O INTÉRPRETE EDUCACIONAL: PRÁTICAS DISCURSIVAS EM DIFERENTES ÁREAS DE CONHECIMENTO

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Transcrição:

O INTÉRPRETE EDUCACIONAL: PRÁTICAS DISCURSIVAS EM DIFERENTES ÁREAS DE CONHECIMENTO Lara Ferreira dos Santos Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Eixo Temático: Discurso e tradução/interpretação de/para a língua de sinais RESUMO O profissional Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais (TILS) vem se mostrando presente nas pesquisas e práticas de educação inclusiva recentes, pois trata-se de uma figura fundamental para a participação do sujeito surdo no espaço escolar. A legislação atual (Brasil, 2005; Brasil, 2010) assegura seus diretos e define suas funções e papéis, porém a complexa história desse profissional ainda influencia suas práticas, especialmente se tratando do Intérprete Educacional (IE). Esta denominação marca a identidade do intérprete que está envolvido, além do processo tradutório, nas práticas educacionais e que, devido a isso, constitui habilidades específicas a serem desenvolvidas nesse espaço. Com base na teoria enunciativo-discursiva (Bakhtin/Volochinóv, 2009) assume-se o processo de tradução/interpretação como prática de construção de sentidos; tal prática em sala de aula torna-se mais intrincada, pois o trabalho com a linguagem envolve escolhas por parte do IE, bem como participação no processo de ensino e aprendizagem. Para além da tarefa de transposição de uma língua à outra, a atuação do IE abarca a construção de enunciados que garantam a completude de sentidos presentes na mensagem enunciada pelo outro, respeitando-se os conteúdos e gêneros discursivos em questão, além de abranger diversas áreas de conhecimento. Esta pesquisa objetivou, portanto, analisar a atuação do IE no espaço educacional e as repercussões das diversas áreas de conhecimento no ato tradutório. Como objetivos específicos foram analisadas algumas das demandas das áreas de conhecimento na atuação do intérprete (ciências exatas, humanas e biológicas). A pesquisa foi realizada em uma escola municipal de ensino fundamental (segunda etapa), com um programa de educação bilíngue para surdos, em um município de grande porte do interior do estado de São Paulo. Foram realizadas vídeo-gravações durante o segundo semestre de 2011, durante algumas aulas das disciplinas de História, Matemática e Educação Física, cujas salas contavam com a presença de Intérpretes Educacionais. Trechos de interesse das vídeo-gravações foram selecionados e trazidos para as análises. O desenvolvimento da pesquisa, de cunho qualitativo, assim como as discussões e análises, estão amparados nos pressupostos da perspectiva enunciativo-discursiva, proposta por Bakhtin/Volochinóv (2009), que oferece a possibilidade de compreensão da relação dialógica vivenciada pelo IE e das práticas discursivas nas quais este profissional está imerso, e também na literatura da área de linguística e tradução (SOBRAL, 2008; SOBRAL, 2010; LODI e ALMEIDA, 2010). Os resultados apontam para a necessidade, além do conhecimento de saberes específicos das áreas educacionais, de parceria com o professor, percepção aguçada e traquejo, de forma a traduzir/interpretar os enunciados de forma clara e fornecer o acesso ao conhecimento para o aluno surdo. As análises indicam que alguns recursos utilizados pelo profissional IE mostramse favoráveis à sua atuação, como o uso da lousa, preparação antecipada de vídeos traduzidos

