1. O Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica que as partes podem dar aos factos submetidos à apreciação jurisdicional.



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Processo n.º 257/2004 (Recurso cível) Data: 14/Dezembro/2004 ASSUNTOS: - Qualificação jurídica do contrato - Contrato em regime de draubaque - Insuficiência de factos alegados - Insuficiência de motivação da sentença SUMÁRIO: 1. O Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica que as partes podem dar aos factos submetidos à apreciação jurisdicional. 2. Configurado pela parte um contrato como sendo uma venda, não exactamente configurado como tal pelo Tribunal a quo, a situação de facto aponta para a existência de um contrato misto e inominado composto basicamente por uma prestação de serviços relativamente a mercadorias sujeitas ao regime de draubaque que é o regime aduaneiro que consiste no reembolso, total ou parcial, dos impostos alfandegários que incidirem sobre matérias-primas 257/2004 1/17

importadas e que, depois de transformadas, são novamente exportadas. 3. Mas se não foram alegados factos suficientes para se poder determinar exactamente qual a prestação de cada uma das partes e quais os montantes devidos, não pode a parte ser condenada no pagamento de qualquer quantia. 4. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade O Relator, João A. G. Gil de Oliveira 257/2004 2/17

Processo n.º 257/2004 (Recurso cível) Recorrente: (A) Trading Co., Ltd. Recorrido: (B) ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.: I RELATÓRIO (B), propôs Acção Declarativa com Processo Ordinário contra (A) TRADING CO., LTD, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia em dívida de MOP$663,743.00 acrescida de juros legais a contar da data da citação. Contestou e formulou a ré pedido reconvencional, pedindo a condenação do Autor no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados no montante de MOP$4,185,500.00 acrescido de juros a contar da contestação até final, em valor a liquidar em execução de sentença. A final, veio a ser proferida, julgando a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, condenando a Ré a pagar ao Autor as quantias de HKD$451,700.00 e MOP$225,392.00 e o Autor à Ré a quantia de HKD$437,578.00 e em quantia referente a encargo de transporte marítimo 257/2004 3/17

e terrestre a apurar em sede de execução de sentença, todas as quantias acrescidas de juros legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. É desta sentença que vem interposto o presente recurso pela Ré, ora recorrente (A) TRADING, LIMITED. Para tanto apresentou as sua alegações, concluindo da seguinte forma: Toda a matéria de facto dada como assente e provada em audiência de julgamento foi no sentido de que o Autor tenha agido no interesse da Ré, na importação da mercadoria pertencente a esta para Macau. A importação nestes termos não pode ser juridicamente equiparada a uma venda feita pelo Autor à Ré. Não tendo o Autor demonstrado ter adquirido aquela mercadoria para a vender à Ré, e sendo nos autos claro que tal mercadoria não pertence ao Autor mas sim à Ré, desde o início, não pode haver venda. A tese da venda não pode proceder, devendo o pedido nesta parte ser julgado improcedente. Tendo o Tribunal condenado a Ré a pagar os preços de venda, o mesmo qualificou mal, verificando-se uma oposição entre o que está dado por provado com a decisão, sendo por isso nula quanto à condenação da Ré. 257/2004 4/17

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, anulando-se, ou revogando-se conforme a melhor qualificação que ao caso couber a parte em que o acórdão condena a Ré no pagamento daquela quantia de HKD$451,700.00. Foram colhidos os vistos legais oportunamente. II FACTOS Vêm provados os seguintes factos: A Sociedade Ré tem por actividade a comercialização de vinho e de uma gama variada de bebidas alcoólicas, incluindo as chamadas bebidas espirituosas, em Taiwan. A Ré já adiantou HK$150,000.00 (cento e cinquenta mil dólares de Hong Kong) ao autor. O Autor dedica-se ao comércio de vinho e possui a firma denominada Fábrica de Vinho (C). O Autor recebeu as infra remessas enviadas de Taiwan pela Ré : a) em 24/3/99 recebeu 3.580 caixas de vinho, no valor de MOP$120,210.00, em conformidade com a licença n.º 006352/99. b) em 10/5/99 recebeu 3.897 caixas de vinho, no valor de MOP$155,880.00, em conformidade com a licença n.º 010155/99. c) em 11/5/99 recebeu 562 caixas de vinho, no valor de MOP$22,480.00, em conformidade com a licença n.º 010286/99. d) em 11/5/99 recebeu 1.769 caixas de vinho, no valor de 257/2004 5/17

