Hartmut Günther, Professor de Psicologia, UnB. (1) A participação no trânsito exige cuidados constantes e consideração mútua.



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Transcrição:

Hartmut Günther, UnB - p. 1/11 Ambiente, trânsito e psicologia: Antecedentes de comportamentos inadequados no trânsito 1 1. Regras básicas Hartmut Günther, Professor de Psicologia, UnB (1) A participação no trânsito exige cuidados constantes e consideração mútua. (2) Cada participante do trânsito deve comportar-se de tal maneira, que nenhum outro possa ser prejudicado, colocado em perigo, ou, considerando as circunstâncias inevitáveis, impedido ou incomodado mais do que o necessário. (Straßenverkehrsordnung (StVO), Lei de trânsito da Alemanha). Este primeiro parágrafo do código de trânsito alemão se transforma em inúmeros parágrafos da legislação, especificando como os participantes devem comportar-se. Como, entretanto, conseguir que o comportamento real se aproxime a este ideal? Aí está a tarefa básica da psicologia do trânsito. Por quê? Num recente artigo, Gladwell (2001) observa que a cada três quilômetros, o motorista realiza 400 observações, toma 40 decisões e comete um erro. A cada 800 km, um desses erros vira uma quase colisão e a cada 100.000 km um desses erros vira um evento desagradável. Uso o termo desagradável de propósito. No original inglês consta a palavra crash, i.e., colisão, palavra esta que não identifica, de antemão, um responsável pelo evento, mas também não exclui a possibilidade para tal. 1 Contribuição para a mesa Possibilidades de interface entre a psicologia de trânsito e a psicologia ambiental no Seminário Nacional: Psicologia, Circulação Humana e Subjetividade, organizado pelo CFP e os CRPs, São Paulo, SP, 23 e 24 de novembro de 2001

Hartmut Günther, UnB - p. 2/11 No Brasil usamos, de maneira genérica, a palavra acidente, cuja primeira definição é acontecimento casual, fortuito, inesperado; ocorrência... qualquer acontecimento, desagradável ou infeliz, que envolva dano, perda, lesão, sofrimento ou morte (Houaiss & Villar, 2001, p. 55). A noção do acaso implícita nesta definição ( fortuito, que acontece por acaso, Houaiss & Villar, 2001, p. 1378) refere-se a uma ocorrência, acontecimento casual, incerto ou imprevisível (Houaiss & Villar, 2001, p. 46) ou a um conjunto de causas imprevisíveis e independentes entre sí, que não se prendem a um encadeamento lógico ou racional, e que determinam um acontecimento qualquer (Ferreira, 1999, p. 26). A inferência possível a partir dessa conceitualização é que no fundo não há responsável pelo acidente, já que é fruto de um conjunto de causas imprevisíveis, sem encadeamento lógico ou racional. Se, por outro lado, usássemos palavras específicas para denominar os eventos desagradáveis, tal como colisão, contravenção, desobediência, erro, lapso, etc. seria possível identificar ação (ou omissão - que também não deixa de ser uma ação) por parte de um (ou mais) responsáveis, além de poder estabelecer um encadeamento de eventos interdependentes entre si de maneira lógica e racional. Podemos constatar, assim, inicialmente, que lingüística, para não dizer subconscientemente, pensamos em muitos dos eventos do trânsito como imprevisíveis, ao mesmo tempo que tentamos lidar com esses eventos como se fossem previsíveis e, portanto, potencialmente controláveis. Quanto a este paradoxo entre a conceitualização inconsciente de acidente e a ação pouco efetiva enquanto pesquisa, lembro que há anos, ao ensinar introdução à metodologia de pesquisa, sugiro aos meus alunos que o pesquisador, como o clínico, se submeta a uma análise didática, para ter maior clareza das suas razões para realizar esta ou aquela pesquisa, das suas

