ESCOLAS PÚBLICAS LOCALIZADAS NO CAMPO: EMBATES POLÍTICO- PEDAGÓGICOS NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DE PROFESSORES

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Transcrição:

02027 ESCOLAS PÚBLICAS LOCALIZADAS NO CAMPO: EMBATES POLÍTICO- PEDAGÓGICOS NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DE PROFESSORES Maria Antônia de Souza Universidade Estadual de Ponta Grossa; Universidade Tuiuti do Paraná. Resumo: O objetivo deste texto é trazer características das escolas públicas localizadas no campo e demonstrar os embates político-pedagógicos presentes na formação dos profissionais da educação e na prática pedagógica. Ele é fruto das pesquisas realizadas no estado do Paraná, em particular nos municípios que integram a Região Metropolitana de Curitiba. As investigações são feitas por meio da participação e observação direta nas escolas públicas e nos eventos da educação do campo, bem como por meio de processos de intervenção efetivados no contexto de dois projetos financiados pela CAPES, Observatório da Educação. Os referenciais teóricos centrais para o debate da educação e escola do campo são Arroyo e Caldart, ao lado de Gatti no que tange às reflexões sobre formação e prática de professores. Sobre a concepção educacional que embasa as análises, destacam-se Freire e Suchodolski, autores que enfatizam a educação transformadora, atrelada a processos de libertação da classe trabalhadora. A educação do campo nasce no seio da classe trabalhadora organizada do campo, portanto, vinculada a uma concepção transformadora e dialógica de educação. Demonstra-se ao longo do texto a oposição entre educação rural, como historicamente foi construída no Brasil, e a educação do campo, como elaborada coletivamente pelos movimentos sociais. Apresenta-se a fragilidade da formação inicial e continuada acessada pelos professores que trabalham nas escolas públicas localizadas no campo, fato que desencadeia um conjunto de ações e problemas de natureza político-pedagógica na efetivação da concepção da educação do campo. Na esfera política mantém-se no campo relações marcadas por favoritismos e por descasos com relação às comunidades rurais. Na esfera pedagógica evidencia fragilidades no trato com o conhecimento universal. Palavras-chave: escola pública, formação de professores, prática pedagógica. INTRODUÇÃO O objetivo central deste texto é trazer resultados da investigação sobre a realidade das escolas públicas localizadas no campo nos municípios da Região Metropolitana de Curitiba. Os temas e problemas pesquisados têm relação com a formação e a prática de professores nas escolas. Serão abordados, ao longo deste texto, as características das escolas públicas e os embates existentes entre a concepção da educação rural, predominante na educação brasileira, e a concepção de educação do campo construída pelos movimentos sociais do campo desde a década de 1990. Também, será discutida a formação inicial e continuada de professores, as dificuldades que marcam a prática pedagógica nas escolas públicas, bem como os desafios na reestruturação dos projetos político-pedagógicos segundo a concepção de educação do campo.