das aulas e a adaptação de alguns sinais em determinados contextos, contribuindo para uma interpretação mais fidedigna e honesta. Palavras-chave: Intérprete Educacional; Língua Brasileira de Sinais; Tradução português- Libras. INTRODUÇÃO A atual Política Nacional de Educação preconiza que todas as crianças em idade escolar devem ser inseridas em escolas regulares (BRASIL, 2001). A inclusão escolar de alunos surdos vem sendo discutida há décadas e, recentemente, ganhou evidência em virtude de alguns documentos legais que oferecem serviços de atendimento a este público, como a publicação da Lei 10.436 (BRASIL, 2002), que oficializou a Libras como língua natural das comunidades surdas brasileiras, e do Decreto 5.626 (BRASIL, 2005), que definiu atribuições e previu a inserção de profissionais específicos para atuarem junto à educação de surdos. Começou-se, então, e discutir a Educação Bilíngue como modelo de atendimento mais adequado, sendo esta concebida conforme os princípios apresentados por Skliar (1997) e reafirmados por Lacerda e Lodi (2009): este tipo de educação visa oferecer ao alunado surdo as condições necessárias de aprendizagem, por meio da língua de sinais língua esta que deve ser oferecida desde a mais tenra idade por meio do contato com interlocutores surdos e usuários desta. Esta proposta contempla o direito linguístico da pessoa surda e possibilita o acesso ao conhecimento, à cultura e às relações sociais através de sua língua de domínio, além de defender o ensino da língua portuguesa como segunda língua. Surge, neste contexto, a necessidade de contratação de profissionais Tradutores e Intérpretes de Libras TILS. As práticas deste profissional são marcadas historicamente, já que os primeiros intérpretes prestavam serviços mais assistenciais, visando auxiliar os surdos em situações comunicativas com ouvintes, em ambientes religiosos, consultas médicas e outras (ROSA, 2005). Nos dias atuais, entretanto, o profissional é requisitado principalmente para garantir a acessibilidade ao surdo em escolas, a partir da segunda etapa do ensino fundamental (BRASIL, 2005). Porém este profissional apresenta características de atuação diferentes dos demais contextos de interpretação. Lacerda (2009) usa terminologia específica para designar o profissional que atua na escola: Intérprete Educacional (IE); esse termo marca a identidade do intérprete que está envolvido, além do processo tradutório, nas práticas educacionais e que, devido a isso, constitui habilidades específicas a serem desenvolvidas nesse espaço. [...] o trabalho do IE vai além de fazer escolhas ativas sobre o que deve traduzir, envolvendo também modos de tornar conteúdos acessíveis para o

aluno, ainda que implique solicitar ao professor que reformule sua aula, pois uma tradução correta do ponto de vista lingüístico nem sempre é a melhor opção educacional para propiciar o conhecimento, principalmente quando os alunos são crianças ainda e em fase de aquisição da Libras (Lacerda, 2009, p. 35). A atuação do IE é alvo fácil de críticas e avaliações, pois ele está sempre em evidência e destaque. Acredito que vivemos um momento importante, em que práticas de interpretação e aspectos legais do profissional estão se consolidando, portanto mais que críticas o trabalho do IE precisa ser pensado de forma cuidadosa, com atenção para as dificuldades e formas de superá-las, estratégias e recursos possíveis ao profissional, aspectos que favorecem ou não sua atuação. Além de habilidade e experiência, a interpretação envolve a afinidade do indivíduo com o contexto. Pode um profissional, com noções limitadas de matemática, interpretar adequadamente e com propriedade uma aula sobre álgebra? Um IE pode interpretar, com a mesma habilidade, uma aula cujo tema seja sistema circulatório ou políticas sociais européias? Com relação ao IE que atua na segunda etapa do ensino fundamental e/ou no ensino médio, uma das maiores dificuldades é lidar com as diferentes áreas de conhecimento; as aulas têm curta duração e os assuntos abordados trazem conceitos nem sempre conhecidos pelo profissional, tornando o ato tradutório bastante complexo. Alguns autores (CAETANO ET AL., 2009; MARINHO, 2007; KOTAKI, 2010) apontam para as principais estratégias adotadas por profissionais IE diante das dificuldades enfrentadas no cotidiano da sala de aula, como a ausência de sinais para termos específicos ou mesmo o desconhecimento do aluno com relação ao conteúdo especifico ministrado pelo professor. São elas: uso de datilologia; uso de sinais similares/sinônimos; explicação do significado da palavra e construção de um sinal e/ou código entre aluno surdo e intérprete; a indicação de termos no quadro negro; apresentação de ilustrações. Destaca-se a importância de tais medidas no sentido de esclarecer e facilitar a comunicação, porém é importante que no uso e interpretação da língua a mensagem seja provida de sentido. Nenhuma estratégia por si só garante a compreensão. Ao interpretar o profissional, na realidade, está construindo um enunciado a partir de outro enunciado, e neste processo há escolhas de palavras/sinais que servirão aos objetivos daquela expressão; esta escolha não é neutra e simplesmente lexicográfica. Quando construímos enunciados selecionamos palavras/sinais que buscamos em outros enunciados, produzidos por muitos outros, e que sejam semelhantes aos nossos dizeres, às nossas intenções. As palavras, portanto, não pertencem à ninguém, mas são determinadas pelos contextos em que se produzem, de forma individual e recebendo influências de outras enunciações (BAKHTIN,

