Luz e Representação e Representação da Luz - alguns aspectos da foto-grafia na Imagem Artística



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Transcrição:

Luz e Representação e Representação da Luz - alguns aspectos da foto-grafia na Imagem Artística Light and Representation and Representation of Ligh -aumont some aspects of photography in Artistic Image Luís Carlos dos Santos - Mestre e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia / Universidade Tecnológica Federal do Paraná - PPGTE / UTFPR. luidisan@gmail.com Luciana Martha Silveira - Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia / Universidade Tecnológica Federal do Paraná - PPGTE / UTFPR. martha@utfpr.edu.br Resumo Neste artigo, trataremos da relação entre a Representação visual, material, da imagem e a Luz. A Imagem tem como princípio a Luz; A Luz, para ser percebida, precisa de algo material, formando uma imagem. Como elemento cultural, a Luz é produzida, interpretada e codificada. Criamos uma linguagem da Luz, da qual, quanto mais conhecemos, mais "camadas de sentido" observamos e desvelamos. Assim, defende-se que, como materialidade e como significação artística, externa e internamente à Representação, a Luz pode ser discutida na imagem sob aspectos que vão do elementar, sua própria existência, aos aspectos conceituais, implícitos na imagem representada. Palavras-chave: Luz, Representação, Representação da Luz, Imagem Artística Abstract In this article, we treat the relationship between the visual representation, material, of image and the Light. The Image has as it principle the Light; The Light to be perceived, needs something material, forming an image. As a cultural element, the Light is produced, interpreted and codified. We create a language of Light, which the more familiar, more "layers of meaning" we observe and caring. Thus, it is argued that, as materiality and as artistic significance, internal and external to representation, the Light can be discussed in the image in ways that range from basic, its existence, to the conceptual aspects, implicit in the image represented. Key words: Light, Representation, Representation of Light, Artistic Image 1) Luz e Representação Imagens 1 artísticas são representações, discursos. Como tais, têm potência para a geração de um número indefinido de significados. Uma imagem é um simulacro, metaforicamente, uma esfinge a qual nunca conseguimos decifrar completamente, e que, pelo menos em parte, sempre nos devora. Como extremo disso, Platão (apud CHAUÍ, 1 Imagem neste artigo se refere apenas às imagens artísticas visuais, materialmente constituídas e que dependem da Luz para serem percebidas. Não fazem parte da discussão as imagens mentais, em que a Luz não está presente fisicamente.

2 2006, p. 285) já acusava veementemente os pintores e sua arte "imitativa", por entender que as representações artísticas seriam sempre modelos enganosos, cópias falsas e deformadas daquilo que tentavam, sem sucesso, mostrar, e que só existiriam, segundo ele, em um plano superior, da razão. Até o próprio mundo seria, para o filósofo, uma cópia imperfeita desse mundo verdadeiro. Ao representar o mundo, o pintor seria o responsável por enganar os olhos com uma cópia de segunda ordem, uma cópia do mundo sensível, cópia da cópia. Este breve comentário serve apenas como ilustração sobre a importância do tema para aqueles que se utilizam da Representação, como os artistas, e também aqueles que sobre ela lançam suas reflexões. Como ponto de contato entre ele, o artista, e o observador, as imagens "representam" de alguma maneira o artista pretende (um conceito), de maneira figurativa ou abstrata. Neste artigo, trataremos da relação entre a Representação visual, material, da imagem e a Luz 2. A Imagem tem como princípio a Luz; A Luz, para ser percebida, precisa de algo material para formar uma imagem. Como elemento cultural, que se produz, se interpreta e se codifica, fizemos e fazemos do uso da Luz, uma linguagem, da qual, quanto mais conhecemos, mais "camadas de sentido" observamos e desvelamos. Assim, como materialidade e como significação artística, externa e internamente à Representação, a Luz pode ser discutida na imagem sob aspectos que vão do elementar, sua própria existência, aos aspectos conceituais, implícitos na imagem representada. A discussão a respeito da Luz sempre esteve vinculada a dois campos: o natural, que trata de sua existência física e tenta explicar os efeitos dos fenômenos luminosos a partir de sua materialidade; e o cultural, que liga esses fenômenos luminosos a elementos que lhes são inseridos historicamente pelo homem, por meio de seu desenvolvimento intelectual. Mas, sendo a relação homem/interpretação-ação indissociável, mesmo nos fenômenos ditos "naturais" são criadas associações aos diversos modos de interpretação e de ação desenvolvidos pelo homem a partir de seu intelecto. A simples percepção, e a partir de sua ação direta com esses fenômenos, principalmente com o domínio do fogo, o homem tem elementos para aprender, 2 Luz - Radiação visível do espectro magnético, compreendida entre as radiações infravermelhas e ultravioletas. Mas, perceptivamente, não vemos a Luz diretamente, o que vemos é o resultado de sua incidência sobre uma superfície material que lhe serve de anteparo.

