Valorização e especulação do solo urbano: o caso do Bairro Legal em Campos dos Goytacazes.



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Transcrição:

Valorização e especulação do solo urbano: o caso do Bairro Legal em Campos dos Goytacazes. Rafael Espinoza Gomes Roseira André¹ RESUMO: Procura-se com este trabalho tratar como o solo urbano vai se valorizando a partir de uma política de planejamento, e como informações privilegiadas fomentam a concentração de terrenos na posse de poucos grupos, e consequentemente maior reprodução de capital. Além disso, busca-se apresentar a participação, ou não, da população na tomada de decisões sobre o espaço. Para tanto, a análise se baseia no programa de planejamento da prefeitura municipal de Campos dos Goytacazes/RJ intitulado Bairro Legal, que visa legalizar os bairros, em geral periféricos, que ainda não possuem divisão de lotes, saneamento básico, plano de mobilidade, etc. Pretende-se discutir de que maneira, em linhas gerais, as políticas públicas alavancam e aceleram os processos de valorização e especulação dos diversos espaços das cidades, e preferencialmente indicar os grupos privilegiados por estas práticas. Pretende-se ainda indicar os antagonismos apresentados pelo planejamento urbano, especialmente nas últimas décadas. Palavras-chave: Planejamento Urbano, Bairro Legal, Especulação do Solo Urbano.

¹ Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo

1. INTRODUÇÃO: Nos idos de 1980 e 1990, foi possível notar uma intensificação no crescimento urbano, sobretudo o setor informal, pela consolidação de novos assentamentos ou pelo crescimento dos já consolidados, com a ocupação de espaços antes livres, como áreas públicas ou de proteção ambiental. Estes loteamentos, em especial no caso brasileiro, são irregulares e, em grande parte dos casos são espaços providos de pouca ou nenhuma infraestrutura, serviços precários ou inexistentes (postos de saúde, escolas, etc.) e suas moradias usualmente apresentam várias deficiências, em relação à iluminação e ventilação mínimas. Se observarmos como se deu a urbanização das cidades no Brasil, o planejamento, ou sua falta, cria uma realidade que é evidente em nossas cidades atualmente: a dicotomia entre o centro e a periferia. Estes espaços apresentam diferenças muito grandes no que se refere à infraestrutura. Geralmente percebemos o centro, mais equipado com quadras, jardins, bibliotecas, escolas, etc. enquanto a periferia luta por serviços essenciais, quais sejam: postos de saúde, saneamento básico, coleta de lixo, entre outros. A principal reflexão deve então se dar na direção de um planejamento urbano que diminua sensivelmente estes problemas. De maneira geral, o centro urbano tende receber investimentos mais robustos, provenientes do poder público, antagonicamente, a periferia tem as mais baixas cifras de investimento, principalmente no tocante a serviços e estrutura urbana. Segundo Loebe (1997) cria-se um círculo fechado de investimentos nos núcleos centrais, nos quais estão concentrados os maiores proprietários e, portanto, os maiores benefícios qualquer plano de reformulação da ocupação urbana fica sujeito a forte pressão econômica e política. Verifica-se com certa frequência, que a melhoria da infraestrutura urbana na periferia, é comumente acompanhada de barganhas políticas, e mesmo a periferia e seu solo, passam a ser alvos do processo mercadológico da venda de lotes. Nas palavras de Ermínia Maricato,

