POLITECNIA, OMNILATERALIDADE E EDUCAÇÃO: NOTAS INTRODUTÓRIAS 1 Claudionei Vicente Cassol 2, Sidinei Pithan Da Silva 3. 1 Texto desenvolvido na linha de pesquisa 2 - Teorias pedagógicas e dimensões éticas e políticas da educação 2 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências UNIJUÍ-RS, doutorando em Educação nas Ciências, bolsista CAPES (PROSUP/CAPES). Email: cassol@uri.edu.br. 3 Professor Doutor do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu na UNIJUÍ Ijuí-RS. Email: sidinei.pithan@unijui.edu.br. Introdução A presente reflexão tematiza o conceito de politecnia e de omnilateralidade a fim de compreender o sentido destes termos no horizonte da educação. O conceito de politecnia compreende o trabalho como uma forma de relação social fundamental, manifestação da vida, isto é, atividade do homem na apropriação e transformação do mundo e da realidade, o que permite enfrentar questões emergentes do receituário neoliberal na educação, tais como: a ideologia do capital humano, da sociedade do conhecimento, qualidade total, pedagogia das competências, empregabilidade, empreendedorismo, capital social e a possível anulação da função docente (GOMEZ; FRIGOTTO; ARRUDA; ARROYO; NOSELLA, 2012). Especificamente, buscamos pensar algumas possíveis aproximações, concluindo a reflexão, entre o conceito de politecnia e omnilateralidade. Metodologia Esta pesquisa consiste num estudo bibliográfico e interpretativo e ensaia aproximações, encontros e consonâncias entre o conceito de politecnia, de omnilateralidade e de homem genérico. Vale-se, para tanto, do pensamento de estudiosos da obra de Karl Marx (1818-1893) e de Antonio Gramsci (1891-1937). A reflexão, em perspectiva hermenêutica e dialética, se desenvolve a partir do estudo das obras de Gaudêncio Frigotto, Paolo Nosella, Marcos Arruda, Lucília Regina de Souza Machado, Carlos Minayo Gomes e Miguel Arroyo. Resultados e Discussão A politecnia desponta no ideário da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul enquanto possibilidade de superação das condições de evasão e repetência encontradas na rede na primeira década do século XXI. Este estudo conceitual, a partir de pensadores/as inscritos na tradição, se ensaia na tarefa também da problematização terminológica entre politecnia, omnilateralidade, proposições originárias de uma possibilidade de conceber a educação nas suas relações com o mundo do trabalho. Para Marx, citado por Frigotto (2012, p. 24-5) [...] o trabalho transcende [...] de um modo necessário a toda a caracterização pedagógico-didática, para se identificar com a própria essência do homem. É o que distingue os humanos dos demais seres e esse momento ocorre quando os humanos agem sobre o mundo de forma a produzir sua própria existência. O conceito de homem
genérico em Marx representa uma possibilidade de compreender o caráter ontocriativo do trabalho. Para Marx, o processo de humanização e de constituição do homem se dá pelo trabalho, nas suas relações com a natureza e com os outros humanos. No entanto, sob as circunstâncias históricas e sociais do mundo do capital (emergente no século XVI), o mundo do trabalho humano assume a forma de trabalho alienado. A hegemonia dos interesses econômicos no mundo moderno converte o valor do trabalho humano (dimensão ontocriativa) em mercadoria no processo de afirmação do capital. Tematizar o trabalho é, de certa forma, abrir o pensamento para compreender o conjunto de relações e condições que autorizam a pensar o sujeito humano em seu contexto e o acontecimento social e histórico. Assim, o problema situa-se [...] na luta pela dissolução do caráter de mercadoria que assume a força de trabalho e o conjunto de relações sociais no interior do capitalismo e, consequentemente, na abolição das fronteiras entre trabalho manual e intelectual (FRIGOTTO, 2012, p. 34). Condição que aponta para uma [...] nova forma proposta pela classe trabalhadora acerca de um trabalho criativo, político, concreto, solidário, [demandando], a nível educacional, pedagogias criativas, não autoritárias e concretas (NOSELLA, 2012, p. 54). Momento em que a politecnia é compreendida como [...] processo de conhecimento e de formação da consciência [...] (GOMEZ, 2012, p. 60). O termo politecnia