Analysis of oral phase of swallowing in adults with spastic cerebral palsy and quadriplegy



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Transcrição:

ANÁLISE DA FASE ORAL DA DEGLUTIÇÃO DE ADULTOS COM PARALISIA CEREBRAL ESPÁSTICA E TETRAPLEGIA Analysis of oral phase of swallowing in adults with spastic cerebral palsy and quadriplegy 345 Danielle Madalozzo (1), Edson Ibrahim Mitre (2) RESUMO Objetivo: analisar a fase oral da deglutição de adultos desdentados com paralisia cerebral espástica e tetraplegia. Métodos: foram avaliados 10 adultos com paralisia cerebral espástica e tetraplegia, edêntulos totais, sem prótese dentária, institucionalizados, por meio da análise de imagens de uma refeição, utilizando-se um protocolo de anotações. Resultados: todos os sujeitos apresentaram ausência de reação oral patológica, 80% captaram o bolo de forma passiva; em 70% dos pacientes observou-se ausência de vedamento labial e escape de alimento da cavidade oral. Durante o preparo do bolo, observou-se restrição dos movimentos linguais e mandibulares bem como movimentos de língua postero-anteriores; ausência de compensação de cabeça. Conclusões: a fase oral dos pacientes avaliados se caracteriza por ausência de reações orais patológicas, disfunção labial causando dificuldades, tais como: na captação do bolo e escape de alimento da cavidade oral, movimentos de língua postero-anteriores, restrição dos movimentos de língua e da mandíbula durante o preparo do bolo e ausência de movimentos compensatórios de cabeça. DESCRITORES: Deglutição; Paralisia cerebral; Quadriplegia; Boca edentada; Adulto INTRODUÇÃO A paralisia cerebral (PC) consiste de um grupo de desordens motoras de caráter não progressivo que são sujeitas a mudanças no decorrer do desenvolvimento e que é conseqüência de uma lesão cerebral precoce 1-2, que pode ser anóxia, infecção, traumatismos, malformações, dentre outras. Tais desordens motoras podem acarretar, inicialmente, alterações da movimentação e da postura, interferindo, assim, no desenvolvimento dos órgãos do complexo orofacial e proporcionando o desempenho inadequado das funções alimentares (sucção, mastigação e deglutição), alterações articulatórias e alterações respiratórias 3. (1) Fonoaudióloga, Especialista em Motricidade Oral. (2) Médico Otorrinolaringologista, Doutor em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Médico Voluntário do Depto. de ORL da Santa Casa de São Paulo. De acordo com o comprometimento neuro-muscular, a paralisia cerebral se caracteriza em espástica, atáxica e atetóide 4. Na paralisia cerebral espástica, a criança apresenta musculatura hipertônica, ou seja, o estado de contração de seus músculos está aumentado mesmo em repouso; o grau dessa contratura varia com o estado geral da mesma. Esse é o tipo mais freqüente de Paralisia Cerebral. O tipo atáxica se caracteriza pelo tônus muscular baixo, com movimentos espasmódicos e incontrolados. Já as crianças atetóides mostram tônus muscular instável e flutuante 4. Quanto ao comprometimento motor, a paralisia cerebral é dividida em quadriplegia, diplegia e hemiplegia 4-5. A quadriplegia envolve todo o corpo, sendo que os membros superiores são mais comprometidos ou pelo menos tão comprometidos quanto os membros inferiores, mesmo que de forma assimétrica. Devido a tais comprometimentos, o controle da cabeça está prejudicado, assim como a coordenação dos olhos. Na diplegia, há também o envolvimento do corpo todo; porém, os membros inferiores estão mais afetados que os membros superiores. O controle de