Estamos nos referindo a um processo político e econômico que, no caso do Brasil, construiu uma das sociedades mais desiguais do mundo, e que teve no planejamento urbano modernista/funcionalista, importante instrumento de dominação ideológica: ele contribuiu para ocultar a cidade real e para a formação de um mercado imobiliário restrito e especulativo. Abundante aparato regulatório (leis de zoneamento, código de obras, código visual, leis de parcelamento do solo etc) convive com a radical flexibilidade da cidade ilegal, fornecendo o caráter da institucionalização fraturada, mas dissimulada. 1.1. Valorização e Especulação do Solo Urbano. O mercado imobiliário sempre representou, e representa, um vetor importante da economia nacional, em função da quantidade de recursos nas transações envolvidas e de seu significado para a sociedade. Entretanto, esse mercado se comporta de maneira diferente dos outros mercados de bens economicamente significativos. Os imóveis possuem características próprias, que dificultam um consenso em relação à análise de valor de cada um deles. Os interesses em torno do mercado, a sua localização, estrutura, acesso, entre outros, são apenas alguns dos elementos que podemos citar ao abordarmos a dificuldade de análise do mercado imobiliário. A valorização e especulação do solo urbano aumentam em função da apropriação do sistema capitalista de produção na criação de novos mercados. "Como se sabe, a especulação imobiliária urbana, de um modo geral, é, no quadro do capitalismo, uma forma pela qual os proprietários da terra recebem uma renda transferida dos outros setores produtivos da economia, especialmente através de investimentos públicos na infraestrutura e serviços urbanos, que são os meios coletivos de produção e consumo ao nível do espaço urbano." (Campos Filho, 2001 p. 48). Esses novos mercados criam novas demandas, geralmente realizadas pelo Estado, principalmente no que tange à infraestrutura urbana, para transformar o espaço da cidade num grande balcão de negócios. O que normalmente ocorre é a peregrinação de altos ou pequenos investidores pelas imobiliárias a procura de terrenos para

especularem, mantendo-os sem construção alguma, até que se chegue a um bom negócio, altamente lucrativo. 1.2. Participação popular no bojo do planejamento urbano É amplamente divulgado que os problemas urbanos no mundo, e no Brasil, são produtos de uma intensa ocupação das cidades, impulsionada pela revolução industrial, seguida de um forte êxodo rural em função das novas possibilidades de trabalho que surgiram no novo contexto da cidade moderna. Os problemas que vieram a reboque destes processos, sempre foram tratados, no sentido de saná-los, ou ao menos minimizá-los a partir de políticas de planejamento urbano, sobretudo em áreas de maior carência de equipamentos urbanos, e serviços essenciais básicos à população residente desses espaços. Para tanto a participação popular surge como um importante instrumento para regularização de lotes, e urbanização de espaços desprovidos de infraestrutura, a partir do ponto de vista da população receptora dos benefícios levados pelo planejamento, por ser um elemento democrático que coloca a população envolvida como parte responsável pela idealização e fiscalização dos projetos. Entretanto o que se observa em muitos casos no Brasil, é um tecnicismo exacerbado, como Marcelo Lopes de Souza (2008) já nos chamara a atenção, quando atentou-nos para o que considerou o fetichismo da técnica, que cada vez mais afasta a população da discussão sobre a cidade, e sobrepuja a possibilidade do amplo acesso à cidade, em sua melhor concepção, àquelas classes menos favorecidas. 1.3. A Regularização Fundiária Os assentamentos irregulares são cada vez mais uma realidade nas cidades brasileiras. De maneira geral se apresenta em duas formas: a posse irregular da terra e a precária urbanização efetiva. Para nossa discussão, tomemos o segundo caso. O Estatuto da Cidade regula a moradia e regularização fundiária, indicando a importância da definição da função social da propriedade. O que se espera são novas

políticas de regularização fundiária, que insiram aspectos urbanísticos e sociais na busca de melhora na qualidade de vida dos moradores que não tem direito, ou estão à margem da cidade legal. O estatuto da cidade traz em seu conteúdo importância do desenvolvimento de uma política de habitação de inclusão social, as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Pode-se aplicar este para a regularização de áreas já ocupadas, onde o processo de ocupação se deu, fora das normas urbanísticas, ou em áreas sem uso, afim de utilizálas para habitação de interesse social. Não cabe aqui julgar se o Estatuto da Cidade seria por si só, um instrumento capaz de melhorar a qualidade da vida urbana de modo geral. Todavia, é preciso salientar a importância deste documento, e sua preocupação com a função social da propriedade, principalmente em relação à sua regularização. Junto ao Estatuto, será fundamental, de um lado, a organização popular e, de outro, a conduta política da gestão urbana por parte do Estado. 2. METODOLOGIA: Segundo Lakatos e Marconi (2003) O método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões dos cientistas. (LAKATOS E MARCONI, 2003). O método de pesquisa a ser adotado neste trabalho é o método observacional, empírico e de gabinete, método este que possibilita bom grau de precisão nas pesquisas sociais. Ainda segundo Lakatos e Marconi (2003) a observação ajuda o pesquisador a identificar e a obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento. O presente trabalho se enquadra no nível de pesquisa exploratório, pois aborda um tema pouco conhecido, com o intuito de ser elucidativo nas questões referentes ao

