A Responsabilidade do Advogado Público por Atos e Manifestações Praticados no Exercício de suas Atribuições



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Transcrição:

A Responsabilidade do Advogado Público por Atos e Manifestações Praticados no Exercício de suas Atribuições Omar Bradley Oliveira de Souza Procurador Federal Sumário. 1. Introdução. 2. As inúmeras formas de atos e manifestação o parecer. 3. A proteção constitucional do advogado e o fato de que é relativa, e não absoluta, a sua inviolabilidade profissional. 4. Os casos em que o advogado público pode ser responsabilizado Culpa grave, erro inescusável ou dolo. 5. As decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, e a nova hipótese de responsabilização: parecer vinculante. 6. A consolidação da garantia da inviolabilidade do advogado e a necessidade de provar se este foi ou não responsável pelo ato ilícito. 7. Conclusões. 8. Referências Resumo: O tema objeto do artigo decorre das recentes decisões do STF, ora atribuindo, ora excluindo responsabilidades ao advogado público. A partir da análise da distinção entre culpa ordinária e a culpa grave e do dolo, e do conceito e das espécies de parecer, bem como do cotejo da jurisprudência do STF sobre o tema, se chegará à conclusão de que somente em casos excepcionais o advogado público pode ser responsabilizado por seus atos, dada a garantia constitucional da inviolabilidade desse profissional. Palavras-chave: Responsabilidade do advogado Inviolabilidade profissional Culpa grave e dolo Parecer vinculante Art. 130, CF Art. 2º, 3º, Lei 8.906/94 Interpretação do STF 1. Introdução O presente trabalho tem como objetivos fundamentais apresentar e analisar quais as situações em que o advogado público pode ou não ser responsabilizado por atos praticados no exercício de seu ofício. O tema tornou-se particularmente interessante não só pelo significativo crescimento de profissionais atuando na advocacia pública do Brasil nas três esferas de Governo, mas, sobretudo, por decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, ora atribuindo, ora excluindo responsabilidades ao advogado público por suas manifestações. Efetivamente, os atos e manifestações do advogado público podem se dar pelas mais variadas e diversas formas, sejam elas judiciais ou administrativas. Enumerar e apreciar aqui todas as tarefas e funções cotidianamente a si atribuídas seria um exercício despiciendo. Portanto, elegi para analisar uma única manifestação jurídica, que é o parecer. Enfatizo que, apesar de analisar apenas esse tipo de pronunciamento, as teses aqui defendidas se aplicam a princípio a todos os outros casos, ou seja, a todas as formas de atos e manifestações de qualquer advogado no exercício de seu ofício. 1

2. As inúmeras formas de atos e manifestação o parecer O parecer é ato ou manifestação de órgãos técnicos sobre assuntos levados à sua consideração. Visam elucidar, informar ou sugerir providências administrativas nos atos da Administração. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro 1, são três as suas espécies: o obrigatório é aquele do qual o procedimento administrativo não pode prescindir, sob pena de nulidade. Nesses casos, o parecer jurídico, em regra, deve anteceder a decisão da autoridade competente, que não está obrigada a acolhê-lo, mas quando isso ocorrer deve motivar sua decisão. A outra espécie de parecer é o facultativo que é aquele cuja produção como etapa procedimental não se funda em exigência legal. Em outras palavras, a autoridade, dentro de sua conveniência e oportunidade, é que requer, pede, solicita, por iniciativa própria, o pronunciamento do órgão jurídico. E finalmente a última espécie é o vinculante, que é aquele em que a autoridade estará obrigada a seguir e acolhê-lo, isto é, estará ela presa às conclusões do parecer. As duas primeiras espécies têm basicamente o efeito de opinar, enquanto que a terceira tem, além desse efeito, o de verdadeiramente decidir a questão, posto que o administrador não poderá decidir senão nos termos do parecer. 3. A proteção constitucional do advogado e o fato de que é relativa, e não absoluta, a sua inviolabilidade profissional Feitas as rápidas considerações acima, surge a seguinte pergunta: afinal de contas, o advogado público pode ser punido civil, administrativa ou até penalmente por manifestar sua interpretação através de um parecer jurídico? Em resposta, assim dispõe a Constituição Federal, no seu art. 133: O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício de sua profissão A disposição acima deve ser encarada logo sob duas ponderações, segundo o Professor Gladston Mamede 2. A primeira, por sua localização normativa. Cuida-se de norma constitucional, que goza de predominância sobre o sistema jurídico, a refletir a preocupação da sociedade com os temas mais relevantes da República. A segunda é a forma de sua disposição constitucional, isto é, o advogado tanto presta um serviço público indispensável, como é inviolável por suas manifestações e atos no exercício da profissão. Conclui-se, assim, que se trata de norma garantidora, que visa acima de tudo assegurar ao advogado liberdade, autonomia e independência no exercício de seu ofício. Na esteira dessa garantia constitucional, foi editada a Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), que no seu art. 2º, 3º, praticamente repete a redação da Constituição, e evidentemente endossa a 1 Direito Administrativo. 17ª edição. São Paulo: Atlas, 2004. p. 222. 2 A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2003. p. 255/258. 2