02028 Os dados empíricos são oriundos de três projetos de pesquisa desenvolvidos no estado do Paraná, sendo dois deles vinculados ao Programa Observatório da Educação/CAPES que engloba municípios da Região Metropolitana de Curitiba. Teoricamente, é fundamental expor três entendimentos que permeiam este texto. Primeiro, a opção pela concepção dialógica e emancipatória de educação, segundo as produções vinculadas à educação do campo e os escritos de Freire, Mészáros e Suchodolski, autores que têm inspirado nossa prática com os coletivos da educação no estado do Paraná. Com referência nos escritos de Paulo Freire (1987), destacam-se as situaçõeslimite como aspecto importante para compreender a prática e a gestão pedagógicas nas escolas públicas localizadas no campo. Situação-limite como obstáculo a ser vencido pelos profissionais da educação e que nem sempre é possível ter solução e resposta imediata. São situações oriundas da força dos determinantes estruturais históricos, a exemplo da problemática da concentração da terra e da força das atividades agroindustriais nos municípios, fator que tem gerado expropriação e expulsão dos trabalhadores do campo, sejam eles pequenos proprietários de terras ou assentados da reforma agrária. Fato é que a produção da existência desde o trabalho na e com a terra tem ficado cada dia mais difícil, diante da oscilação dos preços dos produtos agrícolas e da falta de perspectiva para a atividade familiar no campo, nos diversos municípios paranaenses e, certamente, brasileiros. Essa situação gera migração dos trabalhadores, interrupção dos estudos, fechamento contínuo de escolas entre tantos outros. É notória a existência de diversos programas que atendem a agricultura familiar e os beneficiários da reforma agrária, mas eles não são suficientes para garantir a permanência e a produção da vida no campo. Com inspiração na obra Suchodolski (1976) compreende-se ser necessária a luta contínua pela formação e prática pedagógica voltada para processos de transformação, sem cair na ingenuidade de pensar que a educação sozinha fará a revolução. Nota-se a existência de um cenário desanimador na esfera educacional brasileira, especialmente no campo. Com o movimento da educação do campo foi possível conseguir avanços históricos na educação da população camponesa. Ocorre que a força do capital e a sua forma de ocupação e produção no campo geram a migração dos trabalhadores para os núcleos urbanos, dificultam a geração de emprego no campo e a existência da agricultura familiar. A educação do campo insere-se no conjunto das contradições que marcam o

02029 campo brasileiro, com opção ideológica, pedagógica e política claramente definidas, de inspiração transformadora. A respeito da educação do campo, a partir dos escritos de Caldart, em especial o texto de 2009, é necessário reafirmar que: a educação do campo não se reduz à pedagogia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e não se reduz ao estudo da escola. A educação do campo coloca em debate a educação brasileira, a participação dos trabalhadores sujeitos históricos na construção de políticas e práticas pedagógicas e, coloca em destaque a produção de um projeto de sociedade e de campo pautado pelas necessidades e reivindicações dos povos do campo. Para discutir a realidade das escolas públicas, nas frentes indicadas, formação e prática pedagógica, organiza-se este texto em duas partes, a saber: Escolas públicas localizadas no campo, esclarecimentos necessários; formação inicial e continuada de professores e os desafios da prática pedagógica e da reestruturação dos projetos políticopedagógicos. Do ponto de vista metodológico, o estudo insere-se no conjunto das investigações que dão visibilidade à contradição como categoria do método do materialismo histórico e como elemento presente no movimento real, entre políticas e práticas que envolvem governos e povos do campo. Adota-se procedimentos da pesquisa qualitativa, especialmente análise de documentos e a observação nas escolas e com os professores que trabalham no campo. ESCOLAS PÚBLICAS LOCALIZADAS NO CAMPO As escolas públicas localizadas no campo têm sido objeto de pesquisas e dos debates sobre políticas educacionais, além de ter destaque nos levantamentos de dados feitos pelo Instituto Nacional de Educação INEP nos últimos anos, pela sua precariedade na infraestrutura, na oferta educacional e na fragilidade da formação dos profissionais da educação que trabalham nessas instituições escolares. A história das instituições escolares revela a criação das escolas isoladas e dos grupos escolares no meio rural, em meados do século XX. Eram escolas multisseriadas em grande maioria. Da década de 1970 em diante, a política de nucleação ou consolidação de escolas ganhou força na política educacional. Diante da continuidade dos processos migratórios, estados e municípios decidiram pelo fechamento das escolas com número reduzido de alunos. Entrou em cena o transporte escolar de alunos do campo para a cidade ou intracampo, em meio às precariedades infraestruturais, especialmente das estradas de

