CERTIFICAÇÃO DE EMPRESAS DE PROJETO: UM ESTUDO DE CASO



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Transcrição:

CERTIFICAÇÃO DE EMPRESAS DE PROJETO: UM ESTUDO DE CASO Paulo Roberto Pereira ANDERY Professor do Depto. de Engenharia de Materiais e Construção Civil, EE UFMG, R. Espírito Santo, 35, CEP 30160-030, Belo Horizonte (MG) Brasil - Correio eletrônico: paulo@demc.ufmg.br Maria da Penha Campos VIEIRA LANA Professora do Depto. de Engenharia de Materiais e Construção Civil, EE UFMG Gisele BORGES Arquiteta, Sócia Diretora da Mil Arquitetura e Consultoria S/C Ltda. R. Grão Pará, 737, CEP 30150-341, Belo Horizonte (MG), Brasil. Correio eletrônico: gisele@myssior.com.br RESUMO O presente trabalho apresenta um estudo de caso relativo à implantação da norma ISSO 9001 em uma empresa com atividades voltadas ao planejamento, execução e compatibilização de projetos arquitetônicos e complementares. São apresentadas características da implantação do sistema de qualidade, dificuldades encontradas e os principais benefícios alcançados. Ressalta-se a idéia de que o sucesso da implantação de um sistema de garantia da qualidade está fortemente condicionado pela efetiva consecução de uma cultura de qualidade na empresa, um forte envolvimento dos profissionais e a adoção de procedimentos que sejam flexíveis, de forma a não burocratizar a atividade de projeto. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Um contexto de mercado que acentua a competitividade, com uma crescente pressão pela redução de custos e prazos na produção de edificações, somada a uma maior exigência de qualidade, fez com que a cadeia de produção do subsetor de edificações concentrasse sua atenção talvez tardiamente -, na implantação de sistemas de garantia da qualidade. Em um primeiro momento, em função de uma articulação multi-institucional no âmbito do PBQP-H, o maior engajamento na adoção desses sistemas de garantia da qualidade deu-se no âmbito das empresas construtoras, em parte como uma das novas formas de racionalização da produção, como destaca CARDOSO, 1996. Embora deficiências estejam sendo verificadas na implementação desses sistemas, resultados positivos vêm sendo alcançados (ANDERY e VIEIRA LANA, 2002; CARDOSO et al., 1998), como por exemplo a redução de desperdícios e retrabalho. Aos poucos essa preocupação estende-se ao longo da cadeia de produção, e torna-se particularmente importante no caso das empresas de projeto. Um sintoma disso é a consolidação do Plano Setorial da Qualidade para empresas de projeto, que, entre outros aspectos, compreende o SiQ Projetos, recentemente divulgado (PBQP-H, 2002). No que diz respeito a essas empresas, resultados da adoção de sistemas de garantia da qualidade, em especial os baseados na norma ISO 9000, são ainda incipientes. Nesse sentido, parece oportuno discutir, ainda que brevemente, alguns aspectos da implantação desses sistemas nesse segmento. O presente trabalho pretende contribuir para isso, apresentando um estudo de caso relativo à implantação da ISO 9001 em uma empresa de projetos (arquitetônicos e

