Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

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Transcrição:

A LOGICIDADE APRIORÍSTICA DA LINGUAGEM Alexandre da Silva de Melo (UFT) alexandremleo95@gmail.com Luiz Roberto Peel Furtado de Oliveira (UFT) luizpeel@uft.edu.br RESUMO A lógica pode ser compreendida como normativa na medida em que ela nos mostra como usarmos regularmente, de acordo com a variante de prestígio ou norma padrão, as palavras de nossa linguagem. Tendo como base as teorias de Ludwig Wittgenstein, este trabalho parte da discussão acerca das investigações lógicas da linguagem elaboradas com precisão pelo filósofo; e proporciona uma relação da normatividade gramatical com a prática de ensino, que, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, dá-se da seguinte maneira: USO > REFLEXÃO > USO. As teorias de Ludwig Wittgenstein buscam, em um sentido pragmático, mostrar alguns mecanismos de funcionamento linguístico que ocorrem em nosso processo cognitivo de pensamento lógico, sugerindo a normatividade gramatical e estabelecendo os jogos de linguagem. Palavras-chave: Lógica. Linguagem. Normativa. Funcionamento. 1. Introdução Um dos pontos principais da problematização lógica de Ludwig Wittgenstein se constituiu, sem dúvida, a partir de suas investigações acerca da linguagem usual. O homem moderno, que vive em mundo repleto de linguagens, acaba convivendo com um universo semântico- -pragmático, em que os vários significados se explicitam pelo uso. Neste sentido, se a competência pragmática se dá pelo uso, torna-se necessário refletir sobre a linguagem e sobre o seu funcionamento. A lógica exibe, então, perspicazmente a linguagem ordinária (WITTGENSTEIN, 1979, p. 138), tratando-se da lógica enquanto procedimento normativo essencial para a comunicação. A linguagem comum, do cotidiano de todo cidadão, com suas variantes de todo o tipo e de todos os níveis, tanto sociais, quanto econômicos ou de outra espécie qualquer, é realizada com extraordinária normatividade; mas, pelo fato de as pessoas não saberem explicar as regras des- 326 Revista Philologus, Ano 23, N 69. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2017.

sa normatividade usual, terminam por julgar inconveniente e desnecessária a explicitação do funcionamento estrutural linguístico. Usar verbos, conjunções, substantivos e outras classes de palavras morfológicas, constitui-se num processo normativo de composição estrutural, de frases e de períodos, que comporta contextualmente cargas semânticas que alçam seus significados dependendo do contexto em que serão usados. A lógica é feita de normas e por isso ela é normativa (WIT- TGENSTEIN, p. 139), sendo exemplo desse fenômeno a matemática que, como a gramática, está sujeita a normas para seu uso profícuo. A gramática interna, que está presente em cada pessoa, subjaz a uma análise reflexiva de como a linguagem varia através de ambientes e de como o ambiente influencia nas diversas reproduções linguísticas nas quais está inserido o falante. Os atos linguísticos, em sua constituição pragmática, que são de fato ações cometidas pelo ouvinte em relação ao falante, são fatos que ocorrem em detrimento de atos simplesmente locucionais. Explicar esses mecanismos é uma tarefa complexa; mas, se o mundo é a totalidade dos fatos e não das coisas, como explicado por Ludwig Wittgenstein, em seu Tractatus, aquilo que se pode dizer, pode-se dizer claramente, principalmente em relação ao seu contexto de enunciação. Ludwig Wittgenstein é claro ao dizer que normativo se opõe a descritivo. Quando ensinamos uma criança a contar, transpomos para a criança nossa cultura, ou seja, estamos ensinando uma regra matemática; pois, para Ludwig Wittgenstein, a matemática forma uma teia de normas, em que encontramos o normativo como sinônimo do racional. Nesse sentido a linguística moderna suspendeu as intenções normativas e prescreveu uma gramática descritiva das estruturas e das regularidades de uma língua. Opondo-se a gramaticalidade pura dos tratados contemporâneos, a organização sintática presente na língua é de fato uma estrutura gramatical lógica, sempre falamos usando, sujeito, verbo e objeto em nossa estrutura linguística. Para Ludwig Wittgenstein ocorre o seguinte: Todo o dizer exige esta forma de representação, esta estrutura da lógica" (1979, p. 111) Na acepção tradicionalista, o termo gramática é compreendido como um sistema de regras que se distingue do falar comum, que é o coloquial, presente, na maioria das vezes, nas esferas sociais populares, subtendendo-se, por conseguinte, uma percepção de níveis de linguagens Suplemento: Anais da XII JNLFLP 327