MOP$70,760.00, em conformidade com a licença n.º 010287/99. e) em 12/5/99 recebeu 4.347 caixas de vinho, no valor de MOP$127,960.00, em conformidade com a licença n.º 010288/99. f) em 13/5/99 recebeu 4.503 caixas de vinho, no valor de MOP$162,120.00, em conformidade com a licença n.º 010156/99. Todos os impostos sobre a quantia referida no artigo 3º (no valor de MOP$225,392.00), foram exclusivamente pagos pelo Autor. O Autor exportou para a Ré: a) em 13/11/1998, 1.200 litros de vinho no valor de HK$187,200.00, em conformidade com a licença n.º 0057594. b) em 16/1/1999, 6.210 litros de vinho no valor de HK$264,500.00, em conformidade com a licença n.º 0064829. À data do facto mencionado no artigo 3º, a Ré não possuía qualquer representação em Macau, estabelecendo, assim, com o Autor relações comerciais. E estas relações consistiam no envio pela Ré ao Autor, de vinho e bebidas alcoólicas, em estado bruto ou semi bruto, para que este (o autor) através da laboração na sua respectiva fábrica, completasse o processo de fabrico, adicionando aditivos às bebidas. Findo o que, a mesma mercadoria seria reembolsada e reexportada a Taiwan, onde seria comercializada. Todas as operações foram feitas sob o nome da agência 257/2004 6/17

comercial, de que o Autor é titular. O transporte seria por conta da Ré. O pagamento de impostos, seria também da responsabilidade da Ré, após a prévia comprovação por parte do autor do montante que o mesmo tenha adiantado, mormente através da exibição do recibo da Direcção dos Serviços de Economia. Recibo esse que seria entregue à Ré para efeito de draubaque. Em contrapartida, o Autor receberia por cada garrafa de bebida alcoólica, cinco ou seis patacas que ele reexportasse para Taiwan. Para a colocação da sua mercadoria, a Ré, desde 1998 tem tomado de arrendamento à sociedade comercial (D) Shipping Company, um espaço sito na Ponte Cais n. 14, tendo renovado o contrato ainda no corrente ano. A renda mensal é de HKD$11,000.00, que foi integralmente paga pela Ré. O Autor sempre se recusou a mostrar os documentos comprovativos de pagamento mencionados em artigo 18 (do questionário : O pagamento de impostos, seria também de responsabilidade da ré, após a prévia comprovação por parte do autor do montante que o mesmo tenha adiantado, mormente através da exibição do recibo da Direcção dos Serviços de Economia? ), limitando-se a pedir verbalmente o dinheiro. Em várias vezes a representante da Ré, (E), quer pessoalmente, quer através de terceiros, pediu, em vão, explicações ao autor, o qual sempre se recusou a justificar a sua atitude. Razão pela qual a Ré recusou ao pagamento de qualquer quantia 257/2004 7/17

pedida pelo autor. O Autor mantinha-se nesta postura renitente, ficando com os títulos sobre a mercadoria, não reexportava, não requeria draubaque. Estando toda a mercadoria em nome do Autor. A Ré adiantou a quantia de HK$150,000.00 referida em B), a título de provisão, entregando-a ao autor para o pagamento do imposto. Em 29/12/98, a Ré pagou a quantia de HK$18,578 ao Autor, por ordem de pagamento relativo às despesas referidas na alínea a) do artigo 6. Em 20/1/1998, a Ré pagou ao autor $60,000.00, também por ordem de pagamento, respeitante às quantias mencionadas na alínea b) do artigo 6. Há 19 meses que está a pagar a renda mensalmente pelo armazém da Ponte n. 14 sem que pudesse usufruí-la normalmente, sendo o total de HKD$209,000.00. A Ré tinha despendido um encargo em valor não apurado relativos à mesma mercadoria (incluindo transporte marítimo e terrestre.) A mercadoria representa 319.310 garrafas, às quais se devem adicionar mais 36.877 garrafas que se encontram no mesmo armazém, importadas pelo representante e gestor da Ré, (E), através da agência comercial (F). As quais ficaram retidas no armazém da Ré sem que pudessem ser comercializadas. III FUNDAMENTOS 257/2004 8/17

