CAPTAÇÃO DE ÁGUA DE CHUVA PARA CAMPINA GRANDE-PB: A OPINIÃO DA SOCIEDADE Cybelle Frazão Costa Braga, Márcia Maria Rios Ribeiro, Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal da Paraíba. Av. Pres. Campos Sales, 586/303. Bessa. João Pessoa PB. E-mail: cybellefcb@uol.com.br RESUMO A captação de água de chuva via cisternas é proposta como uma das alternativas de gerenciamento da demanda a fim de minimizar o problema de abastecimento d água em núcleos urbanos. Neste artigo apresenta-se estudo que buscou obter a opinião da sociedade de Campina Grande-PB sobre a implantação de tal ação para esta cidade, cujo o sistema de abastecimento d água tem vivenciado severa crise. Para obter esta opinião foram realizadas entrevistas com representantes de três grupos da sociedade: o poder público, os usuários da água e a sociedade civil. Os resultados mostram que a alternativa não se apresenta entre as mais desejáveis para a maioria dos entrevistados. Entre as razões para isto está a concepção de que a alternativa é mais apropriada para o meio rural e a preocupação com o nível da qualidade de água armazenada na cisterna.
Palavras-Chave: recursos hídricos, gestão participativa, gerenciamento da demanda urbana.
INTRODUÇÃO A crise no abastecimento d água em núcleos urbanos gera a necessidade de serem buscadas alternativas capazes de reverter o atual estado de uso irracional da água. Entre estas alternativas estão as alternativas de gerenciamento da demanda as quais englobam ações, medidas, práticas ou incentivos que contribuam para o uso eficiente da água pela sociedade, sem prejudicar os atributos de higiene e conforto dos sistemas originais (Silva et al, 1999). O gerenciamento da demanda representa uma nova abordagem à tradicional prática da expansão contínua da oferta que busca o atendimento às demandas apenas através da construção de açudes, poços, transposição de vazões; práticas que têm se mostrado não sustentáveis nos aspectos financeiro, sócio-econômico e ambiental. Neste artigo analisa-se a opinião da sociedade de Campina Grande-PB, representada através de alguns dos seus setores, sobre a implantação da alternativa captação de água de chuva via cisternas para a cidade. Esta cidade tem enfrentado graves problemas de abastecimento pela ausência de um sistema de gestão dos recursos hídricos da bacia e do reservatório responsável pela sua oferta de água (Bacia Hidrográfica do rio Paraíba e reservatório Epitácio Pessoa Boqueirão) assim como, pelo uso ineficiente da água no núcleo urbano. Tal situação gerou a chamada crise 1998-2000 no abastecimento d água de Campina Grande-PB e mobilizou a sociedade na discussão do problema; fatos que estão descritos, respectivamente, em Rêgo et al. (2000) e Rêgo et al. (2001). No momento em que se escreve este texto (outubro de 2001), o sistema de abastecimento d água da cidade vivencia novo racionamento provocado pelas mesmas razões anteriores. A AQUISIÇÃO DA OPINIÃO DA SOCIEDADE O novo modelo de gestão de recursos hídricos no Brasil, disposto na Lei nº 9.433/97 (da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos) tem como um dos seus fundamentos a gestão descentralizada e participativa destes recursos. Sendo assim, foram propostos os chamados Comitês de Bacias Hidrográficas que representam um espaço de negociação sobre os problemas e soluções para a bacia hidrográfica objeto de estudo. Estes comitês são constituídos por representantes do poder público, dos usuários da água e da sociedade civil organizada. Considerando a problemática do abastecimento d água na cidade de Campina Grande, as ações de gerenciamento da demanda e a necessidade da gestão descentralizada e participativa preconizada na legislação brasileira, através dos Comitês de Bacias, o estudo