que podem ou não ser aceitos em determinados ambientes sociais. Em função desse sentido, a gramática tradicional foi julgada insuficiente para explicar alguns fatos que comportam a estrutura externa da língua, os fenômenos extralinguísticos. Entretanto, se partirmos de outras concepções de gramática, de concepções que admitam os atos linguísticos como jogos de linguagem, como fenômenos variados e contextualizados, talvez possamos chegar mais perto da normatividade enquanto fenômeno lógico presente em todos os discursos, ou em todos os usos. 2. Uso a lógica da significação Quando usamos uma calça, ou um lápis, servimo-nos desses elementos como instrumentos práticos, que cumprem missões simples e usuais. Mas, é possível dizer que esses instrumentos seriam o resultado obtido desses usos? Isso deixa lacunas em nossa rememoração. Ora, a intersubjetividade do significado se funda, não só numa relação de ordem pragmática (na acepção de Austin, ilocutiva e perlocutiva), mas também nas relações de ordem sistêmica. A língua é, de fato, um sistema complexo de linguagens, onde estão inseridas as informações que necessitamos para produzir novos significados. O homem se define no espaço e no tempo, e é na linguagem que ele respira e vive, interpretando e interpretando-se; ou seja, o comportamento humano é significativo. Quando Ludwig Wittgenstein afirma que a língua é inseparável de uma práxis, ele nos remete para um nível de uso e não de significado. Nas aulas de língua portuguesa, ensinamos para o aluno que a norma precisa ser seguida, e que sua leitura de mundo se faz necessária para que possa compreender algumas situações sociais que são interpostas pelo ambiente; neste sentido, as regras gramaticais são regras estabelecidas na linguagem, enquanto processo cognitivo no qual são processadas as regras do falar intencional, que possuem cargas semânticas e que podem assumir numerosos significados dependendo do contexto onde são proferidas, pois, ao falarmos, temos intenções imperativas. Partindo de um princípio do que ocorre por trás do ato de inferir, a proposta de Ludwig Wittgenstein avalia a função normativa de proposições gramaticais, no que compete a suas investigações filosóficas no âmbito de como a lógica e suas regras seriam segundo essa concepção, pois 328 Revista Philologus, Ano 23, N 69. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2017.

"a maquinaria subjacente à nossa linguagem", o funcionamento dos usos, exibe uma linguagem ordinária, que serve não somente para raciocínios lógicos, mas também para diversas finalidades. Para podermos analisar logicamente um enunciado é preciso que as proposições possam ser verdadeiras ou falsas; em contrapartida, o uso expressivo da linguagem para expressar sentimentos ou manifestar desejos não se aplica à análise da lógica; os enunciados que usamos para dar ordens, pedir conselhos, ou fazer perguntas ou conseguir alguma coisa de nosso interlocutor, não fazem parte de enunciados lógicos. A linguagem é lógica no sentido em que é usada para afirmar ou negar alguma coisa, para descrever algo sobre o mundo, para apresentar argumentos, ou seja, deve ter uma função informativa ou referencial - um discurso apofântico, isto é, que pode ser verdadeiro ou falso, é composto de discursos que afirmam ou negam as coisas. De acordo com Gottlob Frege (1872, p. 85), tem-se o que segue: Um enunciado pode ser verdadeiro se, e somente se, no momento em que a sentença é proferida, estiver ocorrendo de fato aquilo no mundo. As referências são, portanto, as representações do objeto no mundo. A explicação do funcionamento lógico da linguagem explicaria o funcionamento do próprio pensamento. 3. A linguagem por um viés filosófico A filosofia da linguagem é um ramo da filosofia contemporânea surgido no final do século XIX, e que teve seu início prolongado até o século XX; cujos principais representantes são Gottlob Frege, Bertrand Russel, George Edward Moore e Ludwig Wittgenstein. Esses filósofos acreditavam na ideia de que a filosofia era puramente a análise e a arte de filosofar. Ou seja, o objetivo geral da filosofia analítica era contribuir para o entendimento de tais enunciados e para o esclarecimento das ideias e do pensamento humano. É certo que Gottlob Frege contribui imensamente para a filosofia da linguagem; entretanto, isso não é o bastante para torná-lo um filósofo da linguagem. Gottlob Frege era um matemático que tinha um projeto muito bem determinado em mostrar que a matemática era um ramo da lógica - as investigações acerca da linguagem são mais complexas considerando a herança científica deixada por Ludwig Wittgenstein. Tanto Gottlob Frege quanto Ludwig Wittgenstein, apesar das diferenças entre eles, abordam a linguagem como sendo a mesma lógica, podendo ser ma- Suplemento: Anais da XII JNLFLP 329

