Autos nº: 201070500120051 Recorrentes/Recorridos: União Federal, Estado do Paraná, Município de Curitiba e Ester Ulissea Klettenberg Relator: Juiz Federal Eduardo Appio V O T O 1. Trata-se de pedido de fornecimento individual de medicamentos e insumos para o tratamento de diabetes. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os demandados ao fornecimento de aparelho de glicosímetro não necessariamente da Marca Roche; 60 seringas com agulha acoplada para aplicação da insulina; 3) 60 tiras ou fitas reagentes compatíveis com o aparelho (glicosímetro); 4) 60 lancetas para punção digital, rejeitando o pedido de fornecimento de Insulina Lispro, por não ter ficado comprovada sua indispensabilidade. Irresignadas, todas as partes interpuseram recurso. O Estado do Paraná (evento 83), em suas razões, sustenta que (a) os medicamentos e insumos deferidos não constam dos Protocolos Clínicos para o tratamento da patologia da autora; (b) o mérito do ato administrativo não pode ser questionado pelo Poder Judiciário e nem este deve administrar o fornecimento de medicamentos; (c) o controle da doença que acomete a autora pode ser feito com eficácia por meio de avaliação clínica regular e bioquímica trimestral; (d) apesar de os Estados serem responsáveis pela entrega dos medicamentos excepcionais, quem deve destinar - 1 -
recursos para a sua aquisição é o Gestor Federal e a União não faz o repasse da verba. O Município de Curitiba (evento 87), por sua vez, aduz (a) sua ilegitimidade passiva; (b) inobservância dos protocolos clínicos padronizados pelo Ministério da Saúde e impossibilidade de tratamento especial, mais dispendioso, à autora; (c) ausência de informação do próprio médico que acompanha o tratamento da autora sobre a real eficácia do tratamento indicado; (d) falta de demonstração inequívoca de que os acessórios para controle e aplicação sejam os únicos eficazes para o seu quadro clínico. Já a Defensoria Pública (evento 88) insurge-se contra o indeferimento do pedido relativo à insulina Lispro, argumentando que este fármaco é de superior qualidade técnica, apresenta melhor controle da doença e adapta-se mais facilmente à paciente, proporcionando-lhe melhor estado de saúde e bem estar. Por fim, a União Federal (evento 89) sustenta (a) sua ilegitimidade passiva, dada a qualidade de simples gestora e financiadora de recursos; (b) não comprovação da eficácia do medicamento pleiteado no tratamento da parte autora; (c) desperdício de dinheiro público para fornecimento de medicamentos por ordem judicial, os quais são adquiridos por valores elevados e, na maioria das vezes, sequer são utilizados pelos pacientes. Alternativamente, em caso de manutenção da sentença, requer seja fixado limite de prazo para o fornecimento do medicamento; seja determinado ao médico responsável pelo tratamento o dever de atestar periodicamente a necessidade e o sucesso no uso do - 2 -
medicamento; e, ainda, seja determinada a apresentação mensal em juízo das embalagens e ampolas dos remédios, a fim de comprovar a sua efetiva utilização pela parte autora, para preservar interesse e patrimônio públicos. 2. Recursos dos réus Afasto as alegações de ilegitimidade passiva, porque o STF já firmou entendimento de que o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estadosmembros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva assegurar o acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. No mérito, voto por manter a r. sentença por seus próprios fundamentos (art. 46 da Lei nº 9.099/95). Repise-se que o laudo pericial é explícito em afirmar a imprescindibilidade dos insumos deferidos em sentença, ponderando expressamente que avaliações clínicas e bioquímicas são necessárias, mas não substituem o controle diário por meio das fitas reagentes (evento 46). A jurisprudência do Supremo Tribunal é convergente no sentido de que tendo a perícia demonstrado a imprescindibilidade dos medicamentos/insumos, cabe a intervenção do Poder Judiciário para garantir o direito à saúde. Muito embora não concorde pessoalmente com esta posição, compreendo que seja dever dos - 3 -
juízes federais de instâncias inferiores observar, rigorosamente, a posição da mais alta Corte do país acerca deste delicado tema. Quanto ao aventado repasse de verbas, eventual ressarcimento pela União dos valores despendidos pelo Estado do Paraná transcende os limites objetivos da presente demanda, restrita que está à realização do pedido inicial da requerente. Com efeito, a obrigação de cada ente é autônoma em relação aos demais coobrigados, devendo ser satisfeita no plano administrativo ou em ação própria. Também no que se refere ao controle da entrega e da utilização dos insumos a sentença não merece reformas, tendo consignado, adequada e expressamente, que o fornecimento deve ocorrer enquanto perdurar o tratamento de saúde da autora, a quem incumbe, a cada quatro meses (120 dias), promover a juntada de documento médico que confirme a necessidade de tratamento, sob pena de os réus estarem dispensados do fornecimento do medicamento enquanto não comprovada a continuidade do tratamento. Ainda, compete à parte autora comparecer na sede do órgão responsável pelo fornecimento dos remédios, a fim de providenciar sua retirada, bem como diligenciar pelo acompanhamento médico de suas patologias, mantendo sempre em seu poder receituário atualizado. 2. Recurso da autora As alegações da autora também não merecem respaldo. - 4 -
Quanto à eficácia da insulina pretendida em relação às insulinas convencionais, a própria recorrente admite que não se discute que seu efeito é o mesmo, diminuir a taxa da glicose e controlar a doença Diabetes, não trazendo nenhum argumento capaz de afastar as conclusões do perito judicial, que expressamente atestaram que os análogos da Insulina, tal como a Insulina Lispro, motivo do pleito da parte autora, não têm demonstrado ser superiores às insulinas tradicionais no controle da glicemia (evento 46, quesitos 5 e 6). Dessa forma, como bem ponderado na r. sentença, não está atendido o requisito da indispensabilidade, podendo o fármaco ser substituído por outros de mesma eficácia disponibilizados pelo SUS. Com efeito, não sendo o medicamento imprescindível para o tratamento da patologia que acomete a autora, não há justificativa para impor ao Estado o dever de fornecer a medicação sem observar os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde e a previsão de recursos orçamentários disponíveis para a saúde, sob pena de tratamento individualizado a uma pessoa em detrimento da coletividade. 3. Tenho por prequestionados desde logo a fim de evitar embargos de declaração protelatórios todos os dispositivos legais e constitucionais mencionados no feito, uma vez que a Turma Recursal não fica obrigada a examinar todos os artigos invocados no recurso, desde que decida a matéria questionada sob fundamento suficiente para sustentar a manifestação jurisdicional. - 5 -
4. Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS. Sem honorários, em face da sucumbência recíproca. EDUARDO APPIO JUIZ FEDERAL - 6 -