3 racionalizar e culturalizar a produção da Luz, mesmo incoscientemente, como comenta Ben Bova (2001, p. 03) ao enfatizar que somos "criaturas da Luz": "A Luz do fogo é a base de toda civilização humana. A força e a beleza da Luz são tão fundamentais para nossas vidas que incorporamos as metáforas da visão e da Luz nas nossas linguagens cotidianas sem ao menos pensar nisso." (BOVA, 2001, p.03) Com esses dois processos, a interpretação da Luz natural e a produção artificial da Luz, compartilhados dentro dos grupos sociais em que foram instituídos, criaram-se as condições necessárias para o estabelecimento de uma codificação, uma linguagem de leitura e de uso da Luz. Antônio Damásio e Hanna Damásio (2005) explicam porque esse tipo de processo de codificação, a linguagem, se desenvolveu tão bem historicamente: A linguagem surgiu e se manteve ao longo da evolução porque constitui um meio de comunicação eficaz, sobretudo para conceitos abstratos. Ela nos auxilia a estruturar o mundo em conceitos e a reduzir a complexidade das estruturas abstratas a fim de aprendê-las: é a propriedade de "compreensão cognitiva". (Damásio & Damásio, 2005, p. 22) E Bova (2001, p. 04) conclui que a Luz "é o mais importante meio de comunicação que nós temos". Aprendemos a perceber e a ler o efeito da Luz sobre o mundo físico. Guardamos referências e as compartilhamos em nossos discursos. Materializamos e quanto, não raro, ficamos frustrados porque a imagem representada está aquém visualmente do esperado justamente por causa da iluminação. Diversos fatores influem nesse resultado, de acordo com o tipo de imagem. Para os objetivos da discussão, e quanto à fonte de Luz, podemos classificar as imagens em dois tipos: iluminadas e luminosas. As imagens iluminadas dependem de uma fonte externa de Luz para serem visíveis (pintura, desenho, gravura, fotografia, impressão, colagem, entre outras). As luminosas são, por si, uma fonte de Luz (vídeo, cinema, imagens de síntese, ou outras projeções). Em ambos os casos, a Luz externa atua e interfere no resultado visível da imagem. No caso das imagens iluminadas, a Luz é sua própria essência, pois a torna visível. Mas, também reage com as propriedades físicas dos seus materiais, suprimindo ou enfatizando características importantes.

4 Materialmente, é possível alterar as características da Luz incidente sobre a imagem (intensidade, direção, temperatura de cor) com o uso, por exemplo, de lâmpadas específicas, filtros e difusores. O resultado visual será o resultado desse interação, das características da Luz incidente com as características materiais do suporte onde a imagem está. Por isso mesmo, o Cinema precisa de um ambiente sem qualquer fonte de Luz externa que não a própria imagem luminosa, pois as cores e os detalhes da Luz- Imagem já estão exatamente conforme a concepção estética, o conceito, desejado pelo diretor e pelo diretor de fotografia. 2) Representação da Luz Como já evidenciado anteriormente, a questão da interferência da Luz externa é crucial na natureza perceptiva das imagens representadas. Mas, além de externamente criar a imagem percebida, ela também aparece representada no interior da imagem propriamente dita, na sua constituição narrativa, naquilo que ela representa. Como signo visual importante, o uso da Luz estabelece códigos, cria sentidos e demanda o estudo e o conhecimento desse conjunto estético que, entendemos, pode ser caracterizado como uma linguagem. Como "representações de algo", as imagens interpretadas são abstrações mentais, mas que possuem algum tipo de "conceito", uma idéia com a qual estão relacionadas. E a Representação dessa idéia varia de acordo com inúmeros aspectos, que vão da escolha dos materiais para a produção da iluminação, às associações não visuais que a Luz desencadeia. Tomando isso por base, torna-se compreensível aceitar que a produção da Luz está assim atrelada aos meios que permitem que isso aconteça (o como produzir a Luz), mas também está ligada a esse conceito mental pretendido na Representação (o porquê da Luz). Da figuração à abstração, na Representação a Luz é produzida de acordo com elementos que enfatizem alguns parâmetros e anulem outros. Uma Representação que busque a "realidade" do mundo físico como parâmetro já está implicada em determinados modos de uso da Luz que têm relação com o mundo físico. As possibilidades ficam

5 restritas ao conceito de "realidade" existente, onde a Luz é, em geral, pensada apenas para iluminar suficientemente os ambientes. No outro extremo, das imagens abstratas e das produções ficcionais, onde a Luz é pensada e usada poeticamente, ela pode, conforme o conceito estético, ser criada sem qualquer preocupação com o mundo físico e seus referentes. Mais que isso, a atenção é para se estabelecer algum vínculo forte entre o que se busca representar (o conceito) e como realizar materialmente tal associação. Essa aderência entre o conceito e o resultado material é semelhante ao que acontece na figuração, só que por outros modos, como comenta Mel Gooding: Veremos que a chave para o significado em arte, que é a semelhança, aplicase tanto à abstração como à figuração, mas que a semelhança pode ser mais do que uma questão de com que as coisas se parecem : um conceito, por exemplo, pode encontrar semelhança em um objeto. (Gooding, 2002, p. 11) Para exemplificar rapidamente esses pontos, apresentamos três fotogramas de filmes, que ilustram possibilidades distintas no uso da Luz. No primeiro exemplo, usamos um fotograma do filme Diabo no Corpo (Fotograma 01), dirigido por Marco Bellocchio e fotografado por Giuseppe Lanci, para mostrar a Luz que é apresentada de maneira naturalista, completamente discreta e se aproximando da realidade do mundo físico. Embora uma imagem seja uma abstração, esta é uma imagem que poderia perfeitamente estar acontecendo em qualquer lugar, pois tem uma aderência muito grande com a realidade visual do cotidiano. O objetivo da Luz é apenas o de fazer o observador ter a real sensação de estar em uma sala de aula amplamente iluminada pela Luz do Sol, possivelmente em uma tarde de verão. A ligação referencial com a realidade é imediata e inequívoca.