temática por formar uma teia de regras. Nesse sentido, estudar a filosofia da linguagem é tratar dos aspectos que a compõem como a natureza do seu significado linguístico, de sua sintaxe e de sua semântica. Poderíamos definir a lógica como sendo a análise de inferências que objetivam a criação de algo que serve para distinção das coisas. Criada por Aristóteles, a lógica tinha por objetivo estudar o pensamento humano com distinção de inferências e argumentos certos e errados; desse modelo prescritivo, chegou à forma dada por Ludwig Wittgenstein, o estudo dos jogos de linguagem enquanto procedimentos normativos. É notório destacar que aprioristicamente, a fala é uma construção individual da faculdade da linguagem, sendo que as investigações filosóficas acerca da linguagem nos remetem a numerosas reflexões críticas do funcionamento linguístico. Ora, a gramática tradicional não conhece nada acerca dessas peculiaridades, e só nos damos conta delas quando praticamos a gramática do significado, dentro de uma abordagem semântica ou pragmática. Para haver, de fato, sentido em determinadas construções sintáticas estruturais, precisamos atribuir sentido à ação; se houver ato perlocutivo por parte do ouvinte, o falante obteve sucesso em seu ato ilocutivo, ou seja, em sua intenção. Daí parte o princípio de atribuições de verdadeiro ou falso, a sentença é verdadeira quando conseguimos atribuir condições de verdade, e é falsa quando não conseguimos atribuir condições de verdade, e é essa complexidade lógica da qual cuidam as investigações filosóficas. 4. A normatividade da lógica A função da lógica é, simplesmente, apresentar a maneira correta de agir, mas ela não diz por que isso é correto e nem como isso se tornou correto. Tendo em base as explicações de Ludwig Wittgenstein, acerca da normatividade da lógica, o alicerce principal para essa proposição é, de fato, como a organização estrutural linguística funciona. Da significação de objetos que são atribuídos por processos convencionais do conhecimento humano, resulta a visão minimalista que Ludwig Wittgenstein tem da lógica, da gramática e do conceito de normatividade. 330 Revista Philologus, Ano 23, N 69. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2017.