2010). É neste contexto que o IE deve atuar: na fronteira entre línguas, em meio à construção de conhecimentos produzida no espaço escolar, frente ao aprendizado de conceitos científicos que embasam a vida acadêmica do aluno surdo. Assim sendo, esta pesquisa objetivou analisar a atuação do IE na segunda etapa do ensino fundamental e as repercussões das diversas áreas de conhecimento no ato tradutório, bem como refletir sobre algumas das demandas das áreas de conhecimento na atuação deste profissional (ciências exatas, humanas e biológicas). MÉTODO A pesquisa foi desenvolvida 1 em uma escola municipal de ensino fundamental, em um município de grande porte do interior do estado de São Paulo, que abriga um projeto de inclusão educacional para surdos, fundamentado em uma proposta de educação bilíngue. O espaço destinado à realização da pesquisa foi as salas de aula, de 6º. a 9º. ano, que contavam com a presença e atuação de intérpretes educacionais. Foram observados quatro profissionais em diferentes disciplinas e salas de aula, visto que a meta foi analisar as estratégias de tradução e interpretação durante as aulas. Dentre os quatro sujeitos, apenas um não apresentava ensino superior e todos eram certificados pelo exame Prolibras. Foram realizadas vídeo-gravações durante o segundo semestre de 2011, durante algumas aulas das disciplinas de História, Matemática e Educação Física; trechos de interesse das vídeo-gravações foram selecionados, transcritos e analisados, segundo os princípios da perspectiva enunciativodiscursiva, proposta por Bakhtin/Volochinóv (2009). Esta oferece a possibilidade de compreensão da relação dialógica vivenciada pelo IE e das práticas discursivas nas quais este profissional está imerso, e também na literatura da área de linguística e tradução (SOBRAL, 2008; SOBRAL, 2010; LODI e ALMEIDA, 2010). Os episódios foram divididos em três eixos temáticos, para fins de análise e discussão, e levaram os nomes das disciplinas observadas; se fez necessário, em alguns momentos, apresentar imagens de alguns sinais utilizados pelos IEs para contextualizar a pesquisa - estes foram reproduzidos pela pesquisadora e fotografados para este trabalho, visando preservar a identidade dos sujeitos envolvidos. RESULTADOS Os resultados preliminares indicam que, de fato, há estratégias mais usuais entre os intérpretes para quaisquer situações, tais como a soletração manual, o uso de sinônimos e classificadores, 1 Este estudo é parte da pesquisa de Doutorado da autora, em andamento; os resultados apresentados são parciais.

e também a paráfrase esta última mais frequente em decorrência dos muitos conceitos que circulam neste contexto e da escassez de vocabulário específico para ás diferentes áreas de conhecimento. Entretanto, na análise dos episódios das disciplinas, nota-se que há recursos característicos que se adéquam mais a uma que outra área. Com relação à disciplina de História, em alguns momentos, a equipe de intérpretes, optou pela preparação anterior de vídeos para serem apresentados simultaneamente à narração do professor, possibilitando uma melhor preparação e atuação. Outras vezes, os IEs criaram sinais não apenas visando a agilidade do processo tradutório, mas sinais que apresentavam alto grau de iconicidade e tinham relação, principalmente, com o conceito a ser ensinado. Os temas de aulas, como por exemplo Mesopotâmia (que de acordo com a aula vídeo-gravada apresenta o significado de terra entre rios ), que exploravam nomes de localidades, modos de vida, economia, linha do tempo e outros aspectos, exigiam que os sinais criados se relacionassem visualmente ao mapa e possibilitassem a exploração do conceito sem prender-se à um empréstimo linguístico do português ou ponto de contato com corpo, conforme se observa no sinal apresentado abaixo: Figura 1: Sinal de Mesopotâmia As aulas de Matemática relevaram que os IEs fazem mais uso de classificadores, por se tratar de conceitos e conteúdos bastante visuais e apresentados na lousa facilitando a atuação dos IEs e a compreensão do aluno surdo. Na maioria das vezes os classificadores utilizados eram ancorados em alguns sinais/conceitos já existentes na Libras, outras vezes na representação visual utilizada pelo professor. A título de exemplificação, em uma aula de geometria que abordava o tema ângulos de figuras geométricas, a ilustração realizada na lousa serviu como modelo ao intérprete, que se apoiando no sinal de ÂNGULO, utilizou-o de forma diferenciada para definir os ângulos equivalentes na figura de um trapézio. Figura 2: Sinal para ângulos equivalentes