1. O objecto do presente recurso passa, no essencial e tal como configurado pela Ré, ora recorrente, por saber se a sentença recorrida que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de HKD$451,700.00, a título de venda de vinho à Ré, tem fundamento legal ou base probatória que sustente tal julgado, Ou, caso assim se não entenda, se a matéria fáctica apurada comporta outro enquadramento que permita a manutenção do decidido em termos de condenação da Ré. 2. Tem interesse atentar na motivação da sentença recorrida 4. O autor pede a condenação da ré nos montantes referentes a : - venda de vinho à ré (HKD$451,700.00); - imposto pago por conta da ré (MOP$225,392.00); - transporte do vinho (MOP$62,800.00); - 10% de comissão sobre o valor do vinho (MOP$65,941.00). Está assente que o autor transportou para a ré: - em 13/11/1998, 1.200 litros de vinho no valor de HK$187,200,00, em conformidade com a licença: n.º 0057594; - em 16/1/1999, 6.210 litros de vinho no valor de HK$264,500.00, em conformidade com a licença n.º 0064829. Provou-se que todos os impostos sobre a quantia referido no artigo 3 (no valor de MOP$225,392.00), foram exclusivamente pagos pelo autor. Não se provou que o transporte das mercadorias (no valor de 257/2004 9/17

MOP$62,800.00) foi pago exclusivamente pelo autor. Não se provou que houve um acordo em adicionar 10% de comissão sobre o valor do vinho a pagar pela ré ao autor. Por outro lado, provou-se que a Ré já adiantou HK$150,000.00 (cento e cinquenta mil dólares de HK) ao autor. A ré pagou em 29/12/98 a quantia de HK$18,578 ao autor, por ordem de pagamento relativo às despesas referidas na alínea a) do artigo 6. Em 20/1/1998, a ré pagou ao autor $60,000.00, também por ordem de pagamento, respeitante às quantias mencionadas na alínea b) do artigo 6. Há 19 meses que a Ré está a pagar a renda mensalmente pelo armazém da Ponte n. 14 sem que pudesse usufruí-lo normalmente, sendo o total de HKD$209,000.00. A ré rinha ainda despendido um encargo em valor não apurado relativos à mesma mercadoria (incluindo transporte marítimo e terrestre.) O contrato deve ser pontualmente cumprido (artigo 406, n. 1 ou 400, n.º 1 do Código Civil) e não o foi, já que o montante em causa continua por pagar em ambas as partes. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. (artigo 798 ou 787 do CC). A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. (artigo 804 ou 793 do CC) *** 5. Face ao expendido, julgo a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, condenando a ré a pagar ao autor as quantias de HKD$451,700.00 e 257/2004 10/17

MOP$225,392.00 e o autor à ré a quantia de HKD$437,578.00 e em quantia referente a encargo de transporte marítimo e terrestre a apurar em sede de execução de sentença, todas as quantias acrescidas de juros legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. 3. Sustenta a recorrente que o Tribunal ao condenar a Ré a pagar aquela quantia e àquele título, fez uma qualificação errada dos factos, ou então trata-se de uma decisão que não tem fundamento, ou que se opõe à matéria dada por provada. E isto porque o A., ora recorrido, não provou que era dono da mercadoria, nem que tenha vendido vinho à Ré, sendo patente em todo o processo que a mercadoria em causa era pertença desta, não se apuraram preços devidos e os valores mencionados são os valores declarados da mercadoria, constantes da licença de importação, importada em nome da Ré. A única intervenção do autor consistiria em trazer a mercadoria da Ré, de Taiwan para Macau. A intervenção do autor nunca foi a de vendedor, mas puro agente, ou outra qualidade, sempre teria agido no interesse da Ré. 4. É certo que o Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica que as partes podem dar aos factos submetidos à apreciação jurisdicional. E se estes autos não indiciam a existência de uma venda de mercadoria, importa apreciar qual a natureza da relação negocial existente e se os elementos apurados permitem uma decisão condenatória da Ré a 257/2004 11/17