Ludwig Wittgenstein menciona um jogo normativo em oposição a um jogo descritivo, partindo do princípio de que o objetivo da lógica está atrelado ao fato de ela mostrar o funcionamento da linguagem - a gramaticalidade presente em nossa estrutura paradigmática de formulação de sentenças nos faz pensar em como as regras seguem sempre um viés lógico de compreensão linguística. A regra determina o que devemos seguir, ao passo que o jogo descritivo procura explicações de como esses grafemas em usos e em determinadas formas se comportam e funcionam. As implicações em relação às abordagens metódicas de normatividade versus linguagem em uso nos encadeiam a reflexões de que "as línguas funcionam como metalínguas; portanto a linguagem lógica é já uma metalinguagem" (GRANGER, 1979, p. 109). Sabemos que para que haja compreensão do que foi dito, é necessário que o ouvinte saiba do que o falante está se referindo, e nesse esquema normativo de construção, onde as inferências e os conhecimentos de mundo fazem a diferença, é que se engendra o conceito de lógica. Descrever como a linguagem funciona parte de um princípio de controvérsias em relação à gramática normativa, ou seja, se há contradição na normatividade, faz-se necessário uma abordagem que busque explicar o outro lado da história dessa teia de normas. Esse processo duvidoso que se faz presente em nossos estudos inerentes à linguagem, tende a nos levar a uma série de questionamentos de como as regras, às vezes, podem nos causar confusões de sentido, que é a área de concentração da semântica. Mas temos de deixar claro que, como afirmado por Ludwig Wittgenstein: "Não obstante serem variadas as formas de representação, uma proposição deve possuir a forma lógica que é formada na realidade em geral". (1979, p. 11) 5. Considerações finais Podemos destacar que nosso filósofo propõe numerosas explicações normativas de como a linguagem funciona, mas vimos que não é algo tão simples assim de ser definido, pois as ciências dos usos da linguagem nos fazem abordar outros mecanismos teóricos que impulsionam a novos questionamentos. As repercussões desses conceitos são vastas. Neste momento, no entanto, interessa-nos apenas sublinhar que a tese da impossibilidade de uma metalinguagem não é sustentada por Ludwig Wittgenstein. Na ver- Suplemento: Anais da XII JNLFLP 331

dade, o discurso lógico do pensador destaca jogos de linguagem no meio de outros jogos, de outras linguagens, e isto, porque os jogos da linguagem não são elementos ou aspectos da linguagem, mas, simplesmente, linguagens outras ou outros lugares nos quais o sujeito se apoia para dizer seus mundos. Percorremos de modo breve e simplista alguns temas principais presentes nas teorias de Ludwig Wittgenstein; dentre eles, o que assumiu um destaque maior foi a lógica nas abordagens acerca da linguagem e em seu funcionamento em nosso processo cognitivo. Consequentemente, podemos afirmar que uma das concepções de gramática de Ludwig Wittgenstein se filia no entendimento de que uma gramática do significado descreve as regras do uso do signo nas relações com os modos semânticos do uso, conforme já disseram muitos de seus seguidores. Há de se engendrar, ainda, que as inferências das representatividades de estruturas frasais que são apresentadas corriqueiramente, podem receber atribuições de verdade e/ou falsidade em detrimento de teorias que nos foram apresentadas. Vimos que a determinação lógica, sendo compreendida por meio do funcionamento de regras, não está infusa nos usos regulares e empíricos no interior dos quais a usamos como modelo, como se uma maquinaria da lógica fundamentasse possibilitasse esses usos. Portanto, o funcionamento apriorístico da linguagem é produto de investigações filosóficas e teorias de ciências dos usos linguísticos, que de fato nos auxiliam na busca de respostas aos diversos processos de funcionamento de nossa linguagem. Esse estudo contém marcas de uma linguagem vista por um viés filosófico, atrelado à logica de nossos modos de expressão. É certo que as normas são como trilhos, como bem já disse o filósofo austríaco, e que esses trilhos nos levam para onde quisermos, mas os há como determinantes lógicos de nossa potencialidade de criação linguística; e daí, não há outro jeito, temos de segui-los, se quisermos trajetos seguros. A normatividade está presente, então, em todos os processos normativos de compreensão ou interpretação da realidade, física ou cultural, legítima ou imaginada enquanto ficção desprovida de licitude. Caminhemos, pois, por meios dos trilhos da normatividade. 332 Revista Philologus, Ano 23, N 69. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2017.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREGE, Gottlob. Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cultrix/ Universidade de São Paulo, 1988. HINTIKKA, Merril B.; HINTIKKA, Jaakko. Uma investigação sobre Wittgenstein. Campinas: Papirus, 1994. RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo: Victor Civita, 1979.. Tratado lógico-filosófico. Trad.: M. S. Lourenço. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1987. Suplemento: Anais da XII JNLFLP 333