346 Madalozzo D, Mitre EI cabeça e dos braços é pouco afetado. Uma observação minuciosa pode revelar certo envolvimento de um ou dos dois braços e mãos. A hemiplegia é o comprometimento de um lado do corpo, ou direito ou esquerdo. Entretanto, encontra-se relato de características fonoaudiológicas específicas para cada tipo de paralisia cerebral. Achamos relevante citar apenas as características fonoaudiológicas da paralisia cerebral espástica, já que neste trabalho, será enfocado somente este tipo de PC, considerando que este é o tipo mais freqüente. Observa-se, neste tipo de PC, pobre mímica facial devido ao aumento de tônus muscular da face; hiperfunção e projeção de língua; retração de lábio superior; dificuldade de vedamento labial; palato ogival; língua com dorso elevado e ponta para baixo; reflexo de mordida; respiração oral; sialorréia (postura, mobilidade e sensibilidade dos órgãos do complexo orofacial alterados); escape de alimento pela cavidade oral; amassamento do alimento entre língua e palato; movimentos ântero-posteriores de língua sem dissociação com a mandíbula, transporte posterior do alimento lentificado, podendo haver compensações como reclinações de cabeça, protrusão dos ombros e movimentos incoordenados de língua 6-7. Num estudo com sujeitos com PC disfágicos dentados, com idades entre 1 e 18 anos, os autores encontraram alteração da fase antecipatória, incompetência labial, movimentos de mandíbula incoordenados, pobre postura de cabeça, deglutições múltiplas, função de língua prejudicada 8. Outros estudos relatam alterações como aumento ou diminuição do reflexo de vômito, hipersensibilidade oral, reflexo de mordida e disfunção labial 9-10. Outros autores justificam o escape de alimento como conseqüência da protrusão de língua e do vedamento labial inadequado 11. Observa-se também como característica importante da PC a alteração postural, sendo a hiperextensão cervical a mais encontrada durante a alimentação 12. As crianças com PC apresentam também alterações odontológicas assim como quaisquer outras crianças, porém, são essas são exacerbadas por fatores como dieta cariogênica, dificuldade de higienização e incoordenação da musculatura 13. Em geral, crianças com esse tipo de alteração neurológica ingerem alimentos de consistência mais mole, necessária por causa da dificuldade de mastigação. Também se observa grande dificuldade durante a higienização, por problemas motores ou pelas reações patológicas orais ainda presentes. Dentre os problemas dentários citados na literatura, encontramos deglutição atípica, bruxismo, respiração oral, pressão atípica da língua, doenças periodontais exacerbadas por medicamentos. Quanto à oclusão, as crianças com PC espástica apresentam Classe II, divisão 2, ou seja, toda a arcada superior está além da posição normal com a arcada inferior, estando os incisivos centrais em línguo-versão e os laterais em vestibulo-versão, com mordida cruzada uni ou bilateralmente 14. Quanto aos problemas odontológicos, observa-se ainda aumento da incidência da maloclusão (76% contra 55% de indivíduos normais), de cáries e de doenças periodontais 14. Esses dados associados a um prognóstico médico pobre, podem levar muitas vezes a tratamentos radicais como exodontias 13. Nenhum relato sobre pacientes com PC desdentados foi encontrado na literatura pesquisada. Em relação aos indivíduos desdentados saudáveis, sabese que as perdas dentárias implicam um desequilíbrio dinâmico das estruturas musculares e ósseas; a mandíbula assume uma posição protrusiva e os lábios se contraem 15. A literatura relata casos de sujeitos edêntulos totais com idade avançada, nos quais ocorre um processo regressivo envolvendo a morfologia funcional de todas as estruturas estomatognáticas: a mandíbula assume posição anteriorizada e rotação anti-horária, ocorre diminuição da sensibilidade oral e da força de contração muscular, resultando em incoordenação muscular e levando à adaptação compensatória que, na maioria das vezes, não é funcional 16. Ainda nos estudos com idosos, há relatos de que a perda da dentição natural afeta a preparação do bolo alimentar e pode levar à fadiga prematura durante a alimentação 17. Em um estudo longitudinal realizado por dois dentistas americanos 13 há um relato que após dois anos de extração de dentes remanescentes e instalação da prótese, a altura da face estava bem reduzida e a mandíbula mais anteriorizada. Essas mudanças na posição de repouso ocorreram devido a uma contínua reabsorção do processo alveolar e adaptação da neuromusculatura. A língua também sofreu alterações, interpondo-se aos arcos