pagar ao A. o crédito reclamado. Vejamos então o que se apurou em termos da referida relação negocial. O Autor dedica-se ao comércio de vinho e possui a firma denominada Fábrica de Vinho (C). A Sociedade Ré tem por actividade a comercialização de vinho e de uma gama variada de bebidas alcoólicas, incluindo as chamadas bebidas espirituosas, em Taiwan. A. e R. estabeleceram relações comerciais que consistiam no envio, por esta àquele, de vinho e bebidas alcoólicas, em estado bruto ou semi bruto, para que este (o autor) através da laboração na sua respectiva fábrica, completasse o processo de fabrico, adicionando aditivos às bebidas. Findo o que, a mesma mercadoria seria reembolsada e reexportada a Taiwan, onde seria comercializada. O transporte e o pagamento de impostos seria por conta da Ré. Em contrapartida, o Autor receberia por cada garrafa de bebida alcoólica, cinco ou seis patacas que ele reexportasse para Taiwan. E comprovado vem, na sequência deste acordo, que o A. recebeu determinadas remessas de vinho, tendo reexportado uma certa quantidade de vinho transformado. 5. Perante este quadro, podendo o tribunal qualificar diversamente o contrato em causa, que a sentença recorrida tratou singelamente como um contrato - nem há a certeza de que o tenha 257/2004 12/17

caracterizado como venda de vinhos -, poderíamos dizer que a situação de facto aponta para a existência de um contrato misto e inominado composto basicamente por uma prestação de serviços relativamente a mercadorias sujeitas ao regime de draubaque que é o regime aduaneiro que consiste no reembolso, total ou parcial, dos impostos alfandegários que incidirem sobre matérias-primas importadas e que, depois de transformadas, são novamente exportadas. 1 Basicamente, a actividade do A. traduzir-se-ia na importação em bruto de vinho que reexportaria depois de manufacturado. Estamos possivelmente perante uma relação contratual entre o Autor e o Réu que bem se poderia enquadrar basicamente num contrato misto de prestação de serviços, integrado ainda por um contrato de depósito e transporte, sendo o primeiro daqueles previsto no artigo 1154º e segs do Código Civil de 1966, actualmente, 1080º e segs, pelo qual o Autor se obrigava a prestar os apontados serviços e, como contrapartida, a Ré estava obrigada a pagar o respectivo preço e nesse contrato, a mera disponibilidade de fornecimento dos serviços gera a contrapartida de pagamento do respectivo preço. Só que não foram alegados factos suficientes para se poder determinar exactamente qual a prestação de cada uma das partes e quais os montantes devidos. 6. Na sentença recorrida condenou-se a Ré a pagar ao Autor a 1 - Soares Martinez, Manual de Economia Política, 1982, pág.638 257/2004 13/17

quantia de HKD$451,700.00, presumivelmente a título de venda de vinho à Ré, mas muito embora se aluda a uma venda no artigo 13º da p. i., o valor aí referido reporta-se a uma exportação para a Ré, conforme discriminado no artigo 8º daquela peça processual e tal como veio a ser reafirmado na sentença proferida. E se é certo que tal quantia consta do pedido, não se provaram os elementos do contrato de venda, nomeadamente que o Autor fosse o dono da mercadoria, nem que a tenha transmitido, ou sequer, que tivesse sido estabelecido um preço. É patente que a mercadoria em causa era pertença da Ré e que o facto de o Autor ter importado para a Ré, relativamente àquela mercadoria concreta, embora alegado que foi porque esta não teria em Macau uma representação, nem licença de importação, que a possibilitasse de proceder à importação da mesma não vem apurada outra finalidade que não fosse a sua transformação. Aliás, os valores considerados constantes dos autos reportam-se às licenças de importação, não sendo os preços de venda e nem sequer o Autor os indicou como tal. Ora, se se deu por provado que o autor transportou e exportou a mercadoria para a Ré, não basta estabelecer uma condenação no pagamento de dado preço a partir dum enunciado mais do que simplista, ao dizer-se, como se disse na p. i. (artigo 13º) O quadro sintético da contas é o seguinte: Venda de vinho HKDól. 451,700 (...). Restava apurar se a intervenção do Autor foi a de vendedor, a de puro agente ou outra qualidade e se sempre agiu no interesse da Ré. 257/2004 14/17