surge, em sua gênese marxiana-gramsciana, em oposição à educação enquanto domesticação, preparação para o mercado do trabalho. A escola profissional não deve se tornar uma incubadora de pequenos monstros aridamente instruídos para um ofício, sem ideias gerais, sem cultura geral, sem alma, mas só com o olho certeiro e a mão firme. Mesmo através da cultura profissional é possível fazer com que surja da criança o homem, contanto que se trate de cultura educativa e não só informativa, ou não só prática manual. (GRAMSCI, 2004, p. 75). Compreendendo a profunda relação sistêmica entre educação e trabalho, Arruda (2012) ensina que formação humana é formação intelectual e espiritual associada à formação técnica e científica. Então, omnilateralidade é possibilidade de superação dialética da fragmentação instalada com a razão fragmentadora. Por isso a necessidade de constituir uma escola única do trabalho, privilegiando a cultural geral, humanística e formativa. A práxis pedagógica se reconhece dialética e opera em meio às ideologias, constituindo-se a politecnia enquanto forma de educação capaz de fazer do trabalho o próprio modo de existência, de expressão e de libertação do ser humano e da sociedade. A crítica marxiana-gramsciana à exploração do trabalho no horizonte das relações capitalistas e a tentativa de superar a instrumentalização da educação no contexto de regime de acumulação flexível do capital (KUENZER, 2001)(1), abre para a possibilidade de pensar que a educação escolar pode ser compreendida e assumida como politécnica/omnilateral/genérica. Na escola politécnica/omnilateral, o trabalho enquanto princípio unitário pressupõe: 1) tornar os conhecimentos concretos, vivos e atualizados, na dinâmica do desenvolvimento técnico-científico (produzir capacidade de pensamento abstrato - explicação e compreensão da realidade); 2) redefinição da relação entre estrutura, conteúdo e métodos numa perspectiva orgânica (articulação
entre teoria e prática, entre pensamento e ação); 3) ensino impregnado de questões postas pelo cotidiano social (articulação curricular entre o mundo social e o universo teórico e conceitual dos sistemas de pensamento). Enfim, a escola única do trabalho entende que o ensino deve ser trabalhado na perspectiva teórico-prática, contextualizando as relações sociais, históricas e culturais, baseado em ideais de justiça, liberdade e igualdade; ciente de que a educação é uma via de mudança social. A educação reivindicada por Marx, na leitura de Machado (1989), compreendia três aspectos: 1) Educação intelectual; 2) Educação corporal, tal como se consegue com os exercícios de ginástica e militares, e; 3) educação tecnológica, que recolhe os princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de produção (1989, p. 124). O ensino médio politécnico é uma proposta pedagógica que atua no sentido da unificação dos conteúdos, dentro de uma perspectiva metodológica integralizadora. Tanto do homem, quanto do conhecimento e da historicidade, considerando o mundo do trabalho, porque é nele que o homem se afirma como original, capaz, livre, sujeito da práxis. O humano educa-se pelo trabalho, gera-se e regenera-se nessa relação dialética, emancipando-se. A escola politécnica, então, constitui-se na perspectiva de superar o divórcio total entre o livro (o academicismo) e a vida prática (o espontaneísmo), entre o homo faber e o homo sapiens. O estreitamento das relações entre escola e contexto social permite à escola intervir e participar da própria vida social. O trabalho como elemento unificador, que envolve e leva o aluno a compreender a realidade social, cultural e história (sujeito pesquisador e autônomo) implica a autoorganização dos alunos. Os processos de trabalho podem ser compreendidos, na politecnia/omnilateralidade, em suas essencialidades e abrangências porque os trabalhadores aprendem a medir a extensão de suas faculdades. Então, o ensino politécnico destina-se (MACHADO, 1989) a desenvolver uma cultura geral do trabalho e isso pressupõe a compreensão da produção em seu conjunto, integração de todas as disciplinas, superando a fragmentação para articulá-las com a atividade prática e, em especial, com a formação do trabalho. Ainda para Machado (1989), a educação em