gengivais para dar estabilidade à mandíbula 18. Em decorrência de todo o desequilíbrio do complexo orofacial encontrado em pacientes desdentados, podem ocorrer também alterações das funções orais de deglutição, mastigação e fala 15,19. Ainda de acordo com a literatura, um grande número de pessoas normais desdentadas apresenta mastigação em charneira, amassando o alimento com a língua e apresentando incoordenação dos movimentos mandibulares 19. Baseados nesses relatos, acreditamos que em casos da paralisia cerebral, nos quais raramente se adapta prótese dentária, as alterações sejam ainda mais rigorosas. O objetivo deste estudo foi analisar a fase oral da

Deglutição e paralisia cerebral espástica 347 deglutição de pacientes adultos desdentados com paralisia cerebral espástica e tetraplegia. 1 sujeito (10%) foi observado desvio da mandíbula durante abertura/fechamento bucal. (Figura 2) MÉTODOS Foram avaliados 10 pacientes, sendo 06 do sexo feminino e 04 de sexo masculino, com paralisia cerebral espástica e tetraplegia, com idade entre 24 e 33 anos, edêntulos totais, sem prótese dentária, moradores de uma instituição da cidade de Jaci, SP. Foi realizada gravação em fita VHS, utilizandose câmera JVC Compact VHS GR-AX720, durante uma refeição (almoço) dos pacientes, com enquadramento da face. As imagens gravadas foram analisadas para avaliar as características da fase oral (preparatória e oral propriamente dita) 12. Foi utilizado um protocolo de análise das gravações dos pacientes analisados. Os resultados foram apresentados em números absolutos e percentuais. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica sob número 023/03. RESULTADOS Após análise das gravações observou-se que todos os pacientes desta pesquisa não apresentaram reação oral patológica. Quanto à captação do bolo, notou-se que em 8 (80%) pacientes ocorreu de forma passiva. O vedamento labial esteve presente em 3 (30%) sujeitos. Durante o preparo do bolo, observou-se movimento postero-anterior da língua em todos os pacientes estudados, sendo que em 9 (90%) esses movimentos foram restritos. Notou-se ainda protrusão de língua em 2 (20%) pacientes. (Figura 1) 12 10 8 6 4 2 0 rítmico clônus protrusão involuntário excessivo restrito póstero-anterior Figura 1 - Movimento da língua no preparo do bolo Em relação aos movimentos de mandíbula, todos os sujeitos apresentaram movimentos mastigatórios verticais, sendo que 6 deles realizaram-nos de forma restrita, e 4, rítmicos. Em apenas 12 10 8 6 4 2 0 rítmico tremores travamento exagerado restrito vertical rotatório Figura 2 Movimento mandibular no preparo do bolo Em 7 (70%) pacientes houve escape de alimento da cavidade oral. Quanto à postura de cabeça, metade dos pacientes não a mudou durante a alimentação. DISCUSSÃO Considerando a escassez da literatura sobre edentulismo na PC, discutiremos os achados dessa pesquisa a partir dos relatos existentes sobre características fonoaudiológicas e sujeitos edêntulos com idade avançada. Também não é comum estudos sobre adultos com PC; a maioria dos trabalhos é realizada com crianças na infância e, em menor número, na adolescência 6-10. O fato de todos os sujeitos estudados nessa pesquisa apresentarem ausência de reação oral patológica está de acordo com os relatos sobre a diminuição da sensibilidade oral presente nos indivíduos edêntulos 14. Por outro lado, esse dado discorda da literatura de PC, que cita a presença da reação oral patológica como característica importante do complexo orofacial dessa população 6-7,9-10. A captação do bolo de forma passiva ocorreu em 8 (80%) dos sujeitos avaliados, mostrando, dessa forma, incompetência labial, principalmente do lábio superior 6. Enquanto isso, os autores dos estudos com edêntulos (sem prótese dentária) citam a contração labial como conseqüência do edentulismo 13. Todos os sujeitos dessa pesquisa apresentaram movimentos postero-anteriores de língua. Tanto os estudos sobre PC 6-7 como aqueles sobre edentulismo 16 confirmam esse achado, sendo que os últimos justificam-no como necessário na estabilização da mandíbula.