complementares), empresa essa que parece ser até onde chega o conhecimento dos autores a única certificada no estado de Minas Gerais. Inicialmente são apresentados dados da empresa e da implantação do sistema, ao que se seguem algumas considerações conceituais. 2. ESTUDO DE CASO: CERTIFICAÇÃO PELA ISO 9001 EM EMPRESA DE PROJETOS 2.1 A empresa estudada O estudo de caso foi conduzido na empresa Mil Arquitetura e Consultoria S/C Ltda, sediada em Belo Horizonte, MG, por meio de entrevistas semi-estruturadas e acompanhamento da rotina de trabalho da mesma, e foi complementado por observações realizadas anteriormente, quando da condução, em conjunto com a empresa estudada, de um projeto de pesquisa visando o desenvolvimento de metodologias para a coordenação e compatibilização de projetos (ANDERY et al., 2000). A empresa foi constituída em 1994, e conta com três sócios majoritários (arquitetos) e outros profissionais associados. Fazem parte de seu quadro oito arquitetos, dois engenheiros eletricistas, três engenheiros civis, além de estagiários e pessoal de suporte, totalizando cerca de trinta funcionários. Realiza os serviços de gestão dos projetos, que constitui-se do planejamento e coordenação dos projetos, elaboração e compatibilização de projetos arquitetônicos e complementares de edificações, sobretudo comerciais, e de instalações industriais, bem como a fiscalização dos empreendimentos. Parte de suas atividades concentra-se no gerenciamento de projetos realizados por outras empresas, incluindo o planejamento das atividades de projeto, documentação, coordenação e registro do projeto as built. A título de exemplo, verificou-se que no ano de 2001 as atividades da empresa dividiram-se entre projetos para empresas de telecomunicações, contratos de planejamento e gestão de projetos, fiscalização de empreendimentos e realização de projetos de edifícios comerciais, sendo cada uma dessas atividades responsável por cerca de um quarto do faturamento da empresa. Na avaliação dos autores, a empresa diferencia-se da maioria dos escritórios de arquitetura existentes no estado, na medida em que seus diretores assumiram uma postura mais empresarial, caracterizada, entre outros fatores, por: a condução de atividades mais amplas que a própria execução de projetos, com ênfase nas atividades de gestão e planejamento de empreendimentos e a atuação em nichos de mercado distintos de edificações residenciais ou comerciais convencionais; uma forte preocupação com o estabelecimento de parcerias com outras empresas de projeto, configurando alianças estratégicas, e não orientadas exclusivamente para projetos específicos; uma preocupação com a formação de recursos humanos, através de avaliação de desempenho e de procedimentos formais de capacitação; o uso intensivo de tecnologias de informação; uma presença atuante em associações que reúnem arquitetos e projetistas. A maior parte dos profissionais da empresa atuam há poucos anos no mercado, e os mais experientes têm uma experiência em torno de quinze anos. 2.2 O processo de certificação pela ISO 9001 De maneira distinta de outras empresas do setor da construção civil, sobretudo construtoras, que se engajaram na implantação de sistemas de garantia da qualidade em função de exigências de empresas públicas contratantes de seus serviços ou de organismos de financiamento, a empresa decidiu-se pela implantação de um sistema de garantia da qualidade, com base na norma ISO 9001:1994, em função de uma decisão estratégica. Já havia uma preocupação com a gestão da qualidade no desenvolvimento de projetos, e os diretores da empresa viram, na implantação da ISO 9001, uma oportunidade para formalizar um sistema de gestão, fazendo uma análise crítica das práticas anteriormente existentes e introduzindo melhorias. Uma vez que a empresa já havia estabelecido, ainda que informalmente, uma política de qualidade, e já tinha um sistema de desenvolvimento de projetos, com várias atividades

padronizadas, o processo de implantação dos requisitos na norma ISO 9001 foi relativamente rápido. Com efeito, passaram-se cinco meses entre o início dos trabalhos e a certificação. A implantação envolveu todos os profissionais da empresa, com uma dedicação mais intensa de um dos diretores (que ficou sendo o responsável da administração ) e um arquiteto associado, responsável pelos registros da qualidade e documentação do sistema. Contaram também com o auxílio de um consultor externo. Durante a implantação, algumas dificuldades observadas foram relatadas. Os profissionais tiveram uma certa dificuldade na interpretação de alguns requisitos normativos. Segundo eles, a leitura da norma priorizaria o entendimento do projeto na sua dimensão de produto, enquanto a implantação deveria estar mais voltada à própria gestão do desenvolvimento do projeto, na sua dimensão de processo (NOVAES, 2001). A própria mentalidade dos consultores, voltada à certificação de empresas que fornecem produtos, impediria uma visão da norma mais orientada a entender o projeto como um serviço, ou conjunto de processos interligados. Houve uma dificuldade inicial na determinação da política de qualidade e objetivos do sistema de qualidade. Segundo os profissionais, as idéias preliminares apontam para o estabelecimento de uma política e metas pouco concretas e mensuráveis. Nesse sentido, houve várias versões da política de qualidade da empresa, até encontrar-se uma definição que fosse realística e, sobretudo, resultasse na explicitação de uma real cultura de qualidade existente na empresa. Existia uma tendência de burocratizar o sistema de gestão da qualidade, em parte em função da documentação do sistema exigida pela norma. A empresa, durante a implantação da norma, e na análise crítica efetuada posteriormente, quando do processo de manutenção da certificação, percebeu que alguns procedimentos vinham sendo elaborados unicamente para satisfazer a norma, sem que agregassem valor ao sistema de gestão. A partir de então mudou-se essa estrutura, reduzindo o número de procedimentos e assumindo que algumas atividades não seriam controladas. Na mesma linha de raciocínio, houve uma tendência inicial de detalhar demasiadamente os distintos procedimentos, tornando-os pouco flexíveis, e, como conseqüência, pouco praticáveis. Em um segundo momento, durante a implantação e nos meses subsequentes à certificação, muitos dos procedimentos foram modificados, transformando-se mais em roteiros do que padrões, o que a empresa considerou essencial sobretudo nas etapas de desenvolvimento de projetos, que podem ter grande duração e envolver um número significativo de profissionais. Por outro lado, condição essencial para o sucesso na implantação, permitindo que o sistema de garantia da qualidade servisse como um mecanismo de re-estruturação do processo de projeto, foi o envolvimento de todos os profissionais da empresa. Nas certificações posteriores, observouse uma visão crítica por parte dos arquitetos e engenheiros, preocupados em tornar o sistema mais ágil e voltados ao seu aprimoramento. A título de exemplo, alguns procedimentos de projeto encontram-se na sua oitava versão. Papel importante têm tido as auditorias internas, que são realizadas com mais frequência que as estabelecidas pelo sistema. O número de auditores é significativo (seis) em relação ao número de profissionais atuando diretamente nas atividades de projeto (cerca de vinte). Várias auditorias são realizadas por assuntos, e tem a finalidade de revisar a aplicação da norma, focando pontos de melhoria e análise de não conformidades, a partir das quais são tomadas ações corretivas. 2.3 A estruturação do processo de projeto A implantação do sistema de garantia da qualidade foi ocasião para a empresa reestruturar seu macro-fluxo do processo de projeto, o que implicou em uma definição das suas etapas: estudo preliminar, anteprojeto, projeto legal, projeto executivo, detalhamento envolvendo conceitos de projeto para a produção, e projeto as built. Entre cada etapa do projeto foram estabelecidos gates que permitem uma aprovação interna e uma validação por parte do cliente. Por ocasião do estudo preliminar e no anteprojeto são contactados os projetistas externos à empresa, que normalmente