Gramsci dimensiona-se de maneira amplamente política, muito pelo papel significativo que pode ter a organização escolar e a criação de uma nova cultura na restruturação democrática da sociedade. É preciso encorajar as consciências para o desenvolvimento de experiências, através das quais os homens, todos os homens, tornem-se artífices de seus destinos (GRAMSCI, 2004). Conclusão As perspectivas conceituais abordadas neste texto intencionam aproximar o conceito de politecnia com o conceito de omnilateralidade. Uma síntese possível se encontra em Sousa Junior (1994), para quem o conceito de omnilateralidade é de grande importância para a reflexão em torno do problema da educação em Marx. Ele se refere a uma formação humana oposta à formação unilateral provocada pelo trabalho alienado, pela divisão social do trabalho, pela reificação, pelas relações burguesas. O humano omnilateral é ampla abertura e disponibilidade para saber, dominar, gostar, conhecer coisas, pessoas, enfim, realidades (SOUSA JUNIOR, 1994), o que o caracteriza como homem genérico. O homem genérico é àquele que se define não propriamente pela riqueza do que o
preenche, mas pela riqueza do que lhe falta (isto que se torna absolutamente indispensável e imprescindível para o seu ser). Omnilateralidade, desse modo, se distância da ideia típica e predominante no projeto tecnicista e instrumental da escola burguesa e unilateral, para pensar o humano em suas dimensões constitutivas amplas. Omnilateralidade como formação com vistas à realização do humano em todas as suas lateralidades, habilitando-o para assumir-se sujeito, emancipar-se. Palavras-chave: Politecnia; Trabalho; Omnilateralidade. Bibliografia ARROYO, Miguel G. O direito do trabalhador à educação. 6.ed. São Paulo : Cortez, 2012. In.: GOMEZ, Carlos Minayo; FRIGOTTO, Gaudêncio; ARRUDA, Marcos; ARROYO; Miguel; NOSELLA, Paolo (Orgs.). Trabalho e conhecimento : dilemas da educação do trabalhador. 6.ed. São Paulo : Cortez, 2012. ARRUDA, Marcos. A articulação trabalho-educação visando uma democracia integral. In.: GOMEZ, Carlos Minayo; FRIGOTTO, Gaudêncio; ARRUDA, Marcos; ARROYO; Miguel; NOSELLA, Paolo. Trabalho e conhecimento : dilemas da educação do trabalhador. 6.ed. São Paulo : Cortez, 2012. P. 83-101. FRIGOTTO, Gaudêncio. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador: impasses teóricos e práticos. In.:GOMEZ, Carlos Minayo; FRIGOTTO, Gaudêncio; ARRUDA, Marcos; ARROYO; Miguel; NOSELLA, Paolo. Trabalho e conhecimento : dilemas da educação do trabalhador. 6.ed. São Paulo : Cortez, 2012. P. 19-38. GOMEZ, Carlos Minayo. Processo de trabalho e processo de conhecimento. In.: GOMEZ, Carlos Minayo; FRIGOTTO, Gaudêncio; ARRUDA, Marcos; ARROYO; Miguel; NOSELLA, Paolo. Trabalho e conhecimento : dilemas da educação do trabalhador. 6.ed. São Paulo : Cortez, 2012. P. 59-81. GRAMSCI, Antonio. Escritos políticos, vol. 2. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2004. (1921-1926) KUENZER, Acácia Zeneida. Desafios teórico-metodologógicos da relação trabalho-educação e o papel social da escola. IN.: FRIGOTTO, Gaudêncio. (Org). EDUCAÇÃO E CRISE DO TRABALHO: PERSPECTIVAS DE FINAL DE SÉCULO. 5.ed. Petrópolis ; Vozes, 2001. P.55-75. MACHADO, Lucília Regina de Souza. Politecnia, Escola Unitária e Trabalho. São Paulo : Cortez; Autores Associados, 1989. NOSELLA, Paolo. Trabalho e educação. In.: GOMEZ, Carlos Minayo; FRIGOTTO, Gaudêncio; ARRUDA, Marcos; ARROYO; Miguel; NOSELLA, Paolo. Trabalho e conhecimento : dilemas da educação do trabalhador. 6.ed. São Paulo : Cortez, 2012. P. 39-58. SEDUC/RS. Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico e Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio - 2011-2014. Porto Alegre-RS : SEDUC, 2011. SOUSA Jr., Justino de. Politecnia e omnilateralidade em Marx. Trabalho & Educação. Belo Horizonte: NETE, jan/jul, 1999, n. 5, p. 98-114.
SOUSA Jr., Justino de. Sociabilidade e Educação em Marx. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação da UFC, Fortaleza, 1994. Nota Explicativa (1) Fase compreendida pela autora como ação do capital para manter-se hegemônico, cooptando a escola no sentido de desenvolver, nesse meio, seu intento através da instrumentalização para agir intelectualmente e pensar produtivamente.