claro o seguimento das políticas para banda larga na gestão iniciada recentemente. Se, por um lado, isso pode indicar planos não amadurecidos, por outro, pode ser a oportunidade para debater e pressionar por ações e políticas mais alinhadas ao interesse público, desde que se garanta a participação social tão deficiente nesse campo no primeiro mandato. Em complemento, está em curso o processo de regulamentação do Marco Civil da Internet, que deverá ocorrer por decreto presidencial e repete a experiência exitosa de construção participativa do projeto de lei, ao abrir debate público na internet para que os cidadãos enviem suas contribuições vi. Entre os assuntos espinhosos a serem enfrentados estão as exceções técnicas à discriminação de pacotes de dados na internet, definição ligada à proteção da neutralidade da rede, e o detalhamento das obrigações de guarda de registros de conexão e de acesso a aplicações online para investigações de ilícitos na internet. Ainda no tema da privacidade e da proteção de dados pessoais, o início de 2015 marcou a retomada do Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais, que passou por consulta pública no final de 2010 e permaneceu em discussão interna no governo por quatro anos. Também neste caso foi aberto debate público vii para que a sociedade opine sobre como deve ser o regime geral de proteção de dados pessoais no Brasil, legislação que diferentes países já possuem há anos e que é fundamental para estabelecer princípios, procedimentos e suporte institucional ao direito do cidadão de ter o controle sobre seus próprios dados. As intrincadas e tensas disputas em torno dos rumos da rede, tanto no que diz respeito ao acesso quanto às questões que se colocam após a conexão, têm impacto generalizado no dia a dia da população. A própria falta de acesso à internet é um desses impactos. Democratizar a compreensão dessas discussões de forma a envolver um público mais amplo na definição de seus desdobramentos é passo crucial para o desafio de democratizar o acesso à rede e para a apropriação social das tecnologias da informação e da comunicação. O livro Caminhos para a universalização da internet banda larga é uma bela contribuição neste sentido. vi As contribuições podem ser enviadas até 31 de março de 2015 por aqui: http://participacao.mj.gov.br/marcocivil/. É possível que haja uma segunda fase de debate a partir de texto mais consolidado. vii As contribuições podem ser enviadas até 30 de abril de 2015 por aqui: http://participacao.mj.gov.br/dadospessoais/ 5