mesmo. O trabalho também adota caráter descritivo, pois descreve as características dos fenômenos estudados a fim de estabelecer relação entre eles. Quanto ao delineamento da pesquisa, este trabalho assume característica de pesquisa bibliográfica, pois recorre a material já existente, dando ênfase a livros e artigos científicos. Este trabalho também assume caráter de pesquisa documental, pois utiliza material que ainda não recebeu tratamento analítico. 3. ABORDAGEM TEÓRICA: 3.1 Conceitos chaves Para compreendermos a dinâmica existente na política do Bairro Legal em no município de Campos dos Goytacazes/RJ, necessita-se buscar auxilio a alguns conceitos da geografia. À luz de alguns teóricos, abordar-se-ão conceitos como: i) Lugar, ii) território e territorialidade, iii) técnica, iv) horizontalidades e verticalidades. i) Para os seguidores da corrente humanística, o lugar é principalmente um produto da experiência humana: (...) lugar significa muito mais que o sentido geográfico de localização. Não se refere a objetos e atributos das localizações, mas à tipos de experiência e envolvimento com o mundo, a necessidade de raízes e segurança (RELPH, 1979 apud LEITE). Recentemente, o lugar é resgatado na Geografia como conceito fundamental, passando a ser analisado de forma mais abrangente. Lugar constitui a dimensão da existência que se manifesta através "de um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas, instituições cooperação e conflito são a base da vida em comum" (SANTOS, 1997). ii) O território segundo Santos (1994) é uma superposição de sistemas de engenharia diferentemente datados, e usados, hoje, segundo tempos diversos. O mundo está sempre se reorganizando territorialmente. De acordo com suas necessidades ele se destrói e reconstrói. Não se pode entender território se não levarmos em consideração a economia, a política, a cultura e o ambiente natural em que o ser humano vive. Segundo Haesbaert e Porto-Gonçalves (2005)

A ordem (territorial) mundial é na verdade, sempre, uma desordem, ou seja, caminha dialeticamente num processo concomitante de destruição e reconstrução de territórios, ou seja, num processo de des-re-territorialização. (HAESBAERT e PORTO-GONÇALVES, 2005). Tradicionalmente o território foi tratado como sinônimo de Estado, porém há de ser reconhecido que o território é instituinte do Estado que o instituiu, sendo este último uma construção socioespacial que contém territorialidades distintas (RAMOS, 2003). Associada ao território, tem-se a expressão territorialidade que, para o autor: Raffestin complementa: Pode vir a ser encarada tanto como o que se encontra no território, estando sujeito à sua gestão, como, ao mesmo tempo, o processo subjetivo de conscientização da população de fazer parte de um território, de integrar-se em um Estado [...] A formação de um território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentido da territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma consciência de confraternização entre elas. (ANDRADE, 1995, p. 20). De acordo com nossa perspectiva, a territorialidade assume um valor bem particular, pois reflete o multidimensionamento do "vivido" territorial pelos membros de uma coletividade, pela sociedade em geral. Os homens vivem ao mesmo tempo o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas. (RAFFESTIN, 1980). O Estado Territorial moderno nega territorialidades, como a camponesa, a indígena e a de afrodescendentes, enquanto afirma a hegemonia dos gestores territorialistas. Sob o ponto de vista da nova des-ordem o espaço mundial é formado por espaços hegemônicos e contra-hegemônicos, zonas, redes e aglomerados que se cruzam de maneira complexa no planeta. (HAESBAERT e PORTO-GONÇALVES, 2005). Ainda sobre o conceito de territorialidade, Haesbaert destaca que trata-se de formas (políticas, econômicas, culturais, etc) de apropriação, ordenamento e manutenção do território. (HAESBAERT, 2007).