Hartmut Günther, UnB - p. 3/11 pressuposições e pré-concepções, para não dizer preconceitos, enfim, para usar um conceito moderno, para resolver sua subjetividade enquanto pesquisador. Rozestraten (1988) afirma que o trânsito consiste de uma constelação de três eixos - o comportamento do participante do trânsito, da via e do veículo. Continuamos, por enquanto, com o primeiro eixo, o comportamento do participante. Como compreender, prever e, na medida do possível, controlar o comportamento do participante do trânsito? Podemos identificar três dimensões de antecedentes a partir das quais se tenta predizer o comportamento: conhecimentos, práticas e atitudes. Conhecimento. No que diz respeito ao trânsito, o grau de conhecimento sobre assuntos do trânsito pode ser verificado de maneira bastante objetiva. Resta saber, entretanto, o que é relevante para ser conhecido, com que grau de profundidade, para que nível de participação no trânsito? Embora o conhecimento das regras de trânsito e de certas leis da física constituam o sine qua non para atuar como participante no trânsito, conhecimento, obviamente, está longe de ser suficiente: antes de mais nada, conhecimento precisa ser colocado em prática na hora certa. Assim, prática é o segundo preditor de comportamento. Prática é uma habilidade que se adquire no decorrer do tempo. Tipicamente, antes de conceder a permissão de dirigir um veículo motorizado, exige-se que o interessado realize um certo número de horas de treino e seja submetido a uma prova prática. Tanto o número e a qualidade dessas horas de prática variam, quanto as exigências da prova. O terceiro preditor, atitudes. A definição clássica de atitudes foi dada em 1935 por Allport como estado neuropsíquico de prontidão para atividade mental e física (p. 799). Aponta, portanto, no caso do trânsito, para a questão da prontidão, para não dizer, presteza ou disposição,

Hartmut Günther, UnB - p. 4/11 de utilizar o conhecimento e a prática em benefício de um comportamento no trânsito de tal maneira que nenhuma outra pessoa possa ser prejudicada, colocada em perigo, ou, considerando as circunstâncias inevitáveis, impedido ou incomodado mais do que o necessário (vide o início desta palestra). Até este ponto das nossas reflexões, estamos considerando o eixo participante da divisão entre participante, veículo e via que Rozestraten estabelece. Neste eixo estaríamos procurando os antecedentes dos acontecimentos do trânsito dentro do indivíduo. Vale lembrar, entretanto, uma outra indagação clássica da psicologia social, também de Allport: Como é que o indivíduo pode ser tanto causa quanto conseqüência da sociedade? (1954, p. 8). Traduzindo essa questão para a psicologia do trânsito, uma das muitas enteadas, para não dizer filhas da psicologia social, ela vira a seguinte indagação: Considerando o participante do trânsito como causa e conseqüência da sociedade, do ambiente social e físico, onde é que temos de procurar os antecedentes dos acontecimentos de trânsito, especialmente, da desobediência, dos erros, lapso e demais comportamentos que viram violações do código do trânsito e, até, colisões, fatais ou não? Expandimos a conceitualização de Rozestraten dos três eixos da psicologia de trânsito: participante, veículo e via, somente um pouco e incluímos ainda um quarto - as regras e normas da sociedade. Dessa maneira podemos refletir sobre a relação recíproca entre: a) o participante e o veículo e via (para falar nos termos de Rozestraten e da psicologia do trânsito), ou

Hartmut Günther, UnB - p. 5/11 b) o indivíduo e a sociedade (para falar nos termos de Allport e da psicologia social) ou c) o indivíduo e o meio ambiente, composto pela sociedade, i.é, vias, veículos, normas sociais e, incidentalmente, outros participantes do trânsito. O ponto comum a essas três perspectivas é que a relação entre o indivíduo e o meio ambiente (vias, veículo, normas sociais, etc.) é recíproca. Em outras palavras, o comportamento das pessoas, enquanto pedestre ou motorista, tem raízes também externas a ela, raízes estas que, por sua vez, são conseqüência do comportamento desta e de outras pessoas, enquanto pedestre ou motorista. Reciprocidade entre o comportamento do ator e os eventos do ambiente físico e social sumariza os preceitos da psicologia ambiental. Permitam-me um breve excurso sobre a psicologia ambiental. Quando falo em comportamento do ator, refiro-me a tudo que o ser humano faz - pensar, sentir, agir, etc. - embora, no contexto de trânsito, interessa principalmente a ação, o comportamento adequado e seguro. Quando falo em ambiente, é antes de mais nada o ambiente físico - construído ou natural. Este ambiente pode ser tanto em nível micro como um quarto, uma sala de trabalho ou aula, uma casa, quanto em nível macro, como uma cidade. Quanto ao ambiente natural, varia desde um quintal até um parque nacional. No caso de trânsito, especificamente, varia desde o interior de um carro a uma rua ou um sistema viário.