descrito neste artigo objetivou adquirir a opinião da sociedade, através de entrevistas feitas com alguns dos seus representantes, sobre a implantação de tais ações na cidade. Neste artigo apresentam-se os resultados sobre o grau de aceitabilidade da alternativa captação de água de chuva. Para adquirir as opiniões dos entrevistados foram realizadas as etapas descritas a seguir. Identificação e caracterização das ações de gerenciamento da demanda Foram estudadas 13 ações (Braga, 2001): captação de água de chuva, vasos de descarga reduzida (6 l/descarga), sistema de reuso de água residencial, sistema de reuso de água industrial, controle de vazamentos na rede pública, controle de vazamentos na edificação, medição individualizada em edifícios, legislação que induza o uso racional, tarifação de água tratada que estimule o uso eficiente da água, outorga dos direitos de uso da água, a ação combinada outorga + cobrança + tarifa com 10% de aumento, programas de educação ambiental. Para cada alternativa foram obtidas informações preliminares como o correspondente custo e a previsão de redução de consumo esperada com a sua implantação. Para o caso da captação de água de chuva foi informado, com base em Pedrosa (2001), que o custo da cisterna cilíndrica de placas de 15 m 3 é de R$ 300,00 para a região de Campina Grande (valores de fevereiro de 2001 e referentes aos materiais de consumo, excluindo ferramentas e mão de obra). Estas informações foram fornecidas aos representantes da sociedade na ocasião da entrevista. Os representantes dos setores da sociedade Para opinar sobre as ações de gerenciamento da demanda foram identificados os representantes da sociedade denomindados no estudo de grupo decisor. Os integrantes do grupo decisor (Tabela 1) foram escolhidos c/ base na Lei nº 9.433/97 e analisando a composição de comitês de bacia em outros estados, visto que o Comitê da Bacia do Rio Paraíba ainda não foi formado. Três grupos constituem os representantes da sociedade adotados neste estudo: o poder público, os usuários da água e a sociedade civil. Observa-se pela Tabela 1 que os grupos possuem subgrupos e que estes são formados por órgãos e/ou entidades. No total, vinte e oito representantes foram entrevistados no estudo.
Tabela 1 Representantes da sociedade ( grupo decisor ) considerados no estudo de avaliação das ações de gerenciamento da demanda de água para Campina Grande-PB (com base em comitês de bacias hidrográficas já formados no Brasil). Grupo Subgrupo Órgão/entidade Nº de representantes I. Governo Federal Departamento Nacional de Obras de Combate à Seca 1 Poder Público Governo Estadual (DNOCS) Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Recursos Hídricos 1 (21,4%) Governo Municipal e Minerais (SEMARH) Secretaria de Educação 1 Secretaria de Planejamento 1 Secretaria de Meio-Ambiente 1 Secretaria de Infraestrutura e Gestão 1 II. Comp. de Abastecimento Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (CAGEPA) 1 Usuários Indústria Federação das Indústrias da Paraíba (FIEP) 1 (7,2%) III. Câmara Municipal Câmara de vereadores - CG 4 Sociedade Entidade Comunitária União Campinense de Equipes Sociais 1 Civil Entidades Técnico- Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) 2 (71,4%) Científicas Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES/PB) 2 Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) 2 Organização Não Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas às 1 Governamental Comunidades (PATAC) Comércio Clube de Diretores Lojistas de Campina Grande (CDL) 1 Curadoria Curadoria do Meio Ambiente 1 Instituição de Ensino Universidade Federal da Paraíba (UFPB) 3 Superior Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 1 Indústria da Construção Construtora SG Incorporação e Construção Ltda 1 Civil Sindicato dos Construtores da Paraíba (SINDUSCON) 1 Total de decisores 28 A entrevista A Figura 1 apresenta o questionário-padrão utilizado na entrevista com os representantes da sociedade. As entrevistas foram realizadas em local e data marcada pelo entrevistado. Em nenhum caso o questionário foi preenchido na ausência do entrevistador. O questionário (Figura 1) constitui-se de duas partes: i) a indicação da alternativa a ser analisada e uma pequena caracterização do entrevistado e ii) a avaliação propriamente dita da alternativa. Para avaliar cada ação foram adotados 5 critérios que estão dispostos à esquerda do formulário do questionário (viabilidade econômica, viabilidade técnico/operacional, redução
de consumo, viabilidade legal/política, aceitabilidade pela população) e suas respectivas categorias ao lado (por exemplo, para o critério viabilidade econômica tem-se as categorias baixa, média, alta e muito alta). Após avaliar a alternativa através dos critérios, o entrevistado foi solicitado a dar a sua opinião final sobre a alternativa em questão, o que foi denominado neste estudo de avaliação global que representa a avaliação final do representante onde este expressa o seu grau de desejo em relação à implementação da alternativa.