são parceiros da mesma em outros empreendimentos, e, em reuniões formais são articuladas as soluções construtivas e iniciados os projetos complementares. Cada empreendimento conta com um coordenador de projetos, que indica a equipe que trabalhará nos mesmos, define a alocação de recursos e cronogramas de reuniões com outros profissionais e com o cliente. Responsabiliza-se também pela coordenação das atividades e interações com outros profissionais. Esse coordenador efetua análises críticas durante o processo projetual, a verificação final dos projetos, que compreende também atividades de compatibilização, e define os indicadores de desempenho do projeto, sua forma medição e análise, bem como realiza uma avaliação do desempenho dos profissionais envolvidos. Na implantação do sistema foram elaborados padrões para elaboração de propostas aos clientes, solicitação de propostas de fornecedores, coleta de dados para os estudos preliminares e acompanhamento do processo de projeto. Todos os documentos são armazenados e controlados eletronicamente, e, através de intranet, são disponibilizados a todos os profissionais da empresa. O processo de projeto segue um roteiro, que não pode ser considerado propriamente um padrão, dentro do fluxo de etapas indicadas acima, O acompanhamento do processo de projeto é feito pela emissão de relatórios, aos quais tem acesso toda a equipe envolvida. Esses relatórios, elaborados eletronicamente a partir de um padrão, são bastante flexíveis, e podem conter inclusive observações informais, como por exemplo não acionar tal profissional antes de falarem comigo... ou aguardar meu retorno para.... Os relatórios podem ser classificados e analisados por assunto, como, por exemplo, cronograma, cronograma financeiro, controle de alterações de projeto, tarefas pendentes, etc. Todos as pranchas e documentos ficam a disposição por dois meses, e em seguida são armazenados em CD-ROM. A implantação do sistema foi ocasião para elaborar-se também um padrão de nomenclatura para arquivos e sua apresentação, padrão esse também empregado pelos parceiros externos a empresa. Atualmente estão migrando para os padrões definidos pela ASBEA. Além das reuniões de coordenação, o sistema prevê uma compatibilização eletrônica dos projetos, e as modificações necessárias são orientadas pelo coordenador do empreendimento. 2.4 Comentários Como resultado da implantação da ISO 9001, revista por ocasião da primeira auditoria de manutenção, uma análise crítica feita pela empresa considera como principais benefícios os seguintes: (a) o sistema possibilitou formalizar as coletas de dados e o tratamento das informações, particularmente no que diz respeito ao entendimento das expectativas dos clientes e ao compartilhamento das informações entre os agentes envolvidos no processo de projeto; (b) como conseqüência, apontam como aspecto de destaque uma melhoria no fluxo das informações, o que permite uma resposta mais rápida frente a alterações no projeto, facilitando as interações entre os projetistas internos e externos à empresa; (c) os processos de auditorias internas e a preparação para as auditorias externas têm sido ocasião para efetuar-se uma análise crítica do sistema, o que tem implicado na implantação de uma cultura de melhoria contínua. Destaca-se o fato de que a adoção da ISO 9001 permitiu uma efetiva consecução de uma cultura de compromisso com a qualidade na empresa estudada. Como aspecto a ser aprimorado ressalta-se a necessidade de criação de mecanismos para avaliação da satisfação dos clientes em relação ao produto final projeto. Dificuldades surgem pelo fato de que, na cultura vigente no mercado, os próprios clientes não têm o hábito de avaliarem criticamente os projetos recebidos, e em muitas ocasiões não vêem a importância da retroalimentação à empresa de projeto. Nos últimos anos diversos trabalhos tem enfocado o impacto de sistemas de garantia da qualidade baseados na norma ISO 9000 nos processos produtivos das empresas, e as opiniões à respeito da eficácia do sistema são contraditórias (veja-se, por exemplo, ROMANO, 2000; MAROSSZEKY et al., 2002). Um balanço que aponta para resultados fortemente positivos no que diz respeito à implantação do sistema de qualidade na empresa estudada parece ser