7. Estes autos não indiciam a existência de uma venda de mercadoria, mas antes, pelo contrário, apontam claramente uma intervenção do autor de natureza bem distinta de um simples vendedor de mercadoria. Mesmo quanto a este enquadramento, reafirma-se, o certo é que a sentença recorrida não diz claramente qual o regime negocial aplicável à situação, limitando-se muito singelamente a dizer que o A. pediu a condenação por venda de vinho à Ré e que aquele transportou para esta o dito vinho. Para mais adiante se limitar a dizer que os contratos devem ser pontualmente cumpridos. Fica por saber qual o contrato efectivamente considerado. Mas sendo assim será que os autos não fornecerão os indispensáveis elementos para sustentar a decisão condenatória com base na relação contratual acima delineada? Afigura-se que não, por manifesta insuficiência de matéria de facto alegada pelo A. Anota-se até que os contornos contratuais acima delineados foram captados na matéria dada por assente, somente a partir da matéria alegada pela Ré, que formulou nos autos um pedido reconvencional, também ele conclusivamente analisado na sentença sub judice, pedido, no entanto, de que aqui não se curará, pela razão simples de que não é objecto do presente recurso. Não se tratando de venda de vinho, poder-se-ia tratar do pagamento dos serviços a que a Ré se comprometera. Mas para além de não se saber ao certo qual o valor exacto do preço da transformação do 257/2004 15/17

mesmo - a formulação encontrada de cinco ou seis patacas por cada garrafa reexportada não é de todo decisiva. E mesmo que se considerasse que aquele valor indevidamente dito de venda se referia a reexportação após transformação, então ainda aí importaria saber, por um lado se o valor apurado é o valor total da mercadoria, se é o preço devido pela intervenção do A. ou até se aquele vinho foi ou não objecto daquele processo de laboração. Para além de que se comprovaram nos autos vários adiamentos por parte da Ré ao A., importando saber a que título foram eles feitos. Aliás, nos fundamentos aduzidos na sentença ora sob apreciação apenas se diz que o Autor transportou para a Ré vinho no valor correspondente àquele por que veio a ser condenada, não se chegando sequer a caracterizar o contrato celebrado. 8. O Tribunal ao condenar a Ré a pagar aquela quantia e com tais fundamentos fez uma qualificação errada dos factos e a decisão encontrada não é comportada pela matéria dada por provada. Não se trata de oposição entre os fundamentos e a decisão, motivo de nulidade da sentença - artigo 571, 1, c) CPC -, mas tão somente insuficiência e deficiência de fundamentação justificativa da condenação proferida. Ora, como ensinava o Prof. Alberto dos Reis 2, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o 2 - Código de Processo Civil Anotado, vol. V. pág. 140 257/2004 16/17

valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por outro lado e tendo presente as possibilidades conferidas pelos artigos 629º e 630º do CPC, a matéria apurada não consente a condenação da Ré em qualquer quantia, pelo que, por essa razão a sentença recorrida não deixará de ser revogada. IV DECISÃO Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, na parte que vem impugnada, absolvem a Ré do pedido contra ela formulado nos presentes autos. Custas pela recorrido. Macau, 14 de Dezembro de 2004, João A. G. Gil de Oliveira (Relator) Choi Mou Pan Lai Kin Hong 257/2004 17/17