Entrevista: Alternativas de gerenciamento da demanda de água Alternativa: Cidade: Entrevistado(a): Profissão: Atividade: Grupo: Sub-grupo: A alternativa deve ser avaliada pelos seguintes critérios: Para cada critério, a alternativa deve ser qualificada em uma ou mais categorias com pesos de 0 a 10. Viabilidade econômica Baixa Média Alta Muito Alta Viabilidade tec/operacional Inviável Pouco viável Viável Redução de consumo Muito baixo Baixo Médio Alto Viabilidade legal/política Inviável Pouco viável Viável Aceitabilidade Inaceitável Baixo Médio Alto Avaliação global Indesejável Pouco desejável Desejável Extremamente desejável Figura 1: Questionário-padrão. Cada decisor preencheu as caixas em branco referente a cada critério (Figura 1) com pesos de 0 a 10, ponderando ou não sua avaliação. Na avaliação da alternativa por cada critério o decisor: i) escolheu apenas uma categoria para expressar sua avaliação: a categoria
escolhida tem peso 10 e as outras peso 0 ou ii) escolheu mais de uma categoria para expressar sua avaliação: as categorias escolhidas têm seus pesos ponderados com valores de 1 a 9 e as categorias não escolhidas possuem peso 0. RESULTADOS A partir dos resultados das entrevistas com cada representante definido na Tabela 1 foram realizadas diversas análises que estão detalhadamente descritas em Braga (2001). Estas análises (individuais; para cada grupo isto é, poder público, usuários, sociedade civil; para cada sub-grupo de cada grupo e para o grupo decisor como o todo) permitiram avaliar cada alternativa em termos da opinião dos entrevistados sobre vários aspectos, entre os quais: i) o ordenamento das 13 alternativas, com base na avaliação global, considerando a preferência alcançada por cada uma e ii) o ordenamento destas alternativas com base nos critérios de avaliação pré-definidos. Ordenamento das alternativas mais desejáveis Com base na avaliação global as alternativas foram ordenadas das mais desejáveis para as menos desejáveis. Os resultados mostram que a captação de água de chuva situa-se, para o caso do grupo poder público e sociedade civil, em nono lugar em uma ordem de preferência de 1 até 13. O controle de vazamentos rede de abastecimento e a educação ambiental são as mais preferidas, respectivamente, para o poder público e a sociedade civil enquanto que a outorga + cobrança + tarifa com 10% de aumento e o reuso residencial são as menos preferidas, respectivamente, para os dois grupos já mencionados. A ordem número 9 dada à captação de água de chuva mostra que ela não é das mais aceitas pelos que constituem aqueles grupos. O grupo usuários apresentou um ordenamento mais diferenciado uma vez que, ao contrário dos demais grupos, houve empate no grau de preferência das alternativas havendo apenas 5 graus de preferências ao invés de 13. Para este grupo, a captação de água de chuva surge em segunda posição juntamente com ações como cobrança pelo uso da água, sistemas de reuso industrial, vaso de descarga reduzida e controle de vazamento na edificação. Quando avalia-se o grupo decisor como um todo (isto é, quando são condensadas as informações de todos os 3 grupos), a alternativa situa-se na décima posição (isto é, pertence a categoria das 4 ações menos desejáveis). Para este caso, a alternativa mais desejável é a educação ambiental e a menos o reuso residencial.