iii) Segundo Seris apud Santos "Será objeto técnico todo objeto susceptível de funcionar, como meio o u como resultado, entre os requisitos de uma atividade técnica". (SANTOS, 2006, p.22) Para Santos é impossível analisar o objeto técnico isoladamente, ao contrário disso propõe compreender o funcionamento da técnica e sua função social a partir do espaço. iv) Sem dúvida, o espaço é formado de objetos; mas não são os objetos que determinam os objetos. É o espaço que determina os objetos: o espaço visto como um conjunto de objetos organizados segundo uma lógica e utilizados (acionados) segundo uma lógica. Essa lógica da instalação das coisas e da realização das ações se confunde com a lógica da história, à qual o espaço assegura a continuidade... é o espaço que redefine os objetos técnicos, apesar de suas vocações originais, ao incluí-los num conjunto coerente onde a contiguidade obriga a agir em conjunto e solidariamente. (SANTOS, 2006, p. 24) Ainda para Santos: De um ponto de vista propriamente geográfico a questão se coloca de forma diferente. Devemos partir do fato de que esses diferentes sis temas técnicos formam uma situação e são uma existência num lugar dado, para tratar de entender como, a partir desse substrato, as ações humanas se realizam. A forma como se combinam sistemas técnicos de diferentes idades vai ter uma consequência sobe as formas de vida possíveis naquela área. Do ponto de vista específico da técnica domi nante, a questão é outra; é a de verificar como os resíduos do passado são um obstáculo à difusão do novo ou juntos encontram a maneira de permitir ações simultâneas. (SANTOS, 2006, p. 25) Milton Santos oferece importante contribuição para analisarmos a dinâmica espacial a partir das horizontalidade e verticalidades: Nas atuais condições, os arranjos espaciais não se dão apenas através de figuras formadas de pontos contínuos e contíguos. Hoje, ao lado dessas manchas, ou por sobre essas manchas, há, também, constelações de pontos descontínuos, mas interligados, que definem um espaço de fluxos reguladores. As segmentações e partições presentes no espaço sugerem, pelo menos, que se admitam dois recortes. De um lado, há extensões formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade, como na definição tradicional de região. São as horizontalidades. De outro lado, há pontos no espaço que, separados uns dos outros, asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia. São as verticalidades. O espaço se compõe de uns e de outros desses recortes, inseparavelmente. É a partir dessas

novas subdivisões que devemos pensar novas categorias analíticas. (SANTOS, 2006, p. 192) Sobre as relações internas que constituem o lugar Santos explica: Mas os lugares também se podem refortalecer horizontalmente, reconstruindo, a partir das ações localmente constituídas, uma base de vida que amplie a coesão da sociedade civil, a serviço do interesse coletivo. Com a especialização funcional dos subespaços, há tendência à geração de um cotidiano homólogo graças à interdependência que se estabelece horizontalmente. (SANTOS, 2006, p. 194) 4. O CASO DO BAIRRO LEGAL: O Bairro Legal é uma política pública urbana que visa beneficiar moradores de bairros da cidade de Campos dos Goytacazes/RJ, através de obras de infraestrutura urbana, realizadas pela Prefeitura, através da secretaria de Obras e Urbanismo. O programa contempla 10 bairros do município com drenagem de águas pluviais, rede de água, tratamento de esgoto, urbanização, pavimentação, mobilidade, entre outras melhorias. As localidades beneficiadas são Ururaí, Donana (na Baixada Campista), Residencial Santo Antônio, Jardim Ceasa, Novo Eldorado, Parque Eldorado, Jardim Eldorado, Penha, Lapa e Goitacazes. Este projeto da Prefeitura de Campos pretende melhorar a qualidade de vida nas localidades afetadas pela falta de planejamento que se seguiu durante anos na história do município. Além das obras de um macro sistema de drenagem, sistema de coleta de esgotamento sanitário, remoção dos aterros das ruas para construção de nova base e subbase, nova iluminação, construção de calçadas e tratamento paisagístico, vem sendo criados condomínios habitacionais, divididos em blocos de, que representam aproximadamente 1.200 novas moradias, segundo a Prefeitura Municipal de Campos. A nova política de planejamento no município contempla bairros com pouca ou nenhuma infraestrutura urbana, visando a regularização dos mesmos do ponto de vista urbanístico e fundiário dos vários loteamentos irregulares existentes, atendendo as indicações encontradas no Estatuto da Cidade (2001).