Hartmut Günther, UnB - p. 6/11 O essencial da psicologia ambiental é estudar as relações recíprocas entre o comportamento - no sentido amplo da palavras - do indivíduo e o ambiente: como o comportamento impacta sobre o ambiente e como o ambiente impacta sobre o comportamento. Cale ressaltar, ainda, que estas duas perguntas não são independentes, isoladas mas integradas: o ambiente impacta sobre o indivíduo, que impacta sobre o ambiente, que impacta sobre o indivíduo, e assim adiante. Esta aparente circularidade tem, ainda, uma outra implicação importante: a de conceitualizar o ser humano ora como ativo, ora como passivo nesta análise. Algo que pode muito bem ser estendido ao próprio pesquisador, que enquanto pesquisador é ator, enquanto consumidor de resultados de pesquisa está sendo modelado. Antes que alguém chegue a conclusão de que esteja me perdendo em subjetividade pósmoderna - não estou. Quando ajo como pesquisador, coletando dados, o objeto do meu estudo está no outro lado - da mesa, da prancheta, lá na rua. Tenho que me comportar com todo rigor objetivo, para não dizer positivista, possível. Uma vez coletados - não construídos - os dados são analisados - obviamente - em algum contexto, que consiste, em nível micro, dos resultados de pesquisas anteriores e em nível macro, do contexto sóciocultural. Concluindo este excurso sobre a psicologia ambiental, podemos resumir que ela a) leva em conta o contexto, especialmente o ambiente físico; b) estuda a relação recíproca, para não dizer circular, entre o indivíduo e o ambiente; c) vê o indivíduo como parte - não à parte - do seu contexto físico e social. Voltando, então, a questões do trânsito, estas considerações sobre a psicologia ambiental significam que nossa preocupação com os antecedentes dos eventos do trânsito não deve se

Hartmut Günther, UnB - p. 7/11 restringir ao estudo do participante, aos eventos privados ou, usando um termo moderno, à subjetividade do participante, mas a sua inserção no contexto ambiental, ao impacto do seu comportamento sobre o ambiente - não somente enquanto causador de acidentes, e do ambiente sobre seu comportamento. Em suma: O que parece óbvio: (1) o psicólogo do trânsito cuida da cabeça do participante, (2) o engenheiro do trânsito da via, (3) o engenheiro mecânico e o ergonomista do veículo e (4) o legislador da legislação - tem que deixar de ser óbvio. O que nos interesse, enquanto psicólogos, é que o psicólogo do trânsito cuide, além da cabeça do motorista, da interação de todos os participantes com o veículo, a via, a política e a legislação. O que estou sugerindo é que o psicólogo do trânsito abra o leque das suas preocupações e atuações. Os antecedentes do comportamento do participante no trânsito não estão apenas na cabeça. Sendo o comportamento o objeto de estudo do psicólogo, ele precisa não somente preocupar-se com todos os antecedentes, mas, especialmente enquanto pesquisador, com a interdependência destes com o comportamento. O desafio e o potencial da perspectiva da psicologia ambiental, da reciprocidade entre indivíduo e ambiente, subjacente na pergunta de Allport, é grande quando consideramos a questão do trânsito. A conceitualização do comportamento do participante no trânsito como causa e conseqüência do veículo, da via e das normas sociais implica no desafio de expandir as atividades do psicólogo além da tradicional atuação enquanto psicotécnico e no potencial de ocupar novos campos de atuação. Vejamos alguns exemplos:

Hartmut Günther, UnB - p. 8/11 a) uma via não está boa ou ruim em algum sentido absoluto, objetivo ou mecânico. As suas características técnicas são mais ou menos adequadas diante das características do usuário. Se não há correspondência entre as condições da via e as necessidades do usuário, cabe ao psicólogo verificar de que maneira a via não satisfaz às necessidades humanas e informar ao engenheiro para que este possa fazer o que está dentro de suas possibilidades. A título de exemplo, uma rua esburacada irrita o motorista, por reduzir a velocidade, algo que, dependendo das circunstâncias, é muito apreciado pela maioria dos cidadãos que não dirigem. A rua asfaltada, larga, não somente facilita o trânsito, mas convida para correr e aumenta a necessidade para redobrada atenção. b) da mesma maneira, o veículo não está bom ou ruim em algum sentido absoluto, objetivo ou mecânico. As suas características técnicas são mais ou menos adequadas diante das características do usuário. Mais uma vez, cabe ao psicólogo dar feedback ao engenheiro mecânico responsável pela sua construção. Diga-se de passagem, que esta importante tarefa não pode ser deixada apenas para os psicólogos que trabalham na área de marketing para fazer o produto mais atraente e mais vendável aos eventuais clientes. c) ainda mais sérias são as normas sociais, as regras e leis do trânsito. A rua é asfaltada sem obstáculos. O anúncio promete, Bastam cinco toques no Tiptronic do volante para chegar à quinta marcha e a uma velocidade final de 228 km/h (Audi A3, na revista VEJA, 7 de nov 2001, p. 68-71) e avisa-se, no mesmo anúncio, em letras bem menores, Respeite os limites de velocidade e o Código Nacional de Trânsito. Custa perguntar Onde é que o Código permite uma velocidade acima de 110 km/h em território nacional? Outro exemplo: proibir estacionar onde mesmo em horas normais e calmas

Hartmut Günther, UnB - p. 9/11 não há alternativas seguras para estacionar em área proibida, entulhando as vias. Todos conhecem este fenômeno envolta das inúmeras construções que abrigam serviços ao público, como bancos, restaurantes, escolas, faculdades ou repartições públicas, sem que tenham sido previsto estacionamento adequado. Assim, argumento que o papel do psicólogo do trânsito consiste não somente em estudar e avaliar as características do participante no trânsito, i.é, do grau da sua adequação e adaptação do às condições dadas pelos engenheiros e políticos, tarefa tradicional da avaliação psicológica para o trânsito. A sua atuação precisa se expandir a, antes de mais nada, realizar pesquisa sobre as condições sociais e mecânicas com as quais o participante do trânsito se envolve no momento que coloca o pé na frente da sua porta. Diga-se de passagem, que isto inclui todos os participantes do trânsito, não somente os motoristas - que, pelo jeito, muitas vezes não colocam o pé na frente da sua porta, mas diretamente por dentro do carro. O psicólogo do trânsito precisa colaborar com o desenhista industrial, engenheiro mecânico e ergonomista para estudar e avaliar os veículos: desde patins até caminhões. O psicólogo de trânsito precisa colaborar com o urbanista e engenheiro de trânsito para estudar e avaliar as vias - desde as trilhas e calçadas até as vias expressas. O psicólogo de trânsito precisa colaborar com o legislador para estudar, avaliar e propor regras de trânsito exeqüíveis. Voltando ao exemplo: não basta proibir estacionamento numa rua quando não se providencia estacionamento fora da via apropriada, não basta proibir e multar alta

Hartmut Günther, UnB - p. 10/11 velocidade ao mesmo tempo que se constrói vias cada vez melhores e se a potência do veículo constitui um argumento para venda. Importante, finalmente, na perspectiva da reciprocidade e psicologia ambiental é que o psicólogo de trânsito não faça apenas uma coisa ou outra, quer dizer, ou estuda e avalia o indivíduo, ou estuda e avalia o veículo ou a via ou as normas sociais. O importante é que tudo isto seja realizado de maneira integrada para não perder a perspectiva da reciprocidade entre o comportamento do participante do trânsito e o seu ambiente.

Hartmut Günther, UnB - p. 11/11 Referências Allport, G. W. (1935). Attitudes. Em C. Murchison (Ed.), A handbook of social psychology (pp. 798-844). Worcester, MA: Clark U Press. Allport, G. W. (1954). The historical background of modern social psychology. Em G. Lindzey (Ed.), Handbook of social psychology: Vol. 1. Theory and method (pp. 3-56). Reading, Mass: Addison-Wesley. Ferreira, A. B. H. (1999). Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa, 3ª ed. (M dos Anjos e M. B. Ferreira, Orgs.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Gladwell, M. (2001, 11 de junho). Wrong turn: How the fight to make America s highways safer went off course. The New Yorker, 77(15), 50-61. Houaiss, A, & Villar, M. S. (2001). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. Rozestraten, R. J. A. (1988). Psicologia do trânsito: conceitos e processos básicos. São Paulo, SP: EPU/EDUSP. 29/11/2001 {15:34} -- C:\WinP\publication\PALESTRAS\SAO CRP 2001 11 ambiente, transito e psicologia.wpd