conseqüência de alguns fatores que, sendo observados nesse estudo de caso, são relatados na literatura recente. Como principal elemento, destaca-se a criação de um ambiente sinérgico entre os engenheiros e arquitetos da empresa, com a consolidação de uma efetiva cultura de compromisso com a qualidade. Ao contrário de um grupo não desprezível de empresas construtoras, que adotam sistemas de qualidade como condição para obtenção de financiamentos ou participação em concorrências (ANDERY e VIEIRA LANA, 2002), um ambiente de trabalho que prioriza a busca de melhorias contínuas parece ser o fator de maior importância para a obtenção dos resultados alcançados. Nesse sentido, a empresa conseguiu desenvolver um ambiente de trabalho em grande parte baseado na clan culture, como relatado nos trabalhos de CAMERON e QUINN (1999), apud MAROSSZEKY et al, 2000: as pessoas sentem-se fortemente comprometidas com seu trabalho, há um ambiente crítico e pró-ativo com relação as metas de qualidade, e existem mecanismos formais para facilitar o trabalho em equipe. Por outro lado, alguns dos resultados alcançados parecem ser inerentes à própria implantação da ISO 9001, particularmente no que diz respeito a otimização do fluxo de informações, resultado esse relatado por empresas que implantaram o SiQ-Construtoras. No caso em estudo, essa otimização do fluxo de informações parece estar relacionada, por um lado, à clara definição de responsabilidades nas atividades de projeto e, por outro lado, a um uso intensivo de tecnologias de informação. A reestruturação do processo de projeto por parte da empresa, ainda que não referenciada no SiQ-Projeto recentemente divulgado, possui as características básicas desse sistema, em particular no que diz respeito ao item 7 Execução do Projeto. A padronização das atividades de entrada de dados, apresentação dos projetos e validação de suas etapas permite a antecipação de contra-medidas a problemas potenciais, facilitando as tarefas de coordenação e compatibilização de projetos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERY, P., VANNI. e BORGES. G. Failure Analysis Applied to Design Optimisation. In: International Meeting on Lean Construction, IGLC 2000. Proceedings: IGLC, Brighton, Inglaterra, 2000. ANDERY, P. e VIEIRA LANA, M. P. A qualidade das edificações: dificuldades e estratégias para sustentação dos programas de garantia da qualidade. In: 44 o Congresso Brasileiro do Concreto (IBRACON 2002). Anais: Instituto Brasileiro do Concreto, Belo Horizonte, agosto de 2002. CARDOSO, F. F. Estratégias empresariais e novas formas de racionalização da produção no setor de edificações no Brasil e na França Parte I. In: Estudos Econômicos da Construção. SINDUSCON-SP, São Paulo, 1996, n. 2. pp. 97-156. CARDOSO, F.F et al. Uma primeira avaliação do programa QUALIHAB e de seu impacto nas empresas de construção de edifícios. In: Congresso Latino-Americano de Tecnologia e Gestão na Produção de Edifícios. Anais: EPUSP, São Paulo, 1998. NOVAES, C. C. Ações para controle e garantia da qualidade de projetos na construção de edifícios. In: Workshop Nacional de Gestão do Processo de Projeto na Produção de Edifícios. Anais: USP-São Carlos, São Carlos, 2001. MAROSSZEKY, R. et al. The importance of Project culture in achieving quality outcomes in construction. In: International Meeting on Lean Construction, IGLC 2002. Proceedings: IGLC, Gramado, Brasil, 2002. PROGRAMA BRASILEIRO DE QUALIDADE E PRODUTIVIDADE NO HABITAT. SiQ-Projetos. Disponível na Internet no site www.pbqp-h.gov.br

ROMANO, P. ISSO 9000: What is its impact on Performance? In: IEEE Engineering Management Review, no. 4, 2000, pp. 54-68.