02030 terra. Com o fechamento das escolas é comum a desistência dos jovens da escola, o que é demonstrado pelos dados de Molina, Montenegro e Oliveira (2009), quando indicam que a média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais no campo é de 4,5 anos, ou seja, a Educação Fundamental incompleta. Os movimentos sociais demonstram que dos anos de 1980 em diante, milhares de escolas foram fechadas no campo brasileiro. A luta contra o fechamento das escolas entrou para o cenário nacional no ano de 2011, numa campanha iniciada pelo MST. Mesmo diante da ação dos movimentos sociais, as redes municipais e estaduais continuam a fechar escolas. Em março de 2014, ao artigo 28 da LDB 9394/96 foi acrescido um parágrafo único, cujo conteúdo dispõe que o fechamento das escolas do campo não pode ocorrer sem o consentimento das comunidades rurais. O fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade escolar. (Incluído pela Lei nº 12.960, de 2014) Embora o parágrafo único possa representar um avanço para as políticas e práticas pedagógicas, é necessário esclarecer conceitos e ideologias. A escola pública ainda não é do campo no Brasil. A escola que está no campo, em sua grande maioria, é a escola rural, construída historicamente com base na ideologia do capitalismo agrário e na ideia de que o campo é um lugar de atraso, com pessoas que necessitam de estudo para melhorar as condições de vida fora do campo, e com os conteúdos escolares centrados na ideologia de que o Brasil é urbano. Dessa forma, como falar em escolas do campo? Há uma apropriação política do conceito de educação do campo sem que o mesmo seja objeto de maior reflexão. Trata-se a escola como se naturalmente fosse do campo, entretanto, os estudos demonstram as imensas dificuldades em atender o disposto nas diretrizes operacionais da educação do campo, publicadas em 2002, bem como nas diretrizes complementares, publicadas em 2008, e no decreto presidencial de 2010. Essa dificuldade é bem visível no plano municipal, diante do desconhecimento dos profissionais da educação sobre o movimento nacional da educação do campo e sobre as diferenças entre a concepção da educação rural e concepção da educação do campo. São dois projetos políticos em disputa, são duas concepções de educação e de sujeito do processo educativo. Os dados de 27 dentre os 29 municípios da Região Metropolitana de Curitiba revelam, em síntese, os seguintes problemas: fechamento de escolas, falta de relação entre

02031 escola e comunidade, ausência de movimentos sociais de trabalhadores rurais, consulta à comunidade e convencimento sobre o fechamento de escolas, infraestrutura precária, professores com formação precária ou incompleta, materiais didáticos ainda centrados na ideologia do Brasil urbano, projetos político-pedagógicos elaborados por único profissional e com pequeno acesso aos profissionais da educação, escolas isoladas e distantes dos debates nacionais da educação, escolas sem organização de Associação de Pais Mestres e Funcionários, escolas que não conseguem acessar as verbas do Ministério da Educação, problemas com transporte escolar, ausência de cursos de atualização para professores que trabalham nas escolas isoladas entre tantas dificuldades. Essas características são da educação rural e não da concepção de educação do campo, que requer a identificação da escola com a comunidade rural, mediante a participação efetiva da comunidade na escola e no debate sobre as contradições que marcam o território municipal. Por essas e outras questões é que compreendemos que a escola ainda não é do campo no estado do Paraná. Compartilhamos da discussão de Souza (2011), quando afirma que a escola é rural e a escola é do campo no Paraná, que estão em vigência duas concepções de educação. A maior parte das escolas possui ideologia rural, ao passo que as escolas que estão em áreas de assentamentos organizados no MST tendem a ter maior aproximação com a experiência coletiva da educação do campo. As escolas que contam com o envolvimento de movimentos sociais de trabalhadores tendem a repensar os conteúdos escolares, discutir a produção e necessidade de materiais didáticos que possibilitam ao professor gerar interrogações sobre o campo brasileiro [do agronegócio e da pequena produção], demandam formação continuada de professores, em momentos formativos que tenham a participação dos movimentos sociais e debates amplos sobre o projeto de sociedade em vigência no país e as consequências para a classe trabalhadora. Já, as escolas que denominamos, simplesmente, de localizadas no campo, elas não têm aderência à educação do campo, e isso ocorre em função do contexto de desinformação e de políticas ainda clientelistas que marcam a gestão educacional, em especial no que tange à escolaridade da população camponesa. É fundamental perguntar sobre o cenário de desinformação, sobre o processo que a origina. Certamente, a resposta terá relação com a política de formação de professores, assunto que será abordado adiante. É necessário reconhecer que a escola ainda não é do campo para poder superar as características históricas da educação rural enraizadas no ideário de professores, gestores e comunidades rurais não organizadas politicamente. Com isso, o desejo não é reduzir o