Embora o principal destaque para esta política urbana seja positivo, há que se ressaltar problemas que são encontrados no período de implantação, principalmente nos bairros vizinhos que acabam sendo atingidos pela movimentação das obras. Um exemplo é a Rua Policarpo Ribeiro, no bairro da Penha, que não recebeu os benefícios das obras, mas abrigou todo o tráfego, leve e pesado, durante as obras do bairro legal, que levou ao surgimento de buracos, vazamento de esgoto e prejuízo ao calçamento. Todavia nenhum tipo de reparo foi providenciado. A prefeitura de Campos espera que a partir das obras, os bairros e distritos estarão dotados de total estrutura de mobilidade, além da política preparar o município para o crescimento vertiginoso da cidade previsto para os próximos 10 anos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no censo de 2010. 5. À GUISA DE CONCLUSÃO: Durante o presente trabalho, houve uma busca de apresentação de alguns elementos importantes para a compreensão de como uma política urbana, promovida pelo Estado, pode alimentar o mercado imobiliário, majoritariamente privado. A partir da noção da regularização fundiária, da compreensão de como a evolução urbana se deu de forma acelerada, e da importância da participação popular para uma re-significação da cidade ilegal, poderemos fazer algumas observações acerca do Bairro Legal em Campos dos Goytacazes/RJ. O Bairro legal, através da Prefeitura Municipal, criou um ambiente propício para a valorização e especulação do solo urbano nos bairros que receberam as obras de urbanização. Os preços dos lotes em bairros que antes eram considerados insalubres, cresceu demasiadamente, e a aquisição prévia de terrenos nestes bairros também cresceu, o que sugere o vazamento de informações para o mercado imobiliário das obras que estariam por ocorrer. Observou-se também, que houve um intenso processo de des-territorialização e reterritorialização de muitas famílias, a partir de sua remoção de alguns locais em direção a outros, com a justificativa a partir do discurso técnico da defesa civil, e mapeamento realizado pela prefeitura, de que muitos moradores residiam em áreas de risco. Todavia o

que é latente, é o afastamento ainda maior dessas camadas mais pobres do que se chama cidade legal. A legalização de boa parte dos bairros contemplados pela política de planejamento em Campos dos Goytacazes, não levou em consideração o direito pleno à cidade, tampouco respeitou os moradores. Nenhum deles contou com a participação da população, tornandose, portanto, uma política vertical de rearranjo do espaço, com a justificativa de regularização fundiária. Ainda é preciso ressaltar, que esta política não solucionou a questão dos espaços ociosos, visto que boa parte destes espaços foi destinada à venda para especulação, acentuando ainda mais a relação entre planejamento urbano e mercado imobiliário, feita através de leis orgânicas, por órgãos públicos e privados e outras. Tal relação se confirma quando ações feitas pelo Estado, tais como, infra-estrutura viária, transporte, saneamento básico, postos de saúde, afetam substancialmente a valorização imobiliária. A política do Bairro legal, sem dúvidas gerou alguma melhoria nos bairros citados, e claramente reduziu os problemas sofridos por boa parte de sua população. Porém, do ponto de vista da política urbana como um todo, considerando os projetos, sua estruturação e sua execução, o Bairro Legal se tornou um grande canteiro de obras, sem nenhum, ou com muito pouco conteúdo social, que levasse à população o verdadeiro acesso à cidade, efetivo, e democrático.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANDRADE, Manuel Correia. A questão do território no Brasil. São Paulo: Hucitec; Recife: IPESPE, 1995. CAMPOS FILHO, Cândido M. Cidades Brasileiras: seu controle ou o caos. São Paulo, SP: Studio Nobel, 2001. HAESBAERT, Rogério. PORTO-GONÇALVES, Carlos-Walter. A nova des-ordem mundial. São Paulo: Ed. UNESP, 2005. LAKATUS, E. M., MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. São Paulo: Atlas, 2003. LEITE, A. F. O Lugar: Duas Acepções Geográficas. Anuário do Instituto de Geociências - UFRJ Vol. 21, 1998. LOEB, Roberto. Aspectos do planejamento territorial urbano no Brasil. Planejamento no Brasil 5ª. Ed. São Paulo, 1997 MARICATO, E. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. In: Arantes, O. et al. A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2000. RAFFESTIN, Claude - Por Uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1980. RAMOS, T. T. A geografia dos conflitos sociais da América Latina e Caribe. Programa regional de becas CLACSO, 2003. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/becas/2002/mov/tramon.pdf, acessado em 05 de março de 2009. SANTOS, M. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 2º Edição. São Paulo: Hucitec, l997. Metamorfoses do Espaço Habitado, fundamentos Teórico e metodológicos da geografia. Hucitec.São Paulo 1988. SOUZA, Marcelo Lopes. Mudar a Cidade: Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão Urbanos. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil, 2004.. Fobópole. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2008