inviolabilidade como a principal prerrogativa do advogado, consubstanciada numa proteção especial para nas balizadas palavras de Alberto Zacharias Toron e Alexandra Lebelson Szafir esse profissional agir de uma forma livre, independente e desassombrada 3. Portanto, quando o advogado público emite um parecer, expressando assim uma manifestação jurídica, está ele acobertado pela tutela constitucional e legal que assegura, garante e protege sua atuação, tornando-o inviolável por seus atos e manifestações. A isso podemos denominar de prerrogativa profissional, aliás, a principal prerrogativa do advogado. A propósito, assim leciona o ministro Celso de Mello 4 : As prerrogativas profissionais de que se acham investidos os Advogados, muito mais do que faculdades jurídicas que lhes são inerentes, traduzem, na concreção de seu alcance, meios essenciais destinados a ensejar a proteção e o amparo dos direitos e garantias que o sistema de direito constitucional reconhece às pessoas e à coletividade em geral Estabelecida essa premissa, indaga-se: a inviolabilidade profissional do advogado é absoluta? Está o advogado absolutamente livre de qualquer responsabilidade por atos praticados em razão de sua função, dada a referida garantia constitucional e legal? A resposta é negativa. No sistema jurídico brasileiro não há exercício de direito de forma absoluta, mas há sim o que a doutrina chama de princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas, posto que, segundo Alexandre de Moraes 5, citando Quiroga Lavié, os direitos fundamentais nascem para reduzir a ação do Estado aos limites impostos pela Constituição, sem contudo desconhecerem a subordinação do indivíduo ao Estado, como garantia de que eles operem dentro dos limites impostos pelo direito. Logo, essa relatividade se aplica a todos os direitos e garantias, sejam eles individuais e coletivos, inclusive os que tornam os advogados invioláveis por seus atos e manifestações. Uma vez que a norma da inviolabilidade do advogado não se reveste de caráter absoluto, passaremos a demonstrar doravante quando os advogados efetivamente poderão ser responsabilizados. 4. Os casos em que o advogado público pode ser responsabilizado Culpa grave, erro inescusável e dolo Segundo Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery 6, dois são os sistemas de responsabilidade civil que foram adotados pelo Código Civil: o geral e o subsidiário. 3 Prerrogativas Profissionais do Advogado. Brasília. OAB Editora, 2006, p 23. 4 Um Prefácio Desnecessário, apud Prerrogativas Profissionais do Advogado, Alberto Zacharias Toron e Alexandra Lebelson Szafir. Brasília. OAB Editora, 2006, p 23. 5 Direito Constitucional, 12ª edição. São Paulo: Atlas, 2002, p. 60. 6 Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª edição. São Paulo: RT, 2003. p. 239. 3

O sistema geral do CC é o da responsabilidade civil subjetiva (art. 186), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e a culpa latu sensu (culpa imprudência, negligência ou imperícia) ou dolo do agente. Já o sistema subsidiário do CC é o da responsabilidade civil objetiva (art. 927, parágrafo único) que se funda na teoria do risco, ou seja, para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta (dolo ou culpa), bastando a existência do dano e o nexo de causalidade entre o fato e o dano. Haverá a responsabilidade objetiva quando a lei assim dizer (art. 933) ou quando a atividade do agente, por sua natureza, implicar risco para outrem. No entanto, é importantíssimo ficar claro que não é a culpa tradicional acima exposta do Direito Civil que vai responsabilizar o advogado, mas sim aquela decorrente de culpa grave, ou seja, aquela em que o agente se conduz ou se omite com imprudência, imperícia ou negligência grosseira, extrema; que sabe do conhecimento do perigo que pode representar sua conduta, e, no caso de haver ato ilícito, não consegue qualquer explicação aceitável para a sua perigosa conduta. Como se vê, a culpa grave equipara-se ao dolo e é muito parecida com o erro inescusável. Os advogados públicos serão ainda civilmente responsáveis pelos danos causados aos órgãos aos quais estão subordinados ou vinculados, desde que, por ação ou omissão voluntária, tenham agido com dolo, em qualquer de suas modalidades inclusive o eventual. Em suma: para que fique caracterizada a culpa do advogado é preciso que o ato ilícito contenha erro inescusável, de modo que é imprescindível que se revele que o profissional foi incurioso, descuidado, grosseiramente equivocado ou desinteressado pelo estudo da causa ou do direito, a ponto de não conseguir se escusar. Para endossar esse entendimento, trago à colação a seguinte decisão do STF: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR. PARECER. C.F., art. 70, parág. Único, art. 71, II, art. 133. Lei 8.906, de 1994, art. 2º, 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX. I Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antonio Bandeira de Mello Curso de Direito Administrativo, Malheiros Ed. 13ª ed., p. 377. II O advogado somente será responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32. III Mandado de Segurança deferido. (STF, Pleno - MS nº 24.073-3/DF, rel. Min. CARLOS VELLOSO. DJU, 23.10.2003) 4