348 Madalozzo D, Mitre EI Em 9 (90%) dos indivíduos os movimentos de língua durante o preparo do bolo foram restritos, causando assim, um transporte lentificado do bolo para a região posterior 6-7, prejudicando, desse modo, a fase de preparação do bolo alimentar 15. Os movimentos mandibulares durante o preparo do bolo foram verticais em todos os pacientes, concordando com o estudo de pessoas normais desdentadas, cuja mastigação é caracterizada como charneira 19. O escape do alimento ocorreu na maioria dos sujeitos estudados (70%) corroborando com outros achados que comprovam a incompetência labial e os movimentos postero-anteriores de língua. Esses dados estão de acordo com o estudo com PC espástica 11 que justificam o escape de alimento pelos movimentos de língua póstero-anteriores e a incompetência labial. Por outro lado, a literatura sobre o edentulismo refere hiperfunção labial 15. Na metade dos pacientes avaliados não houve mudança na posição da cabeça durante a alimentação. Não encontramos relatos na literatura pesquisada sobre alterações posturais nos sujeitos edêntulos 13-19, porém o fato de destes apresentarem dificuldade no preparo do bolo alimentar pode levá-los a realizar compensação de cabeça. Já a literatura sobre PC relata que a maior parte dos pacientes apresenta essa característica, na forma de hiperextensão 12. Diante desses dados, observamos que alguns aspectos, como a ausência de reação oral patológica e a mobilidade de língua e mandíbula durante o preparo do bolo, estão mais associados às conseqüências do edentulismo. Enquanto outros aspectos, como a captação do bolo, o vedamento labial, a mobilidade de língua e mandíbula durante o preparo do bolo e o escape de alimento, estão associados à PC. Com base nessa discussão, pode-se dizer que as conseqüências da PC foram mais graves, porém as alterações causadas pela retirada dos dentes agravaram ainda mais a fase oral da deglutição na população estudada. No entanto, esse trabalho também colaborou para levantar aspectos para futuras pesquisas relacionadas às características funcionais orais de indivíduos edêntulos sem prótese dentária, principalmente associado à PC e outras alterações neurológicas. Considerando que a metodologia utilizada tenha limitações por causa de sua subjetividade, sugerimos, para os próximos estudos, a utilização de exames objetivos para diagnosticar as fases da deglutição com maior precisão. CONCLUSÕES Após análise dos dados, concluímos que a fase oral dos pacientes edêntulos com paralisia cerebral espástica e tetraplegia se caracteriza por ausência de reações orais patológicas, disfunção labial causando dificuldade na captação do bolo e escape de alimento da cavidade oral, movimentos de língua postero-anteriores, restrição dos movimentos de língua e da mandíbula durante o preparo do bolo e ausência de movimentos compensatórios de cabeça. ABSTRACT Purpose: to analyze the oral phase of swallowing in edentulous adults with spastic Cerebral Palsy (CP) and quadriplegy. Methods: ten adults with spastic CP and quadriplegy, edentulous, no denture, institutionalized were studied by means of images resgistered of a meal using a registered protocol. Results: all subjects presented no oral reflexes, 80% received bolus involuntarily, in 70% there was no lips closure and food escape of the mouth. Inadequate lingual and mandibular movements of the tongue; no abnormalities of head posturing were observed during bolus formation. Conclusions: the oral phase of these patients was characterized by no oral reactions; inadequate lips closure resulting some difficulties (such as: the manipulation of the bolus) in manipulation the bolus and food escape of the mouth, the posterior-anterior movements during bolus formation and no abnormalities of head posturing. KEYWORDS: Deglutition; Cerebral palsy; Quadriplegia; Mouth edentulous; Adult