Ordenamento das alternativas com base nos critérios Para cada um dos 5 critérios de avaliação, já apresentados na Figura 1, as alternativas também foram ordenadas. As posições nas quais a alternativa captação se apresenta para os diversos critérios, para o caso do poder público e da sociedade civil, são bastante semelhantes e, em alguns casos, iguais. Por exemplo, para ambos os grupos, a ação é considerada como uma das que menos provoca redução de consumo (ordem 12). Em termos de viabilidade econômica, ela se apresenta em sétima posição para o poder público e oitavo lugar para a sociedade civil. Ela é a oitava mais viável legal e politicamente para o poder público e a nona mais viável técnica e operacionalmente para a sociedade civil. Apresenta-se como um das menos aceitáveis para a população pela opinião do poder público (ordem 11) e da sociedade civil (ordem 8). Para o ordenamento através dos critérios, o grupo usuários classificou várias alternativas em um mesma ordem. Por exemplo, para o critério viabilidade legal/política, a captação de água de chuva coloca-se em primeira posição em conjunto com mais oito alternativas. COMENTÁRIOS FINAIS Os resultados indicam que a captação de água de chuva não está entre as ações mais preferíveis pelos representantes da sociedade (excetuando algumas das respostas do grupo usuários). Várias reflexões podem ser derivadas deste fato. Observou-se, por exemplo, que alguns dos representantes têm esta ação como arcaica, adequada para o meio rural desprovido de sistema público de abastecimento d água e por estas razões a implantação da alternativa representaria um retrocesso para a cidade. Outros afirmaram temer pelos problemas de saúde que poderiam surgir com a implantação desta alternativa, problemas estes relacionados com as doenças de veiculação hídrica, uma preocupação relacionada com o tratamento da água da cisterna. Em termos de avaliação por critérios, os resultados mais desfavoráveis foram obtidos na redução de consumo e aceitabilidade pela população. Neste sentido, houve um grande consenso entre o poder público e a sociedade civil. Os setores entrevistados acreditam, portanto, que a captação contribui pouco com o aumento da oferta de água (isto é, altera pouco o nível de consumo atual). A percepção dos entrevistados é que ela não seria bem aceita pela população.
Deve ser considerado que os resultados apresentados neste artigo estão vinculados à metodologia adotada na pesquisa. Os decisores entrevistados possuíam 13 alternativas para serem avaliadas através de 5 critérios (além da avaliação global). Isto implica em que a avaliação sobre uma ação esteve condicionada à existência de mais outras 12 possibilidades. Outro aspecto a considerar é o nível de informação que foi oferecido sobre as alternativas aos entrevistados. Estas informações se concentraram no custo e na provável redução de consumo derivada da implantação da alternativa. Um grau maior de detalhamento destas informações e o acréscimo de outras poderiam gerar alguma mudança nos resultados. AGRADECIMENTOS As autoras agradecem aos vinte e oito representantes da sociedade que foram entrevistados neste estudo, assim como agradecem à CAPES pela concessão de bolsa de estudo à C. F. C. Braga durante a realização desta pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, C. F. C. Avaliação multicriterial e multidecisória no gerenciamento da demanda urbana de água. Dissertação de Mestrado. Campina Grande: Universidade Federal da Paraíba/Curso de Pós-Graduação em Engenharia Civil. 2001. PEDROSA, H. C. Capacitação de recursos humanos para a construção de cisternas de placas no meio rural. Campina Grande: Programa de Estudos e Ações para Semi- Árido/Universidade Federal da Paraíba. 2001. RÊGO, J. C., ALBUQUERQUE, J. P. T., RIBEIRO, M. M. R. Uma análise da crise 1998-2000 no abastecimento d água de Campina Grande-PB. In: IV Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste. Anais: Natal: ABRH. 2000. RÊGO, J. C., RIBEIRO, M. M. R., ALBUQUERQUE, J. P. T., GALVÃO, C. O. Participação da sociedade na crise 1998-2000 no abastecimento d água de Campina Grande-PB, Brasil. In: IV Diálogo Interamericano de Gerenciamento das Águas. Anais:... (Cd-rom) Foz do Iguaçu. 2001. SILVA, R. T.,CONEJO, J. G. L., GONÇALVES, O. M. Apresentação do programa. Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água. DTA Documento Técnico de Apoio nº A1. Brasília: Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano. 1999.