No que tange ao erro inescusável, não é fácil defini-lo. Isso porque há de ser lembrado que o advogado exerce uma obrigação de meio, ou seja, ele terá o dever legal (art. 2º, 2º, do EAOAB) de ter um bom desempenho das atividades próprias de seu mister, sem, entretanto, ter o dever de alcançar o resultado, o que significa dizer que o patrono não pode ser responsabilizado, por exemplo, se ele se abstiver de interpor um recurso ou se a parte por ele patrocinada perder a causa. De qualquer modo, o erro inescusável pode ser de direito e de fato. Como erro de direito podemos citar os seguintes exemplos: desatenção à jurisprudência dominante; o desconhecimento de texto expresso de lei de aplicação freqüente ou corrente ao caso; interpretação claramente absurda; opiniões teratológicas; opinião sem motivação ou sem fundamentação. Como erro de fato, só a investigação do caso concreto poderá elucidar a celeuma e concluir sobre a existência ou não de ato ilícito. Pode ser citado como exemplo desse tipo de erro, o fato do profissional deixar de solicitar um exame técnico indispensável ao caso, emitindo seu pronunciamento sem ouvir o expert. Já o dolo estará configurado quando o agente, de má-fé, quis um resultado, ou considerou e arriscou-se a tê-lo, sabendo dos efeitos do seu ato. Exemplos de dolo são mais fáceis de serem encontrados e identificados, mas no que tange aos pareceres cito os seguintes: o advogado deliberadamente sustenta tese sem fundamentação jurídica; irroga ofensas a pessoas; opina sabendo que a tese é ilegal, prejudicando, portanto terceiros ou o Poder Público. 5. As decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema e a nova hipótese de responsabilização: parecer vinculante Existem pelo menos três decisões do Pleno do STF sobre a matéria. A primeira, já transcrita acima, é importante para o presente estudo porque corrobora e solidifica o entendimento de que realmente só a culpa grave que cause ato ilícito gera responsabilidade (item II do acórdão). Contudo, tal entendimento no que pertine ao parecer (item I do acórdão), foi modificado. Com efeito, a segunda decisão assentou que a responsabilidade do advogado público vai existir quando este se pronunciar nos casos do art. 38 da Lei 8.666/93, ou seja, quando houver manifestação acerca das minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes, e seus respectivos e eventuais aditivos 7. A tese para essa decisão é a seguinte: o tipo de parecer do art. 38 da Lei 8.666/93 é vinculante, o que significa dizer que, diferentemente do que ocorre com a simples emissão de parecer opinativo, o administrador decide apoiado na análise do setor jurídico, possibilitando assim a responsabilidade solidária do advogado 8. Certamente a decisão foi tomada considerando que nesses casos a Lei prevê um verdadeiro compartilhamento do poder de decisão entre a autoridade executiva e o órgão consultivo, pois a Lei das Licitações estabelece a obrigação da autoridade decidir à luz do parecer vinculante. 7 MS 24584/DF, rel. Min. Marco Aurélio. 8 Informativo STF nº 475, de 15 de agosto de 2007. 5

A terceira e última decisão da Suprema Corte é a seguinte EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA DO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA. I Repercussões de natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer, ou, então, não decidir. II No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato. III Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma largada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. IV Mandado de Segurança deferido. (STF, Pleno - MS nº 24.631-3/DF, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA. DJU, 01.02.2008) Desse acórdão, podemos extrair que o Supremo e reconhece as três espécies de parecer e endossa que só vai haver responsabilização se o advogado agiu com culpa extrema ou erro inescusável. Além disso, afirma que só vai haver responsabilidade nas manifestações jurídicas quando o parecer for vinculante. Em outras palavras, o STF sedimentou o entendimento no que tange à responsabilização do advogado: este somente vai ser responsabilizado em quatro situações: culpa grave, erro inescusável, dolo e quando o parecer for vinculante. Portanto, diferentemente de posições anteriores, em que qualquer tipo de parecer era suficiente para excluir a responsabilidade (MS 24.073/DF), hoje os pareceres vinculantes atribuem responsabilidade solidária entre advogados e autoridades, pois a Lei define um compartilhamento de decisões entre tais agentes. 6