Já na disciplina de Educação Física observou-se que o IE não realiza a interpretação em todos os momentos; por se tratar de uma aula que exige maior atenção visual ao modelo apresentado pelo professor, o IE atua de fato quando da explicação das regras de determinado jogo ou atividade. E ainda assim, muitas vezes, o professor utiliza a lousa para ilustrar tais regras, o que reduz ainda mais a participação do IE durante essas aulas. Assim, a estratégia utilizada pelos intérpretes é, muitas vezes, não interpretar, visto que o modelo visual oferecido basta para a compreensão, e a interpretação de forma simultânea pode causar uma disputa pela atenção visual do aluno à informação. DISCUSSÃO Os resultados apresentados apontam que, conforme a área de conhecimento, as estratégias de interpretação se modificam, apresentando características bastante peculiares e específicas. O IE, além de feeling e agilidade nestas situações, deve estar atento aos conhecimentos a que o aluno tem acesso, priorizando os sentidos pretendidos e utilizando recursos que deem visualidade aos conceitos trabalhados em sala de aula. Concordamos com Vigotski (2008), quando relata que o processo de formação de conceitos é um ato de extrema complexidade do pensamento, que não pode ser simplesmente transmitido ou ensinado por meio de treinamento; em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representa um ato de generalização. (p. 104). Sendo assim, o IE deve preocupar-se com a elaboração conceitual pelo aluno quando da utilização de classificadores ou da criação de sinais para conceitos científicos, pois o desempenho e sucesso acadêmico do aluno surdo dependem de suas ações. Notou-se que, embora as estratégias utilizadas tenham atendido positivamente às necessidades dos alunos e dos IEs em atuação, alguns recursos utilizados pelos professores favoreceram o processo tradutório, na maioria dos casos sem o uso de imagens, ilustrações e exploração de recursos visuais, o trabalho do IE ficaria preso ao discurso do professor e aos seus conhecimentos léxicos e acerca dos conceitos científicos abordados. Ressalta-se, portanto, a necessidade de uma parceria efetiva e colaborativa entre professor e IE, visto que assim ambos podem realizar seus trabalhos de forma mais efetiva. Assim, de acordo com resultados acima expostos, entende-se o ato de tradução e interpretação de/para Libras como uma atividade social, uma prática discursiva concreta, e não como um conjunto de técnicas linguísticas embasado na busca por sinais e palavras equivalentes entre línguas, especialmente em contextos tão diversos. É necessário compreender que a língua é um sistema em constante movimento, em que há significados mais ou menos estáveis, é claro, mas que para além deles é preciso se apropriar dos sentidos, das entrelinhas, do querer dizer.

Dizer é algo que usa sinais ou palavras porém é bem mais do que apenas usar sinais ou palavras, é entrar na dimensão do sentido, no evento de construção do sentido. (SOBRAL, 2008, p. 131). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 13ª ed. São Paulo: Hucitec, 2009.. Estética da Criação Verbal. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes,2010. BRASIL. Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001.. Lei Nº 10.436. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais Libras e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União em 24/04/2002.. Decreto Nº 5.626. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Publicada no Diário Oficial da União em 22/12/2005.. Lei Nº 12.319. Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. Publicada no Diário Oficial da União em 01/09/2010. CAETANO, P. F.; POKER, R.B.; MARTINS, S.E.S.de O. O papel e as estratégias utilizadas pelo intérprete de língua de sinais na tradução dos termos e conceitos técnicos das disciplinas do segundo semestre do terceiro ano do curso de pedagogia da FFC de Marília. In.: Anais do XXI Congresso de Iniciação Científica da Unesp. São José do Rio Preto, 2009. KOTAKI, C. S. O intérprete de língua brasileira de sinais no contexto da escola inclusiva: focalizando sua atuação no ensino fundamental (segunda etapa). Relatório de pesquisa de Iniciação Científica - PIBIC Universidade Federal de São Carlos, 2010. LACERDA, C.B.F. Intérprete de Libras: em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. Porto Alegre: Mediação/FAPESP, 2009. LACERDA, C.B.F.; LODI, A.C. B. A inclusão escolar bilíngue de alunos surdos: princípios, breve histórico e perspectivas. In: LODI, A.C. B e LACERDA, C.B.F.: Uma escola duas línguas: letramento em língua portuguesa e língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização. Porto Alegre: Editora Mediação, 2009. p. 11-32. LODI, A.C.B.; ALMEIDA, E.B.de. Gêneros discursivos da esfera acadêmica e práticas de tradução-interpretação Libras-Português: Reflexões. Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores, no. 20, 2010. MARINHO, M.L. O ensino da biologia: o intérprete e a geração de sinais. 2007. 145 f. Dissertação (Mestrado em Linguística), Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília, 2007. ROSA, A da S. Entre a visibilidade da tradução da língua de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. 2005. 199p. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. SKLIAR, C. (Org.). Educação & Exclusão: abordagens socioantropológicas em educação especial. Porto Alegre: mediação, 1997. SOBRAL, A. U et al. Tradução: a (re)produção do sentido. In: Anais do IX Encontro do CELSUL. Universidade do Sul de Santa Catarina. Palhoça, 2010. SOBRAL, A. U. Dizer o "mesmo" a outros: ensaios sobre tradução. São Paulo: SBS, 2008, v.1. p.143. VIGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 4ª ed., 2008.