6 Fotograma 01. Diabo no Corpo. Direção de Marco Bellocchio e Direção de Fotografia de Giuseppe Lanci. Fonte: L.P Film - Film Sextile, 1986 No exemplo seguinte, retirado do filme "A Ronda da Noite" (Fotograma 02), de Peter Greenaway, a iluminação é nitidamente marcada, em todo o filme, pela mesma poética do chiaroscuro com que o pintor Rembrandt Van Rijn (1606-1669) a usava em seus quadros. O filme é baseado no quadro homônimo e serviu de desafio para a inspiração do cineasta e pintor Peter Greenaway. Com ênfase sempre na visualidade, seus filmes são carregados de experiências estéticas que exploram a Luz, seus movimentos e efeitos. Em Ronda da Noite, Greenaway repete o uso da Luz, da escuridão e da cor à maneira de Rembrandt, destacando com a Luz apenas os elementos de interesse na Representação e suprimindo todo o espaço em volta. A Luz aqui não tem aspecto naturalista, ao contrário, busca causar uma hapoteose visual, poeticamente, por meio da Luz e da sombra, na fotografia de Reinier van Brummelen.

7 Fotograma 02. A Ronda da Noite. Direção de Peter Greenaway e Direção de Fotografia de Reinier van Brummelen. Fonte: ContentFilm International, 2007. Por último, um exemplo de uso conceitual da Luz. No filme "Direito de Amar" (Fotograma 03), o diretor de Fotografia Eduard Grau usa a cor de maneira a expressar o estado de espírito do personagem. Após perder seu companheiro, o personagem George Falconer passa por momentos de depressão que o conduzem algumas vezes à idéia de suicídio. Intercalado com isso, ele consegue ainda encontrar algumas situações e momentos de alegria. Para expressar o estado depressivo do personagem, a iluminação se torna pouco contrastada, quase monocrimática. É a visão do mundo do personagem, de palidez, doença e desânimo. Por outro lado, nas situações de alegria, o contraste das cores se evidencia. Os tons vermelhos e laranjas ganham vida, como o próprio personagem de George.

8 Fotograma 03. Direito de Amar. Direção de Tom Ford e Direção de Fotografia de Eduard Grau. Fonte: Paris Filmes, 2009 3) Considerações Finais - As tecnologias como discursos de leitura e de produção imagéticas com a Luz Resumidamente, podemos dizer que a Luz influi materialmente na imagem, o que desencadeia uma influência perceptiva. Que é possível produzir sentido com o uso da Luz é sabido. Mas, o que importa enfatizar nesse processo é qual o motivo desencadeador disso. Não o "como" isso é feito e como aparece na imagem, mas o "porquê" isso faz sentido. Ao se interpretar Luz, busca-se, mesmo inconscientemente, esse motivo, isto é, um "sentido" referenciado na experiência com a materialidade e com a interação da Luz em todos os objetos, superfícies, corpos físicos e materiais onde possa ser percebida. A materialidade dos artefatos tecnológicos se manifesta também na materialidade da Luz, em suas limitações e em suas possibilidades. Se estabelecem relações estéticas

9 não apenas para os artefatos tecnológicos materializarem (como produzir sentido), mas também a partir da materialidade desses artefatos, criando outras associações e as incorporando ao conjunto estético existente, gerando um motivo para novas produções (por quê). O uso da Tecnologia culturaliza assim o fenômeno natural Luz, criando uma linguagem materializada pela iluminação e consolidada pelos códigos visuais. É ela a ponte entre esses dois aspectos.

10 4) Referências BELLOCCHIO, Marco. Diabo no Corpo. Itália / França: L.P. Film - Film Sextile: 1986. 1 DVD. 114 min. BOVA, Ben. The Story of Light. Illinois: Sourcebooks, 2001. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: 2006, Ática. GOODING, Mel. Arte Abstrata. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. DAMÁSIO, Antônio & DAMÁSIO, Hanna. O cérebro e a linguagem. Revista Viver mente&cérebro. Especial Percepção. São Paulo. v.03. 2005. FORD, Tom. Direito de Amar. EUA: Paris Filmes, 2009. 1 DVD. 101 min. GREENAWAY, Peter. A Ronda da Noite. Holanda / Reino Unido / Polônia / Canadá: ContentFilm International, 2007. 1 DVD. 134 min.