Deglutição e paralisia cerebral espástica 349 REFERÊNCIAS 1. Souza AMC. Paralisia Cerebral: prognóstico funcional. In: Ferrareto I (org), Souza AMC. Como tratamos a paralisia cerebral: reabilitação. São Paulo: Associação Brasileira de Paralisia Cerebral/Escritório Editorial; 1997.p.5-12. 2. Bobath K. Deficiência motora em pacientes com paralisia cerebral. São Paulo: Manole; 1976. 3. Seacero LF, Guedez ZCF. Avaliação dos órgãos fonoarticulatórios e aspectos odontológicos em crianças portadoras de paralisia cerebral com espasticidade e quadriplegia. In: Marchesan I, Zorzi J. Anuário CEFAC de fonoaudiologia 1999/ 2000. Rio de Janeiro: Revinter; 2000.p. 251-7. 4. Bobath K. Uma base neurofisiológica para o tratamento da paralisia cerebral. São Paulo: Manole; 2000. 5. Rosemberg S. Neuropediatria. São Paulo: Sarvier; 1998.p.116-20. 6. Fernandes AS, Seacero LF, Oliva, S. Características fonoaudiológicas nos diferentes tipos de paralisia cerebral. In: Marchesan IQM, Zorzi JL, Gomes ICD. Tópicos em fonoaudiologia 1997/ 1998. São Paulo: Lovise; 1998.p. 383-92. 7. Morales RC. Terapia de regulação orofacial. São Paulo: Memnom; 1999. 8. Selley WG, Parrot LC, Lethbridge PC, Flack FC, Ellis RE, Johnston KJ, Tripp JH. Non-invasive technique for assessment and management planning of oral-pharyngeal dysphagia in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2000;42(9):617-23. 9. Helfrich-Miller KR, Rector KL, Straka JA. Dysphagia: its treatment in the profoundly retarded patient with cerebral palsy. Arch Phys Med Rehabil. 1986; 67(8):520-5. 10. Love RJ, Hagerman EL, Taimi EG. Speech performance, dysphagia and oral reflexes in cerebral palsy. J Speech Hear Disord. 1980; 45(1):59-75. 11. Seacero LF, Guedes ZCF. Aspectos da deglutição em crianças com paralisia cerebral espástica. Fono Atual. 1999;10(1): 20-4. 12. Furkim AM, Behlau MS, Weckx LLM. Avaliação clínica e videofluoroscópica da deglutição em crianças com paralisia cerebral tetraplégica espástica. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3A): 611-6. 13. Figueiredo JR. Odontologia em paralisia cerebral. In: Souza AMC, Ferrareto I (org). Paralisia cerebral: aspectos práticos. São Paulo: Associação Brasileira de Paralisia Cerebral/Frontis; 1998.p.148-68. 14. Lannes C, Vilhena-Moraes AS. Pacientes especiais. In: Guedes-Pinto AC. Odontopediatria. 6.ed. São Paulo: Santos; 1997.p.896. 15. Felício CM. Fonoaudiologia aplicada a casos odontológicos: motricidade oral e audiologia. São Paulo: Pancast; 1999. 240p. 16. Palazzo G. Aspetti morfo-funzionali dell apparato stomatognatico nell edentulo totale: riabilitazione protesica. Minerva Stomatol.2001;50(5):165-71. Review. 17. Groher ME. Distúrbios de deglutição em idosos. In: Furkim AM, Santini CS. Disfagias orofaríngeas. Carapicuiba: Pró-fono; 1999. p.97-107. 18. Lambadakis J, Karkaziz HC. Changes in the mandibular rest position after removal of remaining teeth and insertion of complete dentures. J Prosthet Dent. 1992; 68(1): 74-7. 19. Cunha CC, Felício CM, Bataglion C. Condições miofuncionais orais em usuários de próteses totais. Pró-fono. 1999;11(1):21-6. RECEBIDO EM: 13/07/04 ACEITO EM: 01/10/04 Endereço para correspondência: Rua José Agrelli, 205, ap. 21 São José do Rio Preto - SP CEP: 15091-190 Tel: (17) 229-3569 e-mail: madalozo@terra.com.br