6. A consolidação da garantia da inviolabilidade do advogado e a necessidade de provar se este foi ou não responsável pelo ato ilícito As recentes decisões da Suprema Corte com certeza deixaram muitos profissionais que trabalham na área jurídica apreensivos, especialmente aqueles dos setores de análise dos casos de licitações, contratos, convênios, acordos ou ajustes, porque eles podem evidentemente ser responsabilizados. Porém, ao contrário do que possa uma leitura apressada a princípio crer, os acórdãos na realidade consolidam a garantia constitucional da inviolabilidade profissional do advogado. É que ficou e está mais do que claro que só se poderá responsabilizá-lo quando houver culpa grave, erro inescusável ou dolo. Portanto, mesmo nos casos de parecer vinculante, só vai haver responsabilidade quando existir pelo menos um desses elementos. Não basta a só existência do parecer vinculativo e o ato administrativo do qual tenha resultado danos ao erário ou a terceiros. É preciso que se prove que o parecer vinculativo contenha elementos de culpa grave, erro inescusável ou dolo do seu autor porque, em primeiro lugar, a manifestação do advogado é fruto do exercício intelectual de hermenêutica jurídica, de modo a traduzir, esclarecer e elucidar o significado do que está contido na lei, na decisão, no ato ou no contrato; e porque, em segundo lugar, seu pronunciamento constituiu um exercício regular do direito de interpretar o caso concreto à luz de seu pensamento ou da sua intenção, sendo essa conduta, portanto, uma excludente de ilicitude (CC, art. 188, I). Finalmente, para que se identifique a autoria e a materialidade da responsabilidade num caso concreto não basta a simples imputação, a mera existência da manifestação ou ainda lembrando aqui as aludidas decisões do STF a emissão do parecer vinculativo. É indispensável a prévia abertura de processo administrativo ou jurisdicional, oferecendo-se o contraditório e a ampla defesa ao advogado, que terá naturalmente a condição de demonstrar que agiu dentro da Lei e na perspectiva de que ostenta a relevante garantia constitucional de sua imunidade profissional. No devido processo, portanto, é que vai se provar se houve ou não culpa grave ou dolo. Uma vez provada a existência de pelo menos um desses elementos, o advogado poderá responder civil, administrativa e penalmente. 7. Conclusões A regra é que o advogado não pode ser responsabilizado por atos ilícitos praticados no exercício do ser mister, pois a principal prerrogativa desse profissional é a inviolabilidade, que o protege por seus atos e manifestações (CF art. 133 e Lei 8.904/96, art. 2º, 3º). O STF atribui responsabilidade ao advogado público quando este se pronunciar acerca das minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes, e seus aditivos (art. 38 da Lei 8.666/93). O princípio que orientou essa atribuição é o de que vai existir responsabilidade solidária entre advogados e autoridades, pois a Lei define um compartilhamento de decisões entre tais agentes em face do parecer ser da espécie vinculante. 7

Não é a culpa ordinária do Código Civil que vai definir a responsabilização, e sim aquela denominada de grave, de modo que é imprescindível que se revele que o profissional foi incurioso, descuidado, grosseiramente equivocado ou desinteressado pelo estudo da causa ou do direito, a ponto de não conseguir se escusar do ato ilícito. O advogado somente pode ser responsabilizado nos casos em que agir, por ação ou omissão, com culpa grave ou com dolo mesmo nos casos de parecer vinculativo. Não basta a simples imputação ou a só existência da manifestação do advogado. Sempre vai ser necessário um devido processo legal, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa, para elucidar e provar se no caso concreto o advogado agiu ou não com culpa grave ou com dolo. 8. Referências DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. 17ª edição. São Paulo: Atlas, 2004. MAMEDE, Gladston, A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Atlas. MORAES, Alexandre, Direito Constitucional, 12ª edição. São Paulo: Atlas, 2002. NERY JÚNIOR, Nelson & NERY, Rosa Maria de Andrade, Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª edição. São Paulo: RT, 2003. ZACHARIAS TORON, Alberto & SZAFIR, Alexandra Lebelson, Prerrogativas Profissionais do Advogado. Brasília. OAB Editora, 2006. 8