02032 debate da educação do campo ao contexto escolar, é sim, inserir o contexto escolar no cenário nacional de reflexões sobre as contradições, tensões e desafios da sociedade brasileira na busca por uma formação humana, algo que parece distante no modo de produção capitalista. Ainda, é importante reconhecer que o chão da escola que está no campo é produzido, marcado e demarcado pela ideologia da educação rural. Se isso não for reconhecido, correr-se-á o risco de generalizar discursos e de fazer uso deturpado politicamente e pedagogicamente da concepção da educação do campo, especialmente em lugares e com profissionais que desconhecem a identidade e materialidade da educação do campo. Muitas gestões educacionais já construíram um discurso educacional de apropriação dos princípios da educação do campo, embora não os efetivem. Apropria-se do discurso dos movimentos sociais e continua a fazer a política da educação rural. Exemplo do que tem sido constatado nas realidades municipais pesquisadas é o que segue: Tem sido comum os municípios e estados trocarem os nomes das instituições de escola rural para escola do campo, sem qualquer debate com a comunidade, sem reestruturação coletiva do projeto político-pedagógico, sem vincular a comunidade à escola, princípios fundantes da educação do campo. Essa prática de trocar os nomes vem sendo fruto da apropriação política conservadora do que foi construído pelo movimento da educação do campo. Trocam-se os nomes, mas não se discute a contradição primária que, historicamente, produz processos de exclusão e desigualdade no campo, que é a concentração da terra e o projeto de campo em vigência na política nacional. A escola pública que está no campo, em regra, não atende aos princípios da educação do campo. Dois princípios são fundamentais: a identidade da escola construída coletivamente com a participação da comunidade organizada e a articulação com um projeto popular de país. Em regra, as escolas são marcadas por práticas pedagógicas bancárias, fruto da formação precária de professores, do abandono, pelo poder público, das escolas e, da força ideológica do capitalismo agrário na sociedade brasileira. A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES: DESAFIOS PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA A formação de professores está no debate nacional há longa data, tendo sido intensificada a partir da década de 1990. A aprovação da LDB 9394/96, as Diretrizes

02033 Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de 2002 e Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, 2006, determinam mudanças no processo formativo. Entretanto, o que se observa a partir da realidade escolar é que a formação inicial tem sido frágil em várias frentes, dentre elas: formação realizada a distância ou de maneira apressada em instituições educacionais, na grande maioria que não são universidades; formação frágil no que diz respeito ao domínio dos conteúdos necessários à educação básica e, em particular aos anos iniciais; condição de trabalho (temporário) dos profissionais envolvidos com educação, mas sem a formação superior, que dificulta o estudo aprofundado dos conteúdos disciplinares, necessários à prática do professor voltada para a transformação. A pesquisadora Gatti (2010, p. 1358) escreve que: (...) o que se verifica é que a formação de professores para a educação básica é feita, em todos os tipos de licenciaturas, de modo fragmentado entre as áreas disciplinares e níveis de ensino, não contando o Brasil, nas instituições de ensino superior, com uma faculdade ou instituto próprio, formador desses profissionais, com uma base comum formativa, como observado em outros países, onde há centros de formação de professores englobando todas as especialidades, com estudos, pesquisas, extensão relativos à atividade didática e às reflexões e teorias a ela associadas. O que se constata nos municípios da Região Metropolitana de Curitiba a respeito da formação de professores é que: há predomínio da formação inicial realizada em faculdades particulares isoladas ou em cursos a distância, geralmente no período noturno. Nos cursos de formação inicial pouco ou nada é problematizado da realidade rural do Brasil e das escolas públicas que atendem [ou não atendem] os povos do campo. Foram indagados 52 professores das escolas localizadas no campo, de 5 municípios da Região Metropolitana de Curitiba sobre qual formação consideram mais relevante para a prática em sala de aula, constatando-se que a grande maioria respondeu que foi o curso magistério. Eles salientam que a formação inicial na educação superior e a continuada não são relevantes para a prática pedagógica. Essa constatação leva à reflexão de que os professores consideram que a educação superior tem sido o lugar privilegiado para o debate teórico, que pouco auxilia na resolução de problemas da realidade escolar e da prática pedagógica. São cursos deficientes no que diz respeito ao ensino de metodologias e de conteúdos dos Anos Iniciais. Gatti (2010, p 1368), relatando a pesquisa sobre os cursos de formação de professores, relata, em específico sobre 71 cursos de Pedagogia presenciais, que:

02034 Considerando o conjunto das instituições, há uma quase equivalência entre a proporção de disciplinas que cumprem a função de embasar teoricamente o aluno de Pedagogia, a partir de outras áreas de conhecimento, e aquelas que tratam de questões ligadas à profissionalização mais específica do professor. Chama a atenção o fato de que apenas 3,4% das disciplinas ofertadas referemse à Didática Geral. O grupo Didáticas Específicas, metodologias e Práticas de ensino (o como ensinar) representa 20,7% do conjunto, e apenas 7,5% das disciplinas são destinadas aos conteúdos a serem ensinados nas séries iniciais do ensino fundamental, ou seja, ao o que ensinar. Esse dado torna evidente como os conteúdos específicos das disciplinas a serem ministradas em sala de aula não são objeto dos cursos de formação inicial de professor. Nota-se que Gatti (2010) expõe uma realidade que vai ao encontro do que os professores das escolas localizadas no campo têm dito sobre a formação de professores. Para Gatti (2010, p. 1371), a constatação é de que há uma insuficiência formativa evidente para o desenvolvimento desse trabalho, diga-se do trabalho do professor nos Anos Iniciais. Ela afirma que as principais constatações da pesquisa foram: a) o currículo proposto pelos cursos de formação de professores tem uma característica fragmentária, apresentando um conjunto disciplinar bastante disperso; b) a análise das ementas revelou que, mesmo entre as disciplinas de formação específica, predominam as abordagens de caráter mais descritivo e que se preocupam menos em relacionar adequadamente as teorias com as práticas; c) as disciplinas referentes à formação profissional específica apresentam ementas que registram preocupação com as justificativas sobre o porquê ensinar; entretanto, só de forma muito incipiente registram o que e como ensinar; d) a proporção de horas dedicadas às disciplinas referentes à formação profissional específica fica em torno de 30%, ficando 70% para outro tipo de matérias oferecidas nas instituições formadoras (...); e) os conteúdos das disciplinas a serem ensinadas na educação básica (...) comparecem apenas esporadicamente nos cursos de formação (...); f) poucos cursos propõem disciplinas que permitam algum aprofundamento em relação à educação infantil. (GATTI, 2010, 1371-1372). As constatações da autora estão ao encontro dos achados de pesquisa nas escolas públicas localizadas no campo. A formação inicial tem sido fragmentada e distante das necessidades dos professores. Diante dessa realidade, os professores buscam cursos de formação continuada. Dos 52 respondentes em nossa pesquisa, a totalidade fez ou faz algum tipo de formação continuada, especialmente os cursos de pós-graduação lato sensu. Entretanto, os cursos deixam a desejar no quesito conteúdo ou aprofundamentos dos conhecimentos necessários ao trabalho na Educação Básica, em particular nos Anos Iniciais. Deixam a desejar no estudo das características do campo brasileiro com as contradições que o marcam e que interferem na educação escolar e, pouco ou nada tratam

02035 sobre o movimento nacional da educação do campo e as diferenças entre a concepção da educação rural com a educação do campo. A formação continuada tem sido ofertada na maior parte dos municípios pelas instituições particulares de ensino que comercializam diversos cursos de especialização. Os cursos de especialização em educação do campo no estado do Paraná são vários, entretanto, ofertados segundo os princípios e materialidade da educação do campo são raros. E, os cursos ofertados pelas instituições públicas de ensino não dão conta da demanda existente no estado do Paraná. Por sua vez, na gestão governamental dos últimos 4 anos no estado, praticamente inexistiu formação continuada segundo a concepção da educação do campo, revelando que a política conjuntural e o projeto político-ideológico vigente não permitem o avanço da educação do campo e, consequentemente, da construção de políticas educacionais e formativas de interesse dos povos do campo e professores vinculados às instituições escolares localizadas no campo. Registra-se que a grande maioria dos professores possui contrato de trabalho temporário (PSS), fruto do processo seletivo simplificado, o que fragiliza a constituição da identidade da escola do campo e a construção de práticas pedagógicas significativas. Para que o professor faça as articulações entre os conhecimentos universais e as relações de trabalho e cultura do campo é necessário que possa observar o contexto onde está a escola, as características da comunidade, as práticas com a agricultura ou as marcas da precarização do trabalho no campo entre tantos conteúdos importantes para a problematização do projeto de sociedade e de campo que se deseja para o Brasil. Para fazer essa observação é fundamental que o professor tenha relações de trabalho permanentes com a escola. Essa é outra diferenciação que necessita ser feita, ou seja, de que existem cursos de especialização que têm aderência à concepção da educação rural, embora façam apropriação, no plano discursivo, da produção da educação do campo. Ter aderência à concepção da educação rural significa reduzir o debate à escola, acesso dos alunos e materiais didáticos. Trata-se a escola e a formação escolar como isoladas do contexto histórico e estrutural do campo brasileiro, como isoladas das relações que se passam com o trabalho na terra. Por outro lado, a educação do campo almeja a formação ampla de seus sujeitos históricos - os povos do campo - e dos profissionais que trabalham com a educação. Formação ampla implica em conhecimento da história da sociedade, em suas contradições históricas, e dos fatores que influenciam para que o campo não seja analisado desde a ótica dos trabalhadores. A educação do campo questiona as relações capitalistas que marcam os processos de migração, exploração e expropriação no campo,

02036 justamente, para tentar construir outro projeto de campo, sustentável e principalmente como lugar de vida, trabalho e cultura. Embora o processo de formação de professores esteja em pauta na sociedade civil, são muitos os desafios no plano da política educacional voltada ao aprofundamento de conhecimentos. A realidade político-pedagógica revela contradições expressivas, a exemplo do uso do discurso da educação do campo no plano governamental, porém distante da materialidade de origem da mesma. O movimento da educação do campo esforça-se, para que na negociação com governos não perca a identidade pedagógica transformadora. A pesquisa realizada nos municípios da Região Metropolitana de Curitiba revela que os professores sentem dificuldades para trabalhar com os conteúdos relacionados ao campo e agricultura no Brasil. Centram os seus estudos no livro didático e, portanto, os conteúdos da aula são os definidos no manual didático, que pouco espaço possui para a problematização das contradições que marcam o modo de produção capitalista, em especial na agricultura. Ainda que exista o Programa Nacional do Livro Didático Campo, não há garantia de que o material aprovado faça avançar o aprofundamento dos conhecimentos tal como desejado pelo movimento da educação do campo. Muitos municípios são marcados pela precarização do trabalho dos moradores do campo, que se deslocam para atividades laborais no espaço urbano. Professores relatam que o campo tem sido o dormitório para muitas famílias que passam o dia na cidade. Existem territórios que são ocupados com as atividades de reflorestamento para fins comerciais e outros que são ocupados pela atividade canavieira, atividades de produção em larga escala que fragilizam os processos de trabalho e de produção na agricultura familiar. Essa realidade necessita ser trabalhada em sala de aula, como integrante dos conteúdos histórico-geográficos do Brasil, entretanto, as dificuldades dos professores são inúmeras. Dentre elas a dificuldade de acesso a materiais para estudo, dificuldade de conciliação do trabalho em duas escolas com os estudos necessários à prática pedagógica entre outros. Diante da realidade constatada nas escolas localizadas no campo, foram organizadas atividades de estudo com professores e coordenadores pedagógicos de 5 municípios da RMC com o intuito de compreender a educação do campo, o trabalho local nas comunidades rurais e o projeto político-pedagógico das escolas. O que se constata da prática pedagógica é o distanciamento em relação à concepção da educação do campo. São práticas que carecem de conhecimentos sobre o

02037 capitalismo no campo, necessários para a compreensão da história de vida e das comunidades moradoras desses municípios que, embora rurais, possuem um imaginário e condições existenciais voltadas ao mundo urbano. Ou seja, a efetivação de práticas pedagógicas em conformidade com a educação do campo exige a identificação do projeto de campo no Brasil. Exige o conhecimento da concepção hegemônica de educação e da que se propõe contra hegemônica. Os professores empreendem esforços para a superação da realidade, mas os problemas são muitos e atingem a ordem estrutural. Problemas como a falta de tempo para estudo entre professores é uma característica político-cultural que se torna histórica no país, oriundas das relações precárias de trabalho dos profissionais da educação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante desse quadro, como interrogar a identidade da escola, o projeto políticopedagógico? A partir de aproximações com a investigação-ação foi possível iniciar processos de reestruturação dos PPPs, ao menos em 3 municípios, criando coletivos de estudos. Entretanto, é fundamental destacar que esses coletivos somente foram possíveis por estarem inseridos no Programa Observatório da Educação. Portanto, pode ser que tenham duração limitada, a não ser que os municípios incorporem os coletivos de estudos como política local. Os coletivos de estudos consistem em grupos organizados nas escolas localizadas no campo que selecionam temas para leitura, interpretação e interferência na prática pedagógica. Até o momento foram estudados temas/problemas tais como: educação do campo em relação com as condições socioambientais dos municípios, muitos deles localizados em áreas de proteção ambiental; estudo de literatura para os Anos Iniciais; estudo sobre letramento e alfabetização com o intuito de identificar os métodos de alfabetização que marcam as práticas nas escolas do campo; estudos sobre educação do campo, com o intuito de compreender as diferenças com a histórica educação rural desenvolvida no Brasil. Esses coletivos integram professores das escolas do campo, alunos de graduação em Pedagogia de uma universidade localizada em Curitiba e que atende alunos dos municípios da Região Metropolitana e alunos da pós-graduação mestrado e doutorado em educação da mesma universidade. Destaca-se que a universidade criou, para subsidiar esse processo de investigação, a disciplina educação do campo no curso de Pedagogia há 7 anos, o que favorece a inserção e preocupação dos futuros pedagogos com as escolas públicas localizadas no campo, além de estudarem e

02038 reconhecerem a ruralidade que marca o Brasil e que pouco é estudada nos cursos de formação de professores. Os embates pedagógicos relacionam-se à precária formação inicial de professores, que se perpetua nos processos de formação continuada. Os embates políticos são oriundos de forte ideologia conservadora no trato com as contradições do campo, das comunidades rurais e da escola. A educação do campo fica reduzida à escola e a mudanças de nomenclaturas no plano governamental, deturpando a origem e materialidade da educação do campo oriunda das práticas coletivas dos movimentos sociais. REFERÊNCIAS CALDART, R. S. Educação do campo: notas para uma análise de percurso. Trabalho, Educação e Saúde, v. 7, n 1, p. 35-64, mar/jun. Rio de Janeiro, 2009. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. GATTI, B. A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação e Sociedade, Campinas, vol.31, n.113, p. 1335-1379, out/dez, 2010. MOLINA, M. C.; MONTENEGRO, J. L. A.; OLIVEIRA, L. L. N. de A. Das desigualdades aos direitos: exigências de políticas afirmativas para a promoção da equidade educacional no campo. Brasília: CDES; SEDES, 2009. SOUZA, M. A. de. Educação do campo: políticas, práticas pedagógicas e produção científica. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 29, n 105, p. 1089 1111, set/ dez, 2008. SOUZA, M. A. de. A educação é do campo no estado do Paraná? In: SOUZA, M. A. de. (org.). Práticas educativas no/ do campo. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2011. SUCHODOLSKI, B. Teoria marxista da educação. 1. Lisboa